Algum tempo atrás Jean-François Revel falou em "devoção" para qualificar a opinião sobre uma ideia somente em termos de sua conformidade ou seu poder de atração em relação a uma ideologia dominante. Eu poderia acrescentar que devoção representa o grau zero de análise e compreensão. É precisamente porque a devoção domina que hoje ideias que são denunciadas não são refutadas, mas ao invés é suficiente declará-las inconvenientes ou insuportáveis. A condenação moral está isenta de uma análise das hipóteses ou dos princípios sob o prisma de verdade e falsidade. Agora não há ideias justas ou falsas, mas ideias apropriadas, em sincronia com o espírito de nosso tempo, e ideias que não se encaixam são denunciadas como intoleráveis.
Essa atitude aparece ainda mais reforçada pelas obsessões estratégicas dos atores do "pensamento correto". Importa pouco nessa esfera se uma ideia é correta ou falsa: o que é importante é saber a que estratégia ela pode servir, quem se apoia nela e com que propósito. Um livro pode ser assim denunciado, ainda que seu conteúdo corresponda com a realidade, com a única justificativa de que se corre o risco de converter ideias consideradas intoleráveis em "aceitáveis" ou de favorecer aqueles que se deseja silenciar. É a nova versão do velho slogan, "não faça Billancourt se desesperar!" [Essa é a exclamação com a qual Sartre esperava camuflar a verdade, para que os trabalhadores da Renault de Billancourt não se desesperassem e faltassem com fervor revolucionário]. Desnecessário dizer que com essa abordagem, o lugar em que nos expressamos é mais relevantes do que aquilo que vamos falar. Há lugares admitidos e lugares "não-recomendados". Toda crítica se apresenta, portanto, como uma tentativa de desqualificação que é obtida recorrendo-se a palavras que, ao invés de descrever uma realidade, funciona como tantos outros sinais de máxima deslegitimação. Nossos singulares estrategistas traem assim seu próprio sistema mental, que só atribui valor a ideias na medida em que elas possam ser manipuladas.
No passado, esse trabalho de deslegitimação foi realizado em detrimento das famílias de pensamento mais diverso - pensamos, por exemplo, sobre as campanhas grotescas dos tempos do McCarthyismo. Mas atualmente ele está sendo realizado, sem dúvida, em uma direção única. Ele está relacionado com riscar como ilegítimo todo pensamento, toda teoria, toda construção intelectual que contradiga a filosofia do Iluminismo que, com todos os matizes que se deseje, constitui o suporte sobre o qual as sociedades contemporâneas são legitimadas. Para isso, o pensamento politicamente correto recorre essencialmente a duas imposturas: o antirracismo e o antifascismo. Nós diremos algumas palavras sobre esses dois.
O racismo é uma ideologia que postula a desigualdade entre raças ou que tenta explicar a totalidade da história humana baseada apenas no fator racial. Essa ideologia praticamente não possui defesa hoje, mas nós fingimos considerá-la onipresente, assimilando-a a xenofobia, atitudes de rejeição ou desconfiança em relação ao Outro, e até mesmo a uma simples preferência por endogamia e homofiliação. O "racismo" é apresentado como a categoria emblemática do irracionalismo residual, enraizado na superstição e no preconceito, que impediria a emergência de uma sociedade transparente diante de si mesma. Essa crítica do "racismo" como irracionalidade fundamental simplesmente e claramente recicla o conto-de-fadas liberal de um mundo pré-racional que é a fonte de todos os males sociais, como foi demonstrado agora já há mais de meio século por Adorno e Horkheimer ao dizerem que ele reflete a inaptidão da modernidade de encarar o Outro, isto é, a diferença e a singularidade.
Denunciando o "racismo" como uma pura irracionalidade, isto é, como uma categoria não-negociável, a Nova classe trai ao mesmo tempo sua distância em relação a realidade, mas também contribui para a neutralização e despolitização dos problemas sociais. Em efeito, se o "racismo" é essencialmente uma "loucura" ou uma "opinião criminosa", então a batalha contra o racismo tem muito a ver com tribunais e psiquiatras, mas, porém, nada a ver com política. Isso permite à Nova Classe esquecer que o próprio racismo é uma ideologia resultante da modernidade através do tríplice enviesamento do evolucionismo social, do positivismo científico e da teoria do progresso.
O "antifascismo" é uma categoria completamente obsoleta na mesma medida em que "fascismo", ao qual ele tenciona se opôr. A palavra hoje é um termo guarda-chuva sem qualquer conteúdo preciso. É um conceito elástico, aplicável a qualquer coisa, empregado sem o menor rigor descritivo, e que acaba sendo declinada em "fascista" (como adjetivo) e até em "fascistoide", que se permite adaptar a todos os tipos de casos. Leo Strauss já havia falado do Reductio ad Hitlerum para qualificar essa forma puramente polêmica de descrédito. A maneira pela qual, hoje em dia, qualquer pensamento inconformista é riscado como "fascista" por parte de censores que eles próprios dificilmente poderiam definir o que eles entendem por este termo, forma parte da mesma estratégia discursiva.
"Há uma forma de politicamente correto tipicamente europeia que consiste em ver fascistas por todos os lados", observou Alain Finkelkraut sobre isso. "Tornou-se um procedimento habitual para uma coorte de escritores denunciantes", acrescentou Jean-François Revel, "lançar ao nazismo e revisionismo todos os indivíduos cuja reputação eles desejem manchar". Pode-se observar as consequências disso diariamente. O incidente mais trivial da vida política francesa é julgado hoje sob o prisma do "fascismo" ou da Ocupação. Vichy "torna-se uma referência obsessiva" e é convertida em um fantasma que permite a manutenção de um psicodrama permanente, e dado que eles preferem o "dever da memória" ao dever da verdade, apela-se regularmente a essa memória para justificar as comparações mais dúbias ou as compreensões mais grotescas. "Essa perpétua incriminação de fascismo", escreveu Jean-François Revel", cujo excesso é tão chocante, que ridiculariza seus autores ao invés de desacreditar suas vítimas, revela o motivo oculto do politicamente correto. Essa perversão serve como um substituto para os censores, para aqueles tornados órfãos pela perda daquele instrumento incomparável de tirania espiritual que foi o evangelho marxista".
Revelador desses efeitos é a irrupção de hostilidades provocada pela exploração dos arquivos do Kremlin, que começou a causar o desmoronamento de algumas estátuas de "heróis" lendários. Igualmente revelador é o resultado de se observar em que maneira a simples verificação de que o sistema comunista havia posto fim às vidas de mais pessoas do que qualquer outro sistema na história (cem milhões de mortos!) hoje levante a indignação virtuosa em meios que "fazem de tudo para ocultar a magnitude da catástrofe" - como se essa verificação fosse equivalente à trivialização dos crimes nazistas que são por definição incomparáveis com qualquer coisa, como se o horror dos crimes do comunismo pudesse ser atenuado pela suposta pureza de suas intenções originais, como se os dois grandes sistemas totalitários cuja rivalidade e complementariedade caracterizou o século XX não se inscrevessem em um relacionamento a partir do qual um ou o outro tornar-se-iam ininteligíveis, como se, por fim, alguns mortos pesassem mais que outros.
Mas devemos enfatizar também que o "antifascismo" contemporâneo - que, parafraseando Joseph de Maistre, poderíamos qualificar não como o oposto do fascismo, mas como fascismo no sentido contrário - mudou totalmente de natureza. Na década de 30, o tema do "antifascismo", explorado por Stálin nas margens da luta autêntica contra o fascismo real, serviria aos partidos comunistas para o questionamento da sociedade burguesa capitalista, acusada de servir como criadouro do totalitarismo. Seu sentido era então o de mostrar que as democracias liberais e os "traidores sociais" eram objetivamente aliados potenciais do fascismo. Porém, atualmente ele é exatamente o oposto. Hoje, o "antifascismo" serve antes de tudo como um álibi para aqueles que se uniram vigorosamente ao pensamento único e ao sistema. Tendo abandonado toda atitude crítica, tendo sucumbido às vantagens de uma sociedade que lhes ofereceria garantias e privilégios, eles querem, abraçando a retórica "antifascista", dar a impressão (ou criar a ilusão) de ter permanecido leais a si próprios. Em outras palavras, a postura "antifascista" permite ao Penitente, figura central de nosso tempo, esquecer suas retrações pelo emprego de um slogan aleatório que não cessar de ser um lugar-comum. A ferramenta estratégica de ontem com a qual o capitalismo mercantilista era atacado, o "antifascismo", foi convertido em mero discurso em seu serviço. Assim, enquanto as forças da oposição potencial são prioritariamente mobilizadas contra um fascismo fantasmagórico, a Nova Classe que exerce a realidade do poder pode dormir tranquila. Fazendo referência a um valor que não mais se supõe ser uma ameaça à sociedade atual, mas que, pelo contrário, reforça o que ela é, nossos "antifascismos" modernos se converteram em seus guarda-costas.
É tão verdadeiro que para políticos, a denúncia do "fascismo" é hoje uma maneira excelente de se refazer uma reputação. Os mais corruptos usam e abusam dele para minimizar a importância de seus erros. Se o "fascismo" é o mal absoluto, e eles o denunciam, isso quer dizer que eles não são completamente maus. Contas falsas, promessas eleitorais esquecidas, corrupções de todos os tipos se tornam equívocos lamentáveis mas, resumidamente, secundários em relação ao pior. Mas não apenas a esquerda ou políticos precisam de um "fascismo" inexistente que represente o mal absoluto. Também, toda a modernidade em declínio precisa de um "monstro" que lhe permita tornar aceitáveis as patologias sociais que ela própria engendrou, sob o pretexto de que não importe quão ruins as coisas estejam agora, elas jamais poderão ser comparadas com aquilo que ocorreu no passado.
A modernidade é assim legitimada por meio de um fantasma que, paradoxalmente, nos dizem que é "singular" e que pode voltar a qualquer momento. Confrontada com sua própria vacuidade, confrontada com a falência trágica de seu projeto inicial de liberação humana, confrontada com a contraprodutividade gerada diariamente, confrontada com a perda de referências e com a falta generalizada de sentido, confrontada com o niilismo, confrontada com o fato de que o homem se torna cada vez mais inútil do momento em que seus direitos abstratos são proclamados, à modernidade não sobra outro recurso que desviar atenções, isto é, apontar para perigos inexistentes para impedir a consciência crescente da verdade. O recurso ao "mal absoluto" funciona então como meio prodigioso de impôr a aceitação dos males encarados por nossos contemporâneos em suas vidas diárias , males que, em comparação a esse mal absoluto, se tornam contingentes, relativos e, em última instância, acessórios. A oposição exacerbada aos totalitarismos de ontem, o tédio infindável do passado, impede analisar os males do presente e os perigos do futuro, ao mesmo tempo que eles nos fazem ingressar no século XXI com uma forte deficiência, com um olho fixo no espelho retrovisor.
Seria, portanto, um erro acreditar que o "antifascismo" atual não representa nada. Pelo contrário, ele expõe uma legitimação negativa que é fundamental para uma sociedade que não tem mais nada de positivo para incluir em sua contabilidade. O "antifascismo" cria a identidade de uma Nova Classe que não pode existir sem invocar o espantalho da pior coisa para que ela não seja reduzida a sua própria vacuidade. Da mesma maneira que alguns não encontram sua identidade fora da denúncia aos imigrantes, a Nova Classe só encontra a sua própria na denunciação virtuosa do mal absoluto, cuja sombra oculta sua vacuidade ideológica, sua ausência de referências, sua indigência intelectual, em última análise, que ela simplesmente não tem nada mais com que contribuir, nem análises originais, nem soluções a propor.
Portanto, torna-se vital para o núcleo central do "pensamento correto" proibir todo questionamento dos princípios fundamentais que constituem seu suporte de legitimidade. Pois se as coisas não fossem assim, seria necessário que a ideologia dominante aceitasse ser questionada. Mas ela não consente com isso, já que ela partilha da convicção junto a grande parte das ideologias messiânicas de que se as coisas derem errado, se o sucesso antecipado não for atingido, nunca é porque os princípios eram ruins, mas, ao contrário, porque eles não foram suficientemente aplicados. Hoje eles nos disseram que se o comunismo não havia atingido o paraíso na terra, era porque ele não havia eliminado um número suficiente de seus oponentes. Hoje nos dizem que se o neoliberalismo está em crise, se o processo de globalização leva a desordem social, é porque ainda existem obstáculos demais que obstruem o funcionamento correto do mercado.
Para se explicar a derrota do projeto - ou a impossibilidade de atingir o objetivo desejado - um bode expiatório é necessário. Precisa haver oponentes inconformistas, desviados ou dissidentes: ontem, os judeus, os maçons, os leprosos ou os jesuítas; hoje, os supostos "fascistas" ou "racistas". Esses desviados são percebidos como elementos perturbadores, incômodos que obstruem o advento de uma sociedade racional, de modo que é necessário purgar o corpo social por meio de uma ação profilática adequada. Se, por exemplo, a xenofobia existe na França hoje, não é por causa de uma política imigratória descontrolada, mas por causa da existência do "racismo" no corpo social. Em uma sociedade cujos componentes são cada vez mais heterogêneos, torna-se essencial estabelecer um tipo de religião civil que designe um bode expiatório. A execração compartilhada serve então como um nexo que, enquanto se combate um inimigo, ainda que ele seja apenas uma miragem, permite a manutenção de um simulacro de unidade.
Mas existe, ademais, outra vantagem da denúncia moral, e é que contra o "mal absoluto" todos os meios são válidos. A demonização, de fato, não só teve como consequência a despolitização dos conflitos, mas também causou, similarmente, a criminalização do adversário. Este se torna um inimigo absoluto que deve ser erradicado por todos os meios existentes. Entra-se então em um tipo de guerra total - e é tanto assim que se diz que ela é travada em nome da humanidade. Lutar em nome da humanidade leva a se situar os adversários fora da humanidade, isto é, à prática da negação da humanidade. Desde essa perspectiva, a apologia do assassinato e a chamada ao linchamento também se descobrem justificadas.
Finalmente, o que deve ser notado é que os rótulos desqualificadores manipulados hoje em nome do politicamente correto jamais são rótulos revindicados, mas sim rótulos atribuídos. Contrariamente ao que ocorreu na década de 30, quando comunistas e fascistas reivindicavam abertamente suas denominações respectivas, hoje ninguém reivindica as qualificações de "fascista" e "racista". Sua nomeação, assim, não possui valor objetivo, informativo ou descritivo, mas um valor puramente subjetivo, estratégico ou polêmico. O problema que emerge é o de saber qual é a legitimidade de sua atribuição. Como essa legitimidade está sempre a ser ainda testada no futuro, é deduzido que o "teste" é sempre derivado da própria possibilidade de atribuição.
O psicanalista Fethi Benslama escreveu que "o fascismo hoje não é mais um bloco, uma entidade facilmente identificável incorporada em um sistema, em um discurso, em uma organização que pode ser demarcada", mas que ele "assume formas fragmentárias e difusas dentro do todo da sociedade [...], uma forma tal que ninguém está seguro em uma cosmovisão, guardado dessa desfiguração do outro que o faz emergir como um corpo alegre e próspero, secretamente expandido por todo lugar". Tais declarações são reveladoras: se o fascismo está "secretamente expandido por todo lugar", então o "antifascismo" pode evidentemente acusar qualquer um.
O problema é que a ideia segundo a qual o mal está por todo lugar é a premissa de toda inquisição e, similarmente, a premissa sobre a qual a paranoia conspiracionista se sustenta, como inspirou no passado as caças às bruxas e as justificações do Protocolo dos Sábios de Sião. Assim como os antissemitas viam judeus por toda parte, os novos inquisidores veem "fascistas" por toda parte. E como a suprema esperteza do Diabo é fazer com que as pessoas acreditem que ele não existe, protestos jamais são ouvidos. Para coroar, um psicanalista popular tem permissão de interpretar a negação ou rejeição indignada de se trajar o uniforme que eles tentam nos oferecer tamanha complacência, tal como muitas outras confirmações suplementares: a recusa em confessar é a melhor prova de que se é culpado.
"Um homem não é o que ele oculta, mas o que ele faz", disse André Malraux. Acreditando que o "fascismo" está em toda parte, ou seja em lugar nenhum, a nova inquisição afirma pelo contrário que os homens são acima de tudo o que escondem - e que ela pretende descobri-lo. Ela se jacta de ver além das aparências e de ler nas entrelinhas, para melhor "confundir" e "desmascarar". É dessa maneira que a presunção de culpa não conhece limites. O que é "não-dito" é decodificado e detectado. Falando claramente, autores são denunciados, não tanto pelo que eles escreveram, mas pelo que eles não escreveram e pelo que é assume que pretendiam escrever. O conteúdo de seus livros não é boicotado, conteúdo que jamais é levado em consideração, mas sim as intenções que se crê terem sido adivinhadas. A polícia das ideias então se torna a polícia dos motivos ocultos.
Mas existe, ademais, outra vantagem da denúncia moral, e é que contra o "mal absoluto" todos os meios são válidos. A demonização, de fato, não só teve como consequência a despolitização dos conflitos, mas também causou, similarmente, a criminalização do adversário. Este se torna um inimigo absoluto que deve ser erradicado por todos os meios existentes. Entra-se então em um tipo de guerra total - e é tanto assim que se diz que ela é travada em nome da humanidade. Lutar em nome da humanidade leva a se situar os adversários fora da humanidade, isto é, à prática da negação da humanidade. Desde essa perspectiva, a apologia do assassinato e a chamada ao linchamento também se descobrem justificadas.
Finalmente, o que deve ser notado é que os rótulos desqualificadores manipulados hoje em nome do politicamente correto jamais são rótulos revindicados, mas sim rótulos atribuídos. Contrariamente ao que ocorreu na década de 30, quando comunistas e fascistas reivindicavam abertamente suas denominações respectivas, hoje ninguém reivindica as qualificações de "fascista" e "racista". Sua nomeação, assim, não possui valor objetivo, informativo ou descritivo, mas um valor puramente subjetivo, estratégico ou polêmico. O problema que emerge é o de saber qual é a legitimidade de sua atribuição. Como essa legitimidade está sempre a ser ainda testada no futuro, é deduzido que o "teste" é sempre derivado da própria possibilidade de atribuição.
O psicanalista Fethi Benslama escreveu que "o fascismo hoje não é mais um bloco, uma entidade facilmente identificável incorporada em um sistema, em um discurso, em uma organização que pode ser demarcada", mas que ele "assume formas fragmentárias e difusas dentro do todo da sociedade [...], uma forma tal que ninguém está seguro em uma cosmovisão, guardado dessa desfiguração do outro que o faz emergir como um corpo alegre e próspero, secretamente expandido por todo lugar". Tais declarações são reveladoras: se o fascismo está "secretamente expandido por todo lugar", então o "antifascismo" pode evidentemente acusar qualquer um.
O problema é que a ideia segundo a qual o mal está por todo lugar é a premissa de toda inquisição e, similarmente, a premissa sobre a qual a paranoia conspiracionista se sustenta, como inspirou no passado as caças às bruxas e as justificações do Protocolo dos Sábios de Sião. Assim como os antissemitas viam judeus por toda parte, os novos inquisidores veem "fascistas" por toda parte. E como a suprema esperteza do Diabo é fazer com que as pessoas acreditem que ele não existe, protestos jamais são ouvidos. Para coroar, um psicanalista popular tem permissão de interpretar a negação ou rejeição indignada de se trajar o uniforme que eles tentam nos oferecer tamanha complacência, tal como muitas outras confirmações suplementares: a recusa em confessar é a melhor prova de que se é culpado.
"Um homem não é o que ele oculta, mas o que ele faz", disse André Malraux. Acreditando que o "fascismo" está em toda parte, ou seja em lugar nenhum, a nova inquisição afirma pelo contrário que os homens são acima de tudo o que escondem - e que ela pretende descobri-lo. Ela se jacta de ver além das aparências e de ler nas entrelinhas, para melhor "confundir" e "desmascarar". É dessa maneira que a presunção de culpa não conhece limites. O que é "não-dito" é decodificado e detectado. Falando claramente, autores são denunciados, não tanto pelo que eles escreveram, mas pelo que eles não escreveram e pelo que é assume que pretendiam escrever. O conteúdo de seus livros não é boicotado, conteúdo que jamais é levado em consideração, mas sim as intenções que se crê terem sido adivinhadas. A polícia das ideias então se torna a polícia dos motivos ocultos.