25/04/2014

Mikhail Smolin - Ucrânia: Geopolítica & Identidade

por Mikhail Smolin



Em 1912, o excelente jurista, professor e doutor de direito internacional russo Pyotr Evgenievich Kazansky escreveu:

"Vivemos em um tempo desorientador, em que estados artificiais, povos artificiais e línguas artificiais são fundados".

Em nossa própria era, velhas ficções históricas estão voltando de novo do nada.Uma das mais perigosas é o "ucrainismo", que tenta dar uma base ideológica e histórico-política para o desmembramento do corpo russo, separando dele os pequenos russos, tendo autodefinido aos mesmos como "ucranianos" desconhecidos para a história. Tais "formações nacionais" não possuem raízes etno-históricas; elas são um produto da era moderna. Antes da Revolução a nação russa era una, e os termos Velikorus (Grande Russo), Malorus (Pequeno Russo) e Belorus (Russo Branco) eram percebidos como conceitos determinando o local geográfico de origem de um ou outro cidadão russo do Império Russo. Separatistas nacionais apropriam significados etnográficos a esses nomes, em contradição com a realidade histórica de sua origem.

O aparecimento de tais conceitos como Pequena Rússia, Grande Rússia, pequeno russo, grande russo, etc., deve ser relacionado ao tempo após a invasão tártara. Uma Rus unida foi desmembrada pelo inimigo em uma Rus do norte, Vladimir-Suzdal, posteriormente transformada em Moscou, e Rus do sul - Galícia-Volynia - que então ingressou no estado russo-lituano, e após a união com a Polônia, na Rzeczpospolita. Porém, sob essas condições, a vida política e a vida da Igreja entre as partes desmembradas da mesma Rus não cessou. A autoridade religiosa do Patriarcado de Constantinopla sobre a Igreja Ortodoxa Russa, que então existia como um bispado desse patriarcado, foi reconhecida tanto na Rus do norte como no sudoeste. As relações políticas entre ambas as partes do Rus com o imperador bizantino também continuaram a existir. A necessidade de comunicação com uma Rus fragmentada em dois forçou os clérigos e estadistas de Bizâncio a diferenciar uma Rusa da outra em seus documentos, tendo dado a cada qual uma certa designação. Os bizantinos aplicaram termos geográficos disponíveis da antiguidade clássica: o pequeno país e o grande país. Esses termos geográficos significam que a metrópole inicial de um dado povo é chamada de pequena terra, e as terras colonizadas pela metrópole desse povo são chamadas de grandes terras.

Na pronúncia grega, u foi substituído por o, e portanto os bizantinos chamaram o povo russo de Ρώσοι, e nosso país foi conhecido como Ρωσσία. Partindo daí, os bizantinos letrados chamaram a Galícia-Volynia e a Rus de Kiev Pequena, e a Rus do Norte, Vladimir-Suzdal e Moscóvia Grande. Através dos acadêmicos russos, essa terminologia penetrou na Rus e se tornou natural tanto na Pequena como na Grande Rus. Enquanto tal, as compreensões históricas da Pequena Rússia e Grande Rússia chegaram a nós como a propriedade cultural do Império Bizantino.

Agora passemos às raízes históricas do nacionalismo ucraniano. De onde apareceram "ucranianos" e "Ucrânia" no lugar de termos históricos como pequeno russo e Pequena Rússia?

Começaremos do fato de que a palavra "Ucrânia" e "ucraniano" nas crônicas russas são encontradas apenas no sentido de terras fronteiriças, não como uma terra povoada por um povo "ucraniano" desconhecido. A palavra ukraina é apenas outra forma da palavra okraina (terra fronteiriça).

Pesquisadores do nacionalismo ucraniano relatam o aparecimento da palavra ukraina, no sentido de um substantivo próprio ao invés de comum, ao fim do século XVII, quando após a Rada de Pereyaslavl de 1654 e a "paz eterna" concluída em 1686 entre o Estado russo e a Polônia (segundo a qual o lado esquerdo da Malorussia com Kiev passou à posse eterna do Estado russo), os poloneses compreenderam que perigo real a fé e etnia comuns entre os residentes das fronteiras polonesas e o Estado russo portavam. Objetivando suprimir o desejo do povo russo vivendo na Polônia de se reunir com o Estado russo, acadêmicos poloneses dirigiram todos os seus esforços para provar que não há russos na Polônia, apenas uma nacionalidade "ucraniana" especial. Na historiografia, há quase um consenso total no papel da influência polonesa no divórcio entre Pequena Rússia e Rússia e na formação de um movimento ucrainófilo.

Resumindo essas opiniões, podemos repetir junto a um dos pesquisadores dessa questão que os poloneses "assumiram para si o papel de uma parteira durante o nascimento do nacionalismo ucraniano e uma babá durante sua criação".

O Século XX

A "Rus anti-russa", fundada pelos poloneses no século XIX sob o disfarce de ucraínofilismo para o fim nacional de combater o Império Russo por sua soberania perdida, mudou de mestres um número de vezes no século XX. Entre eles estiveram os austríacos, os alemães e os americanos, mas o objetivo da existência do movimento sempre foi a mesma: o desmembramento da nação russa.

De sua parte, a Áustria-Hungria sonhava em criar um reino kievano aliado chefiado por um ou outro ramo dos Hohenzollerns ou Habsburgos. A Alemanha, como a potência mais forte, ultrapassou em seus desígnios uma Áustria-Hungria enfraquecida por disfunção interna, conforme esse império pensava mais em como preservar o que já estava em sua posse.

O desejo da Alemanha de arrancar todo o sul do Império Russo (o carvão de Donetsk, o petróleo de Baku, etc) se conformava a sonhos longínquos de uma penetração no leste - aqui se pode relembrar o projeto de uma ferrovia de Berlim a Constantinopla e Bagdá, e também a escolha de aliados para a Primeira Guerra Mundial - Áustria-Hungria, Bulgária e Turquia - novamente uma tentativa de criar uma linha de Berlim a Bagdá. Daí o desejo de enfraquecer a Rússia o máximo possível antes de batalhas decisivas em escala global, para as quais a Alemanha já se preparava há décadas. E assim, por exemplo, sob o Estado-Maior alemão muito antes da Primeira Guerra Mundial, havia já organizada uma seção engajada em questões ucranianas. Essa seção executava projetos e organizava desunião dentro da nação russa.

Como pesquisador do nacionalismo ucraniano o príncipe A. M. Volkonsky escreveu:

"A Alemanha precisava romper os laços linguísticos entre o pequeno russo e o grande russo, pois tendo afastado a classe cultua do sul da Rússia de sua língua literária e acadêmica, seria mais fácil impor a cultura alemã sobre o país. Os alemães começaram a apoiar a artificial 'mova' ucraniana. Eles agiram ao modo alemão, sistematicamente e sem perder tempo. Do primeiro ano da Grande Guerra, prisioneiros malorrussos foram separados em campos especiais e sujeitos a 'ucrainização'; para os mais suscetíveis, algo como uma 'Academia de Ucrainização' foi organizada em Königsberg. Centenas de milhares de prisioneiros de guerra propagandizados retornando para a Pequena Rússia em 1918 se tornaram o principal instrumento de difusão da idéia ucraniana no meio campesino". (Príncipe A. M. Volkonsky, Verdade Histórica e Propaganda Ucrainófila. Turim, 1920. pg 129).

A conspiração maçônica de fevereiro de 1917 não permitiu que o imperador Nicolau II realizasse a ofensiva geral de primavera junto à frente oriental e de uma vez por todas rompesse as linhas do inimigo exaurido. Após diversos meses, a Alemanha foi capaz de levar seus protegidos ao poder na Rússia - os bolcheviques leninistas - e os mazepitas de Grushevsky na "Ucrânia independente". Assim a Alemanha recebeu um adiamento da derrota inevitável na Primeira Guerra Mundial por todo um ano.

O sul da Rússia era vitalmente importante para a Alemanha. Matthias Erzberger, um ministro alemão, disse em uma reunião institucional:

"A questão russa é nada menos que parte de um grande debate que os alemães estão conduzindo com os ingleses sobre o objetivo da dominação global. Nós precisamos da Lituânia e da Ucrânia, que devem ser as posições avançadas da Alemanha. A Polônia deve ser enfraquecida. E se a Polônia estiver em nossas mãos, então deveremos fechar todas as rotas para a Rússia, e ela nos pertencerá. Não está claro que apenas nesse caminho se encontra o futuro da Alemanha?"

Os estadistas alemães agiram de forma completamente consciente e sistematicamente naquele caminho, como evidenciado pelo chanceler alemão Michaelis em junho de 1917:

"Nós devemos ter bastante cuidado com que a literatura pela qual esperamos fortalecer o processo do colapso da Rússia não alcance exatamente o fim oposto... Os ucranianos ainda não obstante rejeitam a idéia de separação total da Rússia. Interferência aberta de nosso lado em favor de um Estado ucraniano independente pode indubitavelmente ser usada pelo adversário para o objetivo de expôr correntes nacionalistas como criadas pela Alemanha. (Zeman, Z.A., Alemanha e a Revolução na Rússia 1915-1918. Nova Iorque, 1958, p. 65-67).

Mas todas as hesitações foram descartadas quando a questão do destino da Alemanha se tornou mais aguda. Daí a noção sugerida pelos alemães aos ideólogos do ucrainismo sobre uma "Ucrânia independente dos Cárpatos ao Cáucaso sem mestre ou servo". E os alemães consideravam que a partir do Cáucaso, eles mesmos poderiam alcançar o Oriente Médio.

Àquela época também apareceram idéias de uma união do Mar Negro ao Mar Báltico (a restauração da Rzrzcpospolita em uma nova fase da história?) - a alinha de Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia, Bielorrússia e Malorrússia. Essa possibilidade é agora prevista em planos futuros na luta contra a Rússia: a separação da "asiática" Moscou da Europa "civilizada" por um muro de europeus de "segunda classe"...

O separatismo ucraniano no século XX se torna cada vez mais desprovido de princípios - está disposto a se reconciliar com qualquer regime desde que apoie seu lado, i.e, de um ou outro modo apoiasse o movimento ucraniano. E tantos defensores da independência, chefiados por M. Grushevsky, finalmente acabou no campo dos bolcheviques, que reconheceram os termos "ucranianos", "Ucrânia" e a "língua ucraniana". Em 1923, após o Vigésimo Congresso, os comunistas declararam uma política de indigenização, o desenvolvimento de todas as nacionalidades não-russas (e aquelas consideradas não-russas), um programa expressado na Ucrânia através da ucrainização da população e a introdução da língua ucraniana começando com o Estado e oficiais do partido. Tendo chegado ao poder, os bolcheviques geralmente criaram todas as condições para o crescimento e amadurecimento do nacionalismo ucraniano, que após a morte de seu supervisor comunista rasgou a unidade do povo russo, ameaçando eventualmente se tornar um baluarte avançado de forças anti-russas no mundo.

O Estado moderno da Ucrânia adota em todas as manifestações de suas políticas uma posição consistentemente anti-russa. Como no início do século XX, o separatismo ucraniano é encarregado com a fundação de uma nação de "ucranianos" pela formação de uma elite ideológica ucraniana, que deve moldar uma única nação das distinções etnográficas da população malorrussa de várias províncias e do mito de uma tribo cossaca unificada. Uma etnogênese artificial voluntária é criada no caldeirão do Estado ucraniano. M. Grushevsky escreveria que o "ucranianismo na Rússia deve ir além das fronteiras da nacionalidade etnográfica para se tornar um fator político e econômico e atender à organização da sociedade ucraniana como nação agora se la não quiser ficar várias gerações atrasada".

A história russa demonstrou que os mais terríveis inimigos do povo russo tem sido de natureza interna. Os russos em sua placidez não conseguem acreditar plenamente que entre eles possa haver traidores. Por isso a questão ucraniana é tão importante, pois ela é uma questão de unidade interna da nação de uma nova reunião de terras que aguarda nosso despertar político-nacional. Assim escreveu o ideólogo da discórdia, Dmitry Dontsov:

"Como regra, a questão ucraniana aparece como um cometa sobre os céus da Europa toda vez que um momento crítico emerge para a Rússia"

Os objetivos nacionais de povos que amadureceram à atividade em uma escala global são sempre dirigidos para o domínio pleno de seu território natural e influência sobre terras vitais adjuntas à nação. Portanto, por um lado, a tarefa da nação consiste em definir as fronteiras naturais da difusão de seu domínio e no estabelecimento de influência necessária sobre regiões vizinhas vitais. Pelo outro lado, se segue disso o ter cautela em relação a noções como a de hegemonia global, já que elas inevitavelmente levam a um desperdício extremo das energias da nação e não trazem os resultados desejados.

Para a conquista dos objetivos definidos, a saúde espiritual e unidade interna da nação são necessárias. A primeira é alcançada pelo apoio à crença que é a verdade para a nação. Os russos confessam a ortodoxia, a única fé verdadeira e salvífica, e portanto a preservação da fé ortodoxa é a principal tarefa tanto para a Igreja e o Estado como para cada russo. A segunda é alcançada pela organização e apoio corretos da vida soberana, social e cultural da nação, que é necessária para proteger de influências externas danosas, especialmente se elas são apontadas, por exemplo, ao ucranianismo, o cisma da nação russa.