A contra-hegemonia é o principal aspecto da Teoria do Mundo Multipolar. Ela apareceu originalmente no contexto da teoria crítica das Relações Internacionais. Esse conceito passa por certas transformações semânticas na transição da teoria crítica das Relações Internacionais para a Teoria do Mundo Multipolar. Essas transformações devem ser consideradas em mais detalhes. Nesse caso, precisamos relembrar os princípios básicos da teoria da hegemonia no esquema da teoria crítica.
Conceito de "Hegemonia" no Realismo
O conceito de hegemonia na teoria crítica é baseado na teoria de Antonio Gramsci. O conceito de hegemonia no gramscismo e no neogramscismo é diferente de sua compreensão nas tendências realista e neorrealista das Relações Internacionais.
Realistas clássicos usam o termo "hegemonia" de uma maneira relativa e a compreendem como a "superioridade factual e significativa no poder potencial de qualquer Estado sobre o poder potencial dos outros Estados, especialmente dos vizinhos". A hegemonia pode ser um fenômeno regional, pois a conclusão de se uma entidade política ou outra é hegemônica depende da escala utilizada. Nesse sentido, podemos encontrar esse termo em Tucídides, que falou sobre a hegemonia de Atenas e a hegemonia de Esparta durante a Guerra do Peloponeso. O realismo clássico usa esse termo exatamente da mesma maneira até os dias atuais. Tal compreensão da "hegemonia" pode ser chamada de "estratégica" ou "relativa".
O neorrealismo interpreta a "hegemonia" em um contexto (estrutural) global. A principal diferença do realismo clássico aqui é que a hegemonia não pode ser considerada como fenômeno regional, ela é sempre global. Segundo o neorrealismo de K. Waltz, por exemplo, o equilíbrio de duas hegemonias (mundo bipolar) é confirmado como sendo uma estrutura de equilíbrio de poder óptima em escala global. R. Gilpin acredita que a hegemonia pode ser combinada com a unipolaridade, em outras palavras que pode existir um único hegemon global (os EUA desempenham essa função hoje).
Em ambos casos realistas interpretam a "hegemonia" como um modo de correlação das capacidades das potências mundiais.
A compreensão de Gramsci da hegemonia é radicalmente diferente e é situada em um plano teórico completamente diverso. Para evitar o uso incorreto do termo nas Relações Internacionais, e especialmente na Teoria do Mundo Multipolar, nós devemos nos demorar na teoria política de Gramsci, em cujo contexto a hegemonia é prioritariamente considerada na teoria crítica e na Teoria do Mundo Multipolar. Ademais, tal revisão poderia expor mais claramente um vácuo conceitual entre a teoria crítica e a Teoria do Mundo Multipolar.
A Concepção de Hegemonia de Antonio Gramsci
Antonio Gramsci baseou sua teoria, posteriormente chamada "gramscismo", na reavaliação do marxismo e de seu aparecimento prático na história. Como um marxista, Antonio Gramsci está certo de que a história sóciopolítica é completamente determinada pelo fator econômico. Como todos os marxistas, ele explica a superestrutura (Aufbau) através da base (infraestrutura). A sociedade burguesa é uma quintessência da sociedade de classes, em que o processo de exploração atinge o ponto máximo em relação à propriedade dos meios de produção e à apropriação burguesa da mais-valia, evoluindo desde o processo produtivo. A desigualdade na comunidade econômica (base) e a primazia do Capital sobre o Trabalho são a essência do capitalismo e definem toda a semântica social, política e cultural (superestrutura). Todos os marxistas partilham dessa idéia e não há nada de novo ou original nela. Mas Antonio Gramsci imagina como a revolução socialista proletária foi possível na Rússia, onde, segundo Marx (que analisou a situação do Império Russo no século XIX em uma perspectiva de longo praz) e segundo o marxismo clássico europeu do início do século XX, o estado objetivo da base (relações capitalistas pouco desenvolvidas, pequeno percentual de proletariado urbano, predominância do setor agrícola no PIB total, ausência do sistema político burguês, etc) impedem a própria possibilidade de assunção do poder pelo Partido Comunista. Porém, Lênin tornou isso possível e começou a construir o socialismo.
Gramsci interpreta esse fenômeno como fundamentalmente importante, chamando-o de "leninismo". O leninismo na concepção de Gramsci é a captura antecipatória e vanguardista do poder político por uma superestrutura resoluta e consolidada (personificada pelo Partido Comunista dos bolcheviques). Tão logo quanto a revolução tenha sucesso, o desenvolvimento acelerado da base é iniciado através da construção acelerada de realidades econômicas que até então não haviam sido realizadas sob o capitalismo: industrialização, modernização, "eletrificação", "educação pública". Daí, sob certas circunstâncias a política (superestrutura) pode se mover a frente da economia, conclui Gramsci. O Partido Comunista pode estar à frente de processos históricos "naturais". Portanto, o leninismo prova a existência de uma considerável autonomia da superestrutura em relação à base.
Mas na concepção de Gramsci, o leninismo é confinado ao segmento político da superestrutura, onde as leis do poder estão em operação e o problema do Estado está resolvido. Gramsci afirma que há um outro importante segmento na superestrutura, que não é político no sentido estrito do termo, ou seja, não está relacionado ao partido e associado diretamente com os problemas do poder político. Ele o chama de "sociedade civil". Essa definição - "a sociedade civil na concepção de Gramsci" - deveria ser acompanhada por uma explicação, porque o significado que ele põe nesse conceito é razoavelmente diferente de sua compreensão nas teorias liberais. Segundo Gramsci, a sociedade civil é a área de atividade intelectual no sentido mais amplo, menos a atividade política direta (partido, Estado, administração). A sociedade civil é uma zona para disposição das partes intelectuais da sociedade, incluindo a ciência, a cultura, a filosofia, as artes, a analítica, o jornalismo, etc. Para Gramsci enquanto marxista, essa área, como a totalidade da superestrutura, de modo algum expressa os padrões da base. Porém, o leninismo demonstra que mesmo expressando as leis da base, a superestrutura em alguns casos pode operar com autonomia relativa, na vanguarda dos processos desdobrados na base. A experiência revolucionária na Rússia em termos de história demonstra como esse processo é realizado no segmento político da superestrutura. E Gramsci apresenta uma hipótese aqui: se este é o caso no segmento político da superestrutura, por que algo similar não pode ocorrer na "sociedade civil"? A concepção gramsciana de hegemonia nasce aqui. Ela objetiva demonstra que na esfera intelectual (= a "sociedade civil" segundo Gramsci) existe algo análogo ao diferencial econômico (Capital vs. Trabalho) na base e ao diferencial político na superestrutura (partidos burgueses e governo vs. partidos proletários e governo - por exemplo, na União Soviética). Esse terceiro diferencial é a "hegemonia" de Gramsci, isto é o conjunto de estratégias de dominação da consciência burguesa sobre a consciência proletária sob as condições de autonomia relativa em relação à política e à economia. Outro sociólogo alemão Werner Sombart, explorando a sociologia burguesa, demonstrou que o conforto poderia ser valorizado tanto pelo Terceiro Estado, que parcialmente o possui, como pelos outros grupos sociais, que não o conhecem e não o possuem. A "Fenomenologia do Espírito" de Hegel similarmente disse que um Escravo, para a sua autorreflexão, não usa sua própria consciência, mas a de seu Mestre. Marx situou este ponto de vista na base da ideologia comunista. Seguindo essa cadeia de pensamentos, Gramsci conclui que a adoção ou rejeição da hegemonia (como a consciência burguesa a estrutura) pode depender diretamente não de se pertencer à classe burguesa (fator de base), nem do envolvimento político direto no sistema administrativo ou partidário burguês (ou antiburguês). Segundo Gramsci, é uma questão da livre escolha de um intelectual - estar com a hegemonia ou contra ela. Quando um intelectual conscientemente faz sua escolha, ele passa do intelectual "tradicional" para o "orgânico" que conscientemente escolhe sua posição em relação a hegemonia. Isso implica em uma conclusão importante: o intelectual pode se opôr à hegemonia mesmo na sociedade com as relações capitalistas prevalecentes e a dominação política burguesa. O intelectual pode livremente aceitar e rejeitar a hegemonia, porque há um vácuo de liberdade, similar ao que existe na política em relação à economia (como demonstrado pela experiência do bolchevismo na Rússia). Em outras palavras, você pode ser um portador da consciência proletária e estar ao lado do proletariado e da sociedade justa, mesmo estando no próprio coração da sociedade burguesa. Tudo depende da escolha intelectual: a hegemonia é uma questão de consciência.
Gramsci deduz seu conceito através da análise dos processos políticos na Itália nas décadas de 20 e 30. Durante este período, segundo suas análises, as condições para a revolução socialista haviam amadurecido nesse país - na base (o capitalismo industrial desenvolvido e a intensificação das contradições de classe e da luta de classes), e na superestrutura (o sucesso político dos partidos de esquerda consolidados). Porém, nessas condições aparentemente favoráveis, as forças esquerdistas falharam porque os representantes da hegemonia dominavam na esfera intelectual na Itália, introduzindo estereótipos e clichês burguese mesmo onde eles contradiziam as realidades e preferências políticas e econômicas dos grupos antiburgueses ativos. Do ponto de vista de Gramsci, Mussolini tirou vantagem disso, virando a hegemonia em seu favor (segundo os comunistas, o fascismo era uma forma velada de dominação burguesa) e artificialmente impediu a revolução socialista que estava sendo fomentada graças ao curso histórico natural dos eventos. Em outras palavras, participando nas batalhas políticas relativamente bem sucedidas, os comunistas italianos, na opinião de Gramsci, perderam de vistas a "sociedade civil" e a esfera da luta intelectual "metapolítica", e essa foi a razão de sua derrota. A esquerda européia (especialmente a Nova Esquerda) adotou o gramscismo nessa forma, e o pôs em prática na Europa a partir da década de 60. Os intelectuais de esquerda (marxista) (Sartre, Camus, Aragon, Foucault, etc.) conseguiram implementar conceitos e teorias antiburguesas no próprio centro da vida social e cultural, usando editoras, jornais, clubes e departamentos de universidade, que eram uma parte integral da economia capitalista e agiram no contexto político do sistema de dominação burguês. Assim, eles prepararam os eventos de 1968 que eclodiram por toda Europa, e a virada para a esquerda da política européia na década de 70. Tanto quanto o leninismo provou na prática que o segmento político da superestrutura possui certa autonomia e a atividade na área pode estar à frente dos processos de base, o gramscismo na prática da Nova Esquerda demonstrou a efetividade e valor prático da estratégia intelectual ativa.
Gramscismo na Teoria Crítica: Tendência Esquerdista
Na forma descrita acima o gramscismo foi integrado na teoria crítica das Relações Internacionais por seus representantes modernos - Robert Cox, Stephen Gill e outros. Eles salvaram a continuidade do discurso marxista de esquerda, apesar do fato de que eles acentuaram a autonomia da esfera da "sociedade civil" e o fenômeno da hegemonia de forma correspondente ao por a escolha intelectual acima dos processos políticos e das estruturas econômicas, no espírito da pós-modernidade. Para eles, em geral, o capitalismo é melhor do que os sistemas sócio-econômicos pré-capitalistas, ainda que seja claramente pior que o modelo pós-capitalista (socialista e comunista) que vem para substitui-lo. Isso explica a estrutura do projeto contra-hegemônico na teoria crítica das Relações Internacionais. Ele permanece no contexto da interpretação esquerdista do processo histórico. Pode ser descrito dessa maneira, segundo os representantes, a hegemonia (sociedade burguesa, culminando no holograma da consciência burguesa) deve substituir a sub-hegemonia (sociedades de tipos anteriores à burguesa e suas formas de consciência coletiva - pré-moderna). E depois disso, a hegemonia será aniquilada pela contra-hegemonia, que estabelecerá a pós-hegemonia depois de sua vitória. Marx e Engels insistiam no "Manifesto Comunista" que as críticas dos comunistas ao burguês não tem nada a ver com as críticas dos feudalistas antiburgueses, nacionalistas, socialistas cristãos, etc. ao burguês. O capitalismo é o mal absoluto que absorve o mal relativo (não tão óbvio e não tão explícito) de formas de exploração pública mais antigas. Porém para derrotá-lo, nós temos que permitir que o mal se expresse plenamente primeiro, e então erradicá-lo totalmente ao invés de retocar a forma mais odiosa de mal assim atrasando os horizontes da revolução e do comunismo. Isso deve ser mantido em mente quando se considera as estruturas neogramscistas das relações internacionais.
Essa análise divide países entre aqueles em que a hegemonia se fortaleceu explicitamente (países capitalistas desenvolvidos com a economia industrial, a dominação de partidos burgueses em sistemas democráticos parlamentares, organizados segundo os exemplos de Estados nacionais, que desenvolveram a economia de mercado e o sistema jurídico liberal) e aqueles em que isso não aconteceu devido a diferentes circunstâncias históricas. O primeiro grupo chamado "potências democráticas desenvolvidas", e os outros são "casos limítrofes", "áreas problemáticas", ou mesmo "Estados pária". A análise de países com a hegemonia fortalecida está plenamente integrada na análise de esquerda em geral (marxista, neomarxista e gramscista). Porém, o caso de países com "hegemonia não-finalizada" deve ser considerado separadamente. O próprio Gramsci chamou esses países de países "cesaristas" (uma referência clara à experiência fascista na Itália). O "cesarismo" poderia ser considerado amplamente, como qualquer sistema político, onde as relações burguesas existem em fragmentos e sua eliminação política (enquanto Estado burguês-democrático clássico) é atrasada. No "cesarismo", o princípio autoritário não é central. O princípio central é atrasar a instalação completa do tipo ocidental de sistema capitalista (na base e na superestrutura). As razões para esse atraso podem ser diferentes: o governo ditatorial, clãs de elite, a presença de grupos religiosos ou étnicos no governo, características culturais da sociedade, circunstâncias históricas, condições econômicas ou geográficas específicas. É importante que em tal sociedade a hegemonia aparece tanto como força externa (como parte dos Estados e sociedades burguesas) e como oposição interna, conectada com os fatores externos de um jeito ou de outro.
Neogramscistas nas Relações Internacionais afirmam que o "cesarismo" constitui a "sub-hegemonia", e sua estratégia de se equilibrar entre pressões hegemônicas externas e internas, fazendo algumas concessões, mas ao mesmo tempo, fazendo-as seletivamente, objetivando preservar o poder não importa o que aconteça e impedir sua captura pelas forças políticas burguesas, expressando a base econômica da sociedade no nível da superestrutura política. Portanto, o "cesarismo" está fadado ao "transformismo" - permanente adaptação à hegemonia, com a tendência constante a atrasar ou remeter por um falso caminho o final, em direção ao qual se move constantemente.
Nesse sentido, representantes da teoria crítica das Relações Internacionais consideram o "cesarismo" como um fenômeno a ser eventualmente superado pela hegemonia, porque ele não seria nada além de "atraso histórico", e não uma alternativa ou uma "contra-hegemonia".
Obviamente, representantes modernos da teoria crítica das Relações Internacionais qualificam a maioria dos países do Terceiro Mundo, e mesmo grandes potências, membros dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) como "cesarismo".
Com tais traços, a restrição do conceito de contra-hegemonia na teoria crítica se torna claro. Projetos dos representantes da teoria crítica são utópicos. Por exemplo, a "contra-sociedade" de Cox é algo inconspícuo e incerto. Eles procedem do turvo projeto da ordem mundial social e política que deve vir "após o liberalismo" (Wallerstein) e se encontram com a utopia comunista, que é familiar à Esquerda. Essa versão da hegemonia é limitada pelo fato de que ela rapidamente põe muitos eventos políticos, que não caem na categoria da hegemonia mas são similares a versões alternativas da ordem mundial, na categoria do "cesarismo", e daí, da "sub-hegemonia", privando-os de qualquer tipo de interesse para o desenvolvimento efetivo da estratégia contra-hegemônica. Porém, a análise geral da estrutura das relações internacionais, através da metodologia neogramscista, é uma direção muito importante para o desenvolvimento da Teoria do Mundo Multipolar.
De modo a superar as limitações da teoria crítica e liberar o potencial pleno do neogramscismo, nós temos que expandir essa abordagem qualitativamente, indo para além do discurso de esquerda, que põe toda a estrutura na área do sectarismo ideológico e da marginalidade exótica (onde ele está localizado hoje). Nessa questão, nós teremos o auxílio imprescindível das idéias do filósofo francês Alain de Benoist.
Gramscismo de Direita - A Revisão por Alain de Benoist
Tão cedo quanto a década de 80 o representante francês da "Nova Direita" ("Nouvelle Droite") Alain de Benoist prestou atenção às idéias de Gramsci desde o ponto de vista de seu potencial metodológico. Benoist, tanto quanto Gramsci, revelou a solidez da metapolítica como um tipo especial de atividade intelectual, que prepara (na forma de "revolução passiva") o progresso político e econômico futuro. O sucesso da "Nova Esquerda" na França e na Europa em geral provou a eficiência desse método.
Diferentemente da maioria dos intelectuais franceses na segunda metade do século XX, Alain de Benoist não apoiava o marxismo, o que tornava sua posição um tanto quanto isolada. Ao mesmo tempo, de Benoist estava construindo sua filosofia política em cima da rejeição radical de valores liberais e burgueses, negando o capitalismo, o individualismo, o modernismo, o atlantismo geopolítico e o eurocentrismo ocidental. Ademais, ele opunha "Europa" e "Ocidente" como dois conceitos antagônicos: "Europa" para ele é um campo de disposição de um Logos cultural especial, vindo dos gregos e interagindo ativamente com a riqueza das das tradições celta, germânica, latina, eslava e outras européias, e o "Ocidente" é o equivalente da civilização mecanicista, materialista e racionalista baseada na predominância da tecnologia acima de tudo. Após Spengler, Alain de Benoist compreendeu "o Ocidente" como o "Declínio do Ocidente" e junto com Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger se convenceu da necessidade de superar a modernidade enquanto niilismo e "abandono do mundo pelo Ser (Sein)" (Seinsverlassenheit). O Ocidente em seu entendimento era sinônimo de liberalismo, capitalismo e sociedade burguesa - tudo que a "Nova Direita" buscava superar. A "Nova Direita" ao mesmo tempo concordava com o significado fundamental da esfera da "sociedade civil", dado por Gramsci e seus seguidores. Assim, Alain de Benoist chegou à conclusão de que o fenômeno chamado "hegemonia" é um conjunto de estratégias, atitudes e valores, que ele próprio considerou um "mal absoluto". Isso levou à proclamação do princípio do "gramscismo de direita".
O "gramscismo de direita" significa o reconhecimento da autonomia da "sociedade civil no sentido de Gramsci" com a identificação do fenômeno da hegemonia nessa área e a escolha de sua própria posição ideológica no lado oposto ao da hegemonia. Alain de Benoist publica a obra "Europa, Terceiro Mundo - a Mesma Batalha", que é construída inteiramente sobre os paralelos entre Terceiro Mundo e a luta contra o neocolonialismo burguês ocidental e o desejo das nações européias de se libertarem da ditadura burguesa da sociedade de mercado, da moralidade liberal e da prática mercantil, que substituíram a ética dos heróis (W. Sombart).
A grande importância do "gramscismo de direita" para a Teoria do Mundo Multipolar é que esse entendimento de "hegemonia" pode assumir uma posição para além da esquerda e do discurso marxista e rejeitar a ordem burguesa na superestrutura (política e sociedade civil) bem como na base (economia), mas não apenas depois que a hegemonia se torne um fato planetário total e global. Isso implica a nuance no título de outra obra sua, "Contra o Liberalismo", diferentemente da obra "Após o Liberalismo" de Immanuel Maurice Wallerstein. Quanto a de Benoist é impossível em qualquer caso confiar no "após" e não se deve permitir ao liberalismo que venha a ser como fait accompli - nós temos que nos posicionar contra o liberalismo agora, hoje, para combatê-lo em qualquer posição e em qualquer lugar do mundo. A hegemonia ataca o planeta em escala planetária, encontrando seus apoiadores tanto nas sociedades burguesas desenvolvidas como nas sociedades em que o capitalismo ainda não se estabeleceu completamente. Portanto, a contra-hegemonia deve ser aceita para além das restrições ideológicas sectárias. Se queremos criar um bloco contra-hegemônico, devemos incluir em sua composição todos os representantes das forças anticapitalistas e antiburguesas - esquerda, direita, ou os não posicionáveis em qualquer classificação (o próprio de Benoist enfatiza constantemente que a divisão entre "esquerda" e "direita" é ultrapassada e não se situa nessa divisão; hoje é muito mais importante saber se alguém está em favor da hegemonia ou contra ela).
O "gramscismo de direita" de Alain de Benoist nos traz de volta ao "Manifesto Comunista de Marx e Engels e independentemente de seu chamado exclusivista e dogmático a "nos livrarmos de outros viajantes", conclama a criação da Aliança Revolucionária Global, que reúne todos os inimigos do capitalismo e da hegemonia, todos aqueles que se posicionam essencialmente contra ela. Ao mesmo tempo, não importa o que é assumido como alternativa positiva - nesse caso, é mais importante a presença de um inimigo comum. De outro modo, segundo a "Nova Direita" (cujos representantes se recusam a se considerarem de "direita" - o nome lhes foi dado por seus oponentes), a hegemonia será capaz de dividir seus oponentes por razões artificiais, para opô-los uns aos outros de modo a derrotar com sucesso a todos eles separadamente.
A Denúncia do Eurocentrismo na Sociologia História
John Hobson, um pesquisador contemporâneo das relações exteriores e um dos principais representantes da sociologia histórica nas Relações Internacionais, abordou o mesmo problema desde um lado absolutamente diferente. Em sua obra programática "A Concepção Eurocêntrica da Política Mundial" ele analisa praticamente todas as abordagens e paradigmas nas Relações Internacionais desde o ponto de vista hierárquico implícito neles, que está construído sobre o princípio da comparação entre governos, seus papéis, estrutura e interesses com os exemplos da sociedade ocidental como um padrão universal. J. Hobson chega à conclusão de que todas as escolas das Relações Internacionais sem exceções estão construídos sobre um eurocentrismo implícito, admitindo a universalidade das sociedades euro-ocidentais e sugerindo que as fases da história européia são compulsórias para todas as outras culturas.
Hobson corretamente considera tal abordagem como manifestação de racismo europeu, que gradualmente e imperceptivelmente passa das teorias biológicas de "superioridade da raça branca" ao conceito da universalidade dos valores culturais, estratégias e tecnologias ocidentais e, então, interesses. "O fardo do homem branco" se torna "um imperativo de modernização e desenvolvimento". Ao mesmo tempo as sociedades e culturas locais são sujeitas a essa modernização automaticamente - ninguém lhes pergunta se elas concordam se os valores, tecnologias e práticas ocidentais são universais, ou mesmo estão preparados para levantar alguma objeção. Apenas quando ela colide com formas forçosas de resistência sob a forma de terrorismo e fundamentalismo, o Ocidente se pergunta (às vezes): "Por que eles nos odeiam tanto?" Mas a resposta já está ali muito antes da pergunta: "Acontece por causa da selvageria e da ingratidão das nações não-européias por todos os bens que a civilização ocidental traz".
É importante que Hobson claramente demonstra que racismo e eurocentrismo não são inerentes às teorias burguesas das Relações Internacionais somente, mas também ao marxismo, incluindo a teoria crítica das Relações Internacionais (neogramscismo). Marxistas, com todas as suas críticas da civilização burguesa, estão convencidos de que seu triunfo é inevitável, e nisso partilham do eurocentrismo comum à cultura ocidental. Hobson demonstra que o próprio Marx parcialmente justifica práticas coloniais na medida em que elas levam à modernização das colônias, e portanto aproximam o momento das revoluções proletárias. Por conseguinte, em uma perspectiva história, o marxismo acaba sendo um cúmplice da globalização capitalista e um aliado das práticas civilizacionais racistas. Desde o ponto de vista marxista, a descolonização é apenas um prelúdio para a construção do Estado burguês, que está para embarcar em um caminho de industrialização plena e rumar na direção do futuro da revolução proletária. E isso não difere muito dos neoliberais e dos transnacionalistas.
John Hobson propõe começar a criação de uma alternativa radical - o desenvolvimento de uma teoria das Relações Internacionais, baseada em abordagens não-eurocêntricas e antirracistas. Ele concorda com o projeto do "bloco contra-hegemônico", nomeado pelos neogramscistas, mas insiste em uma liberação de todas as formas de eurocentrismo, e portanto na qualidade de sua expansão. A teoria não-eurocêntrica das Relações Internacionais nos leva diretamente à Teoria do Mundo Multipolar.
Rumo à Multipolaridade
Agora nós podemos reunir tudo que foi dito sobre a contra-hegemonia e colocá-lo no contexto da Teoria do Mundo Multipolar sendo essencialmente e consistentemente uma teoria não-eurocêntrica das Relações Internacionais que nega a própria base da hegemonia e conclama para a criação de uma ampla aliança contra-hegemônica ou tratado contra-hegemônico.
A contra-hegemonia da Teoria do Mundo Multipolar é conceitualizada de uma maneira similar a dos neogramscistas e representantes da escola crítica das Relações Internacionais. A hegemonia é a dominação do capital e do sistema político burguês na sociedade, expresso na esfera intelectual. Em outras palavras, a hegemonia é primariamente um discurso. Ademais, entre os três segmentos da sociedade distinguidos por Gramsci - a base e os dois componentes da superestrutura (a política e a "sociedade civil") - a Teoria do Mundo Multipolar, em concordância com a epistemologia pós-moderna e pós-positivista, considera o nível do discurso, ou seja, a esfera intelectual, como sendo dominante. É por isso que a questão da hegemonia e da contra-hegemonia parece ser central e fundamental para a construção da Teoria do Mundo Multipolar e sua implementação efetiva na prática. A área da metapolítica é mais importante do que a política e a economia. Ela não as exclui, mas as precede conceitualmente e logicamente. Finalmente, a pessoa humana tem que lidar somente com sua própria mente e suas projeções. Portanto, a organização ou reorganização da consciência automaticamente envolve uma mudança (interna e externa) no mundo.
A Teoria do Mundo Multipolar é a fixação do conceito contra-hegemônico na área teórica específica. E até certo ponto a Teoria do Mundo Multipolar segue estritamente o gramscismo. Mas onde chegamos ao aspecto substantivo do pacto contra-hegemônico, as diferenças significativas aparecem. A mais essencial é a rejeição do dogmatismo de esquerda: a Teoria do Mundo Multipolar se recusa a considerar a transformação burguesa das sociedades modernas no planeta todo como uma lei universal. Assim a Teoria do Mundo Multipolar aceita o gramscismo e a metapolítica, ao invés, na versão da "Nova Direita" (Alain de Benoist) e não na versão da "Nova Esquerda" (R. Cox). A posição de Alain de Benoist não é exclusivista e não exclui o marxismo na medida em que este seja um aliado na luta comum contra o Capital e a hegemonia. Portanto, estritamente falando, o termo "gramscismo de direita" não está totalmente correto: seria melhor falar de um gramscismo inclusivo (contra-hegemonia, entendida amplamente como todos os tipos de oposição à hegemonia, ou seja, como um "contra-" generalizante e etimologicamente estrito) e de um gramscismo exclusivo (contra-hegemonia em um sentido limitado, apenas como "pós-hegemonia"). A Teoria do Mundo Multipolar escolhe o gramscismo inclusivo. Para ser mais exato é a posição de superação das direitas e das esquerdas, para além dos limites conceituais da ideologia política moderna, que revela o contexto da Quarta Teoria Política fortemente ligada à Teoria do Mundo Multipolar.
A contribuição de Hobson no desenvolvimento da contra-hegemonia inclusive é extremamente importante. Seu chamado a construir uma teoria não-eurocêntrica das Relações Internacionais se encaixa precisamente no objetivo da Teoria do Mundo Multipolar. As Relações Internacionais devem ser pensadas desde posições plurais. Ao se construir uma teoria realmente versátil, todos os representantes de diferentes culturas e civilizações, religiões e etnias, sociedades e comunidades, devem ser ouvidos e levados em consideração. Cada sociedade tem seus próprios valores, sua própria antropologia, ética, seus próprios padrões, identidade, e suas próprias idéias sobre espaço e tempo, sobre o geral e o particular. Cada sua sociedade tem seu próprio "universalismo" - ou pelo menos sua própria compreensão do que é chamado "universalismo". Nós sabemos muito bem o que o Ocidente pensa de universalismo. É hora de deixar o resto da humanidade falar.
É isso que chamamos de multipolaridade em sua dimensão fundamental: um polílogo livre de sociedades, povos e culturas. Mas antes de que tal polílogo seja capaz de ser iniciado é necessário definir as regras gerais. E essa é a teoria das Relações Internacionais, que supõe a abertura de termos, conceitos, teorias, noções, a pluralidade de fatores, a complexidade e polissemanticismo de afirmações. Não tolerância, mas cooperação e entendimento mútuo. Nesse caso, a Teoria do Mundo Multipolar não é o fim, mas o começo, o ponto de partida, a limpeza do espaço básico para a futura ordem mundial.
Porém, o chamado à multipolaridade não soa no espaço vazio. A hegemonia domina no discurso sobre relações internacionais, na prática global política, econômica e social. Nós vivemos no rígido mundo eurocêntrico, em que uma única superpotência (os EUA) dominam imperialistamente com seus aliados e vassalos (OTAN); onde as relações comerciais ditam todas as regras de práticas comerciais; onde as normas políticas burguesas são tomadas como mandatórias; onde a tecnologia e o grau de desenvolvimento material é considerado o mais alto critério; onde os valores do individualismo, do conforto pessoal, do bem-estar material, e da "liberdade" são exaltados acima de todos os outros. Em resumo, nós vivemos no mundo da hegemonia triunfante, que espalha sua teia por todo o planeta e subordina toda a humanidade. Assim para criar a realidade da multipolaridade é necessário haver uma oposição radical, uma luta, um confronto. Em outras palavras, é necessário haver um bloco contra-hegemônico (em seu sentido inclusivo).
Vejamos, que recursos estão disponíveis para esse bloco potencial?
Tão cedo quanto a década de 80 o representante francês da "Nova Direita" ("Nouvelle Droite") Alain de Benoist prestou atenção às idéias de Gramsci desde o ponto de vista de seu potencial metodológico. Benoist, tanto quanto Gramsci, revelou a solidez da metapolítica como um tipo especial de atividade intelectual, que prepara (na forma de "revolução passiva") o progresso político e econômico futuro. O sucesso da "Nova Esquerda" na França e na Europa em geral provou a eficiência desse método.
Diferentemente da maioria dos intelectuais franceses na segunda metade do século XX, Alain de Benoist não apoiava o marxismo, o que tornava sua posição um tanto quanto isolada. Ao mesmo tempo, de Benoist estava construindo sua filosofia política em cima da rejeição radical de valores liberais e burgueses, negando o capitalismo, o individualismo, o modernismo, o atlantismo geopolítico e o eurocentrismo ocidental. Ademais, ele opunha "Europa" e "Ocidente" como dois conceitos antagônicos: "Europa" para ele é um campo de disposição de um Logos cultural especial, vindo dos gregos e interagindo ativamente com a riqueza das das tradições celta, germânica, latina, eslava e outras européias, e o "Ocidente" é o equivalente da civilização mecanicista, materialista e racionalista baseada na predominância da tecnologia acima de tudo. Após Spengler, Alain de Benoist compreendeu "o Ocidente" como o "Declínio do Ocidente" e junto com Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger se convenceu da necessidade de superar a modernidade enquanto niilismo e "abandono do mundo pelo Ser (Sein)" (Seinsverlassenheit). O Ocidente em seu entendimento era sinônimo de liberalismo, capitalismo e sociedade burguesa - tudo que a "Nova Direita" buscava superar. A "Nova Direita" ao mesmo tempo concordava com o significado fundamental da esfera da "sociedade civil", dado por Gramsci e seus seguidores. Assim, Alain de Benoist chegou à conclusão de que o fenômeno chamado "hegemonia" é um conjunto de estratégias, atitudes e valores, que ele próprio considerou um "mal absoluto". Isso levou à proclamação do princípio do "gramscismo de direita".
O "gramscismo de direita" significa o reconhecimento da autonomia da "sociedade civil no sentido de Gramsci" com a identificação do fenômeno da hegemonia nessa área e a escolha de sua própria posição ideológica no lado oposto ao da hegemonia. Alain de Benoist publica a obra "Europa, Terceiro Mundo - a Mesma Batalha", que é construída inteiramente sobre os paralelos entre Terceiro Mundo e a luta contra o neocolonialismo burguês ocidental e o desejo das nações européias de se libertarem da ditadura burguesa da sociedade de mercado, da moralidade liberal e da prática mercantil, que substituíram a ética dos heróis (W. Sombart).
A grande importância do "gramscismo de direita" para a Teoria do Mundo Multipolar é que esse entendimento de "hegemonia" pode assumir uma posição para além da esquerda e do discurso marxista e rejeitar a ordem burguesa na superestrutura (política e sociedade civil) bem como na base (economia), mas não apenas depois que a hegemonia se torne um fato planetário total e global. Isso implica a nuance no título de outra obra sua, "Contra o Liberalismo", diferentemente da obra "Após o Liberalismo" de Immanuel Maurice Wallerstein. Quanto a de Benoist é impossível em qualquer caso confiar no "após" e não se deve permitir ao liberalismo que venha a ser como fait accompli - nós temos que nos posicionar contra o liberalismo agora, hoje, para combatê-lo em qualquer posição e em qualquer lugar do mundo. A hegemonia ataca o planeta em escala planetária, encontrando seus apoiadores tanto nas sociedades burguesas desenvolvidas como nas sociedades em que o capitalismo ainda não se estabeleceu completamente. Portanto, a contra-hegemonia deve ser aceita para além das restrições ideológicas sectárias. Se queremos criar um bloco contra-hegemônico, devemos incluir em sua composição todos os representantes das forças anticapitalistas e antiburguesas - esquerda, direita, ou os não posicionáveis em qualquer classificação (o próprio de Benoist enfatiza constantemente que a divisão entre "esquerda" e "direita" é ultrapassada e não se situa nessa divisão; hoje é muito mais importante saber se alguém está em favor da hegemonia ou contra ela).
O "gramscismo de direita" de Alain de Benoist nos traz de volta ao "Manifesto Comunista de Marx e Engels e independentemente de seu chamado exclusivista e dogmático a "nos livrarmos de outros viajantes", conclama a criação da Aliança Revolucionária Global, que reúne todos os inimigos do capitalismo e da hegemonia, todos aqueles que se posicionam essencialmente contra ela. Ao mesmo tempo, não importa o que é assumido como alternativa positiva - nesse caso, é mais importante a presença de um inimigo comum. De outro modo, segundo a "Nova Direita" (cujos representantes se recusam a se considerarem de "direita" - o nome lhes foi dado por seus oponentes), a hegemonia será capaz de dividir seus oponentes por razões artificiais, para opô-los uns aos outros de modo a derrotar com sucesso a todos eles separadamente.
A Denúncia do Eurocentrismo na Sociologia História
John Hobson, um pesquisador contemporâneo das relações exteriores e um dos principais representantes da sociologia histórica nas Relações Internacionais, abordou o mesmo problema desde um lado absolutamente diferente. Em sua obra programática "A Concepção Eurocêntrica da Política Mundial" ele analisa praticamente todas as abordagens e paradigmas nas Relações Internacionais desde o ponto de vista hierárquico implícito neles, que está construído sobre o princípio da comparação entre governos, seus papéis, estrutura e interesses com os exemplos da sociedade ocidental como um padrão universal. J. Hobson chega à conclusão de que todas as escolas das Relações Internacionais sem exceções estão construídos sobre um eurocentrismo implícito, admitindo a universalidade das sociedades euro-ocidentais e sugerindo que as fases da história européia são compulsórias para todas as outras culturas.
Hobson corretamente considera tal abordagem como manifestação de racismo europeu, que gradualmente e imperceptivelmente passa das teorias biológicas de "superioridade da raça branca" ao conceito da universalidade dos valores culturais, estratégias e tecnologias ocidentais e, então, interesses. "O fardo do homem branco" se torna "um imperativo de modernização e desenvolvimento". Ao mesmo tempo as sociedades e culturas locais são sujeitas a essa modernização automaticamente - ninguém lhes pergunta se elas concordam se os valores, tecnologias e práticas ocidentais são universais, ou mesmo estão preparados para levantar alguma objeção. Apenas quando ela colide com formas forçosas de resistência sob a forma de terrorismo e fundamentalismo, o Ocidente se pergunta (às vezes): "Por que eles nos odeiam tanto?" Mas a resposta já está ali muito antes da pergunta: "Acontece por causa da selvageria e da ingratidão das nações não-européias por todos os bens que a civilização ocidental traz".
É importante que Hobson claramente demonstra que racismo e eurocentrismo não são inerentes às teorias burguesas das Relações Internacionais somente, mas também ao marxismo, incluindo a teoria crítica das Relações Internacionais (neogramscismo). Marxistas, com todas as suas críticas da civilização burguesa, estão convencidos de que seu triunfo é inevitável, e nisso partilham do eurocentrismo comum à cultura ocidental. Hobson demonstra que o próprio Marx parcialmente justifica práticas coloniais na medida em que elas levam à modernização das colônias, e portanto aproximam o momento das revoluções proletárias. Por conseguinte, em uma perspectiva história, o marxismo acaba sendo um cúmplice da globalização capitalista e um aliado das práticas civilizacionais racistas. Desde o ponto de vista marxista, a descolonização é apenas um prelúdio para a construção do Estado burguês, que está para embarcar em um caminho de industrialização plena e rumar na direção do futuro da revolução proletária. E isso não difere muito dos neoliberais e dos transnacionalistas.
John Hobson propõe começar a criação de uma alternativa radical - o desenvolvimento de uma teoria das Relações Internacionais, baseada em abordagens não-eurocêntricas e antirracistas. Ele concorda com o projeto do "bloco contra-hegemônico", nomeado pelos neogramscistas, mas insiste em uma liberação de todas as formas de eurocentrismo, e portanto na qualidade de sua expansão. A teoria não-eurocêntrica das Relações Internacionais nos leva diretamente à Teoria do Mundo Multipolar.
Rumo à Multipolaridade
Agora nós podemos reunir tudo que foi dito sobre a contra-hegemonia e colocá-lo no contexto da Teoria do Mundo Multipolar sendo essencialmente e consistentemente uma teoria não-eurocêntrica das Relações Internacionais que nega a própria base da hegemonia e conclama para a criação de uma ampla aliança contra-hegemônica ou tratado contra-hegemônico.
A contra-hegemonia da Teoria do Mundo Multipolar é conceitualizada de uma maneira similar a dos neogramscistas e representantes da escola crítica das Relações Internacionais. A hegemonia é a dominação do capital e do sistema político burguês na sociedade, expresso na esfera intelectual. Em outras palavras, a hegemonia é primariamente um discurso. Ademais, entre os três segmentos da sociedade distinguidos por Gramsci - a base e os dois componentes da superestrutura (a política e a "sociedade civil") - a Teoria do Mundo Multipolar, em concordância com a epistemologia pós-moderna e pós-positivista, considera o nível do discurso, ou seja, a esfera intelectual, como sendo dominante. É por isso que a questão da hegemonia e da contra-hegemonia parece ser central e fundamental para a construção da Teoria do Mundo Multipolar e sua implementação efetiva na prática. A área da metapolítica é mais importante do que a política e a economia. Ela não as exclui, mas as precede conceitualmente e logicamente. Finalmente, a pessoa humana tem que lidar somente com sua própria mente e suas projeções. Portanto, a organização ou reorganização da consciência automaticamente envolve uma mudança (interna e externa) no mundo.
A Teoria do Mundo Multipolar é a fixação do conceito contra-hegemônico na área teórica específica. E até certo ponto a Teoria do Mundo Multipolar segue estritamente o gramscismo. Mas onde chegamos ao aspecto substantivo do pacto contra-hegemônico, as diferenças significativas aparecem. A mais essencial é a rejeição do dogmatismo de esquerda: a Teoria do Mundo Multipolar se recusa a considerar a transformação burguesa das sociedades modernas no planeta todo como uma lei universal. Assim a Teoria do Mundo Multipolar aceita o gramscismo e a metapolítica, ao invés, na versão da "Nova Direita" (Alain de Benoist) e não na versão da "Nova Esquerda" (R. Cox). A posição de Alain de Benoist não é exclusivista e não exclui o marxismo na medida em que este seja um aliado na luta comum contra o Capital e a hegemonia. Portanto, estritamente falando, o termo "gramscismo de direita" não está totalmente correto: seria melhor falar de um gramscismo inclusivo (contra-hegemonia, entendida amplamente como todos os tipos de oposição à hegemonia, ou seja, como um "contra-" generalizante e etimologicamente estrito) e de um gramscismo exclusivo (contra-hegemonia em um sentido limitado, apenas como "pós-hegemonia"). A Teoria do Mundo Multipolar escolhe o gramscismo inclusivo. Para ser mais exato é a posição de superação das direitas e das esquerdas, para além dos limites conceituais da ideologia política moderna, que revela o contexto da Quarta Teoria Política fortemente ligada à Teoria do Mundo Multipolar.
A contribuição de Hobson no desenvolvimento da contra-hegemonia inclusive é extremamente importante. Seu chamado a construir uma teoria não-eurocêntrica das Relações Internacionais se encaixa precisamente no objetivo da Teoria do Mundo Multipolar. As Relações Internacionais devem ser pensadas desde posições plurais. Ao se construir uma teoria realmente versátil, todos os representantes de diferentes culturas e civilizações, religiões e etnias, sociedades e comunidades, devem ser ouvidos e levados em consideração. Cada sociedade tem seus próprios valores, sua própria antropologia, ética, seus próprios padrões, identidade, e suas próprias idéias sobre espaço e tempo, sobre o geral e o particular. Cada sua sociedade tem seu próprio "universalismo" - ou pelo menos sua própria compreensão do que é chamado "universalismo". Nós sabemos muito bem o que o Ocidente pensa de universalismo. É hora de deixar o resto da humanidade falar.
É isso que chamamos de multipolaridade em sua dimensão fundamental: um polílogo livre de sociedades, povos e culturas. Mas antes de que tal polílogo seja capaz de ser iniciado é necessário definir as regras gerais. E essa é a teoria das Relações Internacionais, que supõe a abertura de termos, conceitos, teorias, noções, a pluralidade de fatores, a complexidade e polissemanticismo de afirmações. Não tolerância, mas cooperação e entendimento mútuo. Nesse caso, a Teoria do Mundo Multipolar não é o fim, mas o começo, o ponto de partida, a limpeza do espaço básico para a futura ordem mundial.
Porém, o chamado à multipolaridade não soa no espaço vazio. A hegemonia domina no discurso sobre relações internacionais, na prática global política, econômica e social. Nós vivemos no rígido mundo eurocêntrico, em que uma única superpotência (os EUA) dominam imperialistamente com seus aliados e vassalos (OTAN); onde as relações comerciais ditam todas as regras de práticas comerciais; onde as normas políticas burguesas são tomadas como mandatórias; onde a tecnologia e o grau de desenvolvimento material é considerado o mais alto critério; onde os valores do individualismo, do conforto pessoal, do bem-estar material, e da "liberdade" são exaltados acima de todos os outros. Em resumo, nós vivemos no mundo da hegemonia triunfante, que espalha sua teia por todo o planeta e subordina toda a humanidade. Assim para criar a realidade da multipolaridade é necessário haver uma oposição radical, uma luta, um confronto. Em outras palavras, é necessário haver um bloco contra-hegemônico (em seu sentido inclusivo).
Vejamos, que recursos estão disponíveis para esse bloco potencial?
A Sintaxe da Hegemonia/Sintaxe da Contra-Hegemonia
A hegemonia em seu holograma conceitual é baseado na convicção de que a modernidade é superior à antiguidade (o passado) em tudo. A modernidade triunfa sobre a prémodernidade, e o Ocidente supera o não-Ocidente (Oriente, Terceiro Mundo) em tudo.
Aqui está a estrutura da sintaxe da hegemonia em sua forma mais geral:
Ocidente = Modernidade = objetivo = benefício = progresso = valores universais = EUA (OTAN+) = capitalismo = direitos humanos = mercado = democracia liberal = justiça
versus
O Resto = retardamento (pré-modernidade) = necessidade de modernização (colonização/tutoramento/controle externo) = necessidade de ocidentalização = barbarismo = valores locais = pré-capitalismo = falta de respeito pelos direitos humanos = mercado injusto (participação do Estado, clãs, preferências grupais) = pré-democracia = corrupção
Essas fórmulas da hegemonia são axiomáticas e autorreferenciais, como um tipo de "profecia autocumpridora". Um termo é justificado pelo outro na cadeia de equivalências e se situam em oposição a qualquer termo (seja simétrico ou não) da segunda cadeia. Segundo essas regras despretensiosas é que se ergue qualquer discurso hegemônico. Pode parecer razoável, ilustrativo, descritivo, analítico, previdente, historicamente fundado, socialmente baseado, oposicional, etc. Mas em sua estrutura a hegemonia é construída sobre esse mesmo esqueleto coberto por milhões de variações.
Se aceitamos esses dois conjuntos paralelos de equações, nós nos encontramos dentro da hegemonia e estamos plenamente inscritos em sua sintaxe. Qualquer objeção será suprimida por novas passagens sugestivas, transitando-se de um para outro termo até que se alcance a tautologia hegemônica desejada.
Mesmo as formas mais críticas de discurso eventualmente escorrega nessa rota constantemente renovável de sinônimos semânticos e se dissolve nele. Uma vez que se reconheça apenas um dos padrões, tudo fica pré-ordenado. Portanto, a construção da contra-hegemonia começa com a contradição completa de ambas as cadeias.
Vamos construir a sintaxe simétrica da contra-hegemonia:
Ocidente ≠ Modernidade ≠ objetivo ≠ riqueza ≠ progresso ≠ valores universais ≠ EUA ≠ capitalismo ≠ direitos humanos ≠ mercado ≠ democracia liberal ≠ justiça
versus
O Resto ≠ retardamento ≠ necessidade de modernização (colonização/auxílio/lição/gerencialmente externo) ≠ necessidade de ocidentalização ≠ barbarismo ≠ valores locais ≠ pré-capitalismo ≠ não-observância dos direitos humanos ≠ mercado injusto (participação do Estado, clãs, preferências grupais) ≠ pré-democracia ≠ corrupção
Se sinais de igualdade estão sendo hipnoticamente inseridos na consciência coletiva como algo autoevidente, a justificativa desenvolvida de cada sinal de desigualdade demanda um texto ou grupo de textos em separado. Em alguma medida a Teoria do Mundo Multipolar e a Quarta Teoria Política, o Eurasianismo, a "Nova Direita" (Alain de Benoist), a teoria não-eurocêntrica das Relações Internacionais (J.Hobson), o tradicionalismo, o pós-modernismo, etc., realiza essa tarefa em paralelo, mas agora é importante oferecer esse esquema como a forma mais geral da sintaxe contra-hegemônica. A negação da afirmação substancial é substancial pelo mero fato da negação, de modo que a justificativa das desigualdades já está carregada de significados e conexões. Ao se questionar a corrente de identificações hegemônicas, recebemos um campo semântico livre da hegemonia e de sua "axiomática" sugestiva. Apenas isso já desamarra nossas mãos completamente para que lancemos mão do discurso contra-hegemônico.
Nesse caso nós fornecemos aquelas regras básicas para um objetivo específico: precisamos fazer uma enumeração preliminar e mais geral dos recursos com que se pode contar na criação do pacto contra-hegemônico.
Elite Revolucionária Global
O bloco contra-hegemônico está sendo construído ao redor de intelectuais. Portanto, o seu núcleo deve se situar ao redor da rejeição da elite revolucionária global pelo "status quo" em sua base mais profunda. Essa elite revolucionária global é formada ao redor da sintaxe da contra-hegemonia. Tentando compreender a situação desde qualquer ponto do mundo moderno - em qualquer país, cultura, sociedade, classe, função, etc - a pessoa em busca de respostas profundas sobre a organização da sociedade em que vive mais cedo ou mais tarde chegará à compreensão de teses básicas do discurso hegemônico. Certamente, isso não cabe a todos, ainda que segundo Gramsci todos sejam intelectuais em alguma medida. Mas apenas o intelectual pleno representa a pessoa humana em sentido perfeito; ele é um tipo de delegado no parlamento da humanidade intelectual (homo sapiens) dos seus representantes mais modestos (daqueles que não podem ou não querem realizar plenamente as habilidades e oportunidades dadas à espécie humana culminando na habilidade de pensar, que é ser um intelectual). Quando falamos sobre a hegemonia, nós temos em mente tal intelectual. Nesse momento ele se depara com uma escolha, ou seja, ele realiza a oportunidade de se tornar "o intelectual orgânico": ele pode dizer "sim" à hegemonia e aceitar sua sintaxe trabalhando para promover a sua estrutura, e ele pode dizer "não". Quando ele diz "não", ele busca uma contra-hegemonia, ou seja, procura o acesso à elite revolucionária global.
Essa busca pode parar na fase intermediária: sempre há estruturas locais (tradicionalistas, fundamentalistas, comunistas, anarquistas, etnocentristas, revolucionários de diferentes tipos, etc) que estão conscientes do desafio hegemônico e a rejeitam, mas a nível local. Aqui nós já estamos no nível dos intelectuais orgânicos mas sem perceber ainda a necessidade de sumarizar sua rejeição da hegemonia na forma de uma estratégia planetária universal. Porém, entrando na luta real (não imaginária) com a hegemonia, qualquer revolucionário mais cedo ou mais tarde descobre seu caráter extraterritorial e transnacional: a hegemonia sempre recorre a uma combinação de fatores internos e externos para seus próprios propósitos; ela ataca o que ela considera seu oponente ou um obstáculo a sua dominação imperial (os elementos da segunda corrente - o Outro (o Resto). Portanto, a resistência local a um desafio global em algum momento chega a seus limites naturais; às vezes a hegemonia pode recuar, mas ela voltará, e ninguém será capaz de se evadir dela.
No momento dessa consciência os representantes mais intelectualmente desenvolvidos da contra-hegemonia local sentem a necessidade de ir ao nível da alternativa fundamental, ou seja, ao domínio da sintaxe contra-hegemônica. E esse é um caminho direto para a Aliança Revolucionária Global. Dessa maneira a elite contra-hegemônica mundial estará sendo moldada objetivamente e naturalmente. É o destino dessa elite se tornar o núcleo da contra-hegemonia. Acima de tudo, a Teoria do Mundo Multipolar se faz necessária para eles.
Recursos da Contra-Hegemonia: "Revisionistas" da Ordem Mundial e seus Níveis
Teorias clássicas das Relações Internacionais, particularmente o realismo, dividem os países entre aqueles que estão satisfeitos com a situação presente e com a balança de poderes na ordem mundial, e aqueles que não estão satisfeitos e que desejariam uma mudança para sua vantagem.
Os primeiros são chamados "apologistas do status quo" e os segundos são chamados "revisionistas". As forças do mundo independentemente de seu tamanho e influência que penetraram na hegemonia e estão satisfeitos com ela representam a metade dos seres humanos pensantes, os revisionistas a segunda metade. Naturalmente, a elite contra-hegemônica considera a totalidade dos "revisionistas" como seu recurso. São os "revisionistas" quer eles percebam ou não, que tem necessidade da Teoria do Mundo Multipolar. A necessidade da Teoria do Mundo Multipolar pode ser bastante inconsciente, mas ainda que assumamos o modelo do "cesarismo" e sugerimos que muitas figuras políticas se ocupam exclusivamente com os processos "transformistas", a Teoria do Mundo Multipolar lhes dá um argumento adicional para se opor à pressão da hegemonia. Em outras palavras, a elite contra-hegemônica (no sentido amplo, no modo estruturado descrito acima - do outro lado da esquerda e da direita) possui o poderoso recurso natural representado pelos "revisionistas".
Para que esse recurso esteja disponível é absolutamente desnecessário que a elite política governante dos países "revisionistas" esteja de acordo com a contra-hegemonia ou aceite a Teoria do Mundo Multipolar como guia para sua política externa. E agora é tempo de relembrar a significância do discurso intelectual em seu estado autônomo (aquilo em que o neogramscismo insiste). É suficiente que os intelectuais da Aliança Revolucionária Global estejam conscientes do sentido e funções de regimes "cesaristas" no campo global da hegemonia; os próprios "revisionistas" agem intuitivamente, enquanto os representantes do pacto contra-hegemônico, de modo consciente. Os interesses de médio prazo de ambos coincidem. E isso torna o pacto contra-hegemônico uma força fundamental: o hardware é fornecido pelos "revisionistas", o software - pela elite revolucionária global.
Os "revisionistas" do mundo moderno compõem um grande número de Estados-Nações poderosos e avançados, que devido a circunstâncias históricas distintas são situados pela hegemonia global em tal ambiente que eles se sentem privados, em desvantagem. O seu desenvolvimento em acordo com a lógica imposta pelo discurso global inevitavelmente os levará ou a consequências indesejáveis para as elites políticas atuais ou para uma deterioração ainda maior da situação nesses países. Os "revisionistas" são muito diferentes: alguns estão inclinados a negociar com a hegemonia, outros tentam de todas as maneiras se evadir de sua influência. Porém, o campo de ação para as atividades da elite revolucionária global está em todo lugar.
A união mais séria de países "revisionistas" é o BRICS. Cada um desses países é um enorme recurso em si mesmo, e a administração do clube do "Segundo Mundo" está objetivamente interessado na multipolaridade - daí, não há nada para impedir o avanço da Teoria do Mundo Multipolar como seu programa estratégico de política externa.
Toda a constelação de potências regionais gravita ao redor dos países do "Segundo Mundo", nomeadamente, Argentina e México - na América Latina; Turquia e Paquistão - na Ásia Central; Arábia Saudita e Egito - no mundo árabe; Vietnã, Indonésia, Malásia e Coréia do Sul - no Extremo Oriente, etc. Cada um desses países poderia ser também incluído nos "revisionistas" em alguma medida e possui uma grande lista de ambições regionais difíceis ou impossíveis de se alcançar no sistema hegemônico. Esses países possuem ainda mais medos em relação a sua segurança, e a hegemonia não facilita qualquer proteção. Ademais, há todo um número de países em oposição direta à hegemonia (Irã, Coréia do Norte, Sérvia, Venezuela, Bolívia, Equador, e daí em diante), o que garante para a Aliança Revolucionária Global pontos estratégicos relevantes.
No próximo nível sub-estatal uma análise mais detalhada é necessária para identificar os "revisionistas" a nível político, ou seja, os partidos políticos e movimentos, que, por razões ideológicas ou de outro tipo rejeitam o discurso hegemônico em algum elemento essencial. Tais forças políticas podem ser de direita ou de esquerda, religiosas ou seculares, nacionalistas ou cosmopolitas, parlamentares ou oposicionais, de massa ou de elite. Todos eles podem ser integrados na estratégia da elite contra-hegemônica. Ao mesmo tempo, tais partidos e movimentos podem se localizar tanto na zona política dos "revisionistas" como no capo de países em que a hegemonia se estabeleceu firmemente e completamente. Sob certas circunstâncias, especialmente nas condições de condições de crises ou reformas - certas janelas de oportunidade para forças inconformistas e seu relativo sucesso e progresso são abertas mesmo dentro dessas potências.
Na sociedade civil oportunidades para segmentos da contra-hegemonia são ainda mais amplas já que os portadores do discurso hegemônico agem aqui diretamente, sem máscaras e mediações. No campo da ciência, da cultura, das artes e da filosofia os portadores da contra-hegemonia que dominaram a sintaxe são capazes de resistir efetivamente aos oponentes ideológicos, na medida em que a quantidade e peso nesse ambiente são de importância bem menor. Um intelectual talentoso e bem preparado da contra-hegemonia pode valer milhares de oponentes. Na esfera não-política das ciências, cultura, arte e filosofia a contra-hegemonia pode usar um imenso arsenal de meios e métodos desde os religiosos e tradicionalistas aos vanguardistas e pós-modernos. Sendo guiado pela sintaxe contra-hegemônica corretamente entendida, a disposição das várias estratégias intelectuais desafiando a "axiomática" ocidental de estilo modernista será extremamente fácil. Esse modelo pode ser facilmente aplicado também não apenas em sociedades não-ocidentais, mas também nos países capitalistas desenvolvidos, repetindo na nova situação histórica a experiência de sucesso do "gramscismo de esquerda" na Europa nos anos 60 e 70 do século XX.
O conjunto das estruturas políticas sub-estatais e zonas da "sociedade civil" (na interpretação de Gramsci) nos dá o nível médio em que os Estados "revisionistas" podem eles mesmos ser tomados no nível macro para a prática de expansão contra-hegemônica.
E enfim, o nível micro que são os indivíduos separados que em certas condições também podem ser os portadores da contra-hegemonia já que o campo de batalha para a Teoria do Mundo Multipolar é a pessoa em si em todas as suas medidas - do pessoal ao social e político. A globalidade deve ser entendida antropologicamente.
Assim recebemos a imensa reserva de recursos que estão à disposição da elite revolucionária global em potencial. Na situação em que as regras são estabelecidas pela hegemonia, e a "pré-hegemonia" ou meramente "não-hegemonia" apenas resiste passivamente, esse recurso é ou neutralizado ou envolvido em um grau infinitesimal em situações estritamente locais, ou seja, ele não é consolidado, ele é dispersado e exposto a entropia gradual. Para a hegemonia em si nesse caso ele não é nada além de um obstáculo passivo, e um sujeito a ser conquistado, "domesticado" ou desmontado (assim para a construção da estrada eles derrubam a floresta ou drenam o pântano). Mas tudo isso se torna recurso contra-hegemônico quando a contra-hegemonia se torna força autoconsciente, sujeito histórico, fenômeno. Tudo isso é transformado em recurso quando temos a elite revolucionária global voltada para a Teoria do Mundo Multipolar como sua base teórica. Sem isso e antes disso, tudo o que foi mencionado não existe enquanto recurso.
Contra-Hegemonia e Rússia
Nós ainda temos que projetar os princípios da contra-hegemonia no contexto da Teoria do Mundo Multipolar na situação russa.
Em um contexto da análise neogramscista, a Rússia moderna representa o "cesarismo" clássico com todos os seus atributos típicos. A hegemonia, de sua parte, situa solidamente a Rússia na corrente do "Outro" (o Resto) e constrói sua imagem em acordo com a sintaxe clássica: "autoritarismo" = "corrupção" = "necessidade de modernização" = "não-observância de direitos humanos e da liberdade de imprensa" = "o Estado interfere com questões empresariais", etc.
Subjetivamente, a administração russa está ocupada pelos processos de "transformismo", constantemente se equilibrando entre concessões à hegemonia (participação em organizações econômica internacionais, tais como a OMC, privatização, mercado, democratização do sistema político, adequação aos padrões educacionais do Ocidente, etc) e o impulso de preservar sua soberania e ao mesmo tempo se apóia nos ânimos "patrióticos" das massas. Ao mesmo tempo, nas relações internacionais, Putin adere sem qualquer ambiguidade ao realismo, enquanto o governo e a comunidade dos especialistas gravita em direção ao liberalismo, o que cria um "duplipensar" típico do "transformismo".
Para a Teoria do Mundo Multipolar e a elite contra-hegemônica, tal situação cria o ambiente favorável para a expansão da atividade autônoma e representa o enclave natural promovendo seu desenvolvimento, fortalecimento e consolidação. A Rússia está sem ambiguidades relacionada ao campo dos "revisionistas" no sistema internacional, tendo perdido a posição de um dos dois Super-Estados na década de 90 do século XX e tendo reduzido drasticamente a esfera da sua influência mesmo nas suas fronteiras. A unipolaridade da ordem mundial e o fortalecimento da hegemonia nas últimas décadas (globalização) trouxeram para a Rússia resultados exclusivamente negativos, porque eles foram construídos - geopoliticamente, estrategicamente, ideologicamente, politicamente e psicologicamente - às suas custas. E ainda que as pré-condições para uma vingança ativa ainda não tenham amadurecido, a atmosfera geral e as tendências principais ajudam a estabelecer a Teoria do Mundo Multipolar e a promover o fortalecimento e cristalização do segmento russo da elite revolucionária global contra-hegemônica. Ademais, muitos passos dados por Putin nas questões de política externa dirigidas ao fortalecimento da soberania russa, suas intenções de construir a União Eurasiana, sua crítica do mundo unipolar e da dominação americana, e também declarações de que a multipolaridade seria a ordem mundial desejável - tudo isso amplia o campo de oportunidade para a criação orgânica da teoria plena e bem fundada da contra-hegemonia no contexto da Teoria do Mundo Multipolar.
A hegemonia em seu holograma conceitual é baseado na convicção de que a modernidade é superior à antiguidade (o passado) em tudo. A modernidade triunfa sobre a prémodernidade, e o Ocidente supera o não-Ocidente (Oriente, Terceiro Mundo) em tudo.
Aqui está a estrutura da sintaxe da hegemonia em sua forma mais geral:
Ocidente = Modernidade = objetivo = benefício = progresso = valores universais = EUA (OTAN+) = capitalismo = direitos humanos = mercado = democracia liberal = justiça
versus
O Resto = retardamento (pré-modernidade) = necessidade de modernização (colonização/tutoramento/controle externo) = necessidade de ocidentalização = barbarismo = valores locais = pré-capitalismo = falta de respeito pelos direitos humanos = mercado injusto (participação do Estado, clãs, preferências grupais) = pré-democracia = corrupção
Essas fórmulas da hegemonia são axiomáticas e autorreferenciais, como um tipo de "profecia autocumpridora". Um termo é justificado pelo outro na cadeia de equivalências e se situam em oposição a qualquer termo (seja simétrico ou não) da segunda cadeia. Segundo essas regras despretensiosas é que se ergue qualquer discurso hegemônico. Pode parecer razoável, ilustrativo, descritivo, analítico, previdente, historicamente fundado, socialmente baseado, oposicional, etc. Mas em sua estrutura a hegemonia é construída sobre esse mesmo esqueleto coberto por milhões de variações.
Se aceitamos esses dois conjuntos paralelos de equações, nós nos encontramos dentro da hegemonia e estamos plenamente inscritos em sua sintaxe. Qualquer objeção será suprimida por novas passagens sugestivas, transitando-se de um para outro termo até que se alcance a tautologia hegemônica desejada.
Mesmo as formas mais críticas de discurso eventualmente escorrega nessa rota constantemente renovável de sinônimos semânticos e se dissolve nele. Uma vez que se reconheça apenas um dos padrões, tudo fica pré-ordenado. Portanto, a construção da contra-hegemonia começa com a contradição completa de ambas as cadeias.
Vamos construir a sintaxe simétrica da contra-hegemonia:
Ocidente ≠ Modernidade ≠ objetivo ≠ riqueza ≠ progresso ≠ valores universais ≠ EUA ≠ capitalismo ≠ direitos humanos ≠ mercado ≠ democracia liberal ≠ justiça
versus
O Resto ≠ retardamento ≠ necessidade de modernização (colonização/auxílio/lição/gerencialmente externo) ≠ necessidade de ocidentalização ≠ barbarismo ≠ valores locais ≠ pré-capitalismo ≠ não-observância dos direitos humanos ≠ mercado injusto (participação do Estado, clãs, preferências grupais) ≠ pré-democracia ≠ corrupção
Se sinais de igualdade estão sendo hipnoticamente inseridos na consciência coletiva como algo autoevidente, a justificativa desenvolvida de cada sinal de desigualdade demanda um texto ou grupo de textos em separado. Em alguma medida a Teoria do Mundo Multipolar e a Quarta Teoria Política, o Eurasianismo, a "Nova Direita" (Alain de Benoist), a teoria não-eurocêntrica das Relações Internacionais (J.Hobson), o tradicionalismo, o pós-modernismo, etc., realiza essa tarefa em paralelo, mas agora é importante oferecer esse esquema como a forma mais geral da sintaxe contra-hegemônica. A negação da afirmação substancial é substancial pelo mero fato da negação, de modo que a justificativa das desigualdades já está carregada de significados e conexões. Ao se questionar a corrente de identificações hegemônicas, recebemos um campo semântico livre da hegemonia e de sua "axiomática" sugestiva. Apenas isso já desamarra nossas mãos completamente para que lancemos mão do discurso contra-hegemônico.
Nesse caso nós fornecemos aquelas regras básicas para um objetivo específico: precisamos fazer uma enumeração preliminar e mais geral dos recursos com que se pode contar na criação do pacto contra-hegemônico.
Elite Revolucionária Global
O bloco contra-hegemônico está sendo construído ao redor de intelectuais. Portanto, o seu núcleo deve se situar ao redor da rejeição da elite revolucionária global pelo "status quo" em sua base mais profunda. Essa elite revolucionária global é formada ao redor da sintaxe da contra-hegemonia. Tentando compreender a situação desde qualquer ponto do mundo moderno - em qualquer país, cultura, sociedade, classe, função, etc - a pessoa em busca de respostas profundas sobre a organização da sociedade em que vive mais cedo ou mais tarde chegará à compreensão de teses básicas do discurso hegemônico. Certamente, isso não cabe a todos, ainda que segundo Gramsci todos sejam intelectuais em alguma medida. Mas apenas o intelectual pleno representa a pessoa humana em sentido perfeito; ele é um tipo de delegado no parlamento da humanidade intelectual (homo sapiens) dos seus representantes mais modestos (daqueles que não podem ou não querem realizar plenamente as habilidades e oportunidades dadas à espécie humana culminando na habilidade de pensar, que é ser um intelectual). Quando falamos sobre a hegemonia, nós temos em mente tal intelectual. Nesse momento ele se depara com uma escolha, ou seja, ele realiza a oportunidade de se tornar "o intelectual orgânico": ele pode dizer "sim" à hegemonia e aceitar sua sintaxe trabalhando para promover a sua estrutura, e ele pode dizer "não". Quando ele diz "não", ele busca uma contra-hegemonia, ou seja, procura o acesso à elite revolucionária global.
Essa busca pode parar na fase intermediária: sempre há estruturas locais (tradicionalistas, fundamentalistas, comunistas, anarquistas, etnocentristas, revolucionários de diferentes tipos, etc) que estão conscientes do desafio hegemônico e a rejeitam, mas a nível local. Aqui nós já estamos no nível dos intelectuais orgânicos mas sem perceber ainda a necessidade de sumarizar sua rejeição da hegemonia na forma de uma estratégia planetária universal. Porém, entrando na luta real (não imaginária) com a hegemonia, qualquer revolucionário mais cedo ou mais tarde descobre seu caráter extraterritorial e transnacional: a hegemonia sempre recorre a uma combinação de fatores internos e externos para seus próprios propósitos; ela ataca o que ela considera seu oponente ou um obstáculo a sua dominação imperial (os elementos da segunda corrente - o Outro (o Resto). Portanto, a resistência local a um desafio global em algum momento chega a seus limites naturais; às vezes a hegemonia pode recuar, mas ela voltará, e ninguém será capaz de se evadir dela.
No momento dessa consciência os representantes mais intelectualmente desenvolvidos da contra-hegemonia local sentem a necessidade de ir ao nível da alternativa fundamental, ou seja, ao domínio da sintaxe contra-hegemônica. E esse é um caminho direto para a Aliança Revolucionária Global. Dessa maneira a elite contra-hegemônica mundial estará sendo moldada objetivamente e naturalmente. É o destino dessa elite se tornar o núcleo da contra-hegemonia. Acima de tudo, a Teoria do Mundo Multipolar se faz necessária para eles.
Recursos da Contra-Hegemonia: "Revisionistas" da Ordem Mundial e seus Níveis
Teorias clássicas das Relações Internacionais, particularmente o realismo, dividem os países entre aqueles que estão satisfeitos com a situação presente e com a balança de poderes na ordem mundial, e aqueles que não estão satisfeitos e que desejariam uma mudança para sua vantagem.
Os primeiros são chamados "apologistas do status quo" e os segundos são chamados "revisionistas". As forças do mundo independentemente de seu tamanho e influência que penetraram na hegemonia e estão satisfeitos com ela representam a metade dos seres humanos pensantes, os revisionistas a segunda metade. Naturalmente, a elite contra-hegemônica considera a totalidade dos "revisionistas" como seu recurso. São os "revisionistas" quer eles percebam ou não, que tem necessidade da Teoria do Mundo Multipolar. A necessidade da Teoria do Mundo Multipolar pode ser bastante inconsciente, mas ainda que assumamos o modelo do "cesarismo" e sugerimos que muitas figuras políticas se ocupam exclusivamente com os processos "transformistas", a Teoria do Mundo Multipolar lhes dá um argumento adicional para se opor à pressão da hegemonia. Em outras palavras, a elite contra-hegemônica (no sentido amplo, no modo estruturado descrito acima - do outro lado da esquerda e da direita) possui o poderoso recurso natural representado pelos "revisionistas".
Para que esse recurso esteja disponível é absolutamente desnecessário que a elite política governante dos países "revisionistas" esteja de acordo com a contra-hegemonia ou aceite a Teoria do Mundo Multipolar como guia para sua política externa. E agora é tempo de relembrar a significância do discurso intelectual em seu estado autônomo (aquilo em que o neogramscismo insiste). É suficiente que os intelectuais da Aliança Revolucionária Global estejam conscientes do sentido e funções de regimes "cesaristas" no campo global da hegemonia; os próprios "revisionistas" agem intuitivamente, enquanto os representantes do pacto contra-hegemônico, de modo consciente. Os interesses de médio prazo de ambos coincidem. E isso torna o pacto contra-hegemônico uma força fundamental: o hardware é fornecido pelos "revisionistas", o software - pela elite revolucionária global.
Os "revisionistas" do mundo moderno compõem um grande número de Estados-Nações poderosos e avançados, que devido a circunstâncias históricas distintas são situados pela hegemonia global em tal ambiente que eles se sentem privados, em desvantagem. O seu desenvolvimento em acordo com a lógica imposta pelo discurso global inevitavelmente os levará ou a consequências indesejáveis para as elites políticas atuais ou para uma deterioração ainda maior da situação nesses países. Os "revisionistas" são muito diferentes: alguns estão inclinados a negociar com a hegemonia, outros tentam de todas as maneiras se evadir de sua influência. Porém, o campo de ação para as atividades da elite revolucionária global está em todo lugar.
A união mais séria de países "revisionistas" é o BRICS. Cada um desses países é um enorme recurso em si mesmo, e a administração do clube do "Segundo Mundo" está objetivamente interessado na multipolaridade - daí, não há nada para impedir o avanço da Teoria do Mundo Multipolar como seu programa estratégico de política externa.
Toda a constelação de potências regionais gravita ao redor dos países do "Segundo Mundo", nomeadamente, Argentina e México - na América Latina; Turquia e Paquistão - na Ásia Central; Arábia Saudita e Egito - no mundo árabe; Vietnã, Indonésia, Malásia e Coréia do Sul - no Extremo Oriente, etc. Cada um desses países poderia ser também incluído nos "revisionistas" em alguma medida e possui uma grande lista de ambições regionais difíceis ou impossíveis de se alcançar no sistema hegemônico. Esses países possuem ainda mais medos em relação a sua segurança, e a hegemonia não facilita qualquer proteção. Ademais, há todo um número de países em oposição direta à hegemonia (Irã, Coréia do Norte, Sérvia, Venezuela, Bolívia, Equador, e daí em diante), o que garante para a Aliança Revolucionária Global pontos estratégicos relevantes.
No próximo nível sub-estatal uma análise mais detalhada é necessária para identificar os "revisionistas" a nível político, ou seja, os partidos políticos e movimentos, que, por razões ideológicas ou de outro tipo rejeitam o discurso hegemônico em algum elemento essencial. Tais forças políticas podem ser de direita ou de esquerda, religiosas ou seculares, nacionalistas ou cosmopolitas, parlamentares ou oposicionais, de massa ou de elite. Todos eles podem ser integrados na estratégia da elite contra-hegemônica. Ao mesmo tempo, tais partidos e movimentos podem se localizar tanto na zona política dos "revisionistas" como no capo de países em que a hegemonia se estabeleceu firmemente e completamente. Sob certas circunstâncias, especialmente nas condições de condições de crises ou reformas - certas janelas de oportunidade para forças inconformistas e seu relativo sucesso e progresso são abertas mesmo dentro dessas potências.
Na sociedade civil oportunidades para segmentos da contra-hegemonia são ainda mais amplas já que os portadores do discurso hegemônico agem aqui diretamente, sem máscaras e mediações. No campo da ciência, da cultura, das artes e da filosofia os portadores da contra-hegemonia que dominaram a sintaxe são capazes de resistir efetivamente aos oponentes ideológicos, na medida em que a quantidade e peso nesse ambiente são de importância bem menor. Um intelectual talentoso e bem preparado da contra-hegemonia pode valer milhares de oponentes. Na esfera não-política das ciências, cultura, arte e filosofia a contra-hegemonia pode usar um imenso arsenal de meios e métodos desde os religiosos e tradicionalistas aos vanguardistas e pós-modernos. Sendo guiado pela sintaxe contra-hegemônica corretamente entendida, a disposição das várias estratégias intelectuais desafiando a "axiomática" ocidental de estilo modernista será extremamente fácil. Esse modelo pode ser facilmente aplicado também não apenas em sociedades não-ocidentais, mas também nos países capitalistas desenvolvidos, repetindo na nova situação histórica a experiência de sucesso do "gramscismo de esquerda" na Europa nos anos 60 e 70 do século XX.
O conjunto das estruturas políticas sub-estatais e zonas da "sociedade civil" (na interpretação de Gramsci) nos dá o nível médio em que os Estados "revisionistas" podem eles mesmos ser tomados no nível macro para a prática de expansão contra-hegemônica.
E enfim, o nível micro que são os indivíduos separados que em certas condições também podem ser os portadores da contra-hegemonia já que o campo de batalha para a Teoria do Mundo Multipolar é a pessoa em si em todas as suas medidas - do pessoal ao social e político. A globalidade deve ser entendida antropologicamente.
Assim recebemos a imensa reserva de recursos que estão à disposição da elite revolucionária global em potencial. Na situação em que as regras são estabelecidas pela hegemonia, e a "pré-hegemonia" ou meramente "não-hegemonia" apenas resiste passivamente, esse recurso é ou neutralizado ou envolvido em um grau infinitesimal em situações estritamente locais, ou seja, ele não é consolidado, ele é dispersado e exposto a entropia gradual. Para a hegemonia em si nesse caso ele não é nada além de um obstáculo passivo, e um sujeito a ser conquistado, "domesticado" ou desmontado (assim para a construção da estrada eles derrubam a floresta ou drenam o pântano). Mas tudo isso se torna recurso contra-hegemônico quando a contra-hegemonia se torna força autoconsciente, sujeito histórico, fenômeno. Tudo isso é transformado em recurso quando temos a elite revolucionária global voltada para a Teoria do Mundo Multipolar como sua base teórica. Sem isso e antes disso, tudo o que foi mencionado não existe enquanto recurso.
Contra-Hegemonia e Rússia
Nós ainda temos que projetar os princípios da contra-hegemonia no contexto da Teoria do Mundo Multipolar na situação russa.
Em um contexto da análise neogramscista, a Rússia moderna representa o "cesarismo" clássico com todos os seus atributos típicos. A hegemonia, de sua parte, situa solidamente a Rússia na corrente do "Outro" (o Resto) e constrói sua imagem em acordo com a sintaxe clássica: "autoritarismo" = "corrupção" = "necessidade de modernização" = "não-observância de direitos humanos e da liberdade de imprensa" = "o Estado interfere com questões empresariais", etc.
Subjetivamente, a administração russa está ocupada pelos processos de "transformismo", constantemente se equilibrando entre concessões à hegemonia (participação em organizações econômica internacionais, tais como a OMC, privatização, mercado, democratização do sistema político, adequação aos padrões educacionais do Ocidente, etc) e o impulso de preservar sua soberania e ao mesmo tempo se apóia nos ânimos "patrióticos" das massas. Ao mesmo tempo, nas relações internacionais, Putin adere sem qualquer ambiguidade ao realismo, enquanto o governo e a comunidade dos especialistas gravita em direção ao liberalismo, o que cria um "duplipensar" típico do "transformismo".
Para a Teoria do Mundo Multipolar e a elite contra-hegemônica, tal situação cria o ambiente favorável para a expansão da atividade autônoma e representa o enclave natural promovendo seu desenvolvimento, fortalecimento e consolidação. A Rússia está sem ambiguidades relacionada ao campo dos "revisionistas" no sistema internacional, tendo perdido a posição de um dos dois Super-Estados na década de 90 do século XX e tendo reduzido drasticamente a esfera da sua influência mesmo nas suas fronteiras. A unipolaridade da ordem mundial e o fortalecimento da hegemonia nas últimas décadas (globalização) trouxeram para a Rússia resultados exclusivamente negativos, porque eles foram construídos - geopoliticamente, estrategicamente, ideologicamente, politicamente e psicologicamente - às suas custas. E ainda que as pré-condições para uma vingança ativa ainda não tenham amadurecido, a atmosfera geral e as tendências principais ajudam a estabelecer a Teoria do Mundo Multipolar e a promover o fortalecimento e cristalização do segmento russo da elite revolucionária global contra-hegemônica. Ademais, muitos passos dados por Putin nas questões de política externa dirigidas ao fortalecimento da soberania russa, suas intenções de construir a União Eurasiana, sua crítica do mundo unipolar e da dominação americana, e também declarações de que a multipolaridade seria a ordem mundial desejável - tudo isso amplia o campo de oportunidade para a criação orgânica da teoria plena e bem fundada da contra-hegemonia no contexto da Teoria do Mundo Multipolar.