por Alberto Buela
Cada vez que nos convidam a falar ou escrever sobre "América Latina" temos que fazer a ressalva em relação a essa forma espúria, universalmente difundida, de nos designarmos. De modo que propomos de entrada a questão do quid nominis, de como devemos nos denominar, como devemos ser nomeados e qual é a forma mais adequada, mais genuína, mais específica de nos nomearmos e sermos nomeados.
A expressão "América Latina" nasce com Chevallier o chanceler de Napoleão III para intervir militar e politicamente na América Ibérica em nome e defesa de la latinité.
Logo são os ianques, mais tarde a Igreja e por último o marxismo que passam a nos denominar dessa maneira.
O uso ideológico do termo salta à vista como evidente, pois o Canadá francês, a Guiana e Martinica nunca foram incorporados formando parte da "América Latina" quando assistiriam razões iguais ou melhores para que o fossem.
Isso mostra que na ordem internacional onde a geopolítica, as relações internacionais, a estratégia e a metapolítica jogam todas as suas fichas não existe nem a boa vontade nem as idéias neutras, o que existem são relações de poder: de mando e obediência, de público e privado e de amigo-inimigo. Assim pois, desconfiar das denominações ad hoc das instituições ou espaços internacionais é um princípio de saúde metodológica de todo investigador que nessa ordem se estime como tal.
Hoje não se pode entender a geopolítica sem a metapolítica, isto é, a disciplina que estuda as grandes categorias de pensamento que condicionam a ação política dos governos da vez. E por isso preferimos a denominação, para nosso espaço geopolítico de "América Ibérica", pois o termo designa de forma clara e precisa, a especificidade da ecúmene cultural a que pertencemos os americanos hispano-lusos de toda América e porque o termo América Ibérica involucra, de forma plena e sem dúvidas, o Brasil.
Hoje, já começando a segunda década do século XXI, falar de "latinidade" é uma rêmora. É um universalismo a mais como o de "humanidade", não nos diz nada. É uma categoria geopolítica que funciona como um adormecimento da inteligência, pois pensar a partir dela é uma forma de não pensar.
Assim, o realismo político nos obriga a nos limitarmos e nos circunscrevermos à América do Sul. Em primeiro lugar porque o México tem assinado e em execução o tratado de livre comércio com os Estados Unidos que compromete toda sua economia e suas decisões políticas. Enquanto a América Central e o Caribe, salva a exceção de Cuba, se encontra enfeudada em sua totalidade com a política exterior norteamericana e sua dependência em relação à potência talassocrática é quase absoluta. De modo tal, que a única possibilidade de pensar um espaço geopoliticamente verossímil é a América do Sul. E aqui nos introduzimos no tema de nossa apresentação.
Os dados objetivos que possuímos da América do Sul é que constitui um espaço geográfico contínuo que abarca 17,8 milhões de km², o dobro da Europa e o dobro dos Estados Unidos. Tem uma população de aproximadamente 420 milhões de pessoas, que falam por metades o castelhano e o português, duas línguas entendíveis entre si. Dez são as nações que a dividem politicamente e quatro enclaves coloniais (as ilhas Malvinas e Guiana que formam parte da Commonwealth britânica, Suriname da Holanda e Guiana Francesa da França. Todos juntos não chegam a 1,5 milhões de habitantes).
O país mais poderoso é Brasil com quase metade dos habitantes do subcontinente, que possui a oitava economia do mundo com PIB (Produto Interno Bruto) de 1.600.000 milhões de dólares enquanto Argentina e Venezuela seguem com 330 mil milhões de dólares cada um.
Possui 27% da água doce do mundo. Conta com o aquífero Guerani e com 50.000 km de vias navegáveis internas que unem as três bacias hídricas: Orinoco, Amazonas e o Prata. Sua projeção sobre a Antártida abarca todo o quadrante sulamericano que inclui a totalidade da península.
Interpretação Geopolítica
A América do Sul constitui uma ilha continental rodeada pelos Oceanos Pacífico e Antártico que possui 25.432km de costas. É um espaço terrestre de difícil acesso, que tem o Amazonas como heartland sulamericano, que abarca quase 2 milhões de km² que compartilham quatro países (Brasil, Colômbia, Venezuela e Peru).
Este difícil acesso obrigou os Estados Unidos a rodeá-lo com bases militares para poder controlá-lo (Arauca, Larandia e Três Esquinas na Colômbia, Iquitos e Nanay no Peru, Marechal Estigarribia no Paraguai e Curaçao a 50km da Venezuela).
Como suporte teórico-ideológico lançaram a "teoria da soberania limitada do Amazonas" propondo uma tutela internacional, tese sustentada pela diplomacia sueca. Brasil, Venezuela, Argentina e Bolívia a rechaçaram de plano.
Essa característica de impenetrabilidade do heartland sulamericano marca toda sua história política desde a descoberta da América. E assim, todas as suas grandes cidades (Buenos Aires, São Paulo, Rio de Janeiro, Valparaíso, Lima, etc) são portuárias à diferença da Europa que são mediterrâneas. É que o povoamento da América do Sul se foi realizando por toda a costa dessa grande ínsula. Sua marcha tem sido da periferia ao centro. Centro que ainda hoje, na segunda década do século XXI, não foi ocupado.
Se a tese de Mackinder (1861-1947) "quem ocupe o heartland detém o poder" for verdade, no caso da América do Sul ninguém o possui de forma hegemônica, pois ninguém tem plenamente o manejo do Amazonas.
O Caso Brasileiro
É indubitável que o Brasil, potência emergente mundial, tem como Estado-Nação o maior peso econômico da região como o denota seu PIB com seu oitavo lugar na economia do globo.
Seus últimos movimentos na ordem internacional o mostram como uma futura potência ativa: a) Integra o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), grupo privilegiado de grandes espaços estatais; b) O grupo dos quatro junto com Índia, África do Sul e Alemanha reclamando um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas; c) A Unasul (União de Nações do Sul) junto com o resto dos países da América do Sul; d) O grupo do G20 com os Estados de maior produção de riqueza; e) O G5 junto com México, África do Sul, China e Índia, grupo de potências emergentes; f) O pacto turco-brasileiro de diálogo com o Irã, em substituição da teoria da demonização do governo iraniano proposto por EUA-Israel.
Militarmente acaba de comprar o primeiro submarino nuclear à França e espera produzir oito submarinos nucleares mais, à imitação do francês, nos próximos cinco anos. Seu orçamento militar foi de 10.000 milhões de dólares em 2010, similar ao da Colômbia, contra 3.200 milhões do argentino.
É de destacar como tem feito notar os investigadores brasileiros (Moniz Bandeira, Guimarães et alii), que a maior hipótese de conflito que se apresenta ao Exército do Brasil é com uma superpotência em terreno florestal (vgr. O Amazonas).
A América do Sul Hispana
Conforma os outros 50% da América do Sul e está composta por nove nações que alcançam em habitantes, em Forças Armadas e em PIB ao bloco unitário brasileiro.
Se destacam em primeiro lugar o poderio militar colombiano de terra e o chileno de mar. Se tem produzido desde a assunção de Hugo Chávez um rearmamento da Venezuela, fundamentalmente russo. Fuzis automáticos para guerra de baixa intensidade, aviões e helicópteros. Por outro lado a Argentina desde a derrota da guerra das Malvinas em 1982 tem adotado a tese da inexistência de conflitos internacionais e da diplomacia desarmada. Enquanto Uruguai, Paraguai, Bolívia, Peru e Equador carecem de peso específico na matéria.
Chile é o único país da América do Sul que integra o seleto grupo dos vinte primeiros países no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) na estatística das Nações Unidas.
A Venezuela é um dos maiores produtores de petróleo do mundo e o principal provedor de refinado em forma de naftas aos Estados Unidos.
Nas últimas duas décadas se produziu na Bolívia, Chile, Peru, Argentina e Equador o auge da mineração extrativa a céu aberto que está produzindo, ademais de prejuízo econômico, mudanças e danos terrestres irreparáveis.
A Relação entre os Dois Blocos
Desde o ano 1992 se repetem anualmente as Cúpulas Iberoamericanas que realizam conjuntamente com Espanha e Portugal os dez países sulamericanos porém cujos resultados tem sido mais declamativos que efetivos. Não se pôde superar a teoria da boa vizinhança para poder passar à conformação de um grupo de poder mundial homogêneo que compartilha língua, religião, instituições, usos e costumes.
Em 1991 se criou o Mercosul (Mercado Comum do Sul) cujos sócios fundadores foram Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, que tem Bolívia e Venezuela em processo de incorporação e Chile, Colômbia e Equador como países associados.
Porém após vinte anos o Mercosul se reduziu a uma união aduaneira utilizada, acima de tudo, pelas burguesias comerciais de São Paulo e Buenos Aires.
O outro nexo entre os dois blocos, o hispano e o lusitano, é a mencionada Unasul que entrará plenamente em vigência em janeiro de 2011 e o Conselho de Defesa Sulamericano que entrará em vigor por eses anos e cuja sede será Buenos Aires.
Temos logo o Banco do Sul, proposta de Hugo Chávez realizada em 2004, porém nascida morta já que seu capital inicial se fixou na soma irrisória de 7.000 milhões de dólares, quando o Banco do Brasil tem ativos de 407.000 milhões de dólares e o Banco Itaú de São Paulo por volta de 350.000 milhões de dólares.
Existe entre Argentina e Brasil um tratado que obriga a uma reunião de ministros a cada 45 dias e a uma reunião de presidentes a cada três meses, porém ditas reuniões se encontram limitadas a equilibrar os termos do intercâmbio comercial para que nenhuma das duas economias se encontre prejudicada.
O Caso Argentino
A que foi a segunda Armada do mundo em 1890 passou a não existir, e a que foi em 1910 a décima primeira economia do mundo retrocedeu ao lugar número vinte um século depois. A estrutura das exportações argentinas está bastante equilibrada, pois sua composição é: Combustíveis 12%, Indústria 31%, Agro 34%, Primários 23%. O motor de sua economia segue sendo o agronegócio com seus grãos e carnes porém o desenvolvimento de sua indústria leve o está alcançando. O danoso é que a mineração, que não produz nenhum desenvolvimento posterior por ser uma atividade meramente extrativa, haja alcançado nessa última década porcentagens de exportação tão altos.
O segundo aspecto onde se destaca é no desenvolvimento nuclear, que é considerado dentro dos padrões mundiais como um dos mais desenvolvidos. A investigação nesse campo se vem realizando de forma contínua desde 1950. A produção de reatores nucleares de fabricação própria (Carem) são demandados em todo o mundo: Austrália, Argélia, Peru, Egito, Irã.
A agroindústria e a produção nuclear são os dois traços específicos da produção de riqueza argentina.
Existe finalmente um terceiro fator positivo que pode aportar Argentina e que não está contemplado nas estatísticas econômicas: o fator humano, que se destaca por sua profundidade de análise, rapidez na captação e execução. Vivaz, criador e engenhoso. Orgulhoso de si e de seu lugar no mundo, ignora a capitis diminutio aos "outros".
Perspectiva Geopolítica da América do Sul
Afirma Hegel em sua Introdução à Filosofia do Direito que a coruja de Minerva (símbolo da filosofia) sai a voar ao entardecer, quando a realidade já se pôs. Já se escondeu o sol. De modo tal que é muito difícil realizar prognósticos desde a filosofia sobre coisas humanas, não obstante isso e com essa ressalva vamos tentar.
Brasil e Argentina são o eixo sobre o qual deve girar toda a geopolítica da América do Sul. Essa tem que tender à formação de um losango irregular que uma em linhas de poder as capitais de Brasília, Buenos Aires, Lima e Caracas para proteger o heartland sulamericano.
O princípio da integração deve ser: dado que o Brasil tem cinco vezes a economia da Argentina, as contribuições se devem realizar nessa proporção. A integração é proporcional e não em pé de igualdade. A igualdade é, nesse caso, a primeira fonte de injustiças.
Brasil e Argentina tem que criar antes de qualquer coisa uma moeda comum (o austral) que outorgue solidez a suas economias em relação ao dólar e ao euro. E ao mesmo tempo criar uma companhia exportadora de grãos para evitar o condicionamento do mercado de Chicago.
Devem seguir para a formação de uma força marítima comum para o controle do mar territorial e do extenso litoral atlântico. Evitar o saque que se está produzindo no Atlântico Sul é compartilhar de um espaço de soberania comum. Não é um ponto de fricção senão um ponto de união. O Pacífico Sul é controlado pelo Chile que possui uma magnífica e bem treinada força naval e complementado por Peru e Colômbia.
A navegação dos rios interiores, a construção de um grande oleoduto, rotas aéreas diretas intercapitais, a recuperação dos trens interiores, habilitação dos canais bioceânicos mistos, o desenvolvimento tecnológico complementar onde cada Estado aporta o melhor de seu desenvolvimento.
A construção de um espaço geopolítico autocentrado é possível e está ao alcance da mão, o que sucede é que sua construção supõe a limitação dos poderes mundiais, diretos ou indiretos, na zona sulamericana.
E é aqui onde surge o problema principal. Pois para criar uma nova geopolítica regional, como para fazer um bolo, há que romper alguns ovos. Ademais a geopolítica para ser tal necessita de um elemento fundamental: o arcano.
O arcano entendido como segredo profundo e ao mesmo tempo íntimo. E disso participam muito poucos. Pode existir um arcano geo ou metapolítico entre os Estados que conformam a América do Sul sem que seja penetrado pelos serviços de inteligência do imperialismo? É uma pergunta de difícil resposta pois se dizemos que não, essa meditação não tem sentido e se afirmamos que sim, podemos cair no idealismo político que sempre tem sido mau conselheiro.
Se impõe então o "realismo político": aquele que nos permite assumir com um certo ceticismo os projetos teóricos, porém não por isso deixá-los de pensar e tentar realizá-los. O realismo político é o que incorpora, trabalha e põe toda sua confiança na racionalidade estratégica para lograr os bens e satisfazer os interesses da comunidade ou povo que melhor desenvolva sua estratégia. Nesse caso, essa que propomos aqui.