por Aleksandr Dugin
Para além das montanhas polares. |
Na geografia do mundo antigo há um padrão interessante. As civilizações antigas se formaram sob a influência de impulsos vindos do Norte, mas estes somente tomaram forma ao sul de um elemento geográfico particular: a cadeia de montanhas eurasiáticas que se estende dos Pirineus à Manchúria. A civilização emergiu dentro desse misterioso paradigma. Do norte dessas montanhas fluía o potencial humano puro, que se assentava e cristalizava em formas específicas no sul.
Os mitos dos povos antigos preservaram esse modelo em uma divisão binária do espaço: o espaço "bom" (civilizado) - China, Índia, Irã, Suméria, Assíria, Grécia, Itália, Ibéria - se encontra ao sul da cadeia montanhosa, cujos picos marcam o Norte longínquo, Tibet, Kailash, Alborz, Olimpo... O que se encontra ao Norte, para além do norte (daí a palavra grega "hiper-boreas", literalmente o que está "ao norte do Vento Norte" - "Jenseits des Nordens" em Nietzsche) é uma esfera sombria desconhecida, o mundo do barbarismo, a morada de seres infernais - pictos, germânicos, turanianos. Esse modelo duplo de geografia sagrada foi descrito em detalhe particular pelos antigos iranianos, por exemplo, no Shahnameh de Ferdosi. Isso deu início à concepção dualística clássica: Irã = Luz/ Turânia = Trevas, Irã = Civilização/ Turânia = Barbárie, Irã = Vida Sedentária/ Turânia = Nomadismo.
O cordão norte-eurasiático, da França até Amur, forma uma única zona, Turânia (que, na verdade, representa Hiperbórea ou pelo menos as fronteiras de Hiperbórea).
As antigas civilizações dos sistemas sulistas eram constantemente invadidas por essa região turaniana demonizada, que não só trazia destruição, ruína e morte, mas também injetava vida nova, sangue novo, e energia fresca nos regimes lentamente degradados do sul. Havia algo divino nas invasões bárbaras. Ao saquear, estuprar, destruir e queimar os centros de civilização, os turanianos deixavam em descoberto a essência secreta - a essência nua do ser. Eles deixavam para trás dinastias imperiais e exércitos invencíveis, uma nova ética de fraternidade e solidariedade, fala reta e vontade férrea, abraços apaixonados e morte cruel... Eles eram como um "flagelo de Deus" (como se acreditava), renovando um sul afeminado com o rigor austero do Norte.
As antigas civilizações temiam e não compreendiam as tribos da Turânia. Elas construíram a Grande Muralha e travaram campanhas punitivas para se protegerem, e as desprezavam e odiavam, mas com frequência surpreendente eles as lembravam de seus próprios ideais. Dura, indomável Turânia: impiedosa, de maçãs-do-rosto elevadas, olhos azuis, cabelos loiros e espírito altivo.
Turânia - Hiperbórea em sentido amplo - era a fonte do sangue real. A maior parte das linhagens imperiais e reais na história veio à zona civilizada a partir do Norte. As dinastias chinesas foram em sua maioria turanianas: Hun, Toba, Khitan, Jurchen, Mongol e finalmente Manchu. O próprio Alexandre o Grande era filho de um rei dos bárbaros do norte - Filipe da Macedônia.
A dualidade paradoxal da Turânia é evidente: um barbarismo portador de cultural, uma morte doadora de vida, uma destruição que abre o caminho para uma nova criação.
Turânia: o "flagelo de Deus", o pulso poderoso do continente, esmagando os veículos da civilização para liberar a luz encerrada dentro.
Em seu impulso construidor de impérios, Gengis Khan assumiu uma importante missão sacro-geográfica: "ele nivelou as montanhas" tornando a fronteira nórdica natural das civilizações sulistas transparente e passável. A abertura da região norte-eurasiática expandiu incrivelmente a visão geográfica dos sulistas. O norte convencional do continente, a cadeia montanhosa ou pólo "substituto", se mostrou uma realidade local ao invés de universal. O verdadeiro Norte - o grande Ártico - se manifestou. O Norte e o Sul foram eles mesmos integrados em uma única unidade de território eurasiano, subordinados à vontade do Norte em um sentido planetário, continental. Essa é a grande restauração nórdica da geografia sagrada, que foi alcançada por Gengis Khan através de seu império. Aí reside sua diferença fundamental em relação ao império de Alexandre, que permaneceu inteiramente ao sul da cadeia montanhosa eurasiana, ainda que a fonte de seu impulso também fosse localmente polar em origem (em relação à geografia sagrada da Grécia - a Macedônia balcânica.
A Mongolosfera de Gengis Khan não era meramente a imagem espelhada oriental do império ocidental de Alexandre, ela desvelou para novas civilizações o horizonte transcendental da dimensão nórdica do ser, aquela "Luz do Norte" que o esoterismo islâmico ensina. Gengis Khan veio daquele norte, abrindo o caminho para novos espaços espirituais.
"Apagar as montanhas" - o elemento-chave na geografia sagrada de toda a Mongolosfera, em cada senso: histórico, arquetípico e geopolítico.