por Alain de Benoist
O debate sobre a imigração apresentou de forma aguda as questões do direito à diferença, do futuro do modo de vida comunitário, da diversidade das culturas humanas e do pluralismo social e político. Questões de tal importância não podem ser tratadas com slogans sumários ou respostas pré-fabricadas. "Deixemos, pois, de opor exclusão e integração - escreve Alain Touraine. A primeira é tão absurda quanto escandalosa, porém a segunda tomou formas que é preciso distinguir e entre as que há que buscar, no mínimo, uma complementariedade. Falar de integração tão somente para dizer aos recém chegados que devem ocupar seu lugar na sociedade tal e qual era antes de sua chegada, isso está mais próximo da exclusão do que de uma verdadeira integração".
A tendência comunitarista começou a se afirmar no início dos anos oitenta, desde as mãos de proposições ideológicas certamente confusas, sobre a noção de "sociedade multicultural". Depois pareceu se atenuar por causa das críticas dirigidas contra ela em nome do individualismo liberal ou do universalismo "republicano": abandono relativo da temática da diferença, considerada como "perigosa"; denúncia das comunidades, invariavelmente apresentadas como "guetos" ou "prisões"; sobrevaloração das problemáticas individuais em detrimento das dos grupos; retorno a uma forma de antirracismo puramente igualitário, etc. A lógica do capitalismo, que para se estender necessita fazer desaparecer as estruturas sociais orgânicas e as mentalidades tradicionais, também pesou nesse sentido. O líder de minorias imigrantes Harlem Désir, acusado às vezes de ter se inclinado ao "diferencialismo", pôde jactar-se de ter "promovido o compartilhamento de valores comuns e não o tribalismo identitário, a integração republicana em torno a princípios universais e não a constituição de lobbies comunitários".
Toda a crítica do modo de vida comunitário se reduz, de fato, à crença de que a diferença obstaculizaria a compreensão interhumana e, portanto, a integração. A conclusão lógica dessa afirmação é que a integração ficará facilitada com a supressão das comunidades e a erosão das diferenças. Essa dedução se baseia em dois pressupostos: 1) Quanto mais "iguais" sejam os indivíduos que compõem uma sociedade, mais se "parecerão" e menos problemática será sua integração; 2) A xenofobia e o racismo são o resultado do medo ao Outro; em consequência, fazer com que a alteridade desapareça ou persuadir a cada um de que o Outro é pouca coisa se o comparamos com o Mesmo, implicará sua atenuação e inclusive sua anulação.
Ambos pressupostos são errôneos. Sem dúvida, no passado, o racismo pôde funcionar como ideologia que legitimava um complexo - colonial, por exemplo - de dominação e de exploração. Porém nas sociedades modernas, o racismo aparece mais como um produto patológico do ideal igualitário, quer dizer, como uma porta de saída forçada ("a única forma de se distinguir") no seio de uma sociedade que, aderida às ideias igualitárias, percebe toda diferença como insuportável ou como anormal. "O discurso antirracista - escreve a respeito Jean-Pierre Dupuy - considera como uma evidência que o desprezo racista pelo outro vai de mãos dadas com uma organização social que hierarquiza os seres em função de um critério de valor (...) [Agora bem] estes pressupostos são exatamente contrários ao que nos ensina o estudo comparativo das sociedades humanas e de sua história. O meio mais favorável ao reconhecimento mútuo não é o que obedece ao princípio de igualdade, senão o que obedece ao princípio de hierarquia. Esta tese, que os trabalhos de Louis Dumont ilustraram de múltiplas maneiras, somente pode ser compreendida sob a condição prévia de não confundir hierarquia com desigualdade, senão, ao contrário, opondo ambos conceitos. (...) Em uma verdadeira sociedade hierárquica, (...) o elemento hierarquicamente superior não domina os elementos inferiores, senão que é diferente deles no mesmo sentido em que o todo engloba às partes, ou no sentido em que uma parte toma a preeminência sobre outra na constituição e na coerência interna do todo".
Jean-Pierre Dupuy assinala também que a xenofobia não se define somente pelo medo ao Outro, senão, quiçá mais ainda, pelo medo ao Mesmo: "Do que os homens tem medo é da indiferenciação, e isso porque a indiferenciação é sempre o signo e o produto da desintegração social. Por quê? Porque a unidade do todo pressupõe sua diferenciação, quer dizer, sua conformação hierárquica. A igualdade, que por princípio nega as diferenças, é a causa do temor mútuo. Os homens tem medo do Mesmo, e a fonte do racismo está aí".
O medo ao Mesmo suscita rivalidades miméticas sem fim, e o igualitarismo é, nas sociedades modernas, o motor dessas rivalidades nas quais cada qual busca fazer-se "mais igual" que os outros. Porém, ao mesmo tempo, o medo ao Outro se soma ao mesmo pelo Mesmo, produzindo um jogo de espelhos que se prolonga até o infinito. Assim, se pode dizer que os xenófobos são tão alérgicos à identidade outra dos imigrantes (alteridade real ou fantasmal) como, inversamente, a quanto nestes há de não diferente, e que o xenófobo experimenta como uma potencial ameaça de indiferenciação. Em outros termos, o imigrantes é considerado uma ameaça ao mesmo tempo como pessoa assimilável e como pessoa não assimilável. O Outro se converte assim em um perigo na medida em que é portador do Mesmo, enquanto que o Mesmo é um perigo na medida em que empurra a reconhecer ao Outro. E este jogo de espelhos funciona tanto mais quanto mais atomizada está a sociedade, composta por indivíduos cada vez mais isolados e, portanto, cada vez mais vulneráveis a todos os condicionamentos.
Assim se compreende melhor o fracasso de um "antirracismo" que, no melhor dos casos, não aceita o Outro mais que para reduzi-lo ao Mesmo. Quanto mais erode as diferenças com a esperança de facilitar a integração, mais a torna, na realidade, impossível. Quanto mais crê lutar contra a exclusão querendo fazer dos imigrantes indivíduos desenraizados "como os outros", mais contribui para o advento de uma sociedade onde a rivalidade mimética desemboca na exclusão e na desumanização generalizadas. E finalmente, quanto mais "antirracista" se crê, mais se parece a um racismo classicamente definido como negação ou desvalorização radical da identidade de grupo, um racismo que sempre opôs a preeminência de uma norma única obrigatória, julgada explícita ou implicitamente como "superior" (e superior por "universal"), sobre os modos de vida diferenciados, cuja mera existência lhe parece incongruente e detestável.
Este antirracismo, universalista e igualitário ("indivíduo-universalista"), prolonga uma tendência secular que, sob as formas mais diversas e em nome dos imperativos mais contraditórios (propagação da "fé verdadeira", "superioridade" da raça branca, exportação mundial dos mitos do "progresso" e do "desenvolvimento"), não deixou de praticar a conversão buscando reduzir por todas as partes a diversidade, quer dizer, precisamente, tratando de reduzir o Outro ao Mesmo. "No Ocidente - observa o etnopsiquiatra Tobie Nathan - o Outro já não existe em nossos esquemas culturais. Já somente consideramos a relação com o Outro desde um ponto de vista moral, quer dizer, não somente de uma forma ineficaz, senão também sem procurarmos os meios para compreendê-lo. A condição de nossos sistema de educação é que temos de pensar que todo o mundo é parecido (...). Dizer-se 'devo respeitar ao outro' é algo que não tem sentido. Na relação quotidiana, este gênero de frase não tem nenhum sentido se não podemos integrar em nossos esquemas o fato de que a natureza, a função do Outro, é precisamente ser Outro. (...) França é o país mais louco para isso. (...) A estrutura do poder na França parece incapaz de integrar inclusive essas pequenas flutuações que são as línguas regionais. Porém é justamente a partir dessa concepção do poder como se construiu a teoria humanista, até a Declaração Universal dos Direitos Humanos". E Nathan conclui: "A imigração é o verdadeiro problema de fundo de nossa sociedade, que não sabe pensar a diferença".
É tempo, pois, de reconhecer ao Outro e de recordar que o direito à diferença é um princípio que, como tal, só vale por sua generalidade (ninguém pode defender sua diferença senão na medida em que reconhece, respeita e defende também a identidade do próximo) e cujo lugar é o contexto mais amplo do direito dos povos e das etnias: direito à identidade e à existência coletivas, direito à língua, à cultura, ao território e à autodeterminação, direito a viver e trabalhar no próprio país, direito aos recursos naturais e à proteção do mercado, etc.
A atitude positiva será, retomando os termos de Roland Breton, "a que, partindo do reconhecimento total do direito à diferença, admita o pluralismo como um fato não somente antigo, duradouro e permanente, senão também positivo, fecundo e desejável. A atitude que volta resolutamente as costas aos projetos totalitários de uniformização da humanidade e da sociedade, e que não veja no indivíduo diferente nem a um desviado ao que há que castigar, nem a um enfermo ao que há que curar, nem a um anormal ao que há que ajudar, senão a outro si-mesmo, simplesmente dotado de um conjunto de traços físicos ou de hábitos culturais, geradores de uma sensibilidade, de gostos e de aspirações próprias. À escala planetária, é tanto como admitir, após a consolidação de algumas soberanias hegemônicas, a multiplicação das independências, porém também das interdependências. À escala regional, é tanto como reconhecer, frente aos centralismos, os processos de autonomia, de organização autocentrada, de autogestão. (...) O direito à diferença supõe o respeito mútuo dos grupos e das comunidades, e a exaltação dos valores de cada qual. (...) Dizer 'viva a diferença' não implica nenhuma ideia de superioridade, de dominação ou de desprezo: a afirmação de si não se alça rebaixando ao outro. O reconhecimento da identidade de uma etnia somente pode subtrair às outras o que estas hajam acaparado indevidamente".
A afirmação do direito à diferença é a única forma de escapar a um duplo erro: esse erro, muito estendido na esquerda, que consiste em crer que a "fraternidade humana" se realizará sobre as ruínas das diferenças, a erosão das culturas e a homogeneização das comunidades, e esse outro erro, muito estendido na direita, que consiste em crer que o "renascimento da nação" será obrado inculcando em seus membros uma atitude de rechaço pelos outros.
A Identidade
A questão da identidade (nacional, cultural, etc.) também joga um papel central no debate sobre a imigração. De entrada, há que fazer duas observações. A primeira é que se fala muito da identidade da população de acolhida, porém, em geral, se fala muito menos da identidade dos próprios imigrantes, que não obstante parece, com muito, a mais ameaçada pelo próprio fato da imigração. Em efeito, os imigrantes enquanto minoria, sofrem diretamente a pressão dos modos de comportamento da maioria. Enviesada ao desaparecimento ou, inversamente, exacerbada de forma provocadora, sua identidade só sobrevive, com frequência, de maneira negativa (ou reativa) pela hostilidade do meio de acolhida, pela superexploração capitalista exercida sobre uns trabalhadores arrancados de suas estruturas naturais de defesa e proteção.
A segunda observação é a seguinte: resulta chamativo ver como, em certos meios, o problema da identidade se situa exclusivamente em relação com a imigração. Os imigrantes seriam a principal "ameaça", senão a única, que pesa sobre a identidade francesa. Porém isso é tanto como passar por alto os inúmeros fatores que em todo o mundo, tanto nos países que contam com uma forte mão-de-obra estrangeira como nos que carecem dela, estão induzindo uma rápida desagregação das identidades coletivas: primazia do consumo, ocidentalização dos costumes, homogeneização midiática, generalização da axiomática do interesse, etc.
Com semelhante percepção das coisas, é demasiado fácil cair na tentação do bode expiatório. Porém, certamente não é culpa dos imigrantes o fato de que os franceses já não sejam aparentemente capazes de produzir um modo de vida que lhes seja próprio nem de oferecer ao mundo o espetáculo de uma forma original de pensar e de existir. E tampouco é culpa dos imigrantes o fato de que o laço social se rompa lá onde o individualismo liberal se estende, que a ditadura do privado extingue os espaços públicos que poderiam constituir o crisol onde renovar uma cidadania ativa, nem que os indivíduos, submersos na ideologia do mercado, se distanciem cada vez mais de sua própria natureza. Não é culpa dos imigrantes o fato de que os franceses formem cada vez menos um povo, que a nação se converta em um fantasma, que a economia se mundialize nem que os indivíduos renunciem a ser atores de sua própria existência para aceitar que seja outros os que decidam em seu lugar a partir de normas e valores igualmente impostos por mão alheia. Não são os imigrantes, enfim, os que colonizam o imaginário coletivo e impõem na rádio ou na televisão sons, imagens, preocupações e modelos "vindos de fora". Se há "mundialismo", digamos também com clareza que, salvo prova em contrário, de onde provém é do outro lado do Atlântico, e não do outro lado do Mediterrâneo. E acrescentamos que o pequeno comerciante árabe contribui certamente mais a manter, de forma convencional, a identidade francesa do que o parque de diversões americanomorfo ou o "centro comercial" de capital muito francês.
As verdadeiras causas do desaparecimento da identidade francesa são, de fato, as mesmas que explicam a erosão de todas as demais identidades: o esgotamento do modelo do Estado-Nação, o desmoronamento de todas as instituições tradicionais, ruptura do contrato civil, crise da representação, adoção mimética do modelo americano, etc. A obsessão do consumo, o culto do "êxito" material e financeiro, o desaparecimento das ideias de bem comum e de solidariedade, a dissociação do futuro individual e do destino coletivo, o desenvolvimento das técnicas, o impulso da exportação de capitais, a alienação da independência econômica, industrial e midiática, destruíram por si só a "homogeneidade" de nossas populações infinitamente mais do que o que fizeram até hoje uns imigrantes que, por certo, não são os últimos a sofrer as consequências desse processo."Nossa 'identidade' - sublinha Claude Imbert - fica muito mais afetada pelo afundamento do civismo, mais alterada pelo bracejo cultural internacional dos meios de comunicação, mais laminada pelo empobrecimento da língua e dos conceitos, mais danificada acima de tudo pela degradação de um Estado antes centralizado, potente e normativo que fundava entre nós essa famosa 'identidade'". Em definitiva, se a identidade francesa (e europeia) se desfaz, é antes de tudo por causa de um vasto movimento de homogeneização tecnoeconômica do mundo, cujo vetor principal é o imperialismo transnacional ou americano-cêntrico, e que generaliza por todas as partes o não-sentido, quer dizer, um sentimento de absurdidade da vida que destrói os laços orgânicos, dissolve a socialidade natural e faz com que os homens sejam a cada dia mais estranhos uns para os outros.
Desde este ponto de vista, a imigração desempenha mais bem um papel revelador. É o espelho que deveria nos permitir tomar plena medida do estado de crise enrustida em que nos encontramos, um estado de crise no qual a imigração não é a causa, senão uma consequência entre outras. Uma identidade se sente mais ameaçada quanto mais vulnerável, incerta e desfeita se sabe. Por isso tal identidade já não pode se converter em fundo capaz de receber um aporte estrangeiro e incluí-lo dentro de si. Neste sentido, não é que nossa identidade esteja ameaçada porque haja imigrantes entre nós, senão que não somos capazes de fazer frente ao problema da imigração porque nossa identidade já está em boa medida desfeita. E por isso, na França, só se aborda o problema da imigração entregando-se aos erros gêmeos do angelismo ou da exclusão.
Xenófobos e "cosmopolitas", por outra parte, coincidem em crer que existe uma relação inversamente proporcional entre a afirmação da identidade nacional e a integração dos imigrantes. Os primeiros creem que um maior cuidado ou uma maior consciência da identidade nacional nos permitirá nos desembaraçarmos espontaneamente dos imigrantes. Os segundos pensam que o melhor meio de facilitar a inserção dos imigrantes é favorecer a dissolução da identidade nacional. As conclusões são opostas, porém a premissa é idêntica. Uns e outros se equivocam. O que obstaculiza a integração dos imigrantes não é a afirmação da identidade nacional senão, ao contrário, seu desaparecimento. A imigração se converte em um problema porque a identidade nacional é incerta. E ao contrário, as dificuldades vinculadas à acolhida e inserção dos recém-chegados poderão se resolver graças a uma identidade nacional reencontrada.
Vemos assim até que ponto é insensato crer que bastará inverter os fluxos migratórios para "sair da decadência". A decadência tem outras causas, e se não houvesse um só imigrante entre nós, não por isso deixaríamos de nos encontrar confrontados às mesmas dificuldades, ainda que desta vez sem um bode expiatório. Obscurecendo-se o problema da imigração, fazendo dos imigrantes responsáveis de tudo o que não funciona, se oblitera o concurso de outras causas e de outras responsabilidades. Em outros termos, se leva a cabo um prodigioso desvio de atenção. Seria interessante saber em benefício de quem.
Porém ainda há que se interrogar mais sobre a noção de identidade. Expor a questão da identidade francesa, por exemplo, não consiste fundamentalmente em se perguntar quem é francês (a resposta é relativamente simples), senão mais exatamente em se perguntar o que é o francês. Ante esta pergunta, muito mais essencial, os cantores da "identidade nacional" se limitam em geral a responder com lembranças comemorativas ou evocações de "grandes personagens" considerados mais ou menos fundadores (Clóvis, Hugo Capeto, os cruzados, Carlos Martel ou Joana d'Arc), inculcados no imaginário nacional por uma historiografia convencional e devota. Agora bem, este pequeno catecismo de uma espécie de religião da França (onde a "França eterna", sempre idêntica a si mesma, se encontra em todo momento pronta para enfrentar os "bárbaros", de modo tal que o francês termina definindo-se ao final, como o que não é estrangeiro, sem mais característica positiva que sua não-inclusão no universo alheio) não guarda relação senão muito distante com a verdadeira história de um povo cujo traço específico, no fundo, é a forma em que sempre soube fazer frente a suas contradições. De fato, a religião da França é hoje instrumentalizada para restituir uma continuidade nacional desembaraçada de toda contradição em uma ótica maniquéia onde a mundialização (a "Anti-França") é pura e simplesmente interpretada como "complô". As referências históricas ficam assim situadas em uma perspectiva ahistórica, perspectiva quase essencialista que não aspira tanto a contar a história como a descrever um "ser" que seria sempre o Mesmo, que não se definiriam ais que como resistência à alteridade ou rechaço do Outro. O identitário fica assim inevitavelmente limitado ao idêntico, à simples réplica de um "eterno ontem", de um passado glorificado pela idealização, uma entidade já construída que somente nos resta conservar e transmitir como uma substância sagrada. Paralelamente, o próprio sentimento nacional fica desligado do contexto histórico (o aparecimento da modernidade) que determinou seu nascimento. A história se converte, pois, em não-ruptura, quando a verdade é que não há história possível sem ruptura. Se converte em simples duração que permite exorcizar a separação, quando a verdade é que a duração é, por definição, disparidade, separação entre um e si mesmo, perpétua inclusão de novas separações. Em definitiva, o catecismo nacional se serve da história para proclamar sua clausura, em vez de encontrar nela um estímulo para deixar que prossiga.
Porém a identidade nunca é unidimensional. Não só associa sempre círculos de múltipla pertença, senão combina fatores de permanência e fatores de câmbio, mutações endógenas e aportes externos. A identidade de um povo ou de uma nação não é tampouco somente a soma de sua história, de seus costumes e de suas características dominantes. Como escreve Philippe Forget, "um país pode aparecer, à primeira vista, como um conjunto de características determinadas pelos costumes e hábitos, fatores étnicos, geográficos, linguísticos, demográficos, etc. Não obstante, esses fatores podem aparentemente descrever a imagem ou a realidade social de um povo, porém não dão conta do que é a identidade de um povo como presença originária e perene. Em consequência, os cimentos da identidade há que pensá-los em termos de abertura do sentido, e aqui o sentido não é outra coisa que o laço constitutivo de um homem ou de umap opulação e de seu mundo".
Essa presença, que significa a abertura de um espaço e de um tempo - prossegue Philippe Forget - "não deve remeter a uma concepção substancialista da identidade, senão a uma compreensão do ser como jogo de diferenciação. Não se trata de apreender a identidade como um conteúdo imutável e fixo, suscetível de ser codificado em um cânon (...) Frente a uma concepção conservadora da tradição, que a concebe como uma soma de fatores imutáveis e trans-históricos, a tradição, ou melhor, a tradicionalidade deve ser aqui entendida como uma trama de diferenças que se renovam e se regeneram no terreno de um patrimônio constituído por um agregado de experiências passadas, e posto a prova em sua própria superação. Nesse sentido, a defesa não pode e não deve consistir na proteção de formas de existência postuladas como intangíveis; deve mais bem se dirigir a proteger às forças que permitem a uma sociedade se metamorfosear a partir de si mesma. A repetição até o idêntico de um lugar ou a ação de 'habitar' segundo a prática de outro conduzem por igual ao desaparecimento e à extinção da identidade coletiva".
Como ocorre com a cultura, a identidade tampouco é uma essência que possa ser fixada ou reificada pelo discurso. Só é determinante em um sentido dinâmico, e só é possível apreendê-la desde as interações (ou retro-determinações) tanto das decisões como das negações pessoais de identificação, e das estratégias de identificação que pulsam sob elas. Inclusive considerada desde o momento da origem, a identidade é indissociável do uso que se faz - ou que não se faz - dela em um contexto cultural e social particular, quer dizer, no contexto de uma relação com os outros. Por isso a identidade é sempre reflexiva. Em uma perspectiva fenomenológica, implica não dissociar nunca a própria constituição e a constituição do próximo. O sujeito da identidade coletiva não é um "eu" ou um "nós", entidade natura, constituída de uma vez para sempre, espelho opaco onde nada novo pode vir a se refletir, senão um "si" que continuamente apela a novos reflexos.
Se impõe recuperar a distinção formulada por Paul Ricoeur entre identidade idem e identidade ipse. A permanência do ser coletivo através de mudanças incessantes (identidade ipse) não se pode limitar ao que pertence à ordem do acontecimento ou da repetição (identidade idem). Ao contrário, se acha vinculada a toda uma hermenêutica do "si", a todo um trabalho narrativo destinado a fazer aparecer um "lugar", um espaço-tempo que configura um sentido e forma a condição mesma da apropriação de si. Em efeito, em uma perspectiva fenomenológica, onde nada é dado de forma natural, o objeto procede sempre de uma elaboração constituinte, de um relato hermenêutico caracterizado pela afirmação de um ponto de vista que organiza retrospectivamente os acontecimentos para lhes dar um sentido. "O relato constrói a identidade narrativa construindo a da história contada - diz Ricoeur. É a identidade da história a que faz a identidade do personagem". Defender a própria identidade não é, pois, se contentar com enumerar ritualmente pontos de referência históricos fundacionais, nem cantar o passado para melhor evitar fazer frente ao presente. Defender a própria identidade é compreender a identidade como aquilo que se mantém no jogo das diferenciações - não como o mesmo, senão como a forma sempre singular de mudar ou de não mudar.
Não se trata, pois, de escolher a identidade idem contra a identidade ipse, ou ao contrário, senão de apreender ambas em suas relações recíprocas por meio de uma narrativa organizadora que toma em conta tanto a compreensão de si como a compreensão do outro. Recriar as condições nas quais volta a ser possível produzir tal relato constitui a apropriação de si. Porém é uma apropriação que nunca fica fixada, pois a subjetivação coletiva procede sempre de uma opção mais que de um ato, e de um ato mais que de um "fato". Um povo se mantém graças a sua narratividade, apropriando-se seu ser em interpretações sucessivas, convertendo-se em sujeito ao narrar a si mesmo e evitando assim perder sua identidade, quer dizer, evitando se converter em objeto da narrativa de outro. "Uma identidade - escreve Forget - é sempre uma relação de si a si, uma interpretação de si mesmo e dos outros, de si mesmo pelos outros. Em definitiva, é o relato de si, elaborado em uma relação dialética com o outro, o que completa a história humana e entrega uma coletividade à história. (...) A identidade pessoal perdura e concilia estabilidade e transformação por meio do ato do relato. Ser como sujeito depende de um ato narrativo. A identidade pessoal de um indivíduo, de um povo, se constrói e se mantém mediante o movimento do relato, mediante o dinamismo da intriga que fundamenta a operação narrativa, como diz Ricoeur".
Por último, o que mais ameaça hoje à identidade nacional possui uma forte dimensão endógena, representada pela tendência à implosão do social, quer dizer, a desestruturação interna de todas as formas de socialidade orgânica. A esse respeito, Roland Castro pôde justamente falar dessas sociedades onde "ninguém suporta já a ninguém", onde todo o mundo exclui a todo mundo, onde todo indivíduo se faz potencialmente estrangeiro para todo indivíduo. Ao individualismo liberal há que atribuir a maior responsabilidade nesse ponto. Como falar de "fraternidade" (na esquerda) ou de "bem comum" (na direita) em uma sociedade onde cada qual se submerge na busca de uma maximização de seus próprios e exclusivos interesses, em uma rivalidade mimética sem fim que adota a forma de uma fuga para a frente, de uma competição permanente desprovida de toda finalidade?
Como sublinhou Christian Thorel, "a recentralização sobre o indivíduo em detrimento do coletivo conduz ao desaparecimento do olhar para o outro". O problema da imigração corre o risco, precisamente, de obliterar essa evidência. Por uma parte, essa exclusão da qual os imigrantes são vítimas pode nos fazer esquecer que hoje vivemos cada vez mais em uma sociedade onde a exclusão é também a regra entre os próprios "autóctones". Como suportar os estrangeiros quando nós mesmos nos suportamos cada vez menos? Por outro lado, certas críticas se desmoronam por si mesmas. Por exemplo, aos jovens imigrantes que "tem ódio" é dito com frequência que deveriam respeitar o "país que os acolhe". Porém por que os jovens imigrantes deveriam ser mais patriotas que jovens franceses que tampouco o são? O maior risco, por último, seria deixar crer que a crítica da imigração, em si mesma legítima, será facilitada pelo aumento dos egoísmos, quando em realidade é esse aumento o que mais profundamento desfez o tecido social. Aí está, por outro lado, todo o problema da xenofobia. Há quem creia em fortalecer o sentimento nacional fundando-o no rechaço do Outro. Após o que, já adquirido o hábito, serão seus próprios compatriotas os que terminarão encontrando normal o fato de rechaçar.
Uma sociedade consciente de sua identidade só pode ser forte se consegue antepor o bem comum ao interesse individual; se consegue antepor a solidariedade, a convivência e a generosidade pelos outros à obsessão pela competição e pelo triunfo do "eu". Uma sociedade consciente de sua identidade só pode durar se se impõe regras de desinteresse e de gratuidade, que são o único meio de escapar à reificação das relações sociais, quer dizer, ao advento de um mundo onde o homem se produz a si mesmo como objeto após ter transformado tudo quanto lhe rodeia em artefato. Porque é evidente que não será proclamando o egoísmo, nem mesmo em nome da "luta pela vida" (simples transposição do princípio individualista da "guerra de todos contra todos"), como poderemos voltar a criar essa socialidade convivencional e orgâncica sem a qual não há povo digno de tal nome. Não encontraremos a fraternidade em uma sociedade onde cada qual tem por única meta "triunfar" mais que o próximo. Não restituiremos o querer viver juntos apelando à xenofobia, quer dizer, a um ódio por princípio ao Outro; um ódio que, pouco a pouco, terminará se estendendo contra todos.