08/10/2012

Sobre a Essência e Função Atual do Espírito Aristocrático

por Julius Evola



I

Existe um espírito aristocrático e dele ocorrem manifestações diversas, ligadas ao tempo e ao espaço. Estas manifestações, como tais, têm um caráter contingente, conhecendo uma gênese, um desenvolvimento, eventualmente também uma alteração e um declínio.

O espírito aristocrático é, contudo, superior e anterior a qualquer outro. Corresponde a um grau de realidade, a uma função primordial num todo. Há, pois, uma natureza supra-histórica e, digamos, metafísica. Como tal, ele perdura do nascimento ao declínio da aristocracia histórica que pode encarná-lo de maneira mais ou menos perfeita, num dado período, no ciclo de uma dada civilização e de uma dada raça.

Tal como a ideia de regnum, ou a de ordem, ou a de tradição, a ideia aristocrática possui, em si, a sua própria consagração e sua legitimação.

Estamos vislumbrando já o crepúsculo interior dos homens, pois, que se levanta a suposição de que foi a “História” que criou um regnum, uma aristocracia ou uma tradição, e que um e outras se justificam e são válidos à base de fatos contingentes, ou de utilidade, ou do domínio puramente material, ou da sugestão. A História, e em geral, tudo que é simplesmente humano, pode oferecer a dynamis, a força profunda pela qual, numa dada circunstância, um regnum se forma e o espírito aristocrático se manifesta.

Mas, na sua mais profunda essência, esta manifestação está rodeada por um mistério; é o mistério que se encontra em toda parte onde a vida superior encontra a inferior, por todo lado onde se realiza a correspondência entre os cimos e as influências das profundezas mais do que humanas.

Estes pontos de interferência constituem os momentos fatídicos da História. São pontos nos quais o que é símbolo se torna realidade e o que é realidade se torna símbolo, ou o que é poder se faz espírito e o que é espírito se faz poder.

II

Uma das táticas mais utilizadas pelas forças secretas da subversão mundial é a substituição do princípio pela pessoa. Sempre que se pretende desagregar uma organização tradicional, estas forças espiam o momento em que uma certa decadência virá manifestar-se nas representações históricas dos princípios fundamentais da dita organização. É o momento mais oportuno para a ação subversiva: faz-se tudo para que o processo desencadeado contra as pessoas se estenda insensivelmente aos próprios princípios que elas representam, e estas sejam atingidas por idêntico descrédito, consideradas caducas, substituídas por outras mais ou menos conotadas com a subversão.

Esta tática foi adotada já há muito tempo contra uma certa aristocracia europeia. A inegável degenerescência de uma parte desta aristocracia foi o instrumento mais útil para um ataque ao próprio espírito aristocrático. Por conseguinte, esta degenerescência não conduziu a que se exigisse que uma tal aristocracia degradada fosse deposta e substituída por outra com a mesma elevação de ideias, da qual poderia beber a autoridade e a razão de ser, mas conduziu a ignorar tal ideia a favor de forças e de pensamentos mais baixos.

De resto, isto não passa de um episódio mais vasto de subversão e de involução que merece ser brevemente recordado. Estamos a pensar nos quatro graus fundamentais da antiga hierarquia social ária, com os seus chefes régio-espirituais, a sua aristocracia guerreira, a burguesia e os trabalhadores.

A degenerescência da primeira casta não serviu senão para impor, em vez de chefes espirituais indignos, outros representantes autorizados do princípio em questão, mas serviu de pretexto precioso, através do qual a segunda casta, a aristocracia guerreira, foi levada a usurpar e assumir a autoridade que apenas cabia por legitimidade à primeira.

Numa segunda fase, a degenerescência de uma parte da aristocracia guerreira não teve, como consequência, um levantamento visando a sua restauração, mas, pelo contrário, uma segunda usurpação, aquela que foi operada pelo terceiro estado que se substituiu à nobreza armada, enquanto plutocracia burguesa.

Enfim, a degenerescência do sistema do terceiro estado, da burguesia e do capitalismo, não conduziu a uma eliminação oportuna de suas excrescências doentias e parasitárias; não, mas, de novo, inventou um processo, pelos seus próprios meios, contra o seu princípio, tornando propicia a tentativa de uma usurpação ulterior, da parte do quarto estado, do mundo materialista e proletarizado das massas (marximo-bolchevismo).

III

Desta breve síntese histórica ressalta, simultaneamente e de maneira bem clara, que o conhecimento da essência e da importância do espírito aristocrático é fundamental para a luta contra a subversão e para uma justa orientação, sobretudo na fase em que se encontra atualmente a “Civilização Ocidental”.

Hoje, algumas forças se ergueram, material e espiritualmente, contra a civilização e o espírito burguês, contra a plutocracia e contra o capitalismo. Desejam o fim da “época burguesa”. 

Existem, contudo, duas vias não só diferentes, mas opostas, para recusar a burguesia e provocar o fim da época burguesa.

Segundo a primeira via a burguesia, com tudo o que dela deriva, teria sido ultrapassada para dar lugar ao domínio das massas.

Desde outro ponto de vista, inverso, a ultrapassagem real da burguesia consiste num retorno a uma ideia aristocrática, isto é, a ideia pela qual, de um lado pela degenerescência de uma das partes e dos seus representantes, e, de outro, pela via de uma usurpação, será mudada a hegemonia dos burgueses e dos seus ídolos: o capital, o ouro, a economia sem pátria e sem rosto.

Aquela alternativa pode esclarecer-se por um ponto de vista ulterior. Estas forças tem, de forma inegável, aspectos de “totalização” e de socialização, exteriormente semelhantes às que são também próprias do “ideal” social marxista-comunista. Em que medida estas forças aparecendo no fim de um ciclo que se caracteriza precisamente por regredir, são diferenciadas, qualitativas e pessoais, do anonimato do coletivo? Para responder a esta questão é necessário projetar luz sobre o fenômeno do totalitarismo e da concentração estatal, que tem dois significados opostos, conforme a “direção” e o tipo de regime da sociedade antecedente. Mas, a este propósito, a pedra de toque fundamental é, presentemente e uma vez mais, a ideia aristocrática.

Tomemos o caso em que a ordem pré-existente à totalização era a de uma sociedade bem articulada – não artificialmente, mas por vocação natural – em estratos, não fechados e contrastantes, mas agenciados com ordem, em harmonia com um todo hierárquico.

Suponhamos, além disso, que a diferenciação e o anticoletivismo exprimem-se também através de uma certa repartição do poder e da soberania, numa dada repartição das funções e dos direitos particulares sobre os quais podia imperar a autoridade central, mais reforçada do que diminuída em seu princípio puro e imaterial, justamente por meio dessa descentralização parcial.

Se, numa tal sociedade, estabelecêssemos o centralismo e o totalitarismo, isso significaria para nós uma destruição e uma desarticulação, a regressão orgânica até o estado amorfo.

Reunir, de forma absolutista, todos os poderes no centro significaria, neste caso, o mesmo que querer ligar diretamente apenas ao cérebro todas as funções e atividades do corpo, como para realizar a condição daqueles animais inferiores apenas constituídos por uma cabeça e um corpo inarticulado e indiferenciado.

Tal é o sentido do absolutismo antiaristocrático e nivelador, seguido metodicamente, sob a influência de diversas circunstâncias, sobretudo pelos reis de França. Através da revolução jacobina tivemos, em primeiro lugar, a demagogia e o advento do terceiro estado. Os reis absolutistas e hostis à aristocracia, cavaram, com efeito, o seu próprio túmulo. Enquanto de um lado a sua dignidade se secularizava e perdia a consagração original, centralizando, desossando e desarticulando o Estado, substituindo-o por uma superestrutura burocrático-estatal, de forma autoritária destinada à responsabilidade, à parcialidade e à autoridade da soberania pessoal, criava-se um vazio interno, porque a fútil aristocracia cortesã não tinha nenhum significado e os militares que a ela pertenciam se encontravam privados de ligações diretas com o país.

Uma vez destruída a estrutura diferenciada que servia de intermediário entre a nação e o soberano, não restava senão a nação enquanto massa, separada do soberano e da sua soberania secularizada.

A revolução varreu facilmente, e de um só golpe, esta superestrutura e colocou o poder nas mãos da própria massa. Este é um exemplo da primeira via, regressiva, do processo de totalização estatal.

Diferente é o caso quando o regime que antecedeu o processo de concentração autoritária não era um conjunto ordenado, hierárquico, distinto, mas antes uma sociedade em vias de dissolução, como se verifica na época atual.

O liberalismo, a democracia, o racionalismo, o internacionalismo reduziram as nações ao estado de fracas massas que se dispersam em todas as direções para chegar ao fundo da encosta representado pelo marxismo e o bolchevismo.

Diante de tal estado de coisas, o primeiro e mais urgente dos deveres é criar, por todos os meios, um dique, um freio, neutralizar a tendência centrífuga por meio de uma força política centrípeta. É precisamente neste caso que se pode admitir um processo de totalização que tende para a força.

Trata-se, de qualquer modo, de um dever preliminar, sendo prioritário devolver à nação as partes divididas, reunificá-la sob o signo de diversos mitos e símbolos. Trata-se de espaçar de qualquer coletivismo para dar vida a uma estrutura hierárquica muito estável, bem moldada com o relevo próprio do princípio da personalidade e, alem disso, da verdadeira autoridade espiritual.

Mas reconhecer tudo isso significa reconhecer precisamente que é a ideia aristocrática que diferencia os dois casos: quer dizer que, em tal ocorrência, encontram-se na base correntes que pertencem historicamente ao fim de um ciclo, diferenciando-se estas correntes nitidamente das outras que representam já o princípio de reconstrução e da ressurreição, mais além do internacionalismo e do coletivismo correntes.

IV

Sendo o espírito aristocrático anterior e superior a todas as suas manifestações, o problema de qualquer formação aristocrática concreta pressupõe a compreensão aprofundada da própria essência de tal espírito.

Devemos, de qualquer forma, lembrar-nos de que, quanto à reconstrução, não se trata de uma classe simplesmente política mais ou menos próxima do corpo administrativo ou legislativo do estado. Trata-se, antes do mais, de um prestígio e de um exemplo que, em relação a uma determinada casta, devem poder formar uma atmosfera, cristalizar um estilo de vida superior, despertar formas especiais de sensibilidade e dar, assim, o tom de uma nova sociedade.

Essa é a razão de podermos pensar numa espécie de Ordem, na acepção viril e ascética que findou com a civilização imperial gibelina. Melhor ainda, poderíamos evocar as mais antigas sociedades indo-europeias e indoarias, em que a elite não era, de maneira alguma, organizada materialmente, em que não usava de sua autoridade para representar qualquer poder tangível ou qualquer poder abstrato, mas podia manter bem firme o seu estatuto e dava o tom às civilizações com as quais se relacionava, por meio de uma influência direta, emanada da sua própria essência.

O mundo moderno conhece muitas contrafações de elitismo, em relação às quais é preciso guardar distância. O espírito aristocrático é, por natureza, antirracionalista. Por exemplo, devemos tomar uma posição firme contra a pretensa “aristocracia do pensamento”. O culto supersticioso do “pensamento” pertence tipicamente à civilização burguesa que nos combate e que o inventou por razões polêmicas precisas.

É contra esses últimos restos da aristocracia de sangue e do espírito que, para despojar, a civilização burguesa, consolidando-se com o advento do terceiro estado, inventou, de fato, o direito da “verdadeira” aristocracia, que seria justamente a do pensamento, da qual provém, em grande parte, os “nobres” princípios elaborados de forma oculta no iluminismo maçônico.

O regresso a uma civilização aristocrática real pressupõe a ultrapassagem de um tal mito burguês.

O que é esta “aristocracia do pensamento”? Em boa parte, reduz-se aos famosos “intelectuais”, aos criadores de tão brilhantes quanto arbitrárias “filosofias”, aos poetas, literatos e humanistas, em suma, mais ou menos àqueles a quem Platão, em face dos verdadeiros líderes e sábios, queria justamente banir do seu Estado, qual não era, em nada – como se crê vulgarmente – um modelo utópico, mas refletia o que, tradicionalmente, sempre foi dito por normal, no que toca a sistemas políticos.

Basta formular a ideia de que uma elite de intelectuais, humanistas e pensadores – um pouco mais fracos, também, quanto ao caráter, do que os pequenos burgueses – possa-se colocar no topo de uma civilização, para perceber todo absurdo e anacronismo, não só quanto ao verdadeiro espírito aristocrático, mas igualmente para ver todo o antirracionalismo que anima as forças às quais aludimos acima.

V

Uma vez dissipadas as névoas do iluminismo progressista e cientificista, devemos também guardar distância em relação a uma “aristocracia do pensamento”, concebida como uma reunião de sábios, inventores e técnicos. Todos estes são, indubitavelmente, elementos úteis e indispensáveis numa sociedade do tipo moderno, e uma nova concepção de Estado onde estes elementos sucedessem aos “demo-parlamentares” é bem a afirmação do princípio das competências no próprio elemento político. Por isso, também é evidente que esta aristocracia jamais poderia representar a substância necessária para ser o núcleo central de uma civilização nova, para além da burguesa ou coletivista.

Mas o pensamento de uma elite de técnicos está mais próximo do marxismo e do bolchevismo, visando resolver os problemas puramente materiais, sociais e econômicos, podendo iluminar a humanidade coletivista e, uma vez prestando esse serviço, poderiam então aspirar a um reconhecimento superior.

VI

Também não há identidade entre o espírito aristocrático e uma ideia genericamente autoritária ou ditatorial. Basta a existência de uma expressão como “ditadura do proletariado” para nos mostrar a necessidade de especificar, de fato, a ditadura e o autoritarismo.

Já tentamos demonstrar que o fenômeno do elitismo, ou seja, uma minoria dirigente, é fatal em história. Um autor – Pareto – falou, a este respeito, de uma “circulação das elites”, que se substituem umas às outras, emergindo por meio de uma técnica de domínio mais ou menos análoga, servindo-se de ideias diferentes, mas que são muito mais mitos de que se servem do que verdadeiras ideias próprias, isto é, centros de cristalização bem preparados para as forças sugestivas irracionais.

Visto assim, o elitismo aparece-nos como um conceito apenas formal: uma certa casta tornar-se-á elite quando tem o poder, quando sobre ele exerce uma certa sugestão; enquanto, para a concepção normal, uma certa casta deve estar no poder e este deve até ser-lhe dado, posto que ela é a elite, isto é, um grupo selecionado (elite vem de eligo, eleito), tendo uma superioridade muito própria, um prestígio e uma autoridade inseparáveis de certos princípios imutáveis, de um certo estilo de vida, de uma certa essência.

O verdadeiro espírito aristocrático não pode ter traços comuns com as formas de domínio à base do maquiavelismo, ou de demagogia, como aconteceu nas antigas tiranias populares ou com os tribunos da plebe.

O espírito aristocrático verdadeiro já não pode ter por base uma teoria do “super-homem”, se pensássemos apenas num poder assente sobre as suas qualidades, puramente individuais e naturalistas, de personagens violentas e temíveis. No seu princípio mais íntimo, a substância do espírito aristocrático é, pelo contrário, olímpica – já mostramos como provém de uma ordem metafísica.

A base do espírito aristocrático é, antes do mais, espiritual. O sentido da espiritualidade tem, no entanto, pouco a ver com a noção moderna.

Esta espiritualidade relaciona-se com um sentido inato de soberania, com um desprezo pelas coisas profanas comuns, que se adquirem, que nasceram da habilidade, do engenho, bem como do talento. Desprezo que se aproximaria bastante do professado pelo asceta, diferenciado-se, contudo, pela completa ausência de pathos e de ressentimento.

Poderíamos reduzir a essência da verdadeira natureza nobre a esta fórmula: uma superioridade de raça, em relação à vida tornada natureza.

Esta superioridade, que tem algo de ascético, não serve, no tipo aristocrático, para criar uma antítese ao seu próprio ser. Como uma segunda natureza, domina e impregna, de um modo calmo, a parte humana inferior do eu, traduzindo-se por uma dignidade imperial, na força, na retidão, na calma e no comportamento controlado da alma, da palavra, do gesto.

Daí, num tipo humano, essa mesma calma, essa força intangível estar no mais nítido contraste, com a do tipo “titânico”, prometeico e telúrico. Se a Antiguidade atribuía simbolicamente uma origem celeste, “urânica”, a todas as principais raízes do espírito aristocrático, devemos entender ai a identificação precisa deste núcleo “olímpico” da essência aristocrática.

Lembremo-nos da antiga concepção ário-helênica do nous: não é o mero “espírito” dos intelectuais modernos, é, inversamente, o elemento sobrenatural do Homem, que era para a alma o que o Sol era para a Lua, a substância de uma virilidade imaterial; e também se disse que os Deuses reservariam para si o nous e abandonariam, à maior parte do humanos, a inquieta razão.

É assim que, no mito, a astúcia e a audácia nada puderam contra o nous olímpico, nem a tragédia dos homens e até dos heróis que tocaram esse nous, que dominou como uma luz calma e firme.

E quem participa disso – pensava-se – é verdadeiramente de estirpe real, como tal, participa também da comunidade do divino, própria do estado primordial e das suas linhagens que lhes seriam aliadas, constituiriam as raças superiores, as super-raças, as que positivamente resultaram da oscilação entre a condição humana e a condição mais do que humana e que, originalmente, foram próprias de certas linhagens terrestres.

Destes valores supra-históricos, conservou-se sempre um reflexo, em todo o lado onde existiu, na História, uma realização do verdadeiro espírito aristocrático.

VII

A ideia de raça tem de ser posta – no valor mais profundo e mais autêntico do seu significado – em relação com a ideia aristocrática. Contudo, há que tomar precauções para que, devido a uma generalização, a noção de raça não perca a sua força e não se esvazie de seu sentido mais elevado e mais tradicional. Na história, a ideia de raça esteve sempre na mais estreita relação com a de aristocracia, e esta ligação impediu constantemente a sua materialização numa espécie de zoologismo.

Os atributos da raça sempre foram sinônimo, aproximadamente, de aristocracia. A qualidade de “raça” sempre designou a de elite. Opõe-se à qualidade de homem vulgar porque surge, em boa medida, essencial, inata e relacionada com os valores superiores.

Para clarificar tais valores, é muito importante distinguir os diversos aspectos que, em geral, encontram-se na raça.

O primeiro aspecto é a raça do corpo, o segundo é a raça enquanto alma, o terceiro é a raça enquanto espírito. Trata-se de três manifestações bem distintas de uma mesma essência, às quais corresponde uma hereditariedade igualmente distinta, com as suas leis próprias e certos limites. Enquanto no primeiro grau de raça se reconhece uma certa forma hereditária do aspecto físico, no segundo, manifesta-se num certo tipo de experiência e, no terceiro, uma certa forma de tradição.

Na forma mais elevada de sua manifestação, a raça liga-se a um elemento suprabiológico, por qualidades e forças tais que, na sua pureza, não podem realizar-se e preservar-se senão numa elite, já que se dispersariam fatalmente nas massas.

Pode então dizer-se que, se a raça encontra-se de uma forma difusa em todos os representantes de um dado tronco, nos seus graus superiores ela não se realiza, entretanto, senão num dado grupo, o qual, no interior do tronco em questão, apresentar-se-á simultaneamente como a substância mais imediata para uma encarnação do espírito aristocrático.

Aqui vive e impõe-se o que bem podemos chamar de “raça eterna”. O corpo desta manifestação é, simultaneamente, a tradição e seus autênticos representantes. A tradição representa a alma inteira e o núcleo metafísico da raça biológica, ou seja, a raça enquanto espírito. Os arautos da tradição representam, por sua vez, a veia olímpica desta linhagem, ou seja, a aristocracia.

Tradição vem do termo tradere, que significa transmitir. Deste modo, parece não haver limites para o conteúdo deste conceito, isto é, tudo o que foi transmitido pode ser chamado tradição. 

De um ponto de vista superior, as coisas são, todavia, diferentes. Presume-se, de fato, no ato de transmitir, uma continuidade, uma identidade de conteúdo, coisa que, por sua vez, não se pode conceber sem um certo distanciamento da condição temporal. Não podemos, pois, falar de tradição, em sentido superior, quando o conteúdo não está ligado a qualquer coisa de metafísico e de supratemporal.

A tradição pode ter forma de expressão e de manifestação variadas, condicionadas por circunstâncias diversas, por vezes mutantes, outras vezes aparentemente contraditórias.

Mas, para que a tradição não signifique “rotina”, a mera transmissão mecânica de usos, de hábitos, de ideias que se estratificariam e, ainda mais, tornar-se-iam opacas e sujeitas a ser deformadas para lá das formas exteriores de expressões da tradição, deve subsistir uma fonte mais profunda e mais contínua, e homens que, desta fonte, tenham uma clara e plena consciência.

É, então, necessário um esoterismo da tradição que, por base natural, não tenha senão esses elementos, os quais são, de modo simultâneo, os representantes do espírito aristocrático. E que estejam, no fundo, em reciprocidade condicional: a tradição serve de base ao espírito aristocrático, como ele próprio serve de alicerce à tradição que, pelo seu lado, exprime a raça eterna ou a eternidade da raça.

Neste conjunto, o auge e a força mais interior e mais sutil de uma tradição constituem, de certo modo, o elemento supranacional de uma nação, ou a super-raça de uma raça. Daí advém uma possibilidade de entendimento e de solidariedade sob o signo do verdadeiro espírito aristocrático, que o passado tradicional sempre demonstrou na ordem dos povos de origem comum, refletida também em certos costumes familiares e raciais da precedente aristocracia europeia.

Sabe-se, da criação de animais, que o “puro-sangue” nem sempre sai de progenitores da mesma espécie, mas pode ser também o produto de um cruzamento de pais diferentes, na condição, porém, de serem de uma mesma categoria e uma mesma pureza. A qualidade de puro-sangue perde-se, pelo contrário, e teremos abastardamento, se o cruzamento tem lugar com um tipo inferior, ainda que da mesma espécie.

É da intuição de uma lei análoga, atuando num plano superior, que deriva o sistema do parentesco supranacional de várias dinastias e de diversas famílias aristocráticas europeias; pelos cruzamentos, ou seja, segundo o princípio da qualidade.

Mesmo se este sistema tem seu lado sombrio, na base há o reflexo de uma verdade superior. 

É o princípio da comunidade de tronco, segundo a raça do espírito, a unidade e a homogeneidade – que se atenua através dos topos, não por promiscuidade, mas por culminações hierárquicas –, na base do elemento metafísico e eterno, potencialmente compreendido em cada um deles e inseparável da substância dos representantes qualificados do verdadeiro espírito aristocrático.

VIII

A respeito do racialismo contemporâneo, existe uma dupla possibilidade de interpretação absolutamente análoga à que indicamos para a concentração totalitária. E, também neste caso, o critério de avaliação é-nos dado pelo espírito aristocrático.

Algumas pessoas acreditaram poder considerar o racialismo político contemporâneo como um capítulo do humanismo, no sentido mais geral de uma concepção do mundo e da vida, no centro da qual estaria, essencialmente, o Homem.

Desde a pretensa Renascença, utilizou-se sistematicamente a tendência para deslocar, no Homem, a mística do divino e, coisa singular, quanto mais se avançou nesse sentido, tanto mais o Homem deixou de ser considerado como ser privilegiado da Criação, sendo estudado já não na base da sua origem e do seu destino sobrenatural, mas antes como uma das numerosas espécies naturais e, por fim, como uma das espécies animais.

Desta feita, a palavra “antropologia”, que significava, de início, a ciência do Homem em geral, no seu aspecto exaustivo, físico e espiritual, acabou por assumir um novo valor; deixou de ser a ciência do Homem como tal, mas a do Homem como ser da Natureza, ao qual se podiam aplicar os métodos de classificação semelhantes aos da Zoologia e da Botânica; a antropologia transformou-se na ciência natural do Homem.

Ao mesmo tempo, funcionou a tendência, acima mencionada, de divinizar o Homem; encontramo-la já no culto, deísta e ilumino-maçônico, da “Humanidade”, que se foi desenvolvendo até à mística do Homem coletivo e do messianismo técnico.

Ora, segundo os autores que a isso aludem, essa tendência tomou também aspectos muito diferentes, como a tendência a divinizar o Homem enquanto substância de uma dada nação, de uma dada linhagem ou, precisamente, como realidade biológica, como sangue e raça.

Todavia, esta interpretação, apenas própria de algumas formas extremistas de racismo, ainda que tendo um caráter exclusivamente “científico”, no sentido moderno materialista e positivista do termo, oscila ligeiramente, querendo promover uma mística sui generis, na área dos cientistas. Mas não é o caso de todos os racialismos.

Logo a partir de Gobineau, a origem do racialismo em base aristocrática deixa de ser bem visível. O racialismo afirmou-se, no mundo moderno, como uma reação contra o pântano do igualitarismo democrático e contra um clima materialista e antiqualitativo que, no fundo, é justamente aquele onde se desenvolveu o próprio cientificismo. Cientificismo onde, por uma curiosa inversão, o racismo, nalguns dos seus aspectos, foi buscar muitas das suas armas e encontrou o seu álibi.

É bem possível, no racialismo, discriminar e isolar a potencialidade à qual acabamos de aludir, entendendo-a como um princípio de revolta contra uma civilização internacionalista, niveladora, racionalista e plebeia, pressentindo, todavia, no retomo à ideia de raça - e, antes de mais, de raça superior ou de super raça - como a retomada de uma herança espiritual e aristocrática que teríamos esquecido, ou dissipado de maneira irresponsável.

É por isso que, quando o racialismo reconhece apenas a componente humanístico-materialista, pode muito bem acontecer que, nas suas formas extremistas, o seu posicionamento se encaminhe para o fim de um ciclo. Tendo perdido o sentido da realidade metafísica e de elemento divino do homem, uma certa Civilização Ocidental acabou por considerar o Homem em si mesmo, depois, sucessivamente, o Homem como simples espécie animal e, no que toca à raça – como realidade somente biológica - está em vias de fazer dela uma mística.

Mas quando o racialismo participa da outra componente - da aristocrática, que, como lembramos, exerce uma influência precisa sobre os últimos teóricos das raças “viris”, “diurnas” e “ativas”, e sobre o mito geral da raça indo-europeia, nórdico-ária e ário-romana dominante - o laço histórico do racialismo é muito diferente - pode acabar pelo começo de um novo ciclo reconstrutivo.

Mesmo se ele recorre a varias armas da ciência moderna para a defesa da raça do corpo, este racialismo tem a possibilidade de utilizar essas armas contra a concepção materialista, democrática e racionalista, próprias das últimas fases da decadência europeia. Afirmando, contra tais conceitos, o valor do sangue, da tradição; estabelecendo, como finalidade, restaurar as diferenças e as hierarquias: o racialismo pode ter uma acepção de restabelecimento e retomada de valores superiores.

De resto, é o espírito aristocrático que condiciona esta possibilidade superior do racialismo moderno, que é, na realidade, a união orgânica e profunda já esboçada entre os conceitos de raça e de gradação interna de raça, de tradição e de esoterismo da tradição, enfim, de uma elite viril e espiritual, aderindo ao antigo ideal indo-europeu da superioridade olímpica.

IX

A função fundamental de uma verdadeira aristocracia é dar o “tom” a uma civilização, mais por uma ação “catalítica” do que por uma ação direta, quer dizer, uma ação exercida pela simples presença. Esta ideia não deve, contudo, ter como consequência um dualismo, fazendo supor que aqueles que detêm o poder político não devem ser os representantes da aristocracia em questão e, por seu turno, os que representam esta aristocracia não devem ter um poder político.

Pelo contrário, ocorre considerar uma função também política para os representantes do verdadeiro espírito aristocrático e defini-lo por algumas breves considerações.

Há demasiadas pessoas que, hoje em dia, consideram essenciais, para a qualificação política, a falta fundamental de princípios, quando não de caráter, uma “plasticidade” e uma “ductilidade” face às mais contingentes circunstâncias externas, um realismo de mau quilate.

Pelo contrário, acreditamos que, quando não há princípios, valores espirituais, não se pode falar de verdadeira classe dirigente, nem de senso político.

Ora, o papel de uma verdadeira aristocracia, num Estado verdadeiro, deve ser, a este respeito, dar a todos a sensação de uma terra firme, de um centro imutável, superior às vicissitudes incertas e às contingências, das quais é natural não se abstrair, mas às quais nos devemos impor, para as vencer com os meios mais adequados, nas direções pretendidas.

Sem isso, se não se pode realizar uma obra educativa e formativa, num sentido superior, não se pode inspirar confiança a uma nação; porque nunca se chegará ao fim, nem sequer com o emprego de “mitos”, ou seja, ideias que não valem pelo seu conteúdo intrínseco, mas pelo seu confuso poder de sugestão, irracional e sub-racional.

Pela participação dos representantes do verdadeiro espírito aristocrático na classe política, pelos valores éticos e espirituais, pela sua harmonização e bom fundamento, deveríamos entrar numa posição de equilíbrio com os valores materiais e sociais.

Assim, os valores superiores conseguiriam penetrar o ser humano integralmente, dar uma orientação a toda a sua atividade e tornar possíveis a formação e a conservação ininterruptas das qualidades de caráter e de “raça”, aquelas de que a classe política dirigente deveria ser a primeira a dar o exemplo.

Estas qualidades são a lealdade, a sinceridade, o sentimento da honra, a coragem não só física mas também intelectual e moral, a força de decisão. Mas, acima de tudo isso, conviria acrescentar a tendência para um estilo ascético, uma ausência de vaidade, uma personalidade viril e digna.

Gostaríamos de utilizar esta expressão: a ascese ou o ascetismo do poder.

Tais deviam ser os efeitos do espírito aristocrático nos elementos políticos dirigentes.

Para dar o sentido do poder, é necessário fazer sentir a diferença entre este e a riqueza. O poder político que, por uma tal via, tenderia a ligar-se também a uma verdadeira autoridade espiritual, devia afirmar-se em independência total de qualquer poder que estivesse ligado à riqueza. Nada de riqueza, pois, mas algo mais do que isso: o poder sobre a riqueza.

Aquele que detém verdadeiramente o poder e tem consciência de ser digno dele, que se sente realmente superior, também se apercebe de que qualquer forma de vaidade e de personalismo o diminuiria. Vaidade e personalismo são formas artificiais e fictícias de valor perante si próprio e perante os outros, que não fazem falta nenhuma. Nada têm a ver com um estilo de vida indo-europeu, nórdico-ária e ário-romano.

É assim que se pode formar um novo grupo dirigente, anti-intelectualista, asceta e heroico, quase feudal e bárbaro na sua dureza e nas suas formas austeras, silencioso, fechado e impessoal como uma Ordem, mas, exatamente por isso, concretizando uma forma superior de personalidade, não improvisada, mas justificada, por uma tradição e com uma raça, vividas, uma e outra, nos seus valores mais profundos e mais transcendentes.

As forças desta elite não deverão perder o contato com os diversos planos da vida nacional. 

O seu dever será o de que, no enquadramento dos verdadeiros problemas políticos, nacionais e internacionais, a realização mais rigorosa das finalidades temporais acompanhe a adesão às ideias fundamentais das tradições próprias e ao respeito dos seus valores essenciais, sobre os quais se alicerçam a dignidade humana e a própria noção de personalidade.

É por isso que trataremos também de uma ação de edificação interior, não muito diferente da desenvolvida nas civilizações de outra natureza, de administradores de uma certa fé; com a diferença, porém, da negação de qualquer dualismo unilateral e destruidor.

No mundo moderno, prospera uma selva onde abundam os mitos políticos e a própria palavra “mística” se vê utilizada nas mais diversas e mais bizarras ocasiões.

Contudo, fora de frases feitas, vivemos numa época em que é difícil dizer aos homens qual é o sentido da razão mais profunda pela qual todos trabalham, se submetem a toda a espécie de disciplinas, produzem, fatigam-se e, muitas vezes, sacrificam-se ou dão a vida heroicamente.

Neste domínio, os chefes, pela palavra, pelo exemplo, pela ação, de todas as maneiras, em suma, deveriam mostrar a claridade, mostrar um caminho, deviam imprimir, em todas as formas de vida e de ação do Homem Novo, antiburguês e anticoletivista, um significado superior transfigurador.

Evoquemos uma ideia que é clássica e indo-europeia, antes mesmo de ter sido retomada e, em certa medida, adulterada pela fé ocidental predominante. Existem dois Estados: um grande, que retoma tanto as forças humanas como as forças divinas - qua dii atque homines continentur -; o outro é aquele em que o destino está ligado desde o nascimento.

“Há seres que servem simultaneamente um e outro Estado, uns apenas o menor, os outros apenas o maior” (Sêneca)

Diz um antigo ditado nórdico: “Quem é chefe, é ponte”, isto é, a ligação entre duas margens, entre dois mundos, para compreender a natureza dos dois. O sentido original, pré-cristão, do termo “Pontifex” é o mesmo: fabricante de pontes. É o mesmo termo que designava, na antiga civilização indo-ária, a função que o conjunto dos chefes espirituais reservava para si.

Esta função mantém-se a mesma para qualquer grupo de homens que, num dado momento da História, tenham de encarnar o espírito aristocrático à mais alta potência.

É, simultaneamente, uma função ética: a ascese do poder, em testemunho de um tipo humano superior. E é, também, uma função política, porque os chefes têm competência para indicar as vias pelas quais desempenhar seja em que lugar for no Estado temporal, e pode assumir, ao mesmo tempo, a importante salvaguarda do Estado interior e transcendente, para que qualquer inimigo exterior possa ser combatido, da mesma forma que o será qualquer inimigo interior. Para que, enfim, estas vias indicadas pelos chefes, no plano das nações ligadas por um mesmo destino e uma mesma origem, possam realizar uma unidade na honra e na fidelidade, acima de qualquer ambição particular, acima de qualquer vontade selvagem de poder e de qualquer emboscada vinda das forças secretas da subversão mundial.

Este último aspecto da questão será objeto de um outro artigo. Hoje, a compreensão do espírito aristocrático tem um caráter de particular atualidade. Não para alimentar um conservadorismo frouxo, mas para incitar a um regresso à tradição viva. Não para inspirar uma nostalgia estéril por um passado de novo desejado, mas para excitar uma vontade dirigida a um futuro construtivo.

Das considerações que acabamos de desenvolver sucintamente, podemos ser levados à convicção de que uma nova manifestação do espírito aristocrático, de uma forma adaptada ao nosso tempo, é uma condição pela qual - numa substância ainda dinâmica e vulcânica, agitada pelas trágicas vicissitudes de uma necessária operação de demolição sempre em curso - se previne qualquer tendência negativa, coletivizante e materializante. Pelo contrário, defenderemos, de maneira cada vez mais exata, a tendência positiva: a única que pode assumir um valor de recuperação, de reconstrução e de reanimação da maior herança ario-europeia.