02/10/2012

A Europa-Estado e a Europa-Nação se farão contra os EUA

por Jean Thiriart



A construção europeia nascida do tratado de Roma (25 de março de 1957) deve conduzir à Europa-Estado. É uma construção válida, indispensável e não deveríamos rechaçá-la por seu caráter técnico em nome do sentimentalismo. A Europa do Mercado Comum é positiva. Porém está limitada em suas ambições. Aponta à posta em marcha de estruturas estatais. É ao mesmo tempo muito e pouco. A Europa não estará terminada até que não seja ao mesmo tempo Estado e Nação, ou seja estruturas e consciências.

Somos historicamente os primeiros, e os únicos, em haver exprimido a vontade de realizá-la. Nossa corrente comunitária é a fonte de onde brotou pela primeira vez o conceito de nacionalismo europeu. Este é essencialmente diferente, de fato é diametralmente oposto ao das Europas hegemônicas (Europa francesa de Bonaparte ou de Gaulle e Europa alemã de Hitler) e ao da Europa das pátrias. A diferença entre Europa-Estado e Europa-Nação é a que existe entre o inorgânico e o orgânico, entre a matéria e a vida, entre a química e a biologia, entre o átomo e a célula.

A Traição dos Oficialistas

Todos os governos europeus ocidentais saíram dos furgões anglo-saxões de 1945. São os colaboradores dos ocupantes, diretamente ou por adesão. Desde então as construções políticas europeias dos oficialistas estão hipotecadas por nossos ocupantes. A prova dessa hipoteca, dessa traição, está por todas as partes, porém de modo formal e claro em um documento oficial do "Parlamento Europeu" (sic): "A União Europeia tem como missão a de promover a unidade da Europa".

Muito bem, perfeito. Porém um pouco mais abaixo lemos:

"...A adoção de uma política de defesa comum, no quadro da Aliança Atlântica, contribuindo para o fortalecimento da Aliança Atlântica".

Aí está a confissão, muito explícita. A confissão de que essa "Europa" não é mais que um apêndice do imperialismo americano, porque a Aliança Atlântica é um tubarão americano rodeado de cabalas europeias oficialistas. A Europa oficial não se logra construir porque está enredada na contradição formal, fazer uma nação que ao princípio mesmo reconhece depender de outra. Idiotice, hipocrisia.

Europa deve fazer-se contra os Estados Unidos

Uma nação se define particularmente no que a diferencia das outras, em seu estilo, suas intenções, seus interesses. Aqueles que pretendem construir a Europa e que simultaneamente encontram nos EUA um modelo perfeito de sociedade, modelo que há somente que copiar, e que consideram que cada guerra americana é também a nossa, estão em contradição com eles mesmos. Por que construir a Europa se os EUA são perfeitos? Que estendam os EUA, seria mais lógico. A camarilha de supostos "europeus" que a cada noite se deitam rezando a Washington faria melhor em propor a Inglaterra como o estado número 51 dos EUA, a Alemanha como o 52, a Itália como o 53. Porque essa é a realidade.

Há uma contração absoluta, formal, conceitual, entre o fato de ser europeu e o fato de ser pró-americano. Aquele que se diga pró-americano é inimigo da Europa, quer seja um social-democrata ou algum idiota da extrema-direita.

Aquele que colabore com os americanos é um traidor da Europa.

Europa sem riscos: Idiotice

Alguns supostos intelectuais, às vezes bem intencionados, esperam fazer uma Europa por meios pacíficos, razoáveis. É um sonho. A história se faz com as convulsões, com os combates, com o esforço e o sacrifício. Uma nação se faz, particularmente, contra alguma coisa, contra seus inimigos. Não somente os EUA são historicamente os inimigos da Europa nascente sobre o plano objetivo, senão que devem sê-lo sobre o plano psicológico também. Uma nação necessita de inimigos para se fazer, para se manter. Viver frente aos inimigos cria a unidade, cria a saúde moral, mantém o vigor característico. Para nós não é questão de pedir a Europa, senão de tomar a Europa. Objetivamente jamais nenhum estado hegemônico (como os EUA nesse momento frente a Europa) deu independência a seus vassalos; senão que estes a tiveram que conquistar. A Itália se fez contra os austríacos e contra os franceses. A Europa se fará contra os americanos. Uma nação se forja no combate e se sela com o sangue. Os riscos são grandes porém devem ser assumidos. A vida é um risco permanente. O risco deve ser buscado, calculado.

Uma Europa sem riscos é uma quimera desmentida por toda a experiência da história.

O Escudo e o Calendário

O grande argumento dos filoamericanos vergonhosos é o do "escudo americano".

O que é o escudo?

Pálida em 1945, convalescente em 1955, a Europa está hoje no plano industrial e econômico em plena forma. A proteção americana - contra o assalto stalinista - era indispensável em 1948, útil em 1951 (no espírito da época). Hoje em dia não é o mesmo. Em fábricas, em dinheiro, em homens, a Europa ocidental não necessita dos americanos. Que se vão então. Nenhuma gratidão deve nos atar a eles. Vieram a Europa por seu interesse e não pelo nosso. Em 1949 podíamos ser filoamericanos por hipocrisia e interesse. Hoje em dia não.

Somente a parte ocidental da Europa é suficientemente forte para por de pé facilmente uma força militar suscetível de suprimir qualquer adversário potencial. Tudo é querer essa força militar, e querer a unidade política da Europa. Os que dizem que não se pode estar sem os americanos não fazem nada para que se possa.

O "escudo americano" é a cartada dos covardes, é a cartada dos preguiçosos, é a cartada dos impotentes.

A hipócrita construção americana é a seguinte: dizem, com a boca pequena, que se irão da Europa quando sejamos suficientemente fortes para nos defendermos sozinhos, (o dizem porém não o pensam) e ao mesmo tempo fazem todo o possível para que jamais sejamos fortes sozinhos. Essa é a chave dessa vergonhosa mentira.

Os EUA não querem nos vender armamento atômico ou nos confiá-lo no marco da OTAN. A OTAN é uma farsa (o tubarão e a cavala - ver mais acima) porque há aliados de primeira linha (EUA) e aliados de segunda linha (os pequenos países europeus), os primeiros tendo direito à bomba e os segundos não.

Os americanos são suficientemente realistas para saber que o fim de sua ocupação militar na Europa significaria, seis meses mais tarde, o fim de sua soberania política. Daí que os americanos não contemplem sinceramente sua saída.

Os estadounidenses, com razão, não confiam em uma livre associação da Europa com os EUA em um plano de igualdade. Sabem que uma Europa forte, independente, não será aliada dos EUA.

Desde então os estadounidenses fazem todo o possível para serem militarmente indispensáveis na Europa. A tese dos colaboradores pró-americanos segundo a qual não podemos estar sem os americanos é hipócrita, em realidade deveriam reconhecer que não querem estar sem os estadounidenses. O argumento do "escudo americano" somente seria válido em duas condições formais:

Nenhum dos dois pontos é respeitado, nem o será. Irei inclusive mais longe que este prudente plano. Diria inclusive que é desejável que as tropas americanas saiam correndo antes inclusive de que o calendário esteja estabelecido. Quando a Europa tenha medo, se reforçará. Atualmente a Europa é preguiçosamente covarde ao amparo do "escudo estadounidense". Para acelerar a conscientização da Europa há que desejar deliberadamente um perigo. É a necessidade, é a urgência, é a iminência que despertarão a Europa. Portanto há que aceitar e desejar os riscos de um relevo perigoso. Para cimentar a Europa, fará falta colocá-la parcialmente em perigo. Isso não passou desapercebido para a França em 1792...

Não se cria uma nação com discursos, votos piedosos e banquetes. Se cria uma nação com fuzis, com mártires, com perigos comuns. De fato os filoamericanos são covardes, gente que não tem nem vontade de lutar caso surja a oportunidade. Aceitam a humilhação da ocupação americana para não ter que lutar. É a mesma atitude que o da burguesia francesa durante a ocupação alemã de 1942. Se acreditavam muito prontos dizendo que "os alemães morrem na frente russa para proteger nossas caixas-fortes". Se acreditavam muito prontos, porém não se viam covardes. Outra tradição que não se perdeu. A mesma desonrosa burguesia que se fazia proteger pelo "escudo alemão" em 1942 aceita hoje com complacência a proteção do "escudo americano". Enquanto seus dividendos estejam protegidos, estão contentes. Eles tem medo físico da marcha dos estadounidenses, porque estarão sozinhos: nós não temos medo. Esse é o abismo que nos separa da camarilha filoianque.

As Soluções Garibaldianas

A unidade italiana se fez com a ajuda de distintos fatores: o idealismo e a magnífica presença de Mazzini, a epopeia ativista de Garibaldi, os cálculos de Cavour. É um conjunto indissociável. Sobre o plano puramente militar a ação garibaldiana foi insignificante. Sobre o plano histórico foi capital, determinante. É graças a Garibaldi que brotou o sangue. E quando o sangue brotou, se criou um profundo fosso entre o ocupante e o ocupado. Um fosso que obrigou todos a tomarem partido por ou contra o ocupante. Após as primeiras mortes já não há lugar para os "sim, mas".

O fenômeno se pôde verificar na Argélia entre 1954 e 1962. Em 1954 alguns argelinos podiam defender ainda o argumento de que a ocupação francesa era um "mal menor". Em 1960 nenhum argelino ainda podia fazê-lo. O fosso foi cavado pelos mortos. Que tenha sido artificialmente, deliberadamente, não muda nada.

Durante a ocupação alemã os comunistas procederam desse modo. Mataram soldados alemães inocentes, de um tiro pelas costas. As autoridades ocupantes caíram em uma armadilha: fuzilaram franceses igualmente inocentes. A maquinaria se pôs em marcha. Aquilo não podia deixar de terminar com a eliminação de um dos dois. Se podia ser expectante em 1940, mas não em 1945.

Quando Garibaldi teve entre suas filas de soldados regulares seus primeiros cem mortos, a Itália começava a se sentir obrigada a acabar o assunto com canhões. Foi o que fez.

A Europa também se construirá contra seus ocupantes. Se a chantagem se faz bem, se fará sem muito sangue ou inclusive sem violência. Porém é provável que a chantagem ao princípio seja reforçada por "ações garibaldianas".

Em uma duplicidade patriótica bastante política, como a de Garibaldi e Cavour, colocaremos os ocupantes para fora. Um revolucionário europeu deve portanto contemplar como uma hipótese de trabalho uma eventual luta armada insurrecional contra o ocupante americano. Àquele a quem essa hipótese dê medo, não é um revolucionário. Tampouco será um nacionalista europeu. Quando se quer o fim, se quer os meios. Quando queremos a Europa, queremos todos os meios para construí-la.

A Europa que deveremos construir nós mesmos

A Europa oficialista tropeça com a construção europeia, quer seja pelos ranços micronacionalistas ou pelos filoianques. A Europa do tratado de Roma não se terminará ela sozinha. Devemos construir a Europa, fazê-la nós mesmos. É evidente: A Europa foi um pretexto dos políticos para se fazer valer. Cada um deles calculou o que poderia retirar da Europa, quer seja para ele como meio publicitário ou para seu país como vantagem econômica egoísta. Cálculos com astúcia, mentiras, hipocrisias que situam à Europa oficial em um beco sem saída. E está assim porque seus promotores não tinham a vontade de construí-la. Como muito o tinham alguns, porém era um desejo vago e débil.

É por isso que devemos nós mesmos construir a Europa. Fazê-lo através de um grande partido histórico, através de um grande partido patriótico nacional-europeu. Fará falta atuar diretamente sobre os fatos, eliminar da cena política aos políticos antieuropeus e convencer os que ainda duvidam. Hoje mais que nunca estou convencido de que a Europa se construirá com um partido que obrigará a construir a Europa, com um partido que dará uma consciência dela mesma à Europa, com um partido preparado para as tarefas ideológicas ou passionais, legais ou ilegais, dialéticas ou violentas. Ontem fez falta o neo-destour para construir Túnis, um Istiqlal para fazer o Marrocos, um FLN para fazer a Argélia como há um século tem feito falta um Risorgimento para fazer a Itália.

Para parir a Europa-Nação faz falta um partido.