13/06/2011

Não permanecer preso...

41. É preciso dar a si mesmo provas de que se está destinado à independência e ao mando; e isso no tempo oportuno. Não se deve evitar suas provas, ainda que elas talvez sejam o jogo mais perigoso que se possa jogar, e apenas provas, por fim, das quais sejamos as únicas testemunhas, sem a presença de qualquer outro juiz. Não permanecer preso a uma pessoa: ainda que seja a mais amada – toda pessoa é uma prisão, e também um recanto. Não permanecer preso a uma pátria: ainda que seja a mais sofredora e mais necessitada – de uma pátria vitoriosa, já é menos difícil desligar seu coração. Não permanecer preso a uma compaixão: ainda que seja com relação a homens superiores, cujo raro martírio e desamparo um acaso nos permitiu vislumbrar. Não permanecer preso a uma ciência: ainda que ela atraia alguém com as descobertas mais preciosas, que parecem reservadas justamente a nós. Não permanecer preso a sua própria libertação, àquela lasciva lonjura e país longínquo do pássaro, que voa sempre mais longe nas alturas para ver sempre mais abaixo de si – o perigo daquele que voa. Não permanecer presos às nossas próprias virtudes e nos tornarmos, como um todo, vítimas de alguma particularidade nossa, por exemplo, de nossa “hospitalidade”: o que é o perigo dos perigos para almas superiormente constituídas e ricas, que lidam consigo mesmas dispendiosamente, quase com indiferença, e que levam a virtude da liberalidade tão longe até que chegue a se tornar um vício. É preciso saber preservar-se: a prova mais forte de independência.


Trecho de: Friedrich Nietzche - Além do Bem e do Mal