03/06/2011

A ilusão do "novo"

Por Manuel Azinhal

Ao ouvir há pouco tempo declarações de um nosso conhecido político em que este insistia enfaticamente no apelo a “ideias novas”, “políticas novas”, “um novo discurso”, e mais não sei quantas coisas todas novas, dei por mim a pensar num talvez acaso que para mim ao menos se apresenta deveras intrigante. Qual é o adjectivo que marca presença constante na apresentação de todas as iniciativas oriundas do campo político que se convencionou situar à direita?

Não há qualquer dúvida: observando os cem anos mais recentes da vida da direita, logo nos damos conta que os seus movimentos, grupos, jornais, revistas, associações, repetem com uma frequência espantosa, nas suas designações e discursos identificadores, variantes à volta da palavra “novo”.

Que me ocorram de repente, houve (e em alguns casos mais de uma vez): Ideia Nova, República Nova, Estado Novo, Ordem Nova, Força Nova, Cidade Nova, Praça Nova, Renovação, Novo Impulso, Portugal Novo, Tempo Novo, Nova Monarquia, Nova Direita. Quando não foi Novidades, Jovem Portugal, Jovem Europa, Jovem Revolução, e mais designações afins.

Certamente poderão ajudar-me com mais exemplos. Repare-se que se considerarmos os cem anos anteriores, aqueles que vão desde a Revolução até ao esgotamento da reacção contra-revolucionária (estou a utilizar a palavra “direita” com o mesmo sentido dado por Molnar à sua “contra-revolução”) não se observa essa obsessão pelo “novo”, e em verdade ela seria impensável.

Todos os grandes autores da contra-revolução convergem na afirmação de que não querem nada de novo, mas sim o pleno reconhecimento da verdade política negada pela Revolução. Reclama-se um Rei como o tinham sido sempre os nossos reis, o respeito pelas antigas tradições e costumes.

Quem queria as novidades eram os revolucionários. Que se passou então na viragem do século, entendendo por viragem do século aquele período que se inicia com as transformações que desembocam na Primeira Guerra Mundial e se consumam com o decurso desta? Aparentemente, terá ocorrido algures um encontro entre a velha contra-revolução e os elementos de vária origem que conduziram ao fascismo e ao nacional-socialismo.

Constata-se que entre a parte final do século XIX e essa primeira parte do século XX atingiram a sua máxima glória as formulações positivistas, com o seu programa de uma “humanidade nova”, e vitalistas, com exaltantes visões de um “homem novo”.

Por Comte ou por Nieztsche, ou pelo hegelianismo como Gentile, o certo é que as elites intelectuais de então beberam de fontes bem diferentes do tradicionalismo e daí surgiu uma “direita revolucionária”.

Parece-me rigoroso distinguir um ciclo político longo de um século em que a direita intervém para reclamar contra o “novo”, e um outro ciclo da mesma duração e que se lhe segue em que a intervenção política da direita é feita invocando para si a novidade, em contraposição ao situacionismo.

Ao que fica dito pode dirigir-se a crítica da confusão de planos: as minhas reflexões misturam realidades observáveis ao nível da praxis política, muitas vezes explicáveis por meras razões de conjuntura e meros tacticismos, com considerandos mais pretensiosos atinentes à história das ideias políticas da família. Assim é, mas mesmo assim não quis deixar de partilhar as perplexidades, já que respostas satisfatórias para elas não as tenho.

Questiono-me quais as razões profundas para uma mudança tão radical que faz com que a direita geralmente repudie com indignação qualquer insinuação de ser herdeira, quando antigamente o que a distinguia, e exibia orgulhosa, era a sua condição de continuadora de uma tradição que se pretendia ininterrupta. A direita queria-se defensora do permanente, olhava desdenhosa para o “novo”. Depois passou a ter como questão de princípio discutir com a esquerda quem é que representa o “novo”.

Aquilo que aponto tem como consequência frequente que cada grupo direitista fala e começa como se o mundo começasse com ele. As suas proclamações começam logo à cabeça por esclarecer que nada os liga aos que os precederam, que não são sucessores, nem herdeiros, nem continuadores, de nada nem de ninguém, e consequentemente que a sua história é uma espécie de tábua rasa.

Um esquerdista típico tem para este fenómeno explicação fácil: a direita, perversa como é, pretende sempre esconder a sua verdadeira personalidade e fugir às responsabilidades. Está a disfarçar-se. Esta teoria, como se compreende, terá alguma verdade em situações em que a identificação significa incorrer em imediata condenação, quando não em ilícito criminal (v. g., é normal que na Alemanha pós-nazismo qualquer agrupamento de direita que quisesse legalizar-se escrevesse logo no intróito dos seus estatutos que nada tinha a ligá-lo ao regime anterior, independentemente da veracidade e da sinceridade da declaração).

Mas a explicação nada explica quando a pretendemos aplicar quer aos teorizadores que foram chamando para o seu lado a “revolução”, ou a “verdadeira revolução”, ou o estar “para além da revolução”, quer aos práticos que no terreno vão demonstrando todos os dias uma genuína vontade de começar do zero, de mistura com uma crença ingénua nas virtudes do “novo”, porque é “novo”, e uma convicção autêntica, embora palerma, de que são realmente algo de “novo”.