05/05/2020

Marco Maculotti – Jacques Bergier e o “Realismo Mágico”: Um Novo Paradigma para a Era Atômica

por Marco Maculotti

(2019)



Jacques Bergier (1912-1978) - jornalista, escritor e engenheiro francês, nascido numa família de judeus russos - é mais conhecido pela sua escrita a quatro mãos com Louis Pauwels “O Amanhecer dos Magos: Introdução ao Realismo Fantástico” (1960), um compêndio a meio caminho entre uma obra de ficção científica distópica e um tratado esotérico capaz de unir, de forma mais ou menos coerente (e, sobretudo, bastante fascinante), temas limítrofes tão distantes uns dos outros, como a alquimia, as civilizações desaparecidas, o nazismo esotérico, o socialismo mágico, a horrível mitopoiese de H.P. Lovecraft e Arthur Machen, a Terra Oca e as teorias teosóficas de Madame Blavatsky.

A "via" que Bergier, "divulgador científico, perito em narrativas do Imaginário, cientista ‘de esquerda’ que havia participado na Resistência e tinha estado nos campos de concentração alemães", propôs seguir foi precisamente o do chamado "Realismo Fantástico" (ou "Mágico"): um novo método de investigação em que o conhecimento científico mais avançado (incluindo a física quântica) estava destinado a se fundir com antigos corpora sapienciais, muitas vezes de natureza secreta e iniciática (pense nas vertentes alquímica, hermética e teosófica), bem como com os estudos fortiani sobre o paranormal e a ficção científica de escopo cósmico do novo século. Do ponto de vista de Pauwels e Bergier, como escreve Gianfranco de Turris:

"Não havia diferença substancial entre teorias e hipóteses sustentadas na ensaística científica e nas histórias da imaginação: tudo podia ser colocado no mesmo nível... Além disso, mais ou menos abertamente, eles sustentavam a tese de uma espécie de ‘complô mundial’ que, desde tempos imemoriais, buscava impedir tais ligações e, portanto, a descoberta de novas verdades, a fim de manter a humanidade em níveis cognitivos inferiores.”

Este último é um tema que Bergier tratou sobretudo em sua obra “Os Livros Malditos”, onde ele chega a postular a existência de uma seita de "Homens de Preto" tão antiga quanto a própria civilização, que por milhares de anos tem sido usada para ocultar, queimar e retirar de circulação certos textos considerados particularmente prejudiciais pelas implicações que poderiam fazer surgir na mente dos leitores mais exigentes. Estes enigmáticos "Homens de Negro", que conceitualmente são muito pouco distintos dos famosos Men in Black trazidos à atenção do público norte-americano por ufólogos e também por Hollywood, teriam planejado entre outras coisas a destruição da Biblioteca de Alexandria, inspirado a Santa Inquisição em sua tristemente famosa "caça às bruxas", persuadido os chefes de Estado a ilegalizar as sociedades secretas, promovido a censura, ordenado a prisão de gênios e inovadores e finalmente formulado o chamado "segredo iniciático", que se violado pode até levar à imolação nas mãos dos confrades e superiores. 


"A nossa civilização, como todas as civilizações, é uma conspiração. Uma miríade de pequenas divindades [...] afasta nossos olhos da face fantástica da realidade. A conspiração é usada para nos impedir de reconhecer a existência de um outro mundo dentro do que habitamos, de um outro homem dentro daquele que somos. Devemos quebrar o pacto, nos tornar bárbaros e, antes de tudo, ser realistas: isto é, partir do princípio de que a realidade é desconhecida. Usando livremente os conhecimentos à nossa disposição, estabelecendo entre estes relações inesperadas, aceitando os fatos sem preconceitos antigos ou novos, [...] veríamos emergir, junto à realidade, o fantástico.”

Apenas a partir destas breves notas introdutórias, o leitor pode imaginar o quanto o Nosso ficaria impressionado com o recente filão literário da narrativa fantástica e fantacientífica, que pegou a linha do horror cósmico dos já mencionados Lovecraft e Machen para chegar às profundezas siderais das estrelas e do espaço infinito. Apaixonado pelo gênero desde cedo (ele leu Júlio Verne e Louis Jacolliot com apenas três anos de idade e depois literalmente devorou as obras de Philip K. Dick, Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, Gustav Meyrink, Jorge Luis Borges), Bergier assim declarou suas intenções literárias e método eclético de investigação em sua introdução ao já mencionado “Amanhecer dos Magos”:

"Nós pensamos que no centro da realidade, a inteligência, por pouco que seja hiperativada, descobre o fantástico. Um fantástico que não convida à fuga, mas a uma adesão mais profunda. É por falta de imaginação que escritores e artistas procuram o fantástico fora da realidade, nas nuvens. Tudo o que recebem é um subproduto. O fantástico, como outros materiais preciosos, deve ser extraído das entranhas da terra, do real. E a fantasia autêntica é algo bem diferente de uma fuga para o irreal”.

Não é surpreendente, portanto, encontrar um ensaio de Bergier, “Elogio do Fantástico” - em edição italiana graças aos tipógrafos da Il Palindromo/I Tre Sedili Deserti, traduzido e editado por Andrea Scarabelli, que também assina um extenso comentário no apêndice - completamente dedicado aos perfis daqueles que ele definiu como escritores mágicos, criadores de aberturas para "outros" mundos, universos (im)possíveis diferentes do nosso e não obstante coerentes, dimensões paralelas ou alternativas que se abrem nas dobras do Real ou sob o véu de Maia, arcaicos passados hipertecnológicos e futuros distópicos que ecoam a profecia lovecraftiana sobre a vinda próxima de uma "Nova Idade das Trevas".

Já na “Amanhecer dos Magos”, Bergier enquadrava as diversas correntes cultuais e culturais atribuíveis aos filões sapienciais do esoterismo e do ocultismo como resíduos de "um conhecimento muito antigo de natureza técnica aplicado simultaneamente à matéria e ao espírito", a tal ponto que nos achados guardados nos museus não espreitariam fantasias abstratas, mas "prescrições técnicas precisas, chaves para abrir os poderes contidos no homem e nas coisas" [A. Scarabelli, Jacques Bergier, ou realismo fantástico, p. 288]. Especularmente, o Nosso também avançará uma definição "tecnológica" de magia, "resíduo técnico de civilizações mais avançadas que a nossa e hoje desaparecidas, cujos fenômenos são tão incompreensíveis para nós quanto um rádio a transistor seria para os primitivos" [Ibid., p. 289].

Em “Admirações” (este é o título original do “Elogio do Fantástico”), além dos já mencionados Lovecraft e Machen, a caneta de Bergier quer trazer ao conhecimento do leitor outros grandes epígonos da nouvelle vague do Fantástico: Robert E. Howard e Abraham Merritt, Ivan Efremov e Stanislav Lem, J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis, John Campbell, John Buchan e, finalmente, Talbot Mundy. Todos esses autores, embora considerados pelo autor como "racionalistas", tiveram o mérito de ter sido capazes de transcender esse racionalismo, resultando, com suas próprias criações imaginárias, "em metafísica, religião, mito e até mesmo no sagrado" [de Turris, p. 15]. Concordando com Tolkien, Bergier sustenta a prerrogativa própria do homem, através da literatura fantástica, de criar; nisto, sendo reconhecida à raça humana uma possibilidade que ela compartilha apenas com Deus [Ibid., p. 272].

"Um escritor mágico é apanhado por um certo demônio e deixa de sê-lo por razões não mais claras do que as da psicologia do gênio ou da conversão”. [p. 29]

O ponto de vista inovador, no mínimo, de Bergier, que chegou ao ponto de defender que "o único interesse da ciência é que ela forneça ideias para a ficção científica" [p. 267], atraiu, entre outros, o elogio do historiador da ficção científica Charles Moreau, que lhe prestou homenagem com as seguintes palavras de admiração [cit. in Scarabelli, op. cit....], p. 273]: "Bergier constituiu uma ligação entre dois mundos, maravilhado pela perspectiva fantástica e pela evolução da tecnologia", dando-lhes "caráteres nobres, penetrando nos paradoxos da ciência e do maravilhoso" e acrescentando que, por outro lado, "a ciência precisa do maravilhoso para renascer, como uma fênix".

Com estas premissas, o “Amanhecer dos Magos” foi motivo de confusão e controvérsia quando foi lançado na França em 1960: em todo caso, isso não afeta a possibilidade de considerar o método de trabalho de Bergier e seu colega Pauwels como uma verdadeira revolução em andamento, "uma nova síntese entre o cálculo da razão e a intuição espiritual que fez submergir os princípios do século XIX", que o Nosso teve oportunidade de enquadrar como "carcereiro e executor do fantástico" [Ibid. p. 274], e que Scarabelli parafraseia como "a ressaca de um Iluminismo que eliminou qualquer outra tradição para se propor como a única verdade", em todos os aspectos semelhantes a "uma forma de monoteísmo secularizado".

No "século breve", pelo contrário, o fantástico reentra prepotentemente pelas portas de trás, através da própria ciência (consideremos como exemplo paradigmático o conto lovecraftiano “Do Além”, publicado em 1920) e como consequência da chamada "morte do romance realista", cujos "assassinos" devem ser reconhecidos no “Doutor Fausto” de Thomas Mann e nos “Finnegans Wake” de James Joyce.

A este respeito, foi Borges quem relegou o realismo a um simples episódio da história da arte das palavras: a grande literatura, em qualquer época, nunca foi realista, em qualquer lugar e em qualquer momento da história do homem tendo triunfado o Imaginário, com a única exceção do período histórico entre os séculos XIX e XX. Soma-se a isso o que o historiador romeno Mircea Eliade, que expressou a visão de que a literatura fantástica não pode desaparecer, como "extensão da criatividade mitológica e da experiência onírica" [Ivi, p. 278] - uma ideia que emerge em “Mitos, Sonhos e Mistérios” (1957) e, mais recentemente, nos ensaios contidos em “Ocultismo, Bruxaria e Modas Culturais” (1983).

Vamos agora esboçar brevemente os perfis dos "escritores mágicos" apresentados ao público francês por Bergier neste "Elogio do Fantástico": perfis - como veremos - heterogêneos, caracterizados por profundas diferenças tanto no fundo cultural como em sua weltanschauung pessoal, e não obstante arautos de visões “outras” e criadores de universos imaginários alternativos.

A visão distópica de John Buchan (1875 - 1940), o primeiro autor apresentado por Bergier, se baseava na sociedade humana e nas lábeis relações de força e de comunicação que determinam o seu funcionamento a nível global. Em seus romances é central o conceito da existência de um poder invisível, inteligentemente escondido atrás das silhuetas daqueles que são comumente considerados pelas massas como os verdadeiros poderosos. Da mesma forma, Buchan sugere que, sob guerras visíveis, uma invisível, “sutil”, é combatida, como a que foi combatida nos tempos antigos pelos druidas contra os colonizadores cristãos. O verdadeiro poder, no entanto, é aquele exercido sobre as mentes dos outros: e somente aqueles que têm uma vontade realmente "centrada" podem mudar os eventos à vontade (isto é o que é geralmente chamado de "magia").

Com suas visões de que não hesitamos em definir como fantageopolítica, Buchan é agora lembrado como um dos mais proféticos e "clarividentes" romancistas do primeiro pós-guerra. Por outro lado, ele sabia o que estava escrevendo, tendo sido também um político bem conhecido e apreciado, além de romancista: entre outras coisas, no momento de sua morte em 1940, ele ocupava o cargo de vice-rei do Canadá. Apesar disso, porém - para usar as palavras de Bergier - Buchan foi capaz de transcender "a cerca estreita do materialismo miserável das pessoas respeitáveis e da cultura oficial", se não por outra razão de que ele próprio se considerava na posse da chamada "segunda visão", um tipo de clarividência mencionada pelas populações de cultura celta, trazida à atenção dos acadêmicos, pela primeira vez, pelo ensaio do Reverendo escocês Robert Kirk “A Comunidade Secreta”, escrito em 1692 e publicado pela primeira vez em 1815.

A "visão" de Abraham Merritt (1884 - 1943) é completamente diferente, e em nossas páginas já revisamos o romance “A Nau de Ishtar”, também recentemente publicado em italiano pela Palindromo na mesma série deste “Elogio do Fantástico”. A imaginação de Merritt se sintoniza com as doutrinas teosóficas a respeito da existência de eras que se repetem ciclicamente de acordo com as evoluções cósmicas, como recordado em quase todas as culturas tradicionais (idade hesiodianas, Yugas, "Sóis", etc.), e de antigas linhagens de sangue pré-humanas que habitam em ilhas ou continentes posteriormente escondidos ou afundados devido a inundações ou outros cataclismos.

Estes são os temas que subjazem ao esqueleto narrativo de alguns dos romances mais significativos de Merritt, de “O Poço da Lua” a “A Face no Abismo”, de “Os Habitantes da Miragem” a “Rasteja, Sombra!”, que se referem explicitamente ao mito da Atlântida [p. 68]. Outros de seus trabalhos, por outro lado, focam no tema da bruxaria: é o caso do conto “As Mulheres do Bosque” e dos romances “Sete Passos até Satanás” e “Queima, Bruxa, Queima”. Com particular atenção aos escritos desta veia "bruxesca", Bergier expõe ao leitor a sua hipótese muito pessoal: o enquadramento do nazismo, em todos os seus "ritos" (sacrificiais ou não), como uma "religião amaldiçoada", cujas "ofertas de sangue" teriam sido dirigidas a "Divindades do Além", da mesma forma que a incomensuráveis divindades lovecraftiana, nos abismos cósmicos [p. 67].

Do galês Arthur Machen (1863 - 1947) - que na época ainda era incompreensivelmente desconhecido na França, apesar do grande sucesso alcançado do outro lado do Canal pelo romance “O Grande Deus Pã” e especialmente pela história “Os Anjos de Mons” - Bergier esboça a juventude passada classificando livros ocultos e se interessando por textos alquímicos, e então enfatiza sua adesão, por insistência de seu amigo A.E. Waite, à famosa Associação Secreta da Aurora Dourada: a Golden Dawn [p. 80-1]. Mas o mais importante para os propósitos do "Realismo Fantástico" bergieriano é a estreita ligação, na mitopoiese macheniana, que existe entre as maravilhas da nova ciência e seus riscos, que pelo contrário são tudo menos novos: longe de adotar uma visão desencantada ou moralista, Machen se limita a sugerir ao leitor a possibilidade de que operações científicas aparentemente inofensivas sejam capazes de mergulhar experimentadores em cenários de pesadelo, não muito diferentes dos do Sabá e das possessões demoníacas [p. p. 86]:

"O materialismo ingênuo do século XIX declarou falência. A terrível realidade dos poderes ocultos da matéria foi trazida à luz do dia por Hiroshima e Nagasaki. A psicologia do profundo e o horror dos campos de concentração expuseram as forças escuras que controlam a alma racional, sem que ela se dê conta. A visão de Machen é eterna, cujos símbolos concordam com a realidade revelada pela ciência.”

E novamente [p. 103]:

"Mesmo ignorando o código genético, Maomé sentiu que a vida, com três bilhões de anos, esconde poderes antigos cujas manifestações podem ser terríveis.”

Um verdadeiro cientista (precisamente geólogo e paleontólogo) foi o soviético Ivan Efremov (1908 - 1972). Bergier coloca-o entre os "escritores mágicos" pela sua capacidade incomum de fundir com uma coerência invejável os seus conhecimentos acadêmicos e os relacionados com o folclore das estepes russas (e não só): “Encontro em Tuscarora”, por exemplo, centra-se no topos quase universal da fonte milagrosa e da água que cura as feridas e assegura a vida eterna; “Olgoi-Khorkhoi” sobre a sobrevivência de um monstro pré-histórico na Mongólia dos nossos dias [p. 106].

No entanto, foi graças ao entusiasmo causado pelas primeiras explorações espaciais que o nome de Efremov se espalhou para além das fronteiras soviéticas: “A Nebulosa de Andromeda”, publicado a prestações em "Técnicas para a Juventude" de 1957, registrou grande sucesso junto do público e dos críticos, embora em casa não houvesse poucos avessos ao "Realismo Mágico" que considerassem perigoso o gênio do escritor [p. 109]:

"O futuro do nosso autor indignou alguns comunistas ortodoxos. O ‘Correio Econômico’ dedicou um artigo cheio de insultos ao livro. Nesse futuro, de fato, ninguém mais falava em Marx, Lênin e Stálin, mas os nomes dos deuses gregos retornariam: Marte, Vênus, Zeus...".

O protagonista de outro de seus romances, “O Fio da Navalha”, é usado como alter ego para expressar sua "visão" mi(s)ticista, para espelhar em relação à situação de intolerância na qual ele se encontrava cada vez mais na presença do Partido: o personagem em que Efremov se refletia, "oposto na era stalinista - e mesmo depois -, deixará a URSS e fundará na Índia uma aliança entre a dialética marxista aplicada à ciência e à magia tântrica" [p]. 113].

Talvez tenha sido também por causa dessa "fuga" do presente (e do "tempo histórico" propriamente compreendido) que o romance foi particularmente bem sucedido entre os jovens: "desde as quatro da manhã, nas noites geladas da Sibéria, a juventude soviética enfrentava filas intermináveis para assegurar os capítulos da ‘Nebulosa de Andrômeda’” [p. 110]. O próprio Yuri Gagarin, o primeiro homem a orbitar o planeta Terra, confessou a Bergier que tinha decidido empreender o procedimento de se tornar astronauta após ler o referido romance de Efremov [p. 110].

Na pessoa do americano John Wood Campbell (1910-1971) Bergier reconhece o iniciador da ficção científica moderna: sua primeira história “A Derrota do Átomo”, publicada em 1930, "contém pelo menos uma profecia por linha": antecipa, entre outras coisas, o advento dos grandes computadores modernos, "a energia material total, o aniquilamento da matéria com uma eficiência energética igual a cem por cento". Nos meses seguintes, publicados alguns meses depois, aparecem a inteligência artificial e os autômatos sencientes [p. 128].

Seu gênio "clarividente", combinado com sua notável prolificidade, o levará a ser o primeiro a investigar alguns dos temas mais emocionantes derivados das mais modernas perspectivas científicas: física quântica e física nuclear, viagens intergalácticas, a relação simbiótica entre homem e máquina. “O Manto de Aesir” (1939) é inspirado nos estudos do físico P.A.M. Dirac sobre o "positron" e sobre a chamada "antiluz" [p. 139]; "A Coisa de Outro Mundo” (1938) conheceu adaptações cinematográficas de sucesso, a mais bem sucedida das quais é a de John Carpenter (The Thing, 1982), um verdadeiro "filme cult" do gênero.

Decididamente oposta na sua predominância do Mito sobre a ciência é a mitopoiese de um outro dos mais paradigmáticos “escritores mágicos” da lista de Bergier: O filólogo e linguista britânico John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973). Um verdadeiro demiurgo da palavra (ademais, ele próprio afirmou que "os autores de contos de fadas são criadores de universos" [p. 153]), Tolkien impacta Bergier sobretudo pela meticulosa coerência e precisão (pense, por exemplo, na criação de idiomas reais) que permeiam toda a sua obra, bem como pelo seu incrível poder arquetípico coletivo, escapando à mera psicologia do autor [p. 148]:

"Nunca antes foi inventado um mundo imaginário tão múltiplo e dotado de leis internas coerentes, tão puras e não contaminadas pela psicologia do autor. Nunca um mundo imaginário tocou na autêntica condição humana sem cair em alegorias.”

O sucesso das obras de Tolkien foi precedido e favorecido pela popularidade do americano Robert E. Howard (1906 - 1936), que cometeu suicídio com apenas trinta anos de idade e foi considerado por Bergier como um "gênio de fora" em pé de igualdade com Lovecraft [p. 218]. Semelhante a Tolkien e mais ainda a Merritt, Howard pescou com as mãos cheias, para a criação de sua saga de Conan, o Bárbaro, a partir de antigas tradições sobre a existência de supostas populações pré-humanas, civilizações antediluvianas e cataclismos assustadores que iriam progressivamente mudar dramaticamente a face do planeta Terra. A menção explícita de Hiperbórea, assim como dos continentes submersos da Lemúria e da Atlântida, sugere que a maior influência de Howard a esse respeito foi “A Doutrina Secreta” de Helena Petrovna Blavatsky, a "Bíblia" da Teosofia.

Ainda mais notável é uma revelação que o próprio Howard fez ao seu colega Clark Ashton Smith numa carta escrita em 1933: ele admitiu que tinha escrito as aventuras de Conan "em um estado de semi-automatismo: o próprio Conan estava ao seu lado a ditar as histórias. Ele considerava-o um personagem real" [p. 225]. Aqui, porém, refletimos sobre o fato de outros escritores da mesma geração de Howard (como o austríaco Gustav Meyrink, o irlandês W.B. Yeats e o português Fernando Pessoa, os três totalmente atribuíveis ao grupo dos "escritores mágicos" segundo os critérios de Bergier) terem experimentado a escrita semi-automática em um estado de inconsciência.

Como muitos dos autores citados até agora, Talbot Mundy (1879 - 1940) também acreditava que as civilizações nasciam e morriam várias vezes, por isso dedicou um ciclo de cinco livros (Os Nove Desconhecidos, Jimgrim, A Vigília do Diabo, Havia uma Porta, Luz Negra) à sobrevivência em nosso tempo de segredos de civilizações antigas, que estavam na posse de uma tecnologia mais avançada que a nossa. Também profundamente influenciado por Blavatsky - mas também por outros que escreveram sobre o tema do reino secreto de Agharta/Shamballah (R. Guénon, F. Ossendowsky, Saint-Yves d'Alveydre) - Mundy coloca os personagens de seus romances em situações aventureiras e caledoscópicas, permitindo-se, no entanto, valiosas reflexões de natureza esotérica, a meio caminho entre Platão e E.A. Poe [p. 237]:

"Em vez de procurar igualar a sabedoria dos deuses, porque não admitir que os nossos sonhos nos ligam ao universo de onde viemos - antes de cairmos no espaço-tempo - e ao qual voltaremos? Alguns sonhos são memórias da sabedoria adquirida no infinito antes do nascimento do mundo, e os sábios entre os sábios acreditam que a vida na terra é apenas um sonho.”

O mundus imaginalis do irlandês Clive Staples Lewis (1898 - 1973), embora antecipando aqui e ali algumas descobertas recentes ou ideias científicas (por exemplo, como logo veremos, a existência de "cinturões de radiação" ao redor do globo), foi profundamente influenciada pelas doutrinas gnósticas que veem o ser humano como aprisionado neste planeta e submetido à dominação "sutil" da Eldila (plural de Eldil), seres imateriais que habitam o espaço entre um mundo e outro, tendo correspondências tradicionais com os Arcontes e os Anjos Caídos. O Eldil que comanda o mundo sublunar tem as características do Demiurgo dos gnósticos [p. 174]:

"O Eldil que domina a Terra é louco. Abandonou a grande irmandade dos Eldilas, já não admite a autoridade de Maladil, o Jovem [o criador das estrelas, ndr] e exerce uma tirania impiedosa em nosso planeta. Para que não possa estender o seu domínio sobre outros planetas, a Terra está rodeada por um cinturão de radiação. Tudo isso foi escrito em 1938: em 1959, Van Allen e Vernoff descobriram que nosso planeta está realmente cercado por uma faixa de radiação.”

Profundamente crente após uma conversão dramática ("uma rendição incondicional e aterradora" [p. 173]) em 1929, Lewis enquadra o drama cósmico da humanidade, tão caro às correntes gnósticas do cristianismo primitivo, em uma atmosfera escatológica (dos "últimos tempos") que enquadra os três títulos de sua primeira obra, a "trilogia fantateológica" formada por “Longe do Planeta Silencioso”, “Parelandra” e “Aquela Terrível Força”. Em sua concepção personalíssima, metade teológica e metade literária, o autor considera a ciência e a ficção científica ("especialmente aquela que incita o homem a deixar o planeta" para fins de exploração espacial) como "instrumentos do escuro Eldil, senhor deste mundo" [p. 175].

Ao comando deste Princeps Huius Mundi estão os seguidores do Instituto Nacional de Experimentos Coordenados, que na opinião de Bergier "recorda singularmente algumas organizações transnacionais modernas" em seu desejo de estabelecer uma espécie de "ditadura de um racionalismo neo-hitleriano" [p. 179]. No que o escritor francês chama "as linhas mais opressivas escritas no século XX", Lewis pinta nosso tempo com tons lovecraftianos [pp. 184-5]:

"As ciências físicas, boas e inocentes em si mesmas, já haviam começado a ser distorcidas e manobradas sutilmente em uma determinada direção. A esperança de alcançar verdades objetivas era cada vez mais enfraquecida nos cientistas; o resultado era a indiferença por esse problema e a busca exclusiva do poder puro e simples. Falatórios sobre impulso vital e flertes com panpsiquismo prometiam restaurar a Anima Mundi dos magos. Os sonhos de um destino distante e futuro do homem exumou do sepulcro baixo e inquieto o velho sonho do Homem-Deus. […]

Haveria coisas incríveis, uma vez que já não acreditavam num universo racional? Haveria coisas obscenas, uma vez que afirmavam que toda moralidade era um simples subproduto subjetivo das situações físicas e econômicas dos homens? O tempo estava maduro. Do ponto de vista aceito no Inferno, toda a história da nossa Terra conduzia a este momento. Agora, finalmente, havia uma possibilidade real de que o Homem expulso do Éden seria capaz de sacudir a limitação de poder que a misericórdia lhe havia imposto como proteção contra os resultados extremos da queda. Se este plano tivesse êxito, o Inferno encarnar-se-ia finalmente.”

Aqui nos encontramos, como muitas vezes acontece ao lermos as criações dos "escritores mágicos" da lista bergeriana, numa posição radicalmente e filosoficamente pessimista; a mesma posição que Bergier encontra, embora não ignorando as profundas diferenças entre os dois autores, também na obra do polaco Stanislaw Lem (1921-2006), a segunda "caneta" do bloco oriental que o Nosso levou à atenção do leitor francófono.

Nos romances de Lem, escreve Bergier, "colidimos com o incompreensível... o universo é demasiado complicado para nós compreendermos". [p. 190]. O universo experimentado pelo leitor de “Solaris”, por exemplo, é o paradigma espacial do "Totalmente Outro": as arquiteturas e geometrias não-euclidianas de memória lovecraftiana que surgem do oceano estão completamente além de qualquer raciocínio e utilidade humana, sugerindo antes a concepção hindu da manifestação do espaço-tempo como līlā, "jogo", "distração", "passatempo", mas também "mera aparência", "simulação" [p. 191]:

"O oceano não só tem uma inteligência ‘diferente’, mas também possui meios técnicos superiores aos que conhecemos. [...] Partes do oceano assumem formas, geram arquiteturas, de acordo com leis que não podem ser explicadas. É arte? Matemática? É só um jogo? Ou estaríamos diante de uma forma de atividade intelectual completamente incompreensível? Ninguém sabe, nem nunca saberá”.

O pessimismo de Lem é cósmico mas, ao contrário do de Lewis, é completamente desprovido da dimensão "sagrada": por outro lado, Lem, ao contrário de Efremov, encarnou para os soviéticos o literato “modelo”, ateu e sólido nas suas crenças racionalistas e materialistas, capaz de eventualmente conduzir a correntes pós-espirituais tais como a cosmista, mas nunca em concepções "proféticas" e "apocalípticas" tais como as de Lewis, e nem sequer orientado de acordo com uma perspectiva "mítico-tradicional" tal como Tolkien, Machen, Merritt e Lovecraft.

Paradigmático nesse sentido é o conto “A Verdade”, em que uma equipe de cientistas descobre com grande desespero que a verdadeira vida se desenvolve entre as altas temperaturas do plasma incandescente: "o Sol e as estrelas estão vivos, mas nós não!", "Somos matéria moribunda irrelevante" [p. 195]. "A ciência materialista chegou ao seu limite, e para Lem não há nada além do materialismo", comenta Bergier laconicamente. "A obra fecha-se assim sob a insígnia de um desespero racionalista" [p. 194]. Outra história de Lem, “Das Memórias de Ijon Tichy”, apresenta a hipótese de que nós humanos "somos apenas gravações em fitas magnéticas que se iludem de viver"! Aqui Bergier vê no escritor soviético uma atitude que ele não hesita em definir como diabólica [p. 196]:

"Lem usa a evidência da existência da alma ou da mente (telepatia, clarividência e premonição) no sentido oposto, mostrando que não somos sequer as máquinas automáticas imaginadas pela psicologia comportamental, mas gravações sem realidade material”.

***

Para concluir, qual visão opor ao "materialismo estreito" que emerge da ficção científica soviética de Lem? A pedra de fundação do novo paradigma - o do "Realismo Mágico" - encontra-se, segundo Bergier, na correspondência entre o homem e o universo (microcosmo e macrocosmo), uma antiga suposição bem conhecida dos magos, alquimistas e cabalistas que o escritor francês atualiza para 1969 [p. 198]:

"O cérebro é como um computador que pode construir nos seus circuitos um modelo do cosmos”.

E novamente, baudelairianamente [p. 199]:

"Todo o cosmos é uma enorme mensagem encriptada, aberta ao homem”.