por Julius Evola
Já comentamos que no domínio da manifestação e da “natureza” o masculino é metafisicamente, de fato, o correlativo complementar do feminino, mas que ademais ele reflete o caráter do que é anterior e superior à Díade. Sobre o plano humano disso deriva que enquanto todas as relações baseadas sobre a Díade tem para a mulher um caráter essencial e esgotam a lei natural de seu ser, este não é o caso para o homem, na medida em que ele é verdadeiramente homem. Tais relações são as relações sexuais em sentido estrito e as relações entre mãe e filho. Não é por erro que, em toda civilização superior, não se tenha considerado o homem como verdadeiramente homem até que haja sido submetido a este laço duplo, do da mãe e o da mulher, esgotando na esfera correspondente o sentido de sua existência. Já recordamos que nos próprios “ritos de passagem”, ou da puberdade, a consagração nos povos primitivos da virilidade e a agregação a uma “sociedade de homens” se apresentam como uma superação dessa esfera naturalista. A Raquel bíblica diz: “Dá-me um filho; senão, morro”. Há textos bíblicos que ressaltam a “inexorabilidade” da mulher enquanto afeita à maternidade e à sexualidade, das quais ela “jamais se sacia” (1). E não é tanto enquanto pessoa como por um impulso metafísico pelo qual a mulher tenderá a levar o homem sob o jugo de uma ou de outra.
Sobre a sexualidade, tem razão Weininger quando, para caracterizar o homem e a mulher, diz que a mulher absoluta não é mais que sexualidade, enquanto o homem verdadeiro “é sexual e outra coisa mais”. Pode-se reconhecer com isso o sentido profundo de símbolo que tem o fato anatômico de que enquanto os órgãos sexuais do homem tem algo de circunscrito, de separado e de algo quase acrescido exteriormente ao resto do corpo, na mulher eles se encontram no mais profundo de sua carne mais íntima. Posto que nele existe uma certa distância da sexualidade, o homem “sabe” dela; a mulher pode não ser consciente dela e negá-la, mas de fato ela não é outra coisa que sexualidade, que ela é a sexualidade mesma (2). Uma designação hindu da mulher é kámini, quer dizer, “a que é feita de desejo”, o que equivale ao antigo dito ocidental: tota mulier sexus. Com isso guarda relação, entre outras coisas, o caráter provocativo que, sem a menor intenção, apresenta frequentemente tipos de mulheres bastante jovens e “inocentes”, mesmo meninas. Neste mesmo contexto, é possível se notar um narcisismo especial, quase inconsciente, que existe em toda mulher: é sua sensação do potencial de prazer que ela pode dar ao homem e o fato de saboreá-lo, imaginando este prazer, inclusive fora de qualquer relação sexual real. Por outra parte, Ellis está correto quando diz que, enquanto que com a sexualidade e a maternidade a mulher floresce e atualiza seu ser, não se pode falar de algo correlativo em relação ao homem (nós acrescentaríamos: salvo que ele realize de uma maneira qualquer as dimensões superiores da experiência do sexo). Inclusive fazendo abstração do fato oculto de que falaremos mais abaixo, sobre a linha afrodisiana a contrapartida no homem pode significar uma certa desvirilização (3). Sobre a linha demetriana se notou finalmente que, ao desejo obscuro e predominante que tem a mulher de ser mãe, não corresponde, no homem, uma necessidade igualmente elemental de ser procriador. No caso de este desejo existir no homem, ele pertence a um plano diferente, que já não é puramente naturalista, que é mais ético que naturalista (preocupação com a continuação da estirpe, da família ou da casta, etc.).
Como já vimos, próprio do feminino cósmico é aquilo que os gregos chamavam de “heteridade”, ou seja, a referência a outro, o heterocentrismo. Enquanto que ao masculino puro é próprio ter em si o próprio princípio, ao feminino puro é próprio, e natural, ter em outro o próprio princípio. Sobre o plano psicológico, disso resultam vários traços vem visíveis da mulher na vida corrente: a vida feminina está quase sempre desprovida de um valor próprio, ela se relaciona sempre com outro, seja em tudo quando é vaidade, seja na necessidade que tem a mulher de ser reconhecida, notada, adulada, admirada, desejada (se pode associar esta tendência extrovertida com aquele “olhar para fora” que na metafísica foi atribuída à Shakti). E o regime do cortejamento, da galanteria, do cumprimento (inclusive insincero) por parte do homem, seria inconcebível se prescindisse da base obrigada precisamente por este traço congênito da psique feminina, que em todo tempo e lugar o homem teve que levar em conta. Que os valores da ética feminina sejam bem diferentes dos da ética masculina, seja dito de passagem, se manifesta também no fato de que uma mulher deveria desprezar o homem por tal atitude de adulação, consequência de usualmente ele considerar dela unicamente seu corpo. O caso é que ocorre o contrário.
Não é, não obstante, em um sentido diverso que, em um plano menos frívolo, se definem as duas possibilidades fundamentais da natureza feminina, correspondente uma ao arquétipo afrodisiano e a outra ao arquétipo demetriano: a mulher como amante e a mulher como mãe. Em um como em outro caso, trata-se de um ser, de um querer, de um chegar a uma confirmação própria em função de outro: em função do homem amado pela amante, em função do filho pela mãe. Nisso se cumpre sobre o plano profano (mas se continuará em grande medida também sobre o sacral) o ser da mulher e, deontologicamente, com isso se define sua lei e sua eventual ética no quadro da tradição.
É de novo a Weininger que se deve uma clássica descrição tipológico-existencial dessas duas possibilidades fundamentais da feminilidade. Só que, como no conjunto de tudo quanto este autor diz sobre a mulher, também nessa caracterização é necessário distinguir certas deformações derivadas de seu inconsciente complexo de misoginia de base quase puritana. É efetivamente na “prostituição” onde, de fato, Weininger vê a possibilidade feminina basal oposta à materna, o que outorga um sentido pejorativo e degradado a esta possibilidade. Fundamentalmente, é ao contrário do tipo puro da amante e da correspondente vocação feminina de que se trata, não entrando em questão a prostituição profissional mais que de uma maneira muito subordinada e condicionada, por que ela pode também ser imposta por certas circunstâncias ambientais, econômicas e sociais, sem corresponder a qualquer disposição interior. Como muito, se poderia falar do tipo da hetaira antiga ou oriental; ou bem da mulher “dionisíaca”.
Uma coisa que todo verdadeiro homem nota imediatamente é que existe uma antítese, um antagonismo entre a atitude verdadeiramente afrodisiana da mulher e sua atitude maternal. Em seu fundamento ontológico, os dois tipos opostos se conectam com os dois estados principais da “matéria-prima”, com seu estado puro, dinamicamente informe, e com seu estado de força-vida, ligada a uma forma, orientada para uma forma, nutridora de uma forma. Esclarecido este ponto, a caracterização diferencial de Weininger é exata: é a relação com a procriação e com o filho que distingue os dois tipos opostos. O tipo “mãe” busca o homem pelo filho, o tipo “amante” o busca pela experiência erótica em si mesma (nas formas mais baixas: pelo “prazer”), em uma união sexual que não é levada a cabo tendo em vistas a procriação e que é desejada em si e por si. Assim o tipo materno entra especificamente na ordem natural – se quisermos nos referir ao mito biológico, pode-se dizer que entra na lei e na finalidade da espécie – enquanto que o tipo puro da “amante” sai de certa forma dessa ordem (sintoma significativo: a esterilidade que se encontra às vezes no tipo da amante e da “prostituta”) (4), e mais que um princípio amigo e afirmador da vida terrestre, física, é um princípio que lhe é potencialmente inimigo, por causa, nós diremos, do conteúdo virtual de transcendência próprio do desdobramento absoluto do eros (5). Assim, por chocante que isso possa parecer desde o ponto de vista da moral burguesa, não é como mãe, mas como amante, de uma maneira natural, ou seja, não segundo uma ética (como veremos mais adiante), mas deixando simplesmente atuar e ativando uma disposição espontânea de sua essência, a mulher pode se aproximar a uma ordem superior. Sobre um equívoco se baseia, não obstante, a afirmação de que, enquanto o tipo maternal sentiria na união sexual uma potencialização da existência, à mulher do tipo oposto seria próprio o desejo de se sentir destruída, de se sentir aniquilada e esmagada pelo prazer (6). Isto é inexato desde uma dupla perspectiva. Em primeiro lugar, porque, como já vimos, o “delírio mortal do amor” como desejo de destruir e de se destruir em um êxtase, é comum, em toda forma superior e intensa da experiência erótica, tanto ao homem como à mulher. Em segundo lugar, porque a disposição indicada por Weininger na amante concerne tudo mais aos traços psíquicos superficiais; pela substância “Virgem” ou “Durga” da mulher afrodisiana é o contrário que é verdade, sobre um plano mais profundo, como veremos em breve.
Mas quer se trate do tipo da mãe ou do tipo da amante, na mulher é característica uma angústia existencial maior que a do outro sexo, o horror da solidão, o sentimento de um vazio ansioso caso não tenha ou não possua um homem. Os fatos sociais e mesmo econômicos que não raro parecem constituir a base dessa sensação, não são em realidade mais que circunstâncias propiciatórias e não determinantes. A raiz mais profunda é ao contrário justamente a “heteridade” essencial da mulher, o sentimento da “matéria”, de Penia que, sem o “outro” (o héteros), sem a forma, é nada; por isso que, abandonada a si mesma, ela experimenta o horror do nada. Para citar uma última vez Weininger, ele tem razão ao reconduzir a este conteúdo metafísico inclusive um comportamento frequente da mulher na união sexual, ao dizer: “O momento supremo da vida da mulher, aquele em que se manifesta seu prazer elemental, é o momento em que ela sente descer dentro de si o sêmen masculino: então abraça selvagemente o homem e o aperta contra si; é o prazer supremo da passividade... a matéria que, justamente, está formada e não quer abandonar a forma, mas tê-la eternamente ligada a si” (7). Não diferente é a situação na mulher mais próxima ao tipo Durga quando, no mesmo instante, não abraça, mas está quase imóvel, e sobre seu rosto se esboçam os traços de um êxtase ambíguo, tendo algo do indefinível sorriso de um Buda e de certos textos khmer. É então quando ela acolhe algo mais que o sêmen material, quando absorve a vrya, a virilidade mágica, o “ser” do varão. Aqui entra em questão a qualidade succionante, essa “morta succionante que vem pela mulher”, da qual falamos com Meyrink, considerando o aspecto oculto de todo abraço carnal vulgar: aspecto que pode encontrar sua manifestação simbólica e seu reflexo até na exterioridade somática e psicológica.
Em efeito, se D’Annunzio diz sobre um de seus personagens femininos: “Como se todo o corpo da mulher tivesse assumido a qualidade de uma boca succionante” (em Il Fuoco), não é coisa que se verifique somente sobre o plano sutil, até o ponto de fazer aparecer a prática erótica da fellatio como o gesto que melhor expressa a essência da natureza feminina. Em realidade, já era conhecida pelos antigos uma especial participação ativa da mulher no abraço sexual, e Aristóteles fala de sua aspiração do fluido seminal (8). Retomada na metade do último século por Fichstedt, esta teoria é hoje reconhecida por muitos exatamente por seu lado fisiológico: admite-se a existência de contrações rítmicas da vagina e dos úteros, como em uma aspiração ou sucção, de um automatismo espasmódico com um peristaltismo que lhe é particular, baseado sobre ondas tônicas especiais, a ritmo lento, com o efeito, justamente, de um absorver aspirando ou succionando. Este comportamento somático é atualmente tanto mais verificável na medida do grau de sexualização da mulher ser mais elevado; mas não era sem razão que os antigos o consideravam um fenômeno geral. De fato, se deve guardar que no curso da história se produziu uma espécie de atrofia até fisiológica do que na mulher podia corresponder a uma sexualização completa, quer dizer, uma maior aproximação à “mulher absoluta” (9). E é por isso que, nas mulheres orientais, onde se conservou melhor o tipo antigo, o comportamento fisiológico nas uniões sexuais é ainda quase normal e se une a possibilidades fisiológicas que se tornaram raríssimas entre as europeias modernas, enquanto estavam também verossimilmente presentes nas mulheres ocidentais da antiguidade. Trata-se, nisso, de um símbolo físico, ou reflexo, de um significado essencial. A assimilação succionante, sobre este plano dos reflexos físicos, tem depois uma expressão liminar em um fato que até agora permanece obscuro fisiologicamente: o odor espermático que emite às vezes a mulher, longe das partes genitais, pouco depois da união (um poeta italiano, Arturo Onofri, pôde inclusive falar de um “sorriso espermático”).
Notas:
1 – Jdtaka, LXI; Anguttara-nikáya, II.
2 – Weininger, Geschlecht und Charakter.
3 – Cf. H. Ellis, Op. cit., v. III: “Aquela emoção (sexual) que nos torna tentados a dizer, que apesar de muitas vezes desmasculinizar o homem, torna a mulher pela primeira vez verdadeiramente ela mesma”.
4 – Aqui podemos recordar os versos de Baudelaire que contém um pressentimento do arquétipo “dúrgico”: “E nessa natureza estranha e simbólica – onde o anjo inviolado se mescla com a esfinge antiga...resplandeceu para sempre...a fria majestade da mulher estéril”.
5 – Weininger, Op. Cit., c. X., particularmente: “Vida física e morte física, ambas unidas de uma maneira misteriosa no coito, se repartem entre a mulher como mãe e a mulher como prostituta”. Insistindo em falar da “prostituta”, Weininger faz notar a significação do fato de que “a prostituição é algo que aparece somente entre os seres humanos”, é inexistente entre as espécies animais. Este fato deve ser posto precisamente em relação com a potencialidade “shivaica” do tipo puro da amante. Um tratado atribuído a Alberto Magno (De secretis mulierum) ao descrever o tipo da mulher que ama a união sexual, indica com ocaracterísticas a raridade ou irregularidade das menstruações, a escassez de leite em mulheres desse tipo que se convertem em mães, ademais de uma disposição para a crueldade: voltaremos a este último ponto.
6 – Weininger, Op. Cit., pág. 307. Ibid.
7 – Do ponto de vista sutil não se trata do sêmen material, mas justamente de sua contrapartida imaterial. Paracelso (Opus Paramirum, III) diz: “Na matriz foi posta uma força atrativa que é como um íman, e ela atrai o sêmen”, ele distingue o sêmen do esperma: “a matriz separa o esperma do sêmen, rechaçando o esperma e retendo o sêmen”. Sobre esta base Paracelso trata também dos condicionamentos transbiológicos da fecundação. Para a distinção agora indicada se pode confrontar o que, ainda que em um domínio mais geral, o Cosmopolita (Novum Lumen Chemicum, Paris, 1669): “Como eu disse várias vezes, o esperma é visível, mas o sêmen é, pois, uma coisa invisível e quase como uma alma viva que não se encontra nas coisas mortas”.
8 – Assim, no Oriente antigo, se pode dizer “a sensualidade da mulher é oito vezes maior que a do homem”, enquanto que na antiguidade ocidental se encontram expressões como aquela de Ovídio (Ars Amandi, I), que diz: [Libido foeminae] acrior est mostra, plusque furores habet.
9 – Se trata não só de um controle anormal do constrictor cunni, mas também de certas fibras lisas do órgão feminino, que permitem a intensificação do dito automatismo succionante. Em certos casos, o desenvolvimento dessa possibilidade forma parte da educação erótica da mulher, até o ponto de que, em alguns povos é para uma jovem um motivo de desqualificação que não seja capaz disso. Nas mulheres utilizadas na magia sexual tântrica um treinamento desse gênero parece ser levado a um grau muito alto, se no Hathayogapradipika na mulher para a prática chamada yoni-mudra, se supõe um poder de contração voluntária do yoni, capaz de impedir, por estrangulamento do lingam, a emissão do sêmen masculino. Em Ploss-Bartels são recordados casos de mulheres capazes de expulsar o esperma depois de tê-lo recebido.