30/05/2017

Aleksandr Bovdunov - Zbigniew Brzezinski: A Morte do Demiurgo

por Aleksandr Bovdunov



Brzezinski morreu, mas continuamos a viver no mundo que ele criou

Zbignew Brzezinski está morto. Um proeminente globalista e atlantista deixou este mundo em 27 de maio de 2017. A morte foi anunciada primeiro por sua filha, a famosa apresentadora americana de TV Mika Brzezinski. Nos obituários subsequentes, apesar das diferentes cores ideológicas, a maioria ressaltou as notáveis habilidades intelectuais do morto, seu papel como conselheiro do presidente Carter de 1977 a 1981, e também sua contribuição significativa para o estudo das relações internacionais. Porém, Brzezinski não era apenas um cientista político ou estadista talentoso. Ele foi um dos arquitetos da ordem mundial existente em todos os seus aspectos: das estruturas globalistas influentes ao terrorismo internacional, do conceito de "totalitarismo" enfiado na mente de todo graduado nas faculdades de ciência política ao bloco sino-americano que pôs fim ao projeto soviético. Brzezinski foi de soldado a un dos generais da Guerra Fria, vencida pelos EUA

Geopolítica como Destino

Zbignew Brzezinski era um atlantista consistente. A escolha geopolítica a favor das Potências Marítimas, Grã-Bretanha, e posteriormente EUA, se tornou a questão principal no destino desse filho da Polônia. Como atlantista, ele era bastante consciente de que a principal ameaça aos planos de dominação mundial dos EUA era o poder continental da Rússia, e posteriormente o soviético. A confronto com a Rússia se tornou o sentido de sua vida. E mesmo após o colapso da URSS e do comunismo, Brzezinski se opôs radicalmente a todos os intentos imperiais de Moscou. Ao mesmo tempo, Brzezinski era um liberal consistente no sentido de que, em contraste com realistas nas relações internacionais, ele tinha o fator ideológico em alta conta, acreditava na necessidade de promover valores liberal-democráticos por todo o mundo e acreditava em uma utopia globalista. Brzezinski fundiu uma profunda compreensão da geopolítica (a mais brilhante obra "geopolítica", "O Grande Tabuleiro de Xadrez") e a adesão à abordagem liberal nas relações internacionais. Neste sentido, a Rússia era para ele o inimigo ideal, já que sua oposição ao Ocidente era causado não só por razões geopolíticas, mas não raro estava pintada em cores ideológicas. Quando Brzezinski disse amar a Rússia, ele não mentiu: em seus conceitos, ele deixava um lugar para ela, mas essa seria uma outra Rússia, com outra configuração territorial e orientação ideológica.

Avô do Terror

No esquema da doutrina do confronto com a Rússia durante a Guerra do Afeganistão, Brzezinski fez o possível para ressuscitar o islamismo militante das cinzas e voltá-lo contra os soviéticos. Ele se encontrou pessoalmente com seus líderes, inclusive com o bilionário saudita Osama bin Laden, e persuadiu o presidente Carter a apoiar os mujahideen no Afeganistão. O processo inaugurado por Brzezinski levou à emergência de um novo fenômeno no mundo islâmico, o terrorismo global. Islamistas educados pelos EUA se tornaram um novo fator nas relações internacionais, ultrapassando os terroristas esquerdistas e nacionalistas dos anos 70 em todos os sentidos. Posteriormente, quando os próprios EUA entraram em rota de colisão com este inimigo, Brzezinski afirmou que ele não se arrependia da escolha feita na virada da década de 80. Os islamistas esmagaram o principal inimigo ideológico e geopolítico dos EUA, a Rússia soviética, apesar de eles próprios representarem uma ameaça, mas uma menos perigosa do seu ponto de vista. 

Pai da Trilateral

Brzezinski foi um dos que esteve nas origens da Comissão Trilateral. Junto a David Rockefeller em 1973, ele se tornou um dos fundadores da instituição globalista cujo objetivo era unificar as elites políticas e econômicas dos EUA, Europa e Japão. É claro, o objetivo imediato era fortalecer laços entre os centros do pólo pró-americano (o chamado "Mundo Livre") do sistema mundial bipolar. Mas nem o próprio Brzezinski, nem Rockefeller ocultavam que o objetivo final era um mundo unificado sob controle da elite global. Em sua obra dos anos 70 "Entre as Duas Eras: O Papel Americano na Era Tecnocrática", Brzezinski justificou a necessidade de criar tais centros de reconciliação e governança global. De 1973 a 1976 ele foi o presidente da Comissão Trilateral. Este famoso cientista político também se uniu ao Conselho de Relações Exteriores (CFR) e ao Clube Bilderberg.

A Teoria do Totalitarismo

Junto a outro cientista político americano, Carl Joachim Friedrich, Brzezinski promoveu a popularização da teoria do "totalitarismo". Desenvolvendo as ideias de Hannah Arendt, que uniu os regimes nazista e comunista em uma única categoria, Brzezinski e Friedrich não obstante desafiaram a tese de Arendt de que os regimes totalitários estão opostos, em suas origens, às autocracias tradicionais. Para Brzezinski, o totalitarismo é uma das formas de autocracia que é característica da era industrial. Assim, o totalitarismo soviético era para ele não algo novo, alienígena à história da Rússia, mas uma continuação do Estado autocrático histórico. Por outro lado, essa posição demonstra o rigorismo liberal de Brzezinski que essencialmente introduziu a classificação dicotômica de "regimes democráticos contra todos os outros".

Tudo que não fosse uma democracia liberal neste sistema, a qual, apesar de críticas, era usualmente tomada como garantida pelo pensamento ocidental comum, era situado na mesma categoria que o fascismo e, assim, ostracizado.

Escolha Chinesa

Um dos principais sucessos de Brzezinski em política externa foi a continuação da política de aproximação com a China, começada sob Henry Kissinger. Como resultado, foram estabelecidas relações diplomáticas entre EUA e China e a RPC se tornou um aliado de facto dos EUA na Guerra Fria contra a URSS. No caso da China, Brzezinski preferiu seguir a lógica geopolítica, como potência da Rimland (NT: a periferia da Eurásia, a região circundante da Heartland), a China podia ser tanto atlantista como eurasiana, mas diferentemente da Rússia ela não controlava territórios significativos do continente eurasiático, primariamente a Heartland. Posteriormente nos anos 2000, Brzezinski falou nos "Dois Grandes", um sistema mundial dominado pelas duas potências, EUA e China, como uma alternativa interessante à atual instabilidade. É graças a Brzezinski (mas não só a ele) que hoje vivemos em um mundo onde muito depende das relações entre EUA e RPC. Os dois vencedores e aliados inevitavelmente chegam a uma concorrência global tal como os aliados anglo-americanos e a URSS após a Segunda Guerra Mundial.

Fantoche Negro

A mais recente contribuição de Brzezinski à política mundial foi a presidência de Obama. O geopolítico foi um auxiliar ao candidato presidencial negro, e após a campanha eleitoral Brzezinski foi às vezes chamado "o cardinal cinzento de Obama". Parece que este definitivamente tentou seguir as recomendações de um idoso cientista político, como expressadas por ele no livro "Segunda Chance: Três Presidentes e a Crise da Superpotência Americana". Em particular, a "Primavera Árabe" pode ser explicada pelas tentativas americanas de adotar o conceito de "despertar democrático global" de Brzezinski. Os EUa tentaram reorientar forças no mundo árabe que estavam insatisfeitas com o déficit de democracia em seus países na direção dos EUA e seus ideais liberais, apesar de esse déficit geralmente estar organizado por regimes pró-americanos. Em relação à Rússia nessa obra, Brzezinski propunha aplicar a estratégia de engagamento, integração em projetos ocidentais, que se tornou base do famoso "reset". Mas algo deu errado.

A reunificação russa com a Crimeia foi um ponto de virada, quando todos perceberam que não haveria engajamento real no futuro próximo. A Primavera Árabe terminou com uma nova onda de terror. Terroristas islâmicos sempre foram uns dos principais beneficiários das ideias de Brzezinski. A ascensão de Trump ao poder supostamente arruinou o velho homem. Segundo suas próprias palavras, ele não acreditava que isso poderia ocorrer. A China, apesar do encontro entre Trump e Xi Jinping organizado por seu amigo e adversário Henry Kissinger, é mais um competidor que um parceiro na divisão do mundo. Brzezinski morreu, deixando o mundo criado por ele em uma condição enfraquecida.

Morte do Pensamento

Com sua morte, toda uma era e estilo de pensamento se vão. Não. A russofobia e a abordagem geopolítica continuarão presentes por um longo tempo na política externa americana. É algo mais. Na segunda metade do século XX, pelo menos no que concerne a política externa, imigrantes europeus pensavam no lugar dos americanos: fossem pessoas nascidas na Europa e migradas para os EUA, como Kissinger ou Morgenthau, ou o próprio Brzezinski, ou com raras mas importantes exceções, como Samuel Huntington, eles eram representantes da diáspora judaico-americana, filhos de emigrantes da Europa, criados na cultura europeia. Isso se aplica a neoconservadores, adeptos do judeu alemão Leo Strauss. Mesmo Francis Fukuyama e seu "Fim da História" não poderiam existir sem a influência do estudante de Strauss Alan Bloom. Em outras palavras, o sucesso intelectual da velha e não-americanizada Europa, paradoxalmente, serviu para o sucesso americano. Com a partida de dinossauros como Brzezinski e Kissinger, este recurso se exaurirá. A velha geração de neocons também morre, e a nova só aprendeu com eles a amar Israel e odiar a Rússia, mas não a pensar. Se a América será capaz de começar a pensar com sua própria cabeça após a partida de sua elite intelectual em política externa de origem europeia é uma grande questão. 

27/05/2017

Forças Armadas Peronistas - Por que Somos Peronistas?

por Forças Armadas Peronistas



Em 1945 o país estava em um período de progresso e ascensão econômica. Estava crescendo internamente, à medida que os centros industriais cresciam no interior do país e o governo podia contar com grandes reservas monetárias externamente. Esta situação geral tornou possível o aparecimento do fenômeno peronista, principalmente devido a três fatores:

1 - O aparecimento da indústria nacional, fruto da prosperidade geral, das condições do mercado internacional do pós-guerra e das condições do mercado interno devido à escassez de material manufaturado.
2 - Os inícios da penetração dos ianques como consequência do enfraquecimento do Império Britânico e da expansão da América do Norte.
3 - Migração interna. Como consequência do crescimento da indústria surgiu um novo proletariado urbano proveniente do interior do país de origem crioula, não politizado e numa situação de desorientação total. No entanto, apesar da prosperidade econômica florescente, a situação da classe trabalhadora era de exploração, condições de trabalho precárias e ausência de regulamentações trabalhistas, aposentadorias e proteção social.

O coronel Perón colocou-se à frente do movimento nacionalista - unido por setores da burguesia nacional e do exército - e a classe operária organizada com este novo proletariado urbano, tomando como bandeiras a defesa da indústria nacional nascente, a luta contra a penetração ianque e as exigências sociais da classe trabalhadora.

O 17 de outubro de 1945 foi a primeira ação de massas da classe operária argentina, foi o despertar político dos descamisados, foi o encontro do Povo com seu líder, que o elevou para que atingisse seu mais alto nível de consciência: a consciência de sua missão e destino históricos. Centenas de milhares de homens e mulheres foram mobilizados em massa para impor sua vontade e reconquistar o poder. Tivemos aqui a poderosa e nova força dos trabalhadores contra os valores obsoletos da oligarquia imperialista e exploradora.

O peronismo deve seu nascimento à erupção dos trabalhadores na vida nacional como co-participantes na construção da nova Argentina. No campo internacional significou o avanço dos países do Terceiro Mundo, que buscavam seu próprio caminho fora das duas potências hegemônicas.

A partir de 1945, o peronismo, como movimento antiimperialista, popular e nacionalista, iniciou o processo democrático burguês no país. No campo econômico representou a defesa da riqueza do país contra mãos estrangeiras. A dívida externa foi reembolsada (somando 40% de nossos recursos e reservas). Os transportes, gás, telefone e eletricidade foram nacionalizados. A nacionalização do Banco Central permitiu o uso da poupança nacional para o desenvolvimento do país. O preço dos materiais primários exportados e importados foi assegurado através do IAPI.

No entanto, as estruturas de poder oligárquico não foram modificadas em seus aspectos econômicos.

Uma série de reivindicações sociais autênticas foram expressas: os direitos dos trabalhadores, da família, dos idosos e o direito à educação foram regulamentados. A participação no governo foi concedida ao povo, concedendo o voto às mulheres e aos povos indígenas; A classe trabalhadora participava diretamente no poder político e havia ministros, governadores, deputados, senadores e diplomatas operários; A distribuição da renda nacional permitiu a melhoria das condições de vida da classe trabalhadora. As proporções foram revertidas em favor dos trabalhadores, que recebiam 66% da renda nacional.

Politicamente, o proletariado recebeu consciência de classe e consciência de seu poder, e graças a isso a possibilidade de participar da liderança do país.

Os confrontos começaram com o desaparecimento das prósperas condições do pós-guerra. Houve luta de classes dentro do movimento peronista. O exército participou da industrialização, mas não com uma política socialmente progressista. A burguesia queria aumentar ainda mais seus próprios lucros, negociando com o imperialismo, e os burocratas não fizeram nada além de paralisar o processo. Diante deles, as "pequenas cabeças negras" e os "gordurosos" - como eles chamavam o povo - tendiam a radicalizar a política social. O aumento da consciência política exigiu o aprofundamento dos slogans e políticas nacionais revolucionários, bem como a participação dos trabalhadores nas decisões da liderança.

No entanto, a liderança do movimento permaneceu nas mãos da burguesia nacional todo-poderosa e da burocracia sindical e política. Sem combatividade de classe, sem a presença revolucionária de Evita, abundaram as conquistas fáceis. O Povo viveu a euforia do progresso ilimitado, não tomando consciência da necessidade de destruir as estruturas que sustentam a oligarquia e seus interesses, a fim de conseguir uma distribuição efetiva dos bens de produção. A democracia do movimento estava paralisada.

Foi assim que o processo foi paralisado e as forças anteriormente unidas em uma ampla frente anti-imperialista se dispensaram e se acabaram com um choque: a frente foi rompida.

Desde 1955 14 anos se passaram nos quais a minoria oligárquica assumiu o poder, espoliando o povo e Perón do governo. Neste 14 anos o peronismo instituiu uma luta nas frentes mais diversas para reconquistar o poder. Durante estes 14 anos os caminhos tomados não estiveram no ápice de sua condição revolucionária e tiveram em comum seu espontaneísmo. Eles foram: golpismo, eleitoralismo, burocracia reformista ou traidora usualmente em contato com comandantes militares, terrorismo e sabotagem, que só levaram a becos-sem-saída. As sucessivas crises militares, o triunfo militar, o massivo e popular triunfo do peronismo em 18 de março de 1962, a derrubada de Frondizi, a nova crise militar demonstraram isso.

O 18 de março demonstrou que a oligarquia não estava disposta a render o governo ou o poder por uma questão de mais ou menos votos. O golpe de 28 de junho de 1966 representou a continuação genuína da oligarquia, despida hoje de falsas máscaras pelas forças armadas que, nessa conjuntura, são a única estrutura capaz de defender efetivamente os interesses da oligarquia e do imperialismo.

A falta de uma ideologia coerente e de uma estratégia revolucionária que fornecesse um esquema, os distintos métodos separadamente empregados provocaram a dispersão atual do peronismo, e o levou à derrota várias vezes.

Mas estes anos de luta permitiram que ele aprendesse, permitiram ver que a situação da Argentina e do peronismo é aprte de um processo de libertação da América Latina. Estes anos de luta e rebelião permitiram a formação de um novo peronismo que tenta integrar todas as suas derrotas, todas as suas experiências.

Hoje, quando a burguesia é incapaz de liderar qualquer processo histórico revolucionário; hoje quando o processo se apresenta em termos inseparáveis da Revolução Social e da Libertação Nacional, a força histórica do peronismo como expressão da classe trabalhadora não pode ser igualada.

SOMOS PERONISTAS porque, crendo na força do peronismo, devemos continuar e aprofundar suas atividades segundo as novas demandas históricas e as novas conjunturas nacionais e internacionais.

SOMOS PERONISTAS porque existe uma continuidade clara entre a grandeza nacional iniciada pelo peronismo no governo e aquela que reaparecerá com novas e superiores formas de luta, tudo enquanto integramos estas com os estandartes de nossos primeiros dias. À estratégia contrarrevolucionária de opressão e miséria, de vergonha e privilégio do regime que existiu desde 1955, oporemos a estratégia revolucionária de tomar o poder pela luta armada.

Aqueles que veem em Perón um obstáculo para levar à frente a luta armada carecem da clareza de ver a continuidade histórica que existe entre o processo de 1945-1955, a busca pela estrada que leva ao poder nos últimos 14 anos, e o novo caminho através da luta revolucionária que o peronismo está iniciando e que é a culminação das duas fases anteriores.

SOMOS PERONISTAS e afirmamos o estandarte do retorno de Perón, porque esta é uma autêntica demanda popular. Porque para além da forma e da aparência, o povo não pede pelo retorno de um homem, mas do que ele encarna e é; sua participação na lidernaça do país.

Pois Perón é um fenômeno que não pode ser contido em qualquer sistema. A possibilidade de negociação entre Perón e o regime não tem existência real, e o significado de Perón na Argentina são os milhares e milhares de descamisados nas ruas. Por isso Perón e o peronismo são uma oposição inassimilável ao regime, e essa realidade é independente do próprio Perón.

SOMOS PERONISTAS e lutamos pelo retorno de Perón porque temos confiança no povo, sentimos com ele e não o consideramos como algo que possa ser conquistado por uma seita de iluminados. Só podemos ter um método: tomar as demandas do povo como nossa bandeira e aspirar a outras ainda maiores junto ao povo.

Che disse que não se deve se afastar demais do povo, nem se misturar totalmente com ele, deixando assim de ser a vanguarda. Fazer isso significaria não ver as necessidades reais do povo e assumir outras que até agora foram pura teoria e que o povo não sente ser suas. A segunda seria aceitar que Perón deve vir para fazer a revolução, sem explicar que apenas uma revolução em marcha pode trazer Perón.

SOMOS PERONISTAS e por causa disso afirmamos que da tuba do peronismo deve vir a Vanguarda Revolucionária capaz de liderar o Povo à única solução para o país e para a classe trabalhadora, A TOMADA POLÍTICA E ECONÔMICA DO PODER, para a criação de uma Argentina Justa, Livre e Soberana.

FORÇAS ARMADAS PERONISTAS
Argentina 1969

19/05/2017

Jorge Cuello - A Terceira Posição de Perón na Era da Quarta Teoria Política de Dugin

por Jorge Cuello



Corria o mesmo de agosto de 1945 quando uma das operações militares mais crueis de que se tem memória se concretiza sobre Hiroshima e Nagasaki, cidades do Japão. Ambas foram arrasadas com bombas atômicas, armas espantosas usadas pela primeira vez na história humana.

Os intensos reflexos dos átomos se decompondo, como luzes de um novo amanhecer nos tempos dos homens, anunciavam o nascimento da Era Atômica. E sobre suas cinzas radiativas, assinaram os vencedores as Atas que punham fim à Segunda Guerra Mundial. Com ela chegava também ao fim de seu ciclo histórico a Modernidade. Desde então, a tecnologia e seus sacerdotes tecnotrônicos se encarregariam de substituir os grandes poetas e músicos, estrategistas, estadistas, Papas, filósofos e notáveis artistas de todas as disciplinas que aquela época deu à humanidade. A nova Escola de Frankfurt, transferida aos EUA, se encarregaria de assentar as bases teórico-práticas para a dissolução definitiva daquele mundo e preparar os povos para o novo sistema que sucederia, o Governo Mundial neoliberal e sua ala cultural, o progressismo mundialista neomarxista, gramsciano. Ambos configuram a nova era, a era pós-moderna.

Daquele novo mundo que nascia iluminado pelo fogo atômico, assomavam duas potências formidáveis, impetosos como leões famintos por territórios: Rússia e Estados Unidos da América do Norte, duas superpotências extra-europeias. Uma eurasiática, e outra americana. Com os anos fomos dando conta que, na realidade, começaram neste então a montar algo inimaginável, um espetáculo mundial, nunca visto: dividir artificialmente o Mundo em duas esferas de influência para que, como dois pólos dialéticos, montassem um cenário de um confronto que nunca existiu na cúspide e que, nos níveis inferiores da pirâmide do Poder Mundial o originavam somente para espartilhar as nações que cada um submetia em sua zona exclusiva. Ainda que sendo novos impérios realizavam comércio entre si e se punham de acordo nas cúspides para seguir com a farsa dialética engana-trouxas e dominar caprichosamente o mundo. Assim, diz Perón, "os russos invadiram a Tchecoslováquia com o okay dos ianques e estes invadiram o Panamá com o okay dos russos".

Primeira conclusão: é também evidente que se analisamos sem ideologismos nem preconceitos os fatos aos quais fazemos referência, a derrotada na Segunda Guerra Mundial foi, na verdade, a Europa, toda a Europa. E não só os países centrais e sua vanguarda, a Alemanha.

Este foi realmente um retrocesso ou, se preferirem, um desvio da evolução histórica da humanidade, que até 1939 tinha na Europa sua locomotora universal.

Porque a Europa estava em uma fase de transformação da ordem demoliberal. Novos Estados tradicionalistas que, fundados em tradições milenares de seus povos, na religião que unia seus homens, nas hierarquizações sociais novas, haviam criado uma nova organização naiconal com novas instituições segundo as características de cada um deles. Assim, uma nova ordem europeia, estruturada por Estados fortes, e a novidade, planificadores da economia nacional, estava nascendo pujante e realizadora. Os movimentos, multitudinários, nacionalistas e populares nos quais se baseavam, rechaçavam por igual tanto o liberalismo como o marxismo. Refundar os Estados implica a existência de um Poder fundador interno na nação em questão, independente, soberano, capaz de realizar exitosamente a obra. Este conjunto de poderes nacionais europeus, se tornaram assim perigosos para as potências dominantes, liberais e marxistas. Para meu modesto entendimento, este foi, considerando hoje aqueles fatos, o verdadeiro quid Político daquela questão. Porque a Política é sempre uma luta de Poderes em primeiro termo. Difiro que seja uma luta ideológica. A ideologia está a serviço das estretégias de Poder, não ao contrário.

Tudo isso foi aniquilado pelos vencedores da guerra. Arrasaram povos e culturas, Estados, instituições, classes sociais, etnias e tradições. Aquela Europa de antes da guerra foi literalmente arrasada.

Perón faz referência a essa realidade em "A Hora dos Povos" (1). Nessa obra dizia o General que tanto o comunismo, como o fascismo, como o nacional-socialismo, o nacional-sindicalismo espanhol, os socialismos e comunismos nacionais de diversas cores, eram todas manifestações de uma nova concepção da organização política e consequentemente econômica e social dos Povos que, forçados pelo liberalismo a viver competindo uns contra os outros, todos contra todos buscavam recuperar a felicidade perdida de viver em comunidade, todos com todos e respeitando o pessoal.

O General Perón, que era militar de carreira especializado em Estratégia, viveu pessoalmente, como agregado militar em embaixadas argentinas na Europa, parte dessa rica experiência do Velho Mundo. Evidentemente, ao regressar a nossa Pátria em 1942, o fez decidido a procurar enquadrar a Argentina no mundo que já em 1943 se avizinhava de forma irremediável. Mas, tal como o constata sua atuação posterior, concebeu uma proteção política e institucional que salvaguardasse nossa nação das possíveis tensões e lutas entre a URSS comandada pela Rússia e o mundo demoliberal partidocrático comandado pelos EUA. A Terceira Posição aborda e resolve essa ameaça, colocando ideologicamente a Argentina por sobre o socialismo marxista e o liberalismo capitalista que essas potências impunham como necessários em suas respectivas zonas de influência e ocupação.

Diz o General Perón, "é evidente que nenhuma dessas duas soluções, nem a liberal, nem a marxista, nos levaria à conquista da felicidade que ansiamos para nosso povo. Assim foi que nos decidimos a criar as novas bases de uma Terceira Posição que nos permitiu oferecer a nosso povo outro caminho que não conduzisse à exploração e à miséria. Em uma palavra, uma posição completamente argentina, para os argentinos, o que nos permitiu seguir em corpo e alma a rota da liberdade e da justiça que sempre nos assinalou a bandeira de nossas glórias tradicionais"(2).

Perón desenvolve as concepções sobre as quais se funda a Nova Argentina que, a partir de 1947, ele preside. Aquelas experiências europeias, o conhecimento, compreensão e amor que chegou a ter pela população argentina graças às vivências em sua passagem pelos quarteis da Pátria e a inspiração e guia espiritual da Doutrina de Jesus Cristo, encontram na inteligência de Perón a cristalização cabal de uma nova filosofia política autenticamente argentina, distanciada "dos dois pólos, o liberal e o marxista", e que deverá desembocar irremediavelmente na criação de uma nova organização institucional. Caso contrário, o peronismo nunca poderá concretizar seu ciclo. Isso é vital para o Justicialismo. Mas também, advertimos, para a Quarta Teoria Política de Dugin.

Aleksandr Dugin, filósofo russo de enorme influência nestes momentos sobre dirigentes, pensadores e analistas políticos tanto europeus como eurasiáticos, homem próximo às mais altas esferas de poder da Rússia de Putin, é hoje o mais importante referencial da Quarta Teoria Política que ele deu a conhecer ao mundo inteiro.

Esta Quarta Teoria parte de um "não", como gosta de dizer Dugin: não ao liberalismo e não à modernidade.

E eis aqui que não só o liberalismo é rechaçado enfaticamente, mas fundamentalmente, sua causa e origem: a Modernidade e suas criações,principalmente as nações e seus Estados, o materialismo e o distanciamento de Deus, enfim, o esquecimento da Tradição.

Aqui os americanos temos um problema de fundo, então. Porque a Argentina e as nações da América nasceram para a vida política independente na modernidade, e por tanto como um Estado nacional. E não podem se conceber de outra maneira senão como nação. Se um ser nasceu leão, deve ser concebido e apreciado como leão, por mais que não nos agrade o lugar e o tempo em que nasceu. Por essa razão a nossa Terceira Posição Justicialista se dirige às nações. É propícia para a Argentina e seu espaço continental sulamericano. As nações irmãs do continente podem tornar sua essa Terceira Posição, mas sempre "desde sua nação", para sua grandeza, felicidade e liberdade.

A nação, para Perón, não é só uma consequência da modernidade. É uma etapa na evolução da organização humana que começa com o homem isolado e sua família, o clã, a tribo, a fraternidade, a cidade, o Estado, o Continentalismo e desembocará no universalismo.

E este é um dos principais aspectos que Aleksandr Dugin observa criticamente no Justicialismo.

O assinala como "Moderno", seguindo a divisão clássica dos tempos históricos. E diz isso posto que "a modernidade" é o tempo dos Estados-nações, surgidos após a decadência dos Impérios tradicionais em um processo que toma força decisiva com a Paz de Vestfália de 1648, o Justicialismo também é um fruto da modernidade. Por isso não seria útil para superar o liberalismo e o marxismo.

Mas aceitemos analisar Dugin em si mesmo, como corresponde.

Antes, devemos saudar o filósofo russo. O mundo necessita urgentemente de filósofos desse calibre e os russos parecem estar na ponta.

Dugin lança sua Quarta Teoria Política como a superação da modernidade e de suas excrecências, entre elas, como dizia acima, as nações. Mas também sua teoria se apresenta como uma superação do homem moderno e dos sistemas que se fundam neste homem: a Primeira Teoria Política, ou liberalismo, a Segunda Teoria Política, o marxismo, e a Terceira Teoria Política, o fascismo. O fascismo é derrotado definitivamente na Segunda Guerra Mundial, o marxismo em 1991 com a queda da URSS e só fica vigente como único triunfador o liberalismo. Fortalecido e expandido a nível mundial, está hoje correndo sua nova etapa, chamada neoliberalismo, em consonância à nova era pós-moderna.

Dugin crê que nenhuma dessas teorias políticas pode superar à modernidade, pois são filhas dela mesma e possuem os mesmos fundamentos: o homem-sujeito de Descartes.

Portanto, a Quarta Teoria Política deve desconstruir a modernidade e fundar uma nova era baseada nas tradições, nas sociedades hierárquicas, nas castas, na fé religiosa, nos sãos e milenares costumes comunitários, enfim, voltar à sociedade Tradicional(3). A forma política seria a organização de vastos territórios, não já nacionais, mas civilizatórios. E a Rússia, segundo Dugin, é um espaço geopolítico civilizatório. Outro seria o Islã, outro a Europa, e assim segue.

Suas expressões deixam entrever uma impressão favorávei para os Impérios pré-modernos, posto que estes foram, fundamentalmente, "espaços político-culturais".

Assim, podemos concluir que a Quarta Teoria Política está fundamentalmente orientada para estruturar a reorganização do espaço geopolítico eurasiático e com ele o papel de liderança da Rússia. Acompanhada ou não pela China. Isso veremos. Tenho minhas dúvidas pessoais. Mas seja a Rússia com ou sem a China, deverá necessariamente adotar algo semelhante a uma política imperial centralista ao estilo pré-moderno. O mesmo para a China. E essa futura possível realidade, é definida por duas condições geopolíticas de enorme envergadura: os infinitos espaços geográficos russos e o enorme espaço chinês, povoado por uma demografia excepcional de um bilhão e quatrocentos milhões de seres humanos. Não se pode governar essas situações geopolíticas senão por um Estado centralizado ao estilo imperial pré-moderno. Sempre foi assim. Depois de tudo, o Czar foi substituído não por seu herdeiro dinástico, mas por uma nova estirpe de Czares provenientes do Partido único, dono do Estado russo. No fundo, Dugin viu com absoluta clareza e sem preconceitos ideológicos a realidade concreta das possibilidades geopolíticas russas, isto é, a forma que deve ocupar politicamente o espaço geográfico russo.

A Terceira Posição do Nacional-Justicialismo é fruto de outra realidade. Está orientada essencialmente para a organização política da comunidade nacional argentina e exposta como fonte de inspiração para a América do Sul. Mas sempre partindo das situações integrais nacionais.

Essa Terceira Posição é nacional porque "nacional" é o espaço geopolítico que se ocupa e ordena. E está baseada na soberania política, mãe da independência econômica e da justiça social. Três objetivos estratégicos que o Justicialismo busca concretizar através do Novo Estado e da Comunidade Organizada.

A primeira impressão ao considerar ambas as teorias é positiva. Consiste em que a Quarta Teoria de Dugin é para a Europa e para a Eurásia o mesmo que a Terceira Posição de Perón é para a América Hispânica. Não pode a Quarta Teoria inspirar a América mais que em conceitos aos quais abaixo faço referência, porque a Europa foi outro mundo, que os americanos não vivemos. Dugin pensa como um eurasiático. Do mesmo modo, a Terceira Posição de Perón pode orientar, aportar conceitos, também apenas em aspectos daquela nova teoria. Me refiro às concepções e realizações justicialistas em relação à Justiça Social, à organização interior como Comunidade Organizada e, inclusive, às instituições políticas criadas pelo Justicialismo e expostas no modelo argentino.

Mas não devemos perder de vista que o fundamental no que estamos tratando, é que a questão do conflito político em nosso continente passa pela consolidação das nações herdeiras do Império Espanhol.

Hoje em nossos dias, nos inícios do mundo pentapolar (segundo meu entender) e de modificações profundas nas geopolíticas das potências mundiais, é de valer, portanto, para a América a conformação de blocos defensivo-produtivos entre nações-irmãs soberanas. Oxalá possamos criar as formas institucionais para organizar o espaço comum civilizatório, como o chama Dugin e o assinala nosso Alberto Buela: a América Hispana e seus vice-reinados(4). Mas para isso se torna fundamental e decisivo, e até urgente, a reorganização institucional interna das nações americanas com o objetivo de superar o demoliberalismo partidocrático, econômico e institucional, e o marxismo gramsciano progressista, plataforma cultural na qual se assenta o neoliberalismo mundialista, enquistados hoje em nossas sociedades. A tão cacarejada "integração" e suas formas e instituições, desde que caiu em mãos dos organismos transnacionais do mundialismo e operado pelas corporações multinacionais, passou a ser uma farsa. Uma trágica farsa. Um disfarce mais para seguir explorando os povos e roubando suas riquezas.

Há outra diferença originada na história e composição das sociedades eurasiáticas e americanas. As teorias eurasiáticas, no fundo, necessitam de uma lúcida e responsável aristocracia nobre, valente e prudente, sadia, de uma honestidade religiosa profunda, de grande temperamento e inteligência, capazes de governar e conduzir desde um Estado centralista, espaços com populações que superam os bilhões de seres humanoas e vastos e intermináveis territórios de milhões e milhões de quilômetros quadrados. Essa é sua tradição milenar.

A Terceira Posição Justicialista e o Modelo Argentina, por sua vez, estão concebidos para organizar os Povos dessas latitudes americanas, em instituições virtuosas que frutifiquem necessariamente na Comunidade Organizada e tornem realidade a Soberania Nacional, a Independência Econômica e a Justiça Social, único caminho que vemos na América para alcançar a felicidade e grandeza de nossos povos. Creio que a Terceira Posição de Perón e a Quarta Teoria Política de Dugin não se exluem, ao contrário, convergem na criação de sistemas político-culturais que superem de forma definitiva tanto o marxismo em todas as suas variantes, incluído o pérfido progressismo, como o liberalismo em todas as suas manifestações.

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(1) Diz Perón: "O século XX se inicia com o signo das grandes lutas e como tal impulsiona o desenvolvimento frenético da ciência e da evolução. Por isso, a primeira metade desse século com suas duas grandes guerras e as revoluções do comunismo, do fascismo e do nacional-socialismo, iniciaram tanto a era atômica como impulsionaram a 'hora dos Povos'." - Juan D. Perón, La Hora de los Pueblos, Ed. Norte, Buenos Aires, 1968

(2) Juan D. Perón, Mensagem à IV Conferência de Países Não-Alinhados, setembro de 1973, em Diego Mazzieri, Nem Ianques, Nem Marxistas, Peronistas!, Ed. del Oeste, Buenos Aires, 2003

(3) Aleksandr Dugin, entrevistado por Anatoly Kizichef para Tsargrad TV, Moscou, 22 de janeiro de 2017

"Se rechaçamos as leis da modernidade tais como o progresso, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça, a liberdade, o nacionalismo e todo este legado de três séculos de filosofia e história política, então há uma escolha. .... Esta é a sociedade tradicional. Um dos movimentos mais simples em direção à Quarta Teoria Política é a reabilitação global da Tradição, do sagrado, do religioso, o relacionado com a casta, se se prefere, do hierárquico e não da igualdade, da justiça ou da liberdade. Rechaçamos tudo isso junto com a modernidade e reelaboraremos tudo isso completamente..."

Deixo claro que não se nega a justiça, a liberdade, etc., mas sim que se propõe reelaborar estes conceitos a partir da Tradição.

(4) Alsina Calvés, José, La Razón Histórica, nº27, Murcia, 2014.

15/05/2017

Jack London - Como eu me tornei socialista

por Jack London


Pode-se dizer que me tornei um socialista de maneira similar à dos pagãos teutônicos ao cristianismo – à força. Não apenas eu não procurava o socialismo na época da minha conversão, mas lutava contra ele. Eu era demasiado jovem e inexperiente, não sabia nada de coisa alguma e, apesar de nunca ter ouvido falar de uma escola de pensamento chamada “individualismo”, cantava o hino dos fortes com todo o meu coração.

Isso porque eu próprio era forte. Por forte quero dizer que tinha boa saúde e músculos rijos, ambas características que podem ser facilmente explicadas. Vivi minha infância nos ranchos da Califórnia, vendendo jornais nas ruas de uma próspera cidade do Oeste e passei minha juventude nas águas saturadas de ozônio da Baía de San Francisco e do Oceano Pacífico. Amava a vida a céu aberto, desempenhando as tarefas mais difíceis. Sem aprender nenhum ofício, mas pulando de emprego em emprego, observava o mundo e gostava dele em todos os sentidos. Deixe-me repetir: esse otimismo existia porque eu era forte e saudável, nunca experimentando dores nem debilidades, nunca sendo recusado por um patrão por não aparentar estar em boas condições físicas, sempre capaz de obter trabalho nas minas de carvão, como marinheiro ou como trabalhador braçal de qualquer espécie.

Por tudo isso, exultante em minha juventude, capaz de me defender bem, tanto no trabalho como nas brigas, eu era um feroz individualista. E isso era muito natural. Eu era um vencedor. Por conseguinte, considerava o jogo, da forma como era jogado, muito apropriado para HOMENS. Ser HOMEM significava escrever em letras maiúsculas no meu coração. Arriscar-me como homem, lutar como homem, fazer o trabalho de homem (mesmo que com o salário de menino) – essas eram coisas que me tocavam profundamente e ficavam gravadas em mim como nenhuma outra. E eu olhava adiante as amplas paisagens de um futuro nebuloso e interminável, em direção ao qual – jogando o que eu considerava um jogo de homens –, continuaria a viajar com uma saúde inquebrantável sem acidentes, e com os músculos sempre vigorosos. Como digo, esse futuro era interminável. Podia ver-me apenas avançando pela vida sem fim como uma das feras louras de Nietszche, perambulando lascivamente e triunfando pela simples superioridade e força.

Quanto aos desafortunados, aos doentes, aos que sofrem, aos velhos e aos aleijados, devo confessar que raramente pensava neles, a não ser que vagamente achasse que estes, salvo acidentes, poderiam ser tão bons quanto eu e trabalhar igualmente tão bem, se realmente o desejassem. Acidentes? Bem, eles representavam o DESTINO, também soletrado com letras maiúsculas, e não havia modo de se esquivar do DESTINO. Napoleão sofreu um acidente em Waterloo, mas isso não tirou meu desejo de ser outro Napoleão. Além disso, o otimismo, vindo de um estômago que podia digerir pedaços de ferro moído e de um corpo que florescera de uma vida dura, não me permitia considerar que acidentes tivessem qualquer relação, mesmo que remota, com minha personalidade gloriosa. Espero ter deixado claro que eu tinha orgulho de ser um daqueles seres eleitos da Natureza. A dignidade do trabalho era para mim a coisa mais impressionante do mundo. Sem ter lido Carlyle ou Kipling, formulei um evangelho do trabalho que varriam os deles “no chinelo”. O trabalho era duro. Era a santificação ou a salvação. O orgulho que sentia depois de um dia de trabalho árduo e bem feito seria algo incompreensível para os demais. Ë quase inconcebível para mim quando penso nisso agora. Nunca um capitalista explorou um escravo do salário tão fiel quanto eu. Embromar ou ludibriar o homem que me pagava o salário era um pecado, primeiro contra mim mesmo, e depois contra ele. Para mim era um crime que vinha logo atrás da traição, mas tão ruim quanto.

Resumindo, meu individualismo entusiasta era dominado pela ética ortodoxa burguesa. Eu lia os jornais burgueses, ouvia os pregadores burgueses e repetia plenitudes sonoras dos políticos burgueses. E não duvido que – se outros eventos não tivessem mudado minha trajetória -, viesse a me transformar num fura-greves profissional (um dos heróis do reitor Eliot), e tivesse minha cabeça e minha capacidade de trabalho irremediavelmente esmagadas por um porrete nas mãos de algum sindicalista militante.

Por essa época, voltando de uma viagem que durara sete meses, e logo após ter completado dezoito anos de idade, pus na cabeça a ideia de que iria vagabundar. Em vagões de passageiros ou compartimentos de carga, desbravei meu caminho pela vasta região Oeste, onde os homens trabalhavam duro e os empregos procuravam as pessoas, até os congestionados centros operários da região Leste, onde os homens tinham pouco valor e davam tudo que tinham para conseguir trabalho. E nesta nova aventura de fera loura, comecei a ver a vida de um ângulo novo e totalmente diferente. Eu havia descido da condição de proletário para o que os sociólogos chamam de “porção submersa”, e comecei a descobrir a maneira como aquela porção submersa era recrutada.

Lá encontrei todo tipo de homens, muitos dos quais haviam sido algum dia tão bons e tão feras louras quanto eu: marinheiros, soldados, operários, todos estropiados, comidos e desfigurados pelo trabalho, pelas agruras e pelos acidentes e dispensados por seus patrões como cavalos velhos. Com eles mendiguei nas ruas, pedi comida nas portas dos fundos das casas e senti frio em vagões de trens e parques da cidade, ouvindo as histórias de vidas, que começavam sob auspícios tão favoráveis como os meus, com estômagos e corpos iguais ou melhores do que os meus, e que terminavam ali, diante de meus olhos, arruinados, no fundo do Abismo Social.

E enquanto eu ouvia, meu cérebro começava a funcionar. A mulher das ruas e o homem da sarjeta se tornaram muito próximos de mim. Vi a imagem do Abismo Social vividamente, como se fosse algo concreto. Eu os observava lá no fundo do abismo, um pouco acima deles, agarrando-me às paredes escorregadias com todo o suor e a força de minhas unhas. E confesso que um medo terrível se apoderou de mim. E se acabasse minha força? E quando me tornasse incapaz de trabalhar lado a lado com os homens fortes que ainda estavam por nascer? Aí, então, fiz um juramento. Era algo mais ou menos assim: Todos os dias tenho trabalhado até a exaustão com meu corpo e apesar do número de dias que trabalhei, cheguei bem próximo do fundo do Abismo. Deverei sair dele, mas não com os músculos do meu corpo. Não vou nunca mais trabalhar como trabalhei e que Deus me fulmine se um dia eu der de mim mais do que o meu corpo pode dar. E desde então tenho me dedicado a fugir do trabalho duro.

A propósito, enquanto vagabundava por umas 10.000 milhas pelos EUA e Canadá, entrei na cidade de Niágara Falls, fui pego por um policial à caça de multas, tive negado o direito de me declarar culpado ou inocente, fui imediatamente sentenciado a trinta dias de prisão por não ter residência fixa ou meio aparente de subsistência, algemado e acorrentado a um grupo em situação similar, despachado para Buffalo e registrado na penitenciária do condado de Erie; meu cabelo e meu incipiente bigodinho foram raspados, fui vestido com o uniforme de prisioneiro, vacinado compulsoriamente por um estudante de medicina que praticava em pessoas como nós, obrigado a marchar em fila e a trabalhar sob a vigilância de guardas armados com rifles Winchester – tudo isso por ter me lançado em aventuras ao estilo das feras louras. Para mais detalhes, esta testemunha declara-se muda, embora se possa desconfiar que seu exultante patriotismo tenha se evaporado um pouco e vazado por alguma fresta no fundo de sua alma – pelo menos, desde que passou por essa experiência, já se deu conta de que se interessa muito mais por homens, mulheres e criancinhas do que por linhas geográficas imaginárias.

Voltando a minha conversão. Acho que aparentemente meu individualismo feroz foi efetivamente extraído de mim e foi-me inculcada outra coisa, de forma igualmente eficaz. Mas, assim como eu havia sido um individualista sem saber, era agora um socialista sem saber, ou seja, um socialista não científico. Eu havia renascido, mas não havia sido rebatizado, e andava à toa por aí, tentando descobrir o que de fato era. Voltei para a Califórnia e abri os livros. Não me recordo quais abri primeiro. Este é um detalhe sem importância, de qualquer forma. Eu já era isso, seja lá o que isso fosse, e com a ajuda dos livros descobri que isso era ser socialista. Desde aquele dia abri muitos livros, mas nenhum argumento econômico nenhuma demonstração lúcida da lógica e da inevitabilidade do socialismo me afeta tão profundamente e tão convincentemente como o dia em que vi pela primeira vez os muros do Abismo Social se erguerem à minha volta e me senti escorregando, escorregando, para as ruínas que se amontoavam lá no fundo.

14/05/2017

Aleksandr Dugin - O Nome da Europa é Marine Le Pen

por Aleksandr Dugin



Princípios da Geopolítica Eleitoral

Eu gostaria de dizer algumas poucas palavras sobre o primeiro e segundo turnos das eleições na França. Vamos chamar sua atenção para a geopolítica eleitoral, para o fato de que a parte oriental da França votou por Marine Le Pen e de que o oeste da França votou por Macron. Este mapa nos recorda muitos outros mapas simultaneamente.

Por exemplo, ele nos recorda um mapa da Ucrânia das eleições de Yushchenko e Yanukovich, quando o Donbass, o leste da Ucrânia e a Crimeia votaram por um candidato, o candidato da orientação eurasiana, um candidato conservador e pró-russo. E houve também um candidato ocidentalizado, que recebeu apoio do oeste da Ucrânia. É fascinante vermos a mesma coisa na geopolítica eleitoral da França. Eu quero relembrar, que o especialista francês em geopolítica eleitoral Yves Lacoeste, que estava tentando analisar as coisas em termos geopolíticos com olhos flamejantes, subitamente desapareceu durante essas eleições francesas, porque tudo que ele praticava sobre a pequena geopolítica foi varrido com uma grande onda, então agora é a hora de falar sobre geopolítica eleitoral, sobre o que todos costumavam rir... Mas Lacoste não está mais aqui... Nem mesmo Chauprade, que vergonhosamente convocou votos para Macron... Infelizmente, Chauprade, que era um ótimo geopolítico, sumiu...no abismo, dizendo que era necessário fazer uma "fairre barrage" contra Marine Le Pen...

Bem, tal como políticos são vendidos, como sabemos, muito mais barato é comprar analistas e especialistas, só por um centavo: alguém dê esmola para esse tipo de analista, jogue um pacote de dinheiro, alguns milhares de dólares, pelo menos dez mil; e um especialista ou analista estará amarrado como um porco, esperando a próxima esmola.

Eu quero chamar sua atenção para o fato de que a França está dividida segundo princípios geopolíticos. Há uma França eurasiana, votando por Marine Le Pen. Vamos prestar atenção ao magnífico mapa, que demonstra a situação eleitoral no norte, leste e sul da França. Nessas áreas nós fixamos a residência compacta dos franceses eurasianos. Essa pode ser chamada de "Novorossia francesa".

Se eu fosse alemão eu estaria esfregando as mãos, porque se perguntarmos "quem vive aqui, qual é a desse território", descobrimos que este é o território da Normandia, Alsácia e Borgonha. Por estranho que pareça, este é o terceiro destino de Carlos Magno, essas são as terras que Lotário herdou de Carlos Magno, da grande Lorena à Suíça. Aqui nos deparamos com uma geopolítica alternativa não só do passado, mas do presente e do futuro. O destino de Lotário, que se estende da Holanda e Normandia à Suíça é, na verdade, a coisa mais interessante. A sorte de Lotário também está na Borgonha. E essa B orgonha alternativa também votou por Marine Le Pen. O mapa que vocês veem é um bastante curioso que nos permite ver o espaço centro-alemão/loreno. Essa é a Terceira Europa. Na história houve uma Europa francesa, Carlos o Calvo teve sua Europa germânica, e houve a Lorena, a terceira Europa, a "Europa Suíça", como é chamada, que agora vota por Marine Le Pen. Essa é a Europa continental. Em outras palavras, na França, enquanto se vota, o país se deparou com geopolítica pura. Além das ideologias ("populismo contra o sistema", "Macron como parte sobressalente do globalismo, que não difere em nada da poeira do metrô de Paris, deixada por alguns árabes, de onde o entulho se esparrama", porque nesse personagem não há ontologia) há ainda geopolítica, Le Pen é uma política bastante séria, na medida em que ela tem um modelo geopolítico real.

Nosso mapa revela a geopolítica do primeiro turno. Se os europeus de hoje tivessem pelo menos uma gota de consciência, o que eles não tem, eles prestariam bastante atenção nisso, porque isso confirma os acertos de Dumézil e do estruturalismo, de que nada nunca desaparece, que tudo permanece na Eternidade, o que está representado na superfício. Mas se o sistema só está um pouco abalado, veremos que as linhas de força das civilizações, culturas, povos, logoi e identidades, determinam os resultados das eleições hodiernas. As linhas de poder da Europa não desapareceram em lugar nenhum. Talvez leve outros 15 anos, e a Europa dirá: "Essas regiões votaram em Abu Muslim, aquelas em Jean". Haverá outra geopolítica, uma geopolítica de integração. Mas agora vemos uma velha Europa, ainda dividida entre partes costeiras, atlânticas e partes continentais, germânicas. Se os eleitores entendem isso ou não, essas coisas permanecem constantes.

Símbolo de Nossa Luta

Em segundo lugar, eu penso que Marine Le Pen é um dos símbolos fundamentais de nossa luta, tal como Trump na época das eleições, ou mais precisamente como o "trumpismo". Eu gostaria de chamar sua atenção para Ann Coulter que, quando perguntada se ela continua a insistir no slogan "em Trump confiamos", respondeu: "No trumpismo confiamos". (Ann Coulter escreveu um livro com este nome "Em Trump confiamos", depois ou na época, mas em última análise isso não é importante: o que é importante é a unidade de abordagem e análise). Assim, esse "Trump trumpista", o "Trump da época da campanha eleitoral" é um grande símbolo, que não desapareceu, e é um fator fundamental da geopolítica global. Agora no Atlântico Ocidental, nos EUA há uma fator muito importante que confirma que grande parte do povo americano votou por uma agenda antiglobalização. A elite mundial tenta destruir este símbolo, paralisar e recodificar Trump, e fazer com que este símbolo seja esquecido. Este símbolo agora está sendo fechado pelos americanos, mas o trumpismo é um fenômeno irreversível. O que aconteceu durante as eleições americanas é um fator fundamental para nós, é isso que é agora chamado "Steve Bannon, Alex Jones, Alt-Right". Talvez eles não serão capazes de traduzir isso em uma base intelectual agora (ainda que digam que Bannon, já que ele é o portador da ideia de um "Trump trumpista", é capaz de criar uma base alternativa agora). Talvez não hoje, mas essa base será criada no futuro. Eu não sei quando ela será criada, mas ela certamente o será, porque tão poderoso apoio que foi fornecido à plataforma Trump nos EUA não pode simplesmente sumir. Em outras palavras, este é o momento mais importante e fundamental, não importa como ele seja chamado, e não importa como ele seja reorganizado na próxima fase, Trump hoje é a típica figura semi-solar, semi-lunar.

É apenas uma situação clássica, relativa não apenas ao presidente americano. Há dois Trumps, solar e lunar, o solar permaneceu na campanha, agora estamos lidando com o Trump lunar. Mas o sol está sempre ali. O Trump solar não pode desaparecer ou escapar para onde quer que seja a partir da posição da ontologia da Eternidade. E o arquétipo do Trump solar sempre existe, e está irreversivelmente presente no mapa da nova geopolítica.

O segundo fator é Marine Le Pen. É isso que eu tenho afirmado para essas eleições, chegando a seu segundo turno: essa é uma história fundamentalmente diferente de 2002, quando Jean-Marie Le Pen, o pai de Marine, passou para o segundo turno. Ele parecia um bode expiatório então: ele só era apoiado pela "extrema-direita", que é razoavelmente numerosa na França, mas não o bastante para mudar o sistema político. A "extrema-direita" se uniu e votou por ele, o bloqueio foi então total, não havia escapatória desse eleitorado de extrema-direita, que havia aumentado gradativamente até 2002. Jean-Marie conduziu uma campanha perfeitamente normal, conquistando todo seu eleitorado, mas só acrescentando 2 pontos percentuais no segundo turno.

Agora há uma situação completamente diferente. Marine Le Pen deixou a direção do partido, porque ela é agora o pólo de toda a resistência europeia. Ela é representante de uma outra Europa. A própria Marine pode vencer ou perder, ela pode ser sabotada tal como Trump...

Mas há algo irreversível em sua vitória no primeiro turno. E agora temos que consertar isso. Ela pode não reconhecer a Crimeia, ela pode ser recodificada, isso pode vir a ocorrer com ela individualmente. Mas arquetipicamente nada acontecerá com Marine Le Pen, porque ela mostrou que com tecnologia mínima, atenção mínima a modelos e padrões modernos, com recursos muito limitados, praticamente sem recursos (o "Front National" tem pouquíssimos recursos) a vitória pode ser alcançada. E isso é política real. Tal como com Trump.

Os recursos de Trump também eram razoavelmente limitados; tudo estava contra ele, todo o dinheiro do mundo, todas as autoridades do mundo, todas as instituições do mundo. Ele se voltou para o apoio popular, abriu um pequeno túnel nos arranjos do sistema, e quebrou o sistema... A mesma situação com a França, Marine gastou fundos insignificantes em comparação com Macron. Somas de dinheiro, gastas por ambos os candidatos, diferem em um grau de milhares de vezes. Mas apesar do potencial financeiro microscópico, Marine Le Pen focando no poder do povo, na plataforma geopolítica sobre a qual a Europa e o mundo se sustentam, na plataforma dos povos, alcança um enorme resultado. Nós afirmamos que Marine Le Pen foi além das fronteiras reservadas para o gueto da "extrema-direita", e agora ela é a líder da Resistência não apenas da "extrema-direita", mas do povo por inteiro. Ela realmente colocou uma blusa feminina no movimento populista. Todos os outros pretendentes, Fillon, etc., se mostraram vermes reptilianos do sistema, parte do campo de Macron (Se o próprio Macron não passa de uma peça sobressalente do sistema, Fillon se revelou o omento de Macron).

Populismo Falso e Populismo Real

Mélenchon é um eurocético e usa o conceito "povo". Mas em seu caso isso não é populismo. Mélenchon serve a uma das dimensões do sistema, que, como Soros, se move em duas direções. Eu explico. O sistema global está estruturado da seguinte maneira: "hoje" domina o poder do capital mundial, e "amanhã" reinará o poder das hordas terroristas antifas. Estes dois modelos se complementam. Como antigamente comunismo e capitalismo competiam, hoje liberalismo e a extrema-esquerda o fazem. Os primeiros representam a situação atual. Os segundos manifestam o caos de amanhã. Mas eles todos transitam do "hoje" ao "amanhã". Soros atua tanto aqui como ali, e essa é a essência do liberalismo, se mover à "direita" e à "esquerda" ao mesmo tempo. Mélenchon é o lado "esquerdo" da globalização. Ele não é populista, apenas Marine Le Pen é a populista, e todo o povo, o povo trabalhador, é populista, o povo da França, da extrema-direita, da direita alternativa, da direita pós-moderna, são os verdadeiros populistas.

Assim, eliminamos Mélenchon dos populistas, apenas Marine Le Pen resta. Agora Marine não pertence mais a si mesma, ela é agora Joana d'Arc. De que parte da França Joana d'Arc surgiu? Não é da mesma que Marine representa agora? E onde Joana d'Arc foi queimada? Este é um momento muito interessante. Joana d'Arc é um símbolo conservador de uma profundeza continental, solo da França, solo da Europa. Agora estes arquétipos vem à vida. E agora, eu quero situar novamente o momento, Marine Le Pen não pertence mais à França, nem ao Front National, nem a si mesma (ela já excedeu os próprios limites).

Marine Le Pen não existe mais enquanto indivíduo. Tal como há um "Trump eleitoral", um "trumpismo", como há um "Putin", que também não é dono de si mesmo, porque, o que quer que ele diga, ao dizerem "Putin" pessoas ao redor do mundo dizem "não" à globalização. Dizer "Eu apoio Putin!" significa ser antítese ao sistema mundial. Imagine se Le Pen não fosse ao segundo turno? Você pode imaginar a situação? E se os globalistas já tivessem montado barreira no primeiro turno? Eles suspirariam com alívio: "Uma ameaça passou, riscos mínimos, a democracia venceu, Marine é um fenômeno local", eles diriam, "isso não nos ameaça, não prestaremos atenção a isso".

O que aconteceu agora, após o primeiro turno, torna quase sem importância como Marine se comporta e como ela vai se comportar. A partir de agora Marine Le Pen será liderada por super forças - ela já está no raio fundamental do arquétipo. E este raio do arquétipo levará tudo até o fim. Ela rotulou a Europa. O nome da Europa é Marine Le Pen. Ela revelou o verdadeiro nome do que é a Europa. É um ponto muito importante: penso que este é um verdadeiro despertar de arquétipos muito profundos, e são os arquétipos de uma Europa muito específica, muito especial, paradoxal, mas europeia. Esta é a descoberta do segundo pólo, análogo ao segundo pólo do espírito do "Trump trumpista", que é eterno e no qual o povo americano votou, independentemente do fato de Trump ter sido sabotado e recodificado.

Estamos interessados ​​no ponto fundamental: o povo americano votou por Trump-Bennon, por Trump-Steve Miller, por Trump-Ann Coulter, por Trump, que está no "em Trump nós confiamos". Eles votaram nele, e é irreversível, não importa o que dizem os especialistas. Essa coisa é irreversível.

O mesmo fenômeno irreversível é Marine Le Pen agora. Nós fixamos o momento histórico - durante essas eleições, entre essas eleições o mais importante aconteceu. E agora não é tão importante o que vai acontecer a seguir, se Marine vai vencer ou não no segundo turno.

Primeiro, ela pode ganhar, porque o Brexit ocorreu, e a escolha de Trump ocorreu. Na verdade, a situação na França é formulada da seguinte forma: as pessoas estão contra o sistema. Uma parte do povo está completamente zumbificada pelo sistema. Isso não deve ser esquecido. E nós temos a mesma situação na Rússia e na América: não que metade da população seja favorável ao sistema, mas eles são apenas zumbis, se retiraram do jogo, eles são mais "população" do que "pessoas".

A População e o Povo - Arqueomodernidade e as Eleições na França

Podemos dizer que toda a massa de habitantes de qualquer país juntos é tanto "povo" como "população". Mas em uma parte, em uma metade deste maciço há mais pessoas do que população, e no outro, a população é maior do que o povo. A população é um conceito estatístico, uma construção com a qual trabalham diferentes formas de violência. A população é um contingente que absorve o discurso globalista, construído sobre o princípio da dominação do tempo. Pode ser liberal ou comunista ou liberal-comunista, ou mesmo nacionalista, mais precisamente, lentamente nacionalista. Em outras palavras, a população é uma parte modernista da sociedade, na qual o esquema modernista age mais forte do que o tradicionalista. Se tomarmos o fenômeno do arqueomoderno, essa parte está mais imersa na modernidade do que no arcaísmo. Ao mesmo tempo, há pessoas em que há muito mais arcaísmo do que modernidade.

Assim, em todas as áreas do mundo - na América, na Rússia e na França - vemos um e o mesmo elemento do arqueomoderno, o que é evidente nas eleições. Na Rússia, o arqueomoderno cobre 90%, na América - um pouco mais de 50%: o arqueomoderno americano entre os eleitores nos deu Trump, isto é, na América o arcaico é ligeiramente dominante. E, naturalmente, domina na França: na França republicana jacobina, o momento do arcaísmo realmente domina em muitas regiões, onde há mais "povo" do que "população". A proporção de moderno e arcaico é de cerca de 50 a 50 hoje, e, portanto, o jogo vai para essas percentagens, ou seja, mais em grupos intermediários que se tornam "população" ou "povo". E o que vai ganhar aqui, na França, é uma coisa completamente imprevisível. É por isso que eu acredito que Marine Le Pen tem a chance de ganhar.

Eu não tenho certeza, e ninguém tem certeza, claro, que ela vai ganhar, mas não tenho certeza que ela vai perder - apenas como ninguém estava certo da vitória de Brexit ou Trump. E é claro que todas as pesquisas de opinião globalistas são pura tolice. Como nós, sociólogos, sabemos, sociologicamente não há opinião pública, porque a opinião pública é a opinião que a elite dirigente está na população, que só pode ser parcialmente coordenada com o povo. Mas concordar ou não concordar com as pessoas depende de como a elite vai construir sua própria estratégia. Eis o ponto seguinte: estas eleições mostrarão o fosso entre "população" e "povo", isto é, condicionalmente falando: há 10-15% dos habitantes em que as proporções entre "o povo" e a "população " Não são constantes. Eles vão escolher. E ou eles são bastardos acabados - e então eles vão votar em Macron, e então eles são "população". Ou eles ainda são um povo francês, e então eles vão encontrar a força e votar a única escolha certa - por Marine Le Pen. Na França, esta é na verdade quase uma escolha religiosa. Pela primeira vez na Europa estão ocorrendo eleições religiosas em nosso tempo. O momento é histórico. No mesmo regime em que as eleições são realizadas na França hoje, as mudanças religiosas acontecem na história, o resultado das guerras civis é resolvido, os monarquistas ou jacobinos vencem, diferentes nações estão aceitando o Islã, o Cristianismo ou o Judaísmo.

A Manhã após as Eleições: A Ressaca Política

Passemos agora à segunda fase das eleições francesas. A primeira coisa que quero dizer é que: em primeiro lugar, estas eleições são históricas, decisivas, que em grande medida predeterminam o destino da Europa e do mundo.

Em segundo lugar - se a escolha for feita em favor de Macron, esta escolha não é absoluta. Isto significa que os franceses escolherão uma guerra civil. Eles não chegarão à eleição de Marine Le Pen em 4 anos. Durante 4 anos, Macron - este Hollande número dois, este nem mesmo "Mr. Jelly", mas "Mr. Microchip" - vai mostrar o marasmo completo do que já estava na França, apenas dez vezes mais. Nada acontecerá no país: o velho, nascido das cinzas de Finkelkraut ou Glucksmann, Jacques Attali simplesmente dirá com uma voz gemendo que "O dinheiro salvará o mundo", então ele sorrirá e depois se dissolverá. E haverá apenas refugiados devoradores de lixo - refugiados com inválidos encherão as ruas junto com o orgulho gay. E depois de vários meses do governo de Macron a França será simplesmente fechada para quarentena, e haverá pedaços de papel espalhados, porque ninguém vai limpar as ruas mais. Através do lixo zumbis sonâmbulos com máscaras de Macron (ao invés da máscara do Anonymous) percorrerão as ruas. A França chegará ao fim muito mais rápido do que a população pensa - e em seguida - a guerra civil começará. As pessoas que votam por Macron agora, estão votando pela guerra civil, as pessoas que votam por Marine Le Pen (eu quero dizer que vão votar pela paz, mas isso não funciona), elas também votarão, mas apenas pela versão certa do mesmo.

A Revolução Conservadora Global

A revolução conservadora na Europa é tão difícil porque uma revolução conservadora não pode vencer em um país. Em outras palavras, se a revolução conservadora vence na França, será necessário lidar com a exportação da revolução conservadora, especialmente porque ela já aconteceu na metade da Rússia e da América, será necessário engajar-se na revolução conservadora. Devemos rejeitar a versão nacionalista da interpretação da revolução conservadora - a revolução conservadora só pode ser global. Ou seja, é necessário lidar com a não-salvação da França na organização da ordem lá, ainda é impossível, mas devemos engajar-nos energicamente na exportação da revolução conservadora para a Alemanha, Áustria, Itália, Hungria - onde o caos está amadurecendo. Precisamos de uma revolução conservadora mundial. Na Rússia, a situação é muito semelhante - nossas forças estão crescendo, nossas tendências conservadoras em todas as partes do mundo estão adquirindo um caráter visível, tangível, a crise do sistema de esquerda liberal capitalista global liberal é evidente, estamos em um momento revolucionário , E não importa se Marine Le Pen vence ou não - a situação está irreversivelmente mudando em nossa direção.

Há pessoas, forças, forças sociais, que representam um começo arcaico, declaram sobre si mesmas cada vez mais alto. Imagine que Macron vença, e Marine polidamente reconhece os resultados da eleição. Depois disso, ela não pode fazer nada - ela se torna um pólo de atração. Ela só pode dizer "sim", "não", "bom", "desculpe-me", porque ela se torna uma equipe, e seu arquétipo começa a agir em tudo. As pessoas começam a andar por aí com distintivos de Marine, surge um movimento intelectual, todos dizem "eu sei como Marine pensa", "eu sei sobre sua filosofia." Imediatamente, o papel de Alain Soral e Alain de Benoist (em todo caso após essas eleições) se amplia de forma imensurável, e eles serão heróis como Steve Bannon ou simplesmente os principais teóricos da resistência. Isso pode ser reconhecido ou não, mas é absolutamente preciso e é irreversível em qualquer cenário. Além disso, imaginamos que Macron diz: "Vamos convidar mais migrantes, temos muito pouco deles para nossas necessidades de capitalismo liberal, não gosto da atual Paris, não é suficientemente escuro à noite, vamos deixá-la embotada. E vamos ter mais capital, cortar impostos para os capitalistas, cortar os rendimentos da classe média e, em geral, os franceses devem emigrar para a virtualidade, que nós propomos (embora as coisas não vão tão rápido como nós gostaríamos, as tecnologias ainda estão um pouco atrasadas, não há óculos virtuais suficientes para todos, especialmente para os recém-chegados). E de fato, os franceses vão migrar para a realidade virtual, e se eles não forem rápidos, eles entenderão o que é um verdadeiro pesadelo. A manhã de Macron, após a eleição de Macron, será como a manhã após uma ressaca severa. Os franceses se perguntarão com que ações feias eles tinham entrado em contato no dia anterior. Mas eles estão preparados para isso, eles estão cheios, eles estão agora narcotizados com microchips. Mas quando acordarem, eles vão acordar "para a guerra." A manhã seguinte a Macron é um "bom dia, guerra" na Europa. Este é um ponto muito importante.

Sujeito Intelectual - Três Pólos

E o último momento. Acredito que com Trump, com Le Pen e com o que temos na Rússia, temos de fato três pólos de uma revolução conservadora do mundo real. E todos esses três pólos são representados por centros intelectuais. Na Rússia está claro o que quero dizer com este centro. Na América - este é Bannon e a "alt-right", e alt-right mais e mais dá sinais de subjetividade. Os alt-righters são transformados de um gato adormecido em um sujeito pensante, embora um pouco robótico, um pouco débeis mentalmente, mas, no entanto, é um claro começo de um sujeito pensante. A América despertou sua subjetividade, sua subjetividade conservadora revolucionária, eles estão começando a pensar. A "alt-right" começou a falar com as palavras de "Limonka" (nt: Eduard Limonov) de 1992 ou 1993. Este é um grande progresso para os americanos. E se compararmos o discurso que tiveram antes da eleição de Trump, era apenas um balbucio lamentável, absolutamente desajeitado, embora correto, conservador, mas absolutamente irrelevante, absolutamente inaceitável, lançando sobre uma "América antiga armazenada". Ou era um absurdo marginal. Os americanos formam um sujeito, porque na América já existe um sujeito conservador revolucionário em estágio embrionário. Na França há uma entidade conservadora revolucionária magnítica, desenvolvida em alto grau e pronta para trabalhar: é Alain Soral e Alain de Benoist. Tudo isso gira em torno de Égalité et Réconciliation e "Éléments" - esta é a base da qual a "Frente Nacional" (NF) ascendeu. Sobre estas idéias, toda a FN viveu durante trinta ou quarenta anos, durante os quais eu os observava. Assim, a França tem um sujeito real, e na Rússia temos um sujeito. Assim, temos três exemplos de uma revolução conservadora com sucessos relativamente diversos, e há três sujeitos absolutamente concretos e claros da revolução conservadora em diferentes estágios de cristalização.

E as eleições francesas mostram que temos esse sujeito. Desde que Le Pen entrou no segundo turno, este é um sinal escatológico, que significa "o tempo está próximo". A partir disso, é necessário tirar a seguinte conclusão. Onde há história, há um sujeito. A história nunca é feita pelas massas de porcos. As massas de porcos ou vem mais tarde, quando a história já está feita, ou "pessoas da história" vem conduzir as massas de suínos para certos eventos, porque os porcos não entendem nada, só as pessoas entendem. O povo, cuja essência, de acordo com Hegel e Heidegger, é a sua elite pensante. A elite pensante é o povo. A elite pensante é uma função do povo. Não da população. E essa elite pensante, que diz ao povo "Sim", representa esse povo. Não é algo separado do povo, Ele vem ao povo, ensina-lhes algo, então sai, mas esta elite pensante não pode ir a lugar nenhum, porque está crescendo fora do povo, é a consciência do povo. Isso é o que a elite pensante é. E vemos o surgimento de tal elite pensante na América, vemos o surgimento de uma elite pensante na França, e temos uma elite pensante aqui na Rússia. Estas três elites pensantes dependem das três massas de pessoas.

Penso que a situação atual é um convite a uma atividade muito ativa. E sobretudo a política, as questões sociais, a economia, devemos lidar com a filosofia política, revelando estratégias epistemológicas, metafísicas, estratégias reais da filosofia política. Tudo que está acontecendo na França agora tem um caráter irreversível. A criação de uma equipe de um QG internacional conservador revolucionário está na agenda. Ao mesmo tempo, os três pólos desta força internacional conservadora são claramente distinguíveis - nós, os russos, os franceses e os americanos. Todo o resto será agrupado, gravitado, em torno de nós, como ao redor do Sol. E, claro, há um Irã conservador-revolucionário, na Turquia os processos também estão acontecendo. De fato, as células conservadoras revolucionárias serão agora formadas em todo o mundo, semelhante à forma como foram formadas em torno dos comunistas no final do século XIX. Os comunistas estão agora completamente nas mãos dos representantes de Soros e dos liberais, que simplesmente lhes oferecem uma agenda dissoluta - desintegrar-se, dissolver-se. Os comunistas de hoje não representam uma alternativa à sociedade moderna, porque eles não têm discurso, é apenas o discurso decomposto dos liberais, apenas em um estágio mais avançado de decadência. Ou seja, os liberais defendem o que está acontecendo hoje, e os liberal-comunistas, os atuais liberais de esquerda, estão defendendo o que será amanhã. Este é Macron, só envelhecido, mas não com barba, porque a barba não cresce neste andar.

Eu acho que agora a situação de uma verdadeira revolução conservadora está se preparando, todos os pré-requisitos estão prontos para isso. Podemos supor que uma estrutura tripartida, que agora está sendo posta (falando da humanidade européia - América, França e Rússia) é um eixo conservador revolucionário com três pólos. Mas penso que, ao mesmo tempo, devemos acompanhar de perto as tendências semelhantes, que são expressas nos seguintes pontos: 1) a constelação em torno de A. Soral e A. Benoist na Europa, 2) o locus especial da América Latina, como ela pensa há muito tempo nessa direção, sem muito sucesso, apoio e resultados visíveis, mas intelectualmente, sócio-politicamente e até institucionalmente de forma produtiva: certas coisas têm amadurecido na América Latina e, portanto, devemos prestar atenção a ela. 3) O Irã é um exemplo pronto de uma revolução conservadora madura, tão bem sucedida e tão cedo emergida, que os próprios iranianos, provavelmente, dificilmente se percebem como um grande exemplo. Por conseguinte, existem outros países que de alguma forma poderão recuperar este exemplo.

Por isso, penso que hoje o discurso conservador revolucionário, em primeiro lugar, a análise e o monitoramento precisos com base no discurso conservador revolucionário da multipolaridade, da quarta teoria política e do eurasianismo, que tópicos para todos, é tópico hoje. Por isso, proponho centrar os esforços numa língua inglesa, nas comunicações com os pólos francês e americano, em primeiro lugar, e com os outros países, tanto quanto possível. E aqui o intercâmbio de posições e compreensão, a leitura cuidadosa, as disputas, elucidando "quem está certo - quem não está certo", debates sobre o novo aparato conceitual, desenvolvimentos de novas fórmulas, até memes, se torna uma tarefa muito importante, porque nós entramos em um mundo inteiramente novo.

04/05/2017

Daria Dugina - França: Globalismo vs Patriotismo

por Daria Dugina



O globalista Emmanuel Macron venceu o 1º turno das eleições presidenciais na França (23.75%). O líder da "Frente Nacional" Marine Le Pen tem 21.53%

O Segundo Turno: Globalismo vs Patriotismo

Os programas dos candidatos são diametralmente opostos um ao outro em todas as esferas: da política à economia. A líder da "Frente Nacional" desde o início de sua campanha declarou que fala "em nome do povo" (este é o slogan de sua campanha eleitoral). O principal procedimento para garantir a vontade do povo no curso político do país é o referendo. Seu objetivo é restaurar a grandeza da França, restaurar a soberania em quatro dimensões: legislativa, jurídica, econômica, monetária. Na política externa, ela defende as posições do realismo e considera a soberania do Estado (territorial, legislativa, econômica, política, etc.) como sendo o valor máximo.

O presidente, em sua opinião, é o garantidor da soberania. Seu euroceticismo e uma avaliação negativa da participação francesa na OTAN e na UE correspondem ao humor político do povo. Marine Le Pen hoje representa as forças do populismo, o povo francês.

Macron representa o modelo político oposto, o pólo político oposto. Sua doutrina é 100% antipopulismo (ou seja, programa antipovo). Ele representa as elites financeiras globais, que não estão interessadas na admissão do povo ao poder. Sua percepção e entendimento do povo pode ser derivada dos conceitos filosóficos de seus professores (Jacques Attali, por exemplo). Os portadores da iluminação liberal, da "verdade" são as pessoas do clube globalista (governo mundial), elas estão sempre um passo mais perto da verdade que os "não-iluminados" (as origens desse conceito estão na filosofia do Iluminismo).

O povo é o portador de um paradigma arcaico, "velho", "regressivo", "antiprogresso". Este é um tipo de fardo para avançar (o nome do movimento de Macron, "En Marche", o caracteriza como um progressista. Para a frente, não para trás? Para frente para onde? Para um novo futuro, para o progresso, para um único mundo unipolar, e não de volta à multipolaridade, ao sistema vestfaliano, aos Estados nacionais e tradições?). Em um de seus discursos, o globalista afirmou que "não existe cultura francesa, há cultura na França". Ademais, ele desdobra seu pensamento e acrescenta que "como não há cultura francesa, também não há identidade francesa". Para Macron não existe um povo francês, e não existe uma França como país soberano. Ele a vê apenas como uma entre muitas partes de um único mundo global de capital que avança rumo a um "futuro melhor". Na política externa, Macron é um apoiador consistente da integração europeia. Ele é apoiado por Merkel e os cabeças da UE são fortes apoiadores (Junker foi um dos primeiros a parabenizar Macron por sua vitória).

Se declarando como candidato que não é "nem de direita, nem de esquerda", Macron habilidosamente combina valores políticos esquerdistas (globalização, crença no progresso) com economia direitista (capitalismo) em seu programa.

O Fim da Era da "Esquerda" e da "Direita"

Após o anúncio dos resultados das eleições, observadores políticos da BFMTV notaram que existe um "quadripartidarismo" na França, que há quatro particos principais e quatro tipos de França: A França de Macron, a França de Le Pen, a França de Fillon e a França de Mélenchon.

Em nossa opinião tal análise está equivocada. Os resultados eleitorais mostram que há, na verdade, 2 blocos diferentes na França: os globalistas franceses (Macron, ao qual se uniu Fillon) e os patriotas franceses (Le Pen e talvez Mélenchon, que pelo menos ainda não falou contra Le Pen). As forças de esquerda e direita se fundiram completamente com o sistema, não há diferença entre elas. O socialista Hamon, que foi por um longo tempo opositor da Lei El-Khomri, pediu por um voto para a pessoa que fez lobby por essa lei, Macron.

O candidato republicano Fillon, crítico de Macron, se uniu a Macron. Tanto os candidatos de direita e esquerda se tornaram parte da equipe de Macron. A divisão (partidos de direita/partidos de esquerda) que existiu por séculos está legitimamente acabada.

Mélenchon, Você está com o Globalismo ou...?

Diferentemente de Fillon e Hamon, Mélenchon não pediu que seus apoiadores votassem por Macron ou Le Pen. Até agora, a situação permanece incerta. Mélenchon, que é usualmente chamado pela imprensa liberal de populista de esquerda, se situa perto da perigosa fronteira entre o sistema e o antissistema. Por um lado, ele está contra a UE e o globalismo.

Pelo outro lado, ele defende fronteiras abertas e imigração. Ao combinar economia esquerdista e política esquerdista em seu programa, Mélenchon pode 1) se aproximar ao sistema (pedir para votar contra Le Pen), 2) solidificar com Le Pen por conta do programa econômico esquerdista dela (desenvolvido em anos recentes por seu assessor Florian Philippot) ou 3) a opção de "votar em branco" no segundo turno, que teoricamente daria mais vantagem para Le Pen (aliás, os candidatos esquerdistas Poutou e Artaud já afirmaram que votarão em branco no próximo turno).

A Última Batalha de Le Pen contra o Sistema

O filósofo Alain de Benoist notou que Macron é um fenômeno de "consolidação das elites financeiras mundiais" face um povo despertando do sono político. Macron é um conceito. O conceito do antipopulismo. Quando o antipopulismo aparece e qual é seu propósito? O antipopulismo surge como reação das elites à emergência da consciência política entre o povo. O povo da França, sob a pressão da crise migratória, do desemprego e da situação política doméstica instável no país, percebeu que seus interesses não são levados em consideração nas decisões políticas.

As elites são guiadas por sua própria lógica, e entre elas e o povo há um abismo. O povo não concorda com essa situação e começa uma revolta. O líder dessa revolta é a Joana d'Arc da França moderna, Le Pen. Ela se tornou uma ameaça real ao sistema já em 2015, quando seu partido conquistou o primeiro lugar no primeiro turno das eleições regionais. Entre os dois turnos, tanto os partidos de esquerda como os de direita convocaram um voto contra Le Pen. O sistema viu em Le Pen um inimigo e competidor perigoso.

Macron foi desenvolvido pelo laboratório do globalismo. Ele foi especificamente esculpido para ser a oposição a Le Pen. Seus criadores perceberam que a população não mais acredita em forças políticas de "esquerda" ou "direita", e aguarda por algo novo. Sua imagem midiática é a seguinte: um banqueiro sorridente de 39 anos, um trabalhador diligente, e em geral uma "pessoa decente" e um "bom marido". Ele diz ser o candidato novo que quer mudança, e ele tem as sugestões para superar a crise. O sistema o criou. Ele foi criado como oposição a Le Pen.

Hoje, a mídia, o sistema judiciário e o sistema administrativo estão todos trabalhando contra Le Pen. Essa candidata é uma ameaça ao sistema. Sete grandes lojas maçônicas pediram voto contra Le Pen, no centro de Paris radicais antifas e representantes de movimentos financiados por Soros vão às praças para protestar contra a "extremista" Le Pen, nos jornais vemos as publicações com tais títulos: "Se Le Pen se tornar presidente, a França estará morta".

Hoje, todo o sistema está contra Le Pen. E Le Pen heroicamente está contra o sistema. Quem sabe, talvez a força do protesto popular, sua revolta contra a ditadura das elites e contra a tirania neoliberal acabe se mostrando um sucesso?