27/02/2016

Daria Dugina - Ideologia Americana na Sociedade Francesa

por Daria Dugina

Tradução por Lucas Novaes



INTRODUÇÃO:

As principais características da ideologia Americana são:

- Crença no progresso universal, o qual tem seu ápice na civilização capitalista ocidental (os Estados Unidos como seu líder indiscutível);
- Individualismo completo, negação de identidades coletivas (religiosa, nacional, étnica), destruição dos valores tradicionais: gênero (política de gênero), família tradicional;
- Engenharia e desenvolvimento técnico reconhecidos como o principal objetivo, o aspecto moral é insignificante e menor;
- Os Estados Unidos e o Ocidente possuem o direito moral de ditar o caminho que o resto das nações devem seguir e viver (hegemonia americana em escala global).

ESQUERDA-DIREITA (NA POLÍTICA E ECONOMIA)

Para que possamos ver como a ideologia americana é implementada no espaço europeu, é necessário considerar o esquema do sistema político das sociedades da Europa Ocidental; a divisão entre direita e esquerda (em política e economia). O modelo da divisão política partidária esquerda-direita apareceu na Assembleia Constituinte da França (em 1789) quando o lado direito da mesa da presidência foi ocupado pelos apoiadores da monarquia, os “Cavaliers”, os conservadores, e o lado esquerdo pelos revolucionários, anti-monarquistas e os democratas radicais.

As principais características da direita na política são a proteção dos valores tradicionais, conservadorismo, defesa de sucessos  do passado, identidade nacional, religiosa e étnica. Na esfera econômica, os representantes dos partidos de direita têm como objetivo proteger a propriedade privada (a declaração da propriedade privada e o princípio superior da posse privada da propriedade coletiva; estatal, nacional, comunal), construção de um mercado mundial livre sem fronteiras nacionais e estatais.

As principais características da esquerda são a negação da identidade (étnica, religiosa), a negação dos valores tradicionais, anti-conservadorismo e universalismo. Na esfera econômica, a esquerda favorece várias formas de domínio da propriedade coletiva acima da propriedade privada (nacionalização da propriedade privada).

A FRANÇA ATÉ 1968

Até 1968, a influência da ideologia americana na França era fraca, principalmente por meio dos esforços do presidente de Gaulle, o qual consistentemente aplicou políticas antiamericanas que tinha mcomo objetivo a construção de uma Europa continental e soberana do Atlântico até os Urais (Rimland).

- De Gaulle se opôs a entrada da Inglaterra na Comunidade Econômica Europeia; a União Europeia  seria construída sem a participação dos anglo-saxões;
- Ele removeu a base militar americana do território nacional francês;
- A liberação da França dos compromissos de defesa da OTAN (cancelamento das estruturas militares da Aliança em 1966), a retirada do Planejamento de Defesa e Grupo de Planejamento Nuclear do Comitê (França continua a participar das estruturas políticas da OTAN);
- Em 1965, De Gaulle anunciou a recusa do uso do dólar nos pagamentos internacionais e a transição para um único padrão de ouro;
- De Gaulle transformou a França em uma líder do movimento não-alinhado em face dos dois blocos da Guerra Fria, França escolhe a Terceira Via (Rimland como uma zona independente);
- Desobediência ao Império Americano (condenação das ações dos EUA contra os países da Indochina), apoio a Palestina em 1967 (a condenação das ações de Israel na Guerra dos Seis Dias em 1967).

O QUE ACONTECEU EM MAIO DE 1968?

A ideologia americana chegou à França em maio de 1968; estudantes radicais de esquerda participaram em demonstrações e motins, com milhões de estudantes indo as ruas. Ironicamente, nessa época, a França encarou um crescimento econômico nunca antes visto (apogeu do milagre econômico francês, conhecido como “Trente Glorieuses”).

A estrutura do "Maio Vermelho" possui diversas áreas distintas: 1) Anarquista (slogans: “Il est interdit d’interdire” – “É proibido proibir”, “Ni Dieu ni maître!” – “Nem Deus nem Mestres”), 2) Esquerda, “gauchisme” (“Travailleur: Tu as 25 ans mais ton syndicat est de l'autre siècle.” – “Trabalhador: Você pode ter apenas 25 anos, mas seu sindicato é do século passado”) 3) Esquerda liberal, a qual tinha como objetivo desestabilizar o regime de de Gaulle e removê-lo da autoridade.

Se a primeira área quase não tinha programas positivos, a segunda e especialmente a terceira área do “Maio Vermelho” possuíam uma visão clara do futuro da França, no qual a figura de De Gaulle não tinha lugar. Na França, o regime antiamericano de De Gaulle foi derrubado pelos movimentos de esquerda antiamericanos (demonstrantes de esquerda criticaram a intervenção dos EUA no Vietnam: “Imagine:! C’est la guerre et persona n’y va” – “Imagine: houve guerra e ninguém apareceu! ”). A juventude protestou contra a guerra do Vietnam e a política militar americana por ter influência da cultura anglo-saxã.

A ideologia americana apareceu na arena política francesa através dos protestos antiamericanos.

A FRANÇA DEPOIS DO “MAIO VERMELHO”

Depois de Maio de 1968, a ideologia americana começou a entrar na política francesa. Aparecia uma nova sociedade e o libertarianismo liberal se tornou a nova ideologia dominante, a qual tinha, como principal objetivo, a destruição do: 1) modelo social de esquerda (que era protegido pelo Partido Comunista Frances), e 2) o modelo moral da direita (criado por De Gaulle).

Gradualmente, as diferenças entre a esquerda e a direita foram se misturando na política e economia. A direita passou a agir apenas em prol do liberalismo burguês, do capitalismo, ignorando o conservadorismo, a esquerda – em favor do progresso e da globalização, ignorando a esfera econômica (as demandas da proteção dos direitos dos trabalhadores, superioridade coletiva sobre a propriedade privada).

A FRANÇA SOB O DITADO IDEOLÓGICO AMERICANO

Hoje, a França está sob uma verdadeira ditadura ideológica, hegemonia do “pensée unique”, a ideologia americana. Qualquer um que é contra o liberalismo de esquerda (neste caso, não está agindo sob influência do liberalismo de direita), torna-se “intocável”, marginalizado, o inimigo do sistema, suicida (indicativo da crescente atenção ao Front National, bsucas recentes em seu principal escritório durando mais de 24 horas). A ideologia dominante na França (ideologia americana) está baseada em uma combinação do liberalismo de mercado da direita e do globalismo de esquerda.

A França se tornou um país sob o controle total da ideologia americana durante a presidente de Sarkozy:

- Março de 2009 – A entrada da França na OTAN, a traição da herança gaullista, a submissão oficial da França ao controle do comando americano;
- Associação com liberais de esquerda;
- Auxiliando os EUA na derrubada de regimes anti-americanos no Oriente Médio (Líbia, 2011).

Desde 2012, Hollande tem consistentemente continuado com a política de seu predecessor (apesar de ser um representante da esquerda, Hollande ignora os valores da esquerda na economia; a taxa de desempego cresceu 10% em seu regime).

- Apoio a sanções contra a Rússia, ruptura do contrato de Mistral;
- Legalização do casamento homossexual.

ALTERNATIVA A IDEOLOGIA AMERICANA NA FRANÇA

Será que existe, hoje, na arena política francesa, uma alternativa real ao domínio da ideologia americana? Não, mas a intensa busca por ela já ocorre. A força política que se opõe à ideologia do sistema americano na França e que está  desenvolvendo alternativas é o partido Front National. A crítica da política migratória da União Européia, euroceticismo, um foco no conservadorismo e na preservação das tradições (família, casamento, religião), e a crítica da elite dominante atlantista francesa se refletem no espaço político e na vontade do povo francês, e é uma alternativa ao governo liberal de esquerda.

O Front National é percebido pelas forças políticas dominantes como uma ameaça ao sistema, um partido anti-sistema que une em seu programa os valores anti-liberais da esquerda (igualdade social, justiça, anticapitalismo) e os valores não-liberais da direita (conservadorismo, Estado forte, política anti-migração).

Em 2015, após as eleições regionais, tornou-se claro que o Front National não era apenas legítimo, mas também um força política. Isso assustou fortemente a esquerda liberal (partido socialista) e direita (partido republicano) e alavancou a criação de uma coalizão unificada da esquerda e da direita para eliminar o Front National da luta política.