por David Landot
Muita gente de fora da Espanha nos pergunta: Seria Francisco Franco um camarada? Eu creio que não, e mais, me atrevo a dizer que nem mesmo nunca foi um fascista. Por que? Vamos vê-lo em seguida. Franco ainda que possua algumas conquistas econômicas e sociais inegáveis, tais como algumas prestações sociais de amplitude, uma melhora notável nas condições laborais, nacionalização dos bens e empresas estratégicas da nação, etc (realizações que sistematicamente os governos democráticos posteriores trataram de desmantelar progressivamente), no aspecto ideológico e no aspecto geopolítico ele deixa bastante a desejar.
Franco é a encarnação da reação conservadora hispânica: amigo de latifundiários, clericalista ao extremo, centralista e monárquico convicto; nada mais distante, portanto, dos princípios retores do fascismo espanhol encarnado pela Falange e pelas JONS, que desde seus postulados ardentemente nacionalistas exigia vastas reformas sociais incluindo por exemplo uma profunda reforma agrária que acabasse com o problema dos latifúndios y levasse a cabo uma distribuição justa e racional da terra para os camponeses. É óbvio o incômodo que essas idéias geravam nas oligarquias da época, as quais Franco tinham um empenho pessoal em manter ao seu lado, tanto por afinidade pessoal como por puro oportunismo. Desse modo Franco leva a cabo uma instrumentalização da Falange, se bem a empregue como suporte militar e álibi ideológico para o levante nacional uma vez ganha a guerra e começado o processo de construção do novo Estado se desprende totalmente dela.
O primeiro marco neste processo de defascistização tem lugar em 1937, com a promulgação do decreto de unificação, que busca a criação de um partido único sob a sigla da Falange que aglutinara elementos fascistas, carlistas (tradicionalistas) e monárquicos conservadores; de certo isso não caiu especialmente bem entre os setores fascistas com Manuel Hedilla à cabeça, líder da Falange e herdeiro do legado de José Antonio, que por causa de sua oposição ao projeto unificador será condenado à morte (ainda que logo sua sentença será comutada à pena de prisão) e afastado de maneira permanente e forçosa da política, substituído por Raimundo Fernandez Cuesta, deixando como legado uma Falange domesticada e pusilânime a serviço do conservadorismo franquista, situação que muitos antigos falangistas não tolerarão, protagonizando revoltas revidadas pelo regime com mais repressão ou optando pela morte heróica e se oferecendo para lutar como voluntários contra o comunismo na Divisão Azul. Tampouco os tradicionalistas carlistas e requetés se verão satisfeitos o que explicará a adoção de posturas nacionalistas bascas por muitos deles, perante a impossibilidade de conseguir seus objetivos dentro do Estado espanhol... porém isso seria motivo para outro artigo.
Único aspecto positivo desse fato e que se manterá ao longo de todo o regime é a criação da comissão de auxílio social, entregue a falangistas puros como Pilar Primo de Rivera ou Mercedes de Bachiller por causa de sua sensibilidade social e que levará a cabo una admirável tarefa em aspectos como a ajuda aos deserdados e aos órfãos de guerra .
Pese a isso, Franco manterá a ficção fascista (ao menos em seu fator estético: uniformes, saudação romana, desfiles, etc.) no que se chama na história de “etapa azul”, buscando desse modo ganhar para si as simpatias dos governos do Eixo. De certo quando os fascismo caem na Europa isso resultará um empecilho para o governo de Franco, de modo que se desembaraçará sem o menor problema dando início a uma nova etapa etapa (etapa desenvolvimentista), baseada na aproximação aos EUA, a primazia política dos tecnocratas do Opus Dei (em detrimento dos últimos falangistas), o capitalismo liberal e a sociedade de consumo como modo de vida e a adoção de um discurso anticomunista liberal, muito em consonância com el existente nos EUA em tempos de Guerra Fria.
Certamente esse discurso deu resultados entre os EUA necessitados de aliados, levando-se a cabo a visita do presidente Eisenhower a Franco, a entrada da Espanha na ONU (uma vez mais se demonstra a arbitrariedade dessa organização controlada pelo Grande Irmão e que apesar de defender a democracia não tem problemas em abrir as portas a Estados ditatoriais se são aliados) e a ratificação de sucessivos acordos econômicos e militares de “colaboração” que incluem a cessão de território nacional para a construção de bases militares ianques em um regime jurídico quase colonial, dando guarida ainda a material bélico nuclear perigoso. O incidente da bomba de Palomares, manipulado e ocultado pelo regime é prova de sobra da atitude vassala e servil de Franco, totalmente oposta às tendencias nacionalistas e europeístas que caracterizam a alma fascista.