24/04/2013

Alain de Benoist - Jünger, Heidegger & Niilismo

por Alain de Benoist



Ernst Jünger e Martin Heidegger empreenderam um diálogo sobre o niilismo em dois textos publicados com cinco anos de diferença entre um e outro na década de 50 por ocasião de seus respectivos aniversários de sessenta anos. O estudo e comparação desses textos é particularmente interessante porque eles nos permitem apreciar o que, nesse tema fundamental, separa dois autores que são frequentemente comparados e que mantiveram um relacionamento intelectual poderoso por diversas décadas. O que segue é um breve apanhado geral.

E sua abordagem, que ele cuidadosamente apresentou como "médica" (incluindo "diagnóstico" e "terapêutica"), Jünger inicialmente afirma que para remediar o niilismo, é necessário dar uma "definição positiva" dele. Tomando a opinião de Nietzsche de que o niilismo é o processo no qual e pelo qual "os mais altos valores degradam a si próprios" (A Vontade de Poder), ele afirma que isso é essencialmente caracterizado pela desvaloração e então pelo desaparecimento dos valores tradicionais, primordialmente dos valores cristãos.

Então ele reage contra a idéia de que o niilismo é primariamente um fenômeno caótico:

"Percebeu-se, com o auxílio do tempo, que o niilismo pode concordar com vastos sistemas de ordem, e que isso é ainda mais geralmente o caso, quando ele assume sua forma ativa e emprega seu poder. Ele encontra na ordem um substrato favorável; ele a reorganiza rumo a seu fim... A Ordem não apenas se rende aos requerimentos do niilismo, mas é um componente de seu estilo".

Nesse sentido, niilismo não é decadência. Ele ainda não caminha de mãos dadas com o afrouxamento, mas "ao contrário, produziu homens que marcham em linha reta como máquinas de ferro, insensíveis mesmo no momento em que uma catástrofe os despedaça". (p.57) Similarmente, o niilismo não é uma doença. Não há nada mórbido nele. Ao contrário, ele é encontrado "ligado à saúde física - acima de tudo, onde se situa vigorosamente para trabalhar" (p.54). O niilismo é por outro lado essencialmente redutivo: sua tendência mais constante é a de "reduzir o mundo, com seus antagonismos múltiplos e complexos, a um denominador comum" (p.65). Transformando a sociedade de "uma comunidade moral para uma conglomeração mecânica" (p.63), ele associa fanatismo, a completa ausência de sentimento moral, e a "perfeição" de organização técnica.

Essas observações são características. Elas demonstram que, onde quer que Jünger mencione niilismo, ele se refere em primeiro lugar ao modelo do Estado totalitário, e mais particularmente ao Nacional-Socialismo. De fato, o Terceiro Reich exemplifica o Estado social no qual os homens estão sujeitos a uma ordem absoluta, uma organização "automática", na qual a desvaloração de toda a moralidade tradicional caminhava junto a uma exaltação inegável da "saúde".

Mas se poderia perguntar se o que Jünger descreve é realmente niilismo. Não estaria ele, ao invés, simplesmente descrevendo o totalitarismo - o Leviatã totalitário que pôs a tecnologia a seu serviço e transformou a natureza em uma desolação industrial?

Jünger, ademais, professa um certo otimismo já aparente no título de seu texto: "Atravessando a Linha". Evocando Nietzsche e Dostoiévski, ele nota que suas críticas do niilismo não os impediram de se demonstrarem relativamente otimistas, dado que o niilismo pode ser ultrapassado por "algo por vir" (Nietzsche), dado que ele constitui um tipo de "fase necessária em um movimento rumo a fins precisos" (Dostoiévski). Jünger toma um ideal que lhe é familiar: após o pior, as coisas só podem ficar melhores. Ou mais exatamente: uma tendência empurrada até seu extremo deve seguir na direção oposta. Assim ele disse, na década de 30, que eles tiveram que "perder a guerra para ganhar a nação". É nesse espírito que ele cita Bernanos: "A luz só emerge se a escuridão tomou a tudo. A superioridade absoluta do inimigo é precisamente o que se volta contra ele" (pp.37-38). Porém,  o sentimento de Jünger é o de que o pior já passou, que "a cabeça já cruzou a linha", ou seja, que o homem já começou a deixar o niilismo para trás. Essa asserção também resulta de sua assimilação do niilismo ao totalitarismo. Como Julien Hervier escreve, "se Jünger acredita em ir para além do zero absoluto, então o colapso do Hitlerismo, a encarnação triunfante do niilismo moral, não foi à toa" (Prefácio, p.13). [2]

Em seu ensaio, Jünger portanto tenta primariamente descrever o estado do mundo como ele é, de modo a avaliar a possibilidade de que já se tenha passado ao outro lado da "linha". Sua conclusão, ademais, pode parecer modesta. Contra o niilismo, ele propõe recorrer aos poetas e ao amor ("Eros"). Ele apela à dissidência individual, à "anarquia autêntica". (Em 1950, ele ainda não havia inventado a Figura do Anarca). "Acima de tudo", ele escreve, "é necessário encontrar segurança no próprio coração. Então, o mundo mudará".

A abordagem de Heidegger é consideravelmente diferente. Seu texto, escrito em resposta ao de Jünger, é acima de tudo uma crítica - amigável, é claro, que enfatiza a consideração que ele tem por seu interlocutor, mas não obstante uma que objetiva substituir sua análise por um ponto de vista completamente diferente.

A modificação do título já é reveladora. Enquanto o título de Jünger Über die Linie significa "Sobre a Linha" no sentido de "além da linha", o título de Heidegger "Über 'die Linie'" significa "sobre 'a linha'", indicando sua convicção de que a linha não foi cruzada e seu desejo de levantar a questão sobre a razão pela qual ela ainda não foi cruzada. Assim à topografia trans lineam de Jünger, Heidegger explicitamente afirma que ele quer acrescentar (e em muitas coisas opor) uma topologia de linea: "Você examina e você ultrapassa a linha; eu estou satisfeito inicialmente em considerar essa linha que você representou. Um ajuda ao outro, e vice-versa" (p.203).

Heidegger começa disputando que seja possível, como Jünger busca, dar uma boa "definição" de niilismo. Heidegger escreve:

"Ainda nos atendo à imagem da linha, nós descobrimos que ela atravessa um espaço que é ele mesmo dado por um lugar. O lugar reúne. A reunião abriga os reunidos em sua essência. É o lugar da linha que dá a fonte da essência do niilismo e sua realização". (p.200)

Assim para investigar a realização do niilismo, para o qual o mundo inteiro se tornou o teatro - de modo que o niilismo é a partir de então o "estado normal" da humanidade - requer que localizemos esse "lugar da linha", que aponta na direção da essência do niilismo. Para Heidegger, propor a questão da situação do homem em relação ao movimento do niilismo requer uma "determinação de essência". Compreender o niilismo implica que o pensamento deve voltar a uma consideração de sua essência.

A resposta foi rápida em vir. Ela segue da filosofia de Heidegger, cujos princípios fundamentais eu presumirei aqui. O niilismo, aos olhos de  Heidegger, representa a consequência e a realização de uma lenta tendência rumo ao esquecimento do Ser, que começa com Sócrates e Platão, continua no Cristianismo e na metafísica ocidental, e triunfa nos tempos modernos. A essência do niilismo "reside no esquecimento do Ser" (p.247). O niilismo é o esquecimento do Ser em forma plena. É o reino do nada.

O esquecimento do Ser significa que o Ser está velado, que ele é mantido em um recuo velado que o oculta do pensamento do homem, mas que é também um recuo protetivo, um adiamento do desvelamento: "Tal encobrimento é a essência do esquecimento". O esquecimento é o ocultamento do Ser para a vantagem dos entes. Na metafísica ocidental, o próprio Deus não é nada além do ente supremo. A metafísica conhece apenas a transcendência, ou seja, o pensamento do ente. É por isso que não lhe é permitido não só ascender ao Ser, como até mesmo examinar sua verdadeira essência.

Heidegger acrescenta que a essência do niilismo se realiza no "reino da vontade de vontade". Aqui, é claro, o alvo é Nietzsche. Sabe-se, para Heidegger, a filosofia do autor do Zaratustra é, apesar de seus méritos, apenas Platonismo em reverso na medida em que ele não consegue abandonar o reino dos valores. A vontade de poder, analisada por Heidegger como a "vontade de vontade", ou seja, uma vontade que quer ser de maneira incondicional, é apenas um modo de manifestação do ente dos entes, e nesse sentido outra forma do esquecimento do Ser. "Pertence à essência da vontade de poder", escreve Heidegger, "não permitir à realidade na qual ela estabelece seu poder aparecer nessa realidade que ela em si mesma essencialmente é" (p.205). Nietzsche afirma em vão que "Deus está morto"; ele permanece na sombra desse Deus cuja morta ele proclama.

Porém, na medida em que o próprio Jünger permanece sob o horizonte do pensamento de Nietzsche, a crítica heideggeriana de Nietzsche também é dirigida a ele.

Aqui Heidegger retorna ao famoso livro de Jünger O Trabalhador, publicado em 1932. Aqui ele enfatiza que a Figura (ou Forma, Gestalt) do Trabalhador corresponde muito precisamente à Figura de Zaratustra dentro da metafísica da vontade de poder. Seu advento manifesta o poder como uma vontade de enfeitiçar o mundo, como uma "mobilização total". Em O Trabalhador, Jünger observa: "A tecnologia é o meio pelo qual a Figura do Trabalhador mobiliza o mundo". O trabalho é disposto em escala planetária sob a direção da vontade de poder.

É claro, não passou despercebido por Heidegger que a visão se Jünger sobre a tecnologia havia evoluído. Jünger primeiro teve uma revelação da importância da tecnologia através de uma experiência concreta: as batalhas tecnológicas da Primeira Guerra Mundial. Ele então explorou, não sem razão, o sentimento de que o reino da tecnologia inauguraria uma nova era da humanidade. Ele assimilou esse reino à dominação da Figura do Trabalhador, pensando que apenas tal Figura poderia se opor em uma escala global àquela do Burguês. Nesse ponto, Jünger estava equivocado, e ele depois reconheceu seu erro. Finalmente, sua própria opinião sobre a tecnologia mudou - talvez sob a influência de seu irmão, Friedrich Georg, autor de A Perfeição da Técnica, 1946. Após 1945, Jünger claramente relacionou niilismo ao "titanismo" de uma tecnologia que, como vontade de dominar o mundo, o homem e a natureza, segue seu próprio curso sem nada ser capaz de detê-la. A tecnologia obedece apenas a suas próprias regras, sua lei mais íntima consistindo na equivalência do possível e do desejável: tudo que é tecnologicamente possível será realizado em ato.

Heidegger elogia sem reservas o modo pelo qual Jünger, em Mobilização Total (1931), e então em O Trabalhador, descreveu o que ele encontrou "na luz do projeto nietzscheano do ser como vontade de poder". Heidegger lhe dá crédito por ter finalmente percebido que o reino do trabalho técnico pertence a um "niilismo ativo" que é a partir de então implementado em escala planetária. Ao mesmo tempo, porém, Heidegger reprova Jünger por não ter compreendido como o "projeto nietzscheano" continua a proibir o pensamento sobre o Ser, e enfatiza que O Trabalhador "permanece uma obra cuja metafísica é a pátria" (p.212).

Heidegger critica Jünger por permanecer, ao longo de seu desenvolvimento, no mundo da Figura e dos valores. A Figura, definida por Jünger como esse "calmo ser" que se torna aparente dando forma ao mundo como um selo deixa sua marca, é de fato nada além de um "poder metafísico". Como Heidegger enfatiza:

"A Figura reside nos traços essenciais de uma humanidade que, como um subjectum, está na fundação de todo ente... É a presença de um tipo humano (typus) que constitui a subjetividade última da qual a consecução da metafísica moderna marca o aparecimento e que se oferece no pensamento dessa metafísica. (pp.212-13)".

Não mais tomar parte no niilismo não significa ainda se manter à parte do niilismo. A maneira pela qual Jünger propõe "sair" do niilismo - "ouvir a terra", tentar saber "o que a terra deseja", enquanto ao mesmo tempo denuncia o caráter telúrico e titânico da tecnologia - é nesse sentido reveladora.

Jünger escreve: "O momento em que a linha será cruzada nos revelará uma nova virada do Ser; então o que realmente é começará a brilhar". Heidegger responde: "Falar sobre uma 'virada do Ser' permanece uma solução paliativa, e extremamente problemática, porque o Ser reside na virada, de modo que este jamais pode vir a 'Ser' a partir de fora" (p.229).

Heidegger de modo algum acredita que a "linha zero" está de agora em diante para trás de nós. A seus olhos, a "consumação" do niilismo não representa absolutamente o seu fim:

"Com a consumação do niilismo começa apenas a fase final do niilismo, cuja zona será provavelmente de uma amplitude incomum porque ela terá sido completamente dominada por um 'estado normal' e pela consolidação desse estado. É por isso que a linha zero, onde a consumação alcança seu fim, não é ainda de modo algum visível no fim". (pp. 209-10)

Mas ele também acrescenta que é ainda um erro raciocinar, como fez Jünger, como se a "linha zero" fosse um ponto externo ao homem que o homem poderia "cruzar". O próprio homem é a fonte do esquecimento do Ser. Ele mesmo é a "zona da linha". Heidegger acrescenta: "Em caso algum a linha, pensada como o signo da zona do niilismo consumado, se situa na frente do homem como algo que se pode cruzar. Assim, porém, as possibilidades de uma trans lineam e de tal cruzamento desabam". (p.223).

Mas então, se qualquer tentativa de "cruzar a linha" permanece "condenada a uma representação que apóia ela mesma a hegemonia do esquecimento do Ser" (p.247), como pode o homem esperar acabar com o niilismo? Heidegger responde: "Ao invés de querer ir além do niilismo, nós devemos finalmente tentar entrar em meditação sobre sua essência. Este é o primeiro passo que nos permitirá deixar o niilismo para trás" (p.247).

Heidegger partilha da opinião de Jünger de que o niilismo não é comparável ao mal ou a uma doença. Mas ele dá outro significado para essa observação. Quando ele afirma que "a essência do niilismo não é niilista" (p.207), ele quer dizer que a zona do perigo mais extremo é também aquilo que salva. A doença também pode apontar na direção da cura.

"Entrar em meditação" sobre a essência do niilismo significa dar a si mesmo a possibilidade de uma apropriação (Verwindung) da metafísica. A apropriação da metafísica é de fato também apropriação do esquecimento do Ser - e consequentemente a possibilidade de um desocultamento, de uma revelação da verdade (aletheia). Jünger escreveu que "a dificuldade em definir o niilismo significa que o espírito é incapaz de representar o nada" (p.47). Heidegger cita essa afirmação para enfatizar a proximidade do Ser e a essência do nada. A partir disso ele afirma que é através de uma meditação sobre o nada que nós compreenderemos o que é o niilismo, e é quando compreendermos o que o niilismo é que seremos capazes de superar o esquecimento do Ser. Heidegger escreve:

"O Nada, mesmo se o entendemos apenas no sentido de total ausência do ente, pertence, como ausência, à Presença como uma de suas possibilidades. Assim consequentemente é o nada que reina na essência do niilismo e que a essência do nada pertence ao Ser, se ademais o Ser é o destino da transcendência, é então a essência da metafísica que se demonstra como lugar da essência do niilismo". (p.236)

O lugar da essência do niilismo consumado deve assim ser buscado "onde a essência da metafísica emprega suas possibilidades extremas e se reúne nelas" (p.236). Finalmente, Heidegger escreve, "ir além do niilismo requer que se penetre em sua essência, a qual, quando adentrada, nulifica a vontade de ir além. A apropriação da metafísica convoca o pensamento a uma lembrança mais fundamental" (p.250).

Porém, para saltar a "barreira" que nos impede de entrar meditativamente na essência do niilismo, é ainda necessário ter uma palavra capaz de dar acesso ao pensamento do Ser. É necessário, em outras palavras, desistir da linguagem da metafísica - que é ainda aquela da vontade de poder, do valor e da Figura - porque essa linguagem, precisamente, proíbe o acesso. Heidegger é enfático:

"A única maneira na qual podemos refletir sobre a essência do niilismo é inicialmente tomar o caminho que leva ao local da residência do Ser. É apenas nesse caminho que a questão do nada pode ser situada. Mas a questão da residência do Ser definha se ela não abandona a linguagem da metafísica, porque a representação metafísica proíbe de pensar a questão da residência do Ser".

Porém, é precisamente aqui que Heidegger critica Jünger: ele o critica por questionar o niilismo em termos de pensamento e discurso que permanecem tributários à essência da metafísica. Na medida em que ele continua a pensar e se expressar na linguagem da metafísica, que é o lugar da essência do niilismo, Jünger torna impossível para ele resolver o problema que ele propôs. Heidegger pergunta:

"Em que linguagem fala o pensamento cujo plano fundamental esboça um cruzamento da linha? Deve a linguagem da metafísica da vontade de poder, da Figura, e do valor ser ainda preservada do outro lado da linha crítica? E é a linguagem, precisamente, da metafísica, e essa metafísica em si (seja ela do Deus vivo ou do Deus morto) constituída como metafísica, a barreira que proíbe a passagem da linha, ou seja, ir para além do niilismo? (pp.224-25)"

Assim não podemos penetrar na essência do niilismo enquanto continuemos a nos expressarmos em sua linguagem. É por isso que Heidegger pede por uma "mudança do dizer", por uma "mudança na relação com a essência da fala". Ele pede por um dizer que seja necessário para superar o esquecimento do Ser. Porque esse dizer corresponde à essência do Ser, ele pode tornar a essência do Ser acessível ao pensamento. Ele convida o Ser a "dizer o pensamento", enquanto especifica que "esse dizer não é a expressão do pensamento, mas é o próprio pensamento, seu curso e sua canção" (p.249). É necessário, ele conclui, fazer um "teste de dizer o que é de pensamento fiel". É necessário "trabalhar o caminho".

Como concluir? Eu falei sobre um "diálogo" entre Jünger e Heidegger em conexão com o niilismo, mas esse termo não é completamente apropriado. Heidegger e Jünger muitas vezes partem de premissas análogas, mas chegam a conclusões parcialmente opostas. Ambos concordam que o niilismo encontra seu apoio mais sólido na tecnologia moderna, mas eles não possuem a mesma idéia dela. Para Jünger, a tecnologia é acimia de tudo "titânica" em essência, enquanto para Heidegger ela é metafísica realizada. Jünger vê no niilismo o oposto dos valores da metafísica ocidental e cristã. Heidegger o vê como a consequência última desses mesmos valores. Jünger se limitar a saber, em seu relacionamento com o niilismo, se o homem "cruzou a linha". Heidegger nos convida a refletir sobre o que significa "cruzar". Na verdade, Heidegger pressiona a obra de Jünger a ir cada vez maias fundo, a ampliar a perspectiva de reflexão, a convidar o pensamento a sua própria transformação distinta. Jünger sugeriu um "recuo às florestas" para os "rebeldes". Heidegger nos convida a tomar um caminho na floresta que leva à clareira (Lichtung) onde a verdade (aletheia), o desocultamento, finalmente abandona o esquecimento, ou seja, esse erro milenário que tem governado a história da Europa, cuja consumação planetária nos ordena a pensar a rota de fuga.

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[1] Ernst Jünger, Über die Linie", em Anteile: Martin Heidegger zum 60.Geburtstag, 245-83; Martin Heidegger, "Über 'die Linie'", em Armin Mohler, ed., Freundschaftliche Begegnungen: Festschrift für Ernst Jünger zum 60. Geburtstag.

[2] Posteriormente, Jünger reconsiderou esse otimismo em alguma medida: "Após a derrota, eu disse em substância: a cabeça da serpente já cruzou a linha do niilismo, e a deixou para trás, e todo o corpo logo seguirá, e nós logo entraremos em um clima espiritual melhor, etc. Na verdade, estamos longe disso" (entrevista com Frédéric de Towarnicki, Paris: L'Herne, 1983, 149). Mais fundamentalmente, Jünger pensa que nós estamos em um tempo de transição - um interregnum - e é por isso que não se deve desesperar: "De minha parte, eu tenho um pressentimento de que o século XXI será melhor que o XX" (Entretiens avec Julien Hervier [Paris: Gallimard, 1986].