05/06/2011

O Elitismo às avessas

Por Gustave Thibon

Quando me fazem perguntas sobre a promoção social e respondo que ela deve consistir na selecção dos melhores, logo me acusam de “elitista”.

O termo é recente e implica uma cambiante pejorativa: espírito e orgulho de casta, desprezo dos humildes, etc. Redescubramos o sentido das palavras. Elite (de escolhido, eleito), segundo o dicionário, designa “o que há de melhor” nas coisas e nos seres. Assim, os grandes vinhos de Bordéus fazem parte da elite dos vinhos, os famosos “verdes” de Saint Etienne representam a elite dos jogadores de futebol, etc.

Uma vez que concordamos nisto, não é normal preferir e privilegiar o melhor? Será que, para evitar o elitismo, sou obrigado a achar tão saboroso o frango criado com hormonas em aviário como o frango criado no campo? E não é justo que, na sociedade, os melhores lugares sejam para aqueles que se distinguem pelos seus talentos e pela sua actividade e que prestam assim os melhores serviços à comunidade? Não é verdade que os exames escolares, a qualidade do trabalho e a competição profissional actuam nesse sentido? E como não pode existir sociedade sem hierarquia, não é desejável que essa hierarquia assente na selecção e na promoção dos melhores? Para dar o exemplo de casos extremos, seria elitismo suspeito recusar um posto de professor a um analfabeto ou a carta de condução a um cego?

O que me inquieta hoje é o desenvolvimento cada vez mais difundido de um novo elitismo, um elitismo às avessas, resultante de uma falsa noção de igualdade e de uma sentimentalidade transviada, que se manifesta pela preferência dada aos inadaptados, aos inúteis, aos parasitas e, até, aos malfeitores.

Vejamos alguns exemplos desta inversão de valores.

Conheço professores que afirmam que os maus alunos são mais interessantes que os alunos dotados e que recusam energicamente os velhos critérios de selecção: notas, classificações, exames, etc.

Não é verdade que a segurança social – da qual não contesto o princípio humanitário, mas o modo de funcionamento em que florescem o anonimato e a irresponsabilidade – favorece mais frequentemente os preguiçosos e os trapaceiros em detrimento dos trabalhadores que, fiéis ao seu dever, não sentem necessidade de transformar o menor incómodo de saúde em repouso imerecido e em tratamentos supérfluos?

A inflação vai roendo, em cada dia, os rendimentos e as economias dos produtores. Mas permite aos especuladores realizar lucros enormes sem realizar qualquer trabalho útil, pelo simples jogo das divisas monetárias.

Os malfeitores e os criminosos inspiram maior comiseração que as suas vítimas, uma vez que a sociedade é declarada a priori a grande, senão a única culpada. Já me referi ao caso de uma prisão moderna instalada na Córsega, onde, exceptuada a residência forçada, os detidos gozam de um conforto e de um luxo (praia privativa, centenas de hectares de parque, etc.) com que a maior parte das pessoas honestas não pode sequer sonhar…

E porque não falar também da atenção e publicidade privilegiadas de que beneficiam os marginais de toda a espécie: “hippies”, prostitutas, tarados sexuais, etc.? E do êxito das publicações e dos espectáculos que abundam nessa linha? Como se, por uma estranha perversão do paladar, a sociedade se tivesse tornado mais gulosa do que a envenena que do que a alimenta…

Termino a série destes exemplos com uma anedota saborosa. Numa universidade estrangeira, cujo nome não cito, dois professores de competência mais ou menos igual apresentam-se à escolha das autoridades académicas como candidatos a uma cátedra. Um deles é um homem perfeitamente equilibrado, o outro um grande nevrótico, titular dos vários diplomas exigidos e também de algumas depressões que comprometeram a sua docência anterior. A cátedra é atribuída ao segundo, com a justificação de que a sua natureza frágil não suportaria a provação da recusa, ao passo que o primeiro é uma pessoa solidamente estruturada para aceitar o revés sem problemas. Compreendo que haja compaixão para com um infeliz. Mas não compreendo a cruel inconsciência em relação ao seu colega, eliminado por causa da sua própria superioridade, e em relação às centenas de alunos que sofrerão mais tarde as consequências de uma escolha desumana por excesso de humanidade…

Assim se afasta a elite fundada sobre o valor para se instalar uma contra-elite: a da escumalha e do rebotalho. Se se continuar a avançar por este caminho, bastará ser superior ou simplesmente normal para merecer a indiferença, se não a suspeita e o desfavor…

Entendam-me bem: não nego que os mais fracos devem ser não só protegidos contra os abusos dos mais fortes mas também ajudados por estes; afirmo simplesmente que não deviam ser preferidos e privilegiados como tais; afirmo que a incapacidade e, com maior razão, o parasitismo e as malfeitorias não devem dar direito a tratamento de favor. Ajudem-se os deserdados, reeduquem-se os anormais, mas que as suas falhas e as suas taras não se tornem meios de chantagem e motivos de promoção.

Também sei que é difícil conservar o equilíbrio, mesmo nas sociedades mais sãs, entre os direitos do mais forte (e tomo esta palavra no seu sentido mais elevado: força da inteligência e da vontade, capacidade de acção, etc.) e o dever de socorrer os mais fracos e os transviados – entre a lei da selva que elimina implacavelmente os inadaptados e um humanitarismo deliquescente que consagra e incentiva a incompetência e o vício. Mas nem por isso deixa de ser verdade que – e esse é um dos perigos do nosso liberalismo dito “avançado” – se continuar a generalizar-se esse deslocamento da elite de cima para baixo, é toda a sociedade a correr o risco de se afundar sob o peso desta promoção às avessas que é a promoção dos inúteis e dos parasitas.