21/10/2024

Alain de Benoist - Fundamentos Antropológicos da Ideologia do Lucro

 por Alain de Benoist

(2016)


 

Dado que este congresso é dedicado, especificamente, ao lucro e à ideologia do lucro, gostaria de tentar mostrar inicialmente em que a noção de lucro se distingue da de benefício e, em seguida, em que a ideologia do lucro se alinha a um modelo antropológico que se poderia definir como o homem da civilização do lucro. 

Benefício e lucro são frequentemente considerados sinônimos. No entanto, parece-me que eles não têm exatamente o mesmo sentido e, sobretudo, que não têm a mesma abrangência. O benefício é uma noção muito simples. Em sentido estrito, e não no sentido metafórico do termo, ele se refere ao ganho realizado no momento de uma operação comercial ou de uma troca comercial. Ele corresponde, por exemplo, à diferença entre o preço de venda e o preço de custo, ou ainda ao excedente das receitas sobre as despesas, ou seja, a uma simples transformação da riqueza. Constitui uma riqueza recebida em troca de uma riqueza fornecida. 

O lucro tem uma abrangência muito mais geral. Certamente, também possui uma acepção comercial, mas designa, além disso, toda forma de melhoria, geralmente quantitativa, de uma situação dada. Obter lucro de algo significa fazer resultar para si algo concretamente apreciável. Tirar proveito, significa usar de forma a extrair todas as vantagens possíveis. Dado que o benefício se refere a uma simples realidade contábil, neutra por definição, o lucro pode ser objeto de uma avaliação moral: fala-se, por exemplo, de "lucros ilícitos" ou de "lucros de usurários". O lucro, finalmente, não mede apenas a diferença entre o preço de venda e o preço de custo, mas tudo o que se refere a uma atividade econômica além do custo da matéria-prima e do salário do trabalho - o que levou Marx a definir o lucro como "uma certa quantidade de trabalho não pago". Ao contrário do benefício, o lucro não comporta nenhum princípio de autolimitação. Não é governado por outra coisa senão pela busca de um “sempre mais”.

A busca do lucro no passado sempre foi um estímulo natural da atividade econômica, mas essa busca não precisava necessariamente inspirar o comportamento de cada um. Um certo desprezo, ao contrário, atribuía-se aos comportamentos puramente interesseiros, aos quais se opunham voluntariamente as virtudes de generosidade, de desinteresse ou de gratuidade. Considerava-se então que havia mais mérito em empreender tarefas difíceis sem a esperança de tirar algo, do que ser motivado pelo miragem de um ganho. Elogiava-se o comportamento do soldado pronto a dar sua vida pelo próprio país, admirava-se a tomada de risco quando era motivada pela honra, em suma, atribuía-se uma aprovação implícita aos comportamentos desinteressados, mesmo que (ou precisamente porque) ninguém fosse capaz disso. 

Esta visão de mundo, inicialmente considerada como uma concepção ética, baseada em um certo número de valores, mas que tinha consequências sociológicas tão fortes quanto imediatas, aos poucos desaparece ao mesmo tempo em que desapareciam as sociedades tradicionais. A modernidade, generalizando o modelo da troca comercial em detrimento da ideologia da dádiva e da contra-dádiva, desqualificou progressivamente a gratuidade, pois esta era agora considerada como “irracional”, enquanto sinônimo de improdutividade – uma vez que o único critério de produtividade era agora o lucro. No decorrer da história europeia, esse processo esteve diretamente ligado à ascensão progressiva da classe e dos valores burgueses. A burguesia progressivamente se emancipou dos valores aristocráticos e dos valores populares e, após conquistar sua autonomia, não demorou a impor à totalidade da sociedade seus próprios valores. Como todos sabem, no plano político-ideológico, essa evolução confundiu-se com a ascensão do individualismo liberal, para o qual o mercado é o paradigma de todos os fatos sociais.

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No plano político, o liberalismo é a doutrina que divide a sociedade em um certo número de "esferas" e que afirma que a "esfera econômica" deve ser tornada autônoma em relação ao poder político, seja por razões de eficácia (o mercado só funciona de maneira ideal se nada interferir em seu funcionamento "espontâneo"), seja por razões "antropológicas" (é por definição no domínio econômico que a troca permite melhor aos indivíduos maximizar livremente seus interesses), ou ainda por razões "políticas" (a liberdade do comércio, diz Benjamin Constant, emancipa o indivíduo do poder social). Titular de liberdades e de direitos que não derivam de nenhuma pertença comum, o indivíduo é então colocado como uma "pessoa separada", essencialmente movida por um processo egoísta, do qual Mandeville ("vícios privados, virtudes públicas") assegura, depois de Adam Smith, que contribui pelo jogo da "mão invisível" para o bem-estar geral e a felicidade de todos. Paralelamente, o poder político é reduzido à porção congruente: ele garante a observância das regras do jogo, ou seja, do confronto competitivo dos interesses, e deve permanecer mudo ("neutro") em relação aos valores, que, no melhor dos casos, remete apenas à esfera privada. "Vigia noturno" ou "servo da sociedade civil", esse poder político obviamente não é mais soberano. O resultado é que o indivíduo pode socialmente fazer tudo o que deseja, desde que não interfira na liberdade dos outros, o que o exporia às sanções previstas pela lei. Como o respeito pela lei não tem nada a ver com a moral, toda preocupação ética desaparece ao mesmo tempo.

Ser humano significou desde sempre afirmar-se simultaneamente como uma pessoa e um ser social: dimensão individual e dimensão coletiva não são idênticas, mas são indissociáveis. Na percepção holística, o homem se constrói com base naquilo que herda e em referência ao contexto social-histórico que é seu. É a esse modelo, que é o modelo mais geral da história, que o individualismo, que deve ser visto como uma particularidade da história ocidental, se opõe diretamente. 

No sentido moderno do termo, o individualismo é a filosofia que considera o indivíduo como a única realidade e o toma como princípio de toda avaliação. Esse indivíduo é considerado em si, independentemente de qualquer contexto social ou cultural. Enquanto o holismo expressa ou justifica a sociedade existente em referência a valores herdados, transmitidos ou compartilhados, ou seja, em última análise, em referência à sociedade em si, o individualismo estabelece seus valores independentemente da sociedade como ele a encontra. É por isso que ele não reconhece nenhum status de existência autônoma às comunidades, povos, culturas ou nações. Nessas entidades, ele vê apenas somas de átomos individuais e afirma que apenas estes possuem valor. 

Essa primazia do indivíduo sobre a coletividade é ao mesmo tempo descritiva, normativa, metodológica e axiológica. O indivíduo é presumido vir primeiro, seja que se suponha anterior ao social em uma representação mítica da "pré-história" (anterioridade do "estado de natureza"), seja que se atribua a ele um simples primado normativo (o indivíduo é o que vale mais). Georges Bataille afirmava que "na base de cada ser, existe um princípio de insuficiência". O individualismo liberal afirma, ao contrário, a plena suficiência do indivíduo singular. No liberalismo, o homem pode se conceber como indivíduo sem ter que pensar sua relação com outros homens dentro de uma socialidade primária ou secundária. Proprietário de si mesmo, movido apenas por seu próprio interesse particular, ele se define, em oposição à pessoa, como um ser moral independente, "pré-político" e, portanto, essencialmente não social. 

Na ideologia liberal, esse indivíduo é, de fato, titular de direitos inerentes à sua "natureza", cuja existência não depende de forma alguma da organização política ou social. Os governos devem garantir esses direitos, mas não poderiam fundá-los. Sendo anteriores a qualquer vida social, eles não são imediatamente acompanhados de deveres, pois os deveres implicam precisamente que haja um início de vida social: não há dever para com os outros se não há já outros. O indivíduo, portanto, é ele mesmo a fonte de seus próprios direitos, a começar pelo direito de agir livremente de acordo com o cálculo de seus interesses particulares. Ele se encontra então "em guerra" com todos os outros indivíduos, pois estes são supostamente agir da mesma forma dentro de uma sociedade concebida como um mercado concorrencial. 

Os indivíduos podem muito bem escolher se associar entre si, mas as associações que formam têm um caráter condicional, contingente e transitório, pois dependem do consentimento mútuo e não têm outro objetivo senão melhor satisfazer os interesses individuais de cada uma das partes. A vida social, em outras palavras, não passa de decisões individuais e escolhas interessadas. O homem se comporta como um ser social, não porque isso está em sua natureza, mas porque se supõe que ele encontra nisso uma vantagem. Se ele não encontrar mais essa vantagem, pode a qualquer momento (pelo menos em teoria) romper o pacto. É mesmo nesta ruptura que ele manifestará melhor a sua liberdade. Ao contrário da liberdade dos Antigos, que consistia primeiramente na possibilidade de participar na vida pública, a liberdade dos Modernos reside principalmente no direito de se retirar dela. Por isso, os liberais tendem sempre a dar à liberdade uma definição sinônima de independência. Assim, Benjamin Constant celebra « o gozo tranquilo da independência individual privada », acrescentando que « os homens só precisam, para serem felizes, de ser deixados em uma independência perfeita, em tudo o que diz respeito às suas ocupações, aos seus empreendimentos, ao seu campo de atividade, às suas fantasias ». Este « gozo tranquilo » deve ser compreendido como o direito de secessão, o direito de não ser obrigado por nenhum dever de pertença, nem por qualquer dessas alianças que, em certas circunstâncias, podem de fato revelar-se incompatíveis com a « independência privada ». 

Os liberais insistem particularmente na ideia de que os interesses individuais nunca devem ser sacrificados ao interesse coletivo, ao bem comum ou à salvação pública, noções que consideram inconsistentes. Esta conclusão decorre da ideia de que apenas os indivíduos têm direitos, enquanto as coletividades, sendo apenas somas de indivíduos, não podem ter nenhum que lhes pertença propriamente. « A expressão “direitos individuais” é uma redundância », escreve Ayn Rand: « não existe outra fonte de direitos ». « A independência individual é a primeira das necessidades modernas », afirmava ainda Benjamin Constant. Em consequência, nunca se deve pedir seu sacrifício para estabelecer a liberdade política ». Antes dele, John Locke declarava que « uma criança não nasce súdita de nenhum país », pois, ao tornar-se adulta, « ela tem a liberdade de escolher o governo sob o qual acha bom viver, e de unir-se ao corpo político que mais lhe agrada ». O interesse geral, nessas condições, não tem mais nada a ver com o bem comum. Não se refere mais a uma concepção particular da « boa vida » no sentido de Aristóteles, nem se refere a valores compartilhados. Corresponde apenas a uma simples soma de interesses particulares contraditórios, entre os quais um acordo só pode ser estabelecido por meio do compromisso e da barganha. 

A liberdade liberal supõe, assim, que os indivíduos possam abstrair suas origens, seu ambiente, o contexto em que vivem e onde exercem suas escolhas, ou seja, tudo o que faz com que eles sejam o que são, e não de outra forma. Supõe, em outras palavras, como diz John Rawls, que o indivíduo seja sempre anterior aos seus fins. Nada, porém, demonstra que o indivíduo possa se compreender como um sujeito livre de toda aliança, nem que ele possa determinar seus fins independentemente do que o cerca ou do que o precedeu. Nada demonstra, além disso, que ele preferirá em todas as circunstâncias a liberdade a qualquer outro bem. Tal concepção ignora, por definição, os compromissos e os laços que não devem nada ao cálculo racional. É uma concepção puramente formalista, que não permite dar conta do que é uma pessoa real. 

A ideia geral é que o indivíduo tem o direito de fazer tudo o que quiser enquanto o uso que ele faz de sua liberdade não limitar a dos outros. A liberdade se definiria, assim, como a pura expressão de um desejo que não tem outro limite teórico senão o desejo idêntico de outrem, sendo o conjunto desses desejos mediado pelas trocas econômicas. Foi isso que já afirmava Grotius, teórico do direito natural, no século XVII: « Não é contra a natureza da sociedade humana trabalhar para o próprio interesse, desde que isso seja feito sem ferir os direitos alheios ». Mas é obviamente uma definição irênica: quase todos os atos humanos exercem-se de uma forma ou de outra em detrimento da liberdade alheia, e além disso, é quase impossível determinar o momento em que a liberdade de um indivíduo pode ser considerada como não atrapalhando a dos outros.

A liberdade dos liberais é, de fato, antes de tudo, a liberdade de possuir. Ela não reside no ser, mas no ter. O homem é dito livre na medida em que é proprietário — e, antes de tudo, proprietário de si mesmo. Esta ideia de que a propriedade de si determina fundamentalmente a liberdade será retomada por Karl Marx. 

Alain Laurent define a realização de si como uma "insularidade ontológica cuja finalidade primeira reside na busca da própria felicidade". Para os autores liberais, a "busca da felicidade" é definida como a possibilidade livre de sempre procurar maximizar seu melhor interesse. Mas a questão logo surge sobre o que se deve entender por "interesse", tanto mais que os defensores da axiomática do interesse raramente se preocupam em evocar sua gênese ou em descrever seus componentes, assim como não se perguntam se todos os atores sociais são, no fundo, movidos por interesses idênticos ou se seus interesses são comensuráveis e compatíveis entre si. Levados ao extremo, eles tendem a dar ao termo uma definição trivial: o "interesse" torna-se sinônimo de desejo, de projeto, de ação orientada para um objetivo, etc. Toda coisa tornando-se "interesse", mesmo a ação mais altruísta, a mais desinteressada, pode então ser definida como egoísta e interessada, pois responde à intenção voluntária (ao desejo) de seu autor. Mas, na realidade, é claro que, para os liberais, o interesse é definido antes de tudo como uma vantagem material que, para ser apreciada como tal, deve ser calculável e quantificável, ou seja, capaz de se expressar sob o horizonte desse equivalente universal que é o dinheiro. 

O liberalismo, no entanto, deve reconhecer a existência do fato social. Mas, em vez de se perguntar por que existe o social, os liberais se preocuparam principalmente em saber como este pode ser estabelecido, mantido e funcionar. A sociedade, sabe-se, não é para eles uma entidade diferente da simples adição de seus membros (o todo não é nada mais do que a soma de suas partes). Ela é apenas o produto contingente das vontades individuais, uma simples montagem de indivíduos que buscam todos defender e satisfazer seus interesses particulares. Seu objetivo essencial é, portanto, regular as relações de troca. Essa sociedade pode ser concebida, ou como a consequência de um ato voluntário racional inicial (é a ficção do "contrato social"), ou como o resultado do jogo sistêmico da totalidade das ações produzidas pelos agentes individuais, jogo regulado pela "mão invisível" do mercado, que "produz" o social como a resultante não intencional dos comportamentos humanos. A análise liberal do fato social baseia-se, assim, na abordagem contratual (Locke), no recurso à "mão invisível" (Smith), ou ainda na ideia de uma ordem espontânea, não subordinada a qualquer desígnio (Hayek). 

Todos os liberais desenvolvem a ideia de uma superioridade da regulação pelo mercado, que seria o meio mais eficaz, mais racional, e, portanto, também o mais justo, de harmonizar as trocas. Em primeira aproximação, o mercado se apresenta, então, antes de tudo como uma "técnica de organização" (Henri Lepage). Do ponto de vista econômico, ele é ao mesmo tempo o lugar real onde as mercadorias são trocadas, e a entidade virtual onde se formam de maneira ótima as condições da troca, ou seja, o ajuste da oferta e da demanda e o nível dos preços. 

Mas os liberais também não se perguntam sobre a origem do mercado. A troca mercantil é, de fato, para eles o modelo "natural" de todas as relações sociais. Deduz-se que o mercado é também uma entidade "natural", definindo uma ordem anterior a qualquer deliberação e a qualquer decisão. Constituindo a forma de troca mais conforme à natureza humana, o mercado estaria presente desde o alvorecer da humanidade, em todas as sociedades. Aqui reencontramos a tendência de toda ideologia de "naturalizar" seus pressupostos, ou seja, de se apresentar, não pelo que é, no caso uma construção do espírito humano, mas como uma simples descrição, uma simples retranscrição da ordem natural. O Estado sendo paralelamente rejeitado para o lado do artifício, a ideia de uma regulação "natural" do social por meio do mercado pode então se impor.

Ao compreender a nação como um mercado, Adam Smith realiza uma dissociação fundamental entre a noção de espaço e a de território. Rompendo com a tradição mercantilista que ainda identificava território político com espaço econômico, ele mostra que o mercado, por sua natureza, não pode ser confinado a limites geográficos específicos. O mercado não é tanto um lugar, mas uma rede. E esta rede tem vocação para se expandir até os confins da Terra, já que sua única limitação reside, em última análise, na capacidade de trocar. "Um comerciante," escreve Smith em uma passagem célebre, "não é necessariamente cidadão de nenhum país em particular. Para ele, é em grande parte indiferente em que lugar ele faz seu comércio, e basta o menor desgosto para que ele decida levar seu capital de um país a outro, e com ele toda a indústria que esse capital colocava em atividade." 

A principal vantagem da noção de mercado é que ela permite aos liberais resolver a difícil questão do fundamento da obrigação no pacto social. O mercado pode, de fato, ser considerado como uma lei reguladora da ordem social sem legislador. Regulada pela ação de uma "mão invisível", ela mesma neutra por natureza, pois não é encarnada por indivíduos concretos, ele instaura um modo de regulação social abstrato, fundado em "leis" objetivas destinadas a regular as relações entre os indivíduos sem que exista entre eles qualquer relação de subordinação ou de comando. A ordem econômica seria, assim, chamada a realizar a ordem social, ambos podendo ser definidos como uma emergência não instituída. A ordem econômica, diz Milton Friedman, é "a consequência não intencional e não desejada das ações de um grande número de pessoas movidas apenas por seus próprios interesses". Esta ideia, amplamente desenvolvida por Hayek, inspira-se na fórmula de Adam Ferguson (1767) que evoca fatos sociais que "derivam da ação do homem, mas não de seu desígnio". 

Conhecemos a metáfora da "mão invisível" desenvolvida por Adam Smith: "Ao procurar seu próprio ganho, o indivíduo [é conduzido] por uma mão invisível a promover um fim que não fazia parte de sua intenção". Esta metáfora vai muito além da observação, em suma banal, de que os resultados da ação dos homens são muitas vezes bem diferentes daqueles que eles esperavam (o que Max Weber chamava de "paradoxo das consequências"). Smith, de fato, situa essa observação em uma perspectiva resolutamente otimista. "Cada indivíduo," acrescenta ele, "coloca continuamente todos os seus esforços para procurar, para todo o capital de que dispõe, o emprego mais vantajoso; é verdade que ele tem em vista seu benefício, e não o da sociedade; mas os cuidados que ele toma para encontrar sua vantagem pessoal o conduzem naturalmente, ou antes, necessariamente, a preferir precisamente o tipo de emprego que se revela o mais vantajoso para a sociedade". E mais adiante: "Enquanto procura apenas seu interesse pessoal, ele trabalha muitas vezes de maneira bem mais eficaz para o interesse da sociedade do que se ele realmente tivesse o objetivo de trabalhar para ela". A partir da iniciativa individual, a "mão invisível" é, portanto, suposta repartir espontaneamente o trabalho e a renda de maneira ótima, como em um sistema fechado, desprovido de entropia, ou seja, de forma a fazer a felicidade de todos.

As conotações teológicas dessa metáfora são evidentes: a "mão invisível" é apenas um avatar profano da Providência. Mas é preciso esclarecer que, ao contrário do que se acredita frequentemente, Adam Smith não equipara o próprio mecanismo do mercado ao jogo da "mão invisível", pois ele a invoca apenas para descrever o resultado final da composição das trocas mercantis. Além disso, Smith ainda admite a legitimidade da intervenção pública quando as ações individuais não conseguem realizar o bem público. Mas essa restrição será rapidamente abandonada. Os neoliberais contestam a própria noção de bem público. Hayek, por princípio, proíbe qualquer abordagem global da sociedade: nenhuma instituição, nenhuma autoridade política deve se fixar objetivos que possam comprometer o bom funcionamento da "ordem espontânea". Nessas condições, o único papel que a maioria dos liberais consente atribuir ao Estado é garantir as condições necessárias para o livre jogo da racionalidade econômica em ação no mercado. O Estado não deve ter uma finalidade própria. Ele está lá apenas para garantir os direitos individuais, a liberdade das trocas e o respeito pelas leis. Dotado não tanto de funções quanto de atribuições, deve, em todos os outros domínios, permanecer neutro e renunciar a propor um modelo de "vida boa".

As consequências da teoria da "mão invisível" são decisivas, em particular no plano moral. Em poucas frases, Adam Smith reabilita, de fato, comportamentos que os séculos passados sempre condenaram. Ao afirmar que o interesse da sociedade está subordinado ao interesse econômico dos indivíduos, ele faz do egoísmo a melhor maneira de servir ao próximo. Ao buscar maximizar nosso melhor interesse pessoal, trabalhamos sem saber, e sem que sequer precisemos querer, em prol do interesse de todos. A livre confrontação no mercado dos interesses egoístas permite "naturalmente, ou melhor, necessariamente" a sua harmonização através do jogo da "mão invisível", que os fará convergir para o ótimo social. Não há, portanto, nada de imoral em buscar prioritariamente seu próprio interesse, pois, no fim das contas, a ação egoísta de cada um levará, como por acidente, ao interesse de todos. É isso que Frédéric Bastiat resumirá em uma fórmula: "Cada um, ao trabalhar para si, trabalha para todos". O egoísmo, então, não é mais do que um altruísmo bem compreendido. E são as ações dos poderes públicos que, ao contrário, merecem ser denunciadas como "imorais" sempre que, sob o pretexto de solidariedade, contrariam o direito dos indivíduos de agirem de acordo com seus próprios interesses.

O liberalismo une individualismo e mercado ao declarar que o livre funcionamento deste último também é a garantia da liberdade individual. Ao assegurar o melhor rendimento das trocas, o mercado garante, de fato, a independência de cada agente. Idealmente, se o bom funcionamento do mercado não for obstruído por nada, esse ajuste ocorre de forma ótima, permitindo atingir um conjunto de equilíbrios parciais que definem o equilíbrio global. Definido por Hayek como "catalaxia", o mercado constitui uma ordem espontânea e abstrata, suporte instrumental formal do exercício das liberdades privadas. O mercado não representa, portanto, apenas a satisfação de um ideal de optimalidade econômica, mas a satisfação de tudo o que aspiram os indivíduos considerados como sujeitos genéricos de liberdade. Finalmente, o mercado se confunde com a própria justiça, o que leva Hayek a defini-lo como um "jogo que aumenta as chances de todos os jogadores", antes de acrescentar que, nessas condições, os perdedores não têm direito a reclamar e só podem culpar a si mesmos.

Não se pode, portanto, se surpreender que a ascensão do individualismo liberal tenha se traduzido, primeiramente, por uma desintegração progressiva das estruturas de existência orgânicas características das sociedades holísticas, depois por uma desagregação generalizada do vínculo social, e finalmente por uma situação de relativa anomia social, onde os indivíduos se encontram cada vez mais estranhos uns aos outros e potencialmente cada vez mais inimigos entre si, todos presos nessa forma moderna de "luta de todos contra todos", que é a concorrência generalizada. Essa é a sociedade descrita por Tocqueville, na qual cada membro, "retirado à parte, é como um estranho para todos os outros". O individualismo liberal tende a destruir por toda parte a sociabilidade direta, que por muito tempo impediu o surgimento do indivíduo moderno, e as identidades coletivas que lhe estão associadas. "O liberalismo", escreve Pierre Rosanvallon, "faz de certa forma da despersonalização do mundo as condições do progresso e da liberdade".

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O mundo do lucro, hoje lançado na louca corrida à frente do crescimento indefinido, da ilimitação da mercadoria, e da transformação da riqueza real em riqueza especulativa e pecuniária, é, portanto, acima de tudo, aquele que consagra um tipo de homem novo, precisamente definido por sua propensão "natural" a buscar primeiro o seu lucro em todas as esferas de sua existência pessoal. O homem da ideologia do lucro é um homem que, fundamentalmente, é movido apenas pelo desejo de maximizar em todas as circunstâncias seu melhor interesse, que se envolve em uma direção dada apenas com base nos resultados esperados, que toma iniciativas apenas na medida em que estas possam lhe trazer retorno. Os liberais postulam que esse tipo de homem, para quem tudo se compra e se vende, é o homem "natural", libertado das restrições e levado às suas mais normais impulsões. Felizmente, a história das ideias, assim como a experiência histórica, nos mostra claramente que não é bem assim.