28/03/2015

Aleksandr Dugin - Eurásia na Guerra de Redes

por Aleksandr Dugin



(Redes Eurasianas na Alvorada de 2015)

A razão para redigir este texto foi o discurso de Vladimir Putin à Assembléia Federal da Rússia e a passagem sincronizada da resolução anti-russa 758 pelo Congresso Americano. Comentando sobre esta, o congressista Eliot Engel afirmou: "É hora de reconhecer o fato de que a Rússia sob a liderança de Vladimir Putin é uma ameaça à segurança européia e aos interesses dos EUA na região [1]". Lá em 2011, Hillary Clinton similarmente proclamou: "Nós estamos em uma guerra de informação [2]". Em seu discurso, Putin afirmou: "A Criméia, a antiga Korsun ou Chersonesus, e Sebastopol possuem importância civilizacional incomparável e mesmo sacral para a Rússia, como o Monte do Templo em Jerusalém para os seguidores do Islã e do Judaísmo. E é assim que sempre consideraremos [3]". Em outras palavras, ele declarou um caminho duro para o renascimento da soberania e poder continental russos, bem como de sua identidade sagrada ortodoxa. Em resposta, os EUA mencionaram abertamente sua guerra de informação contra a Rússia:

(20) [A Casa de Representantes] convoca o Presidente e o Departamento de Estado dos Estados Unidos a desenvolverem uma estratégia para a coordenação multilateral com o fim de produzir ou procurar e distribuir notícias e informações em língua russa em países com populações russófonas significativas que maximizem o uso de plataformas existentes de distribuição de conteúdo tal como a Voice of America e a Radio Free Europe/Radio Liberty, influenciem parcerias público-privadas indígenas para produção de conteúdo, e busquem contribuições de governos regionais;

(21) convoca o Departamento de Estado dos Estados Unidos a identificar posições em postos diplomáticos fundamentais na Europa para avaliar a influência política, econômica e cultural da Rússia e da mídia estatal russa e para coordenar com governos anfitriões respostas adequadas; [4]

Na realidade, eles tem realizado essa guerra contra nós já por algum tempo. Mas agora ela alcançou um novo nível.

Paralelamente a esses desenvolvimentos, eu notei um aumento nos ataques diretos contra eurasianistas e contra mim, pessoalmente, bem como contra a ampla rede daqueles que interagem comigo na Rússia e ao redor do mundo nos meses recentes. A última gota foi o e-mail hackeado de um membro do Movimento Eurasiano, o que foi seguido por uma enxurrada de publicações na mídia ocidental sobre a suposta rede de agentes russos ao redor do mundo. Esses supostos agentes eram chamados de "Internacional Negra" com o propósito de descrédito. Eu creio que chegou a hora de fazer alguns esclarecimentos e, ao mesmo tempo, identificar a próxima trajetória para nossa estratégia eurasiana.

Eurasianismo como Ideologia Anti-Ocidental

Permita-me relembrar a pré-história.

Desde o momento de seu aparecimento na década de 1920, o eurasianismo sempre se opôs à dominação global do Ocidente, ao universalismo europeu, e apoiou a singularidade da civilização russa. Portanto, o eurasianismo é, de fato, uma ideologia anti-ocidental no sentido de rejeitar o direito da sociedade ocidental de impôr seus critérios de bem e mal como norma universal. A Rússia é uma civilização ortodoxo-eurasiana independente, ao invés de mera periferia da Europa, insistiam os eurasianistas, seguindo seus predecessores ideológicos, os eslavófilos, junto a outros conservadores russos.

Gradativamente, o eurasianismo foi enriquecido com os métodos da geopolítica clássica baseados no dualismo das civilizações de Terra e Mar. O inglês Halford Mackinder introduziu este conceito na primeira metade do século XX; ele foi ainda mais desenvolvido por estrategistas americanos como Nicholas Spykman e Zbigniew Brzezinski. Aqui, a Rússia serve como o núcleo da civilização da Terra, o Heartland da Eurásia, e está assim fadado a travar uma batalha de séculos contra o mundo anglo-saxão. No passado, seu núcleo era o Império Britânico, e, da segunda metade do século XX em diante, este foi os Estados Unidos. Portanto, os eurasianistas se opõem à hegemonia ocidental, ao expansionismo americano, e aos valores liberais e apoiam a civilização, religião e tradição russas. Ademais, os eurasianistas não só se opõem ao Ocidente, como também aos próprios ocidentalizadores e moderados da Rússia: os liberais, fundamentalmente.

Se o Ocidente Atlantista é o inimigo dos eurasianistas, então os eurasianos são os inimigos do Ocidente e seus agentes de influência. Isso é lógico. Os eurasianistas sabem quem seu inimigo é, e a quem eles se opõem, e o inimigo sabe quem são os eurasianistas. Nesse caso, seria estranho se os atlantistas, os imperialistas americanos e os liberais amassem os eurasianistas e seus apoiadores ao redor do mundo. E vice-versa. Daí a tese óbvia: nós estamos ou do lado da Civilização da Terra ou da Civilização do Mar. Terra significa Tradição, Fé (para os russos, isso é o cristianismo ortodoxo), Império, Narod (Povo), Sagrado, História, Família, Ética. O Mar é modernização, comércio, tecnologia, democracia liberal, capitalismo, parlamentarismo, individualismo, materialismo e política de gênero. Esses dois são conjuntos mutuamente exclusivos de valores.

Neo-Eurasianismo no Período Pós-Soviético

Um grupo de neo-eurasianistas, liderados por mim, tem restaurado e desenvolvido todas essas idéias como uma cosmovisão compreensiva começando a partir do final da década de 80. Nós restabelecemos uma porção significativa da herança ideológica deixada pelos eurasianistas originais, acrescentamos a geopolítica e o Tradicionalismo, e os aplicamos às realidades políticas da URSS em processo de desintegração. Como os primeiros eurasianistas da década de 20 - escrevendo como emigrantes - nós apoiamos a transformação da URSS no Império Eurasiano. Essas transformações deveriam envolver a preservação de todo o espaço sob uma liderança estratégica unificada, mas mudando a ideologia para a Ortodoxia e o Eurasianismo. E tal como os eurasianistas originais, nós estávamos convictos de que os liberais e ocidentalizadores eram os piores inimigos da idéia russa (piores que os comunistas), e que eles despedaçariam a Grande Rússia (URSS) se eles chegassem ao poder. Afinal, eles eram parte da rede atlantista. Isso foi plenamente confirmado na hora certa: eles de fato chegaram ao poder e de fato a despedaçaram. E então eles tentaram desintegrar a Federação Russa. Portanto, os eurasianistas se situaram em oposição radical a Iéltsin e a todo o regime marionete liberal-democrata pró-ocidental da década de 90, que era dominado pela burguesia compradora e por agentes russofóbicos dos EUA. Esse período marca a primeira demonização dos neo-eurasianistas - a oposição patriótica na Rússia - como "chauvinistas russos" nos EUA e no Ocidente. Ideólogos ocidentais até mesmo arrastaram um número de líderes patriotas nessa histeria anti-eurasianistas pelo uso de sua ignorância e vaidade e, ocasionalmente, pelo simples suborno.

Tudo isso mudou no ano 2000 quando Putin chegou ao poder. Ele começou a transformar o sistema de Iéltsin em uma direção patriótica, incorporando uma porção significativa de idéias diretamente dentro dos princípios e valores da ideologia eurasianista. Essa e apenas essa é a razão pela qual eurasianistas apoiaram Putin e ainda o apoiam. Não há nada pessoal aqui: nós nos opomos a Iéltsin, um atlantista-ocidentalizador, e começamos a apoiar o patriota Putin. Essa é uma escolha puramente ideológica e cristalina. Também é a razão pela qual o grau de ódio pelos eurasianistas entre os ocidentalizadores liberais da Rússia tal como no Ocidente dominado pelos EUA aumentou dramaticamente.

Hoje, as políticas de Putin se movem cada vez mais na linha das idéias eurasianistas. É por isso que o Ocidente junto à mídia liberal russa e aos liberais do governo que apoiam Putin pragmaticamente começaram a realizar um ataque direto contra os eurasianistas. Eles veem o perigo do apoio eurasianista a Putin não em seu número ou influência, mas no poder bruto das idéias eurasianistas, baseadas na geopolítica e no método civilizacional, na análise histórica precisa e uma orientação radicalmente anti-ocidental e antiliberal, não deixando espaço para manipulação, fraude e enganação para os ocidentalizadores. Por essa razão, um esforço concentrado foi aplicado para garantir que Putin não ofereceria o menor apoio aos eurasianistas. Segundo os arquitetos do atlantismo, isso levaria, mais cedo ou mais tarde, a um eurasianismo marginalizando, empurrando sua ideologia à periferia. Isso demandava um esforço colossal para o Ocidente e para os liberais russos. Não podemos dizer que derrotamos todos os seus esforços, mas o oposto também é óbvio: Putin marcha confiantemente na direção do estabelecimento da União Eurasiana. Ele não teme desafiar abertamente o Ocidente e seus valores liberais, abordando de forma direta a Fé, a Tradição e as bases conservadoras da sociedade.

Redes Eurasianas no Exterior

Já na década de 90 e especialmente no novo milênio, os eurasianistas começaram a criar uma vasta rede apoiada naquelas forças que também rejeitavam o atlantismo e a hegemonia americana, se opunham ao liberalismo e à política de gênero - aqueles que defendiam a Tradição, o sagrado, o cristianismo e outras fés tradicionais. Mais comumente, a rede eurasiana tem tendido a incluir conservadores que são normalmente referidos como de "direita". Muito comum, porém, que oponentes da hegemonia americana sejam encontrados na "esquerda" também. Alguns deles eram russófilos, enquanto outros gravitavam na direção do eurasianismo por razões pragmáticas: a sociedade tradicional russa era mais forte que a ocidental, e o potencial estratégico russo poderia se tornar o contrapeso à dominação americana. Muitos na Europa e fora de suas fronteiras estudaram geopolítica e identificaram facilmente os defensores da civilização da Terra - entre os quais eles se incluíam (representando a Tradição contra o Liberalismo - no Eurasianismo. Porém, a rede eurasianista era incomparavelmente mais fraca e estreita do que a enorme contraparte atlantista, apoiada pelo capital global (por exemplo, George Soros), pela elite liberal pró-americana (que quase sempre é a classe governante), pelo poderio militar e pela inteligência dos EUA e da OTAN, um segmento cada vez maior da juventude ligado à rede ocidental, formando uma visão cosmopolita das coisas, individualismo, relativismo moral, e uma ruptura completa com religião, tradições, etnias, família e até sexo biológico (gênero). Não obstante, a rede eurasiana tem se desenvolvido com base nas forças que discordavam da nova forma de dominação global - o "terceiro totalitarismo" que rejeita os direitos de todas as outras ideologias, caso elas não reconheçam os princípios básicos do liberalismo. Qualquer alternativa anti-liberal "à esquerda" era classificada como "stalinismo" e "gulag", enquanto aquelas "à direita" eram chamadas "nazi" e "auschwitz". O eurasianismo não era nem comunista, nem fascista, isto é, nem de "direita", nem de "esquerda". É por isso que os liberais a chamaram de "Internacional Vermelho-Marrom" ("Fascismo Eurasianista"). Ninguém se importava com o fato de que ele não era nem uma coisa, nem outra: para os liberais não há verdade fora do liberalismo. Isso explica a campanha deliberada e sistemática pela mídia ocidental que começou na década de 90 para desacreditar sistematicamente o eurasianismo e os eurasianistas.

Gradualmente, a influência do eurasianismo e das redes eurasianas cresceu fora da Rússia (na Europa, Turquia, e na ex-URSS - especialmente na Criméia e nos territórios orientais da antiga Ucrânia), e dentro da própria Rússia. A resposta de Putin ao golpe em Kiev - reunificação com a Criméia e o início da libertação da Nova Rússia - serviu como um momento revelador demonstrando a importância cada vez maior do eurasianismo, que não rara passa desapercebido pelo observador superficial. Eu descrevi esses cenários como inevitáveis tão cedo quanto a década de 90 (Ver A. Dugin, Osnovy Geopolitiki [Fundações da Geopolítica] Moscou, 1997). Na época, eu os expliquei através da inevitabilidade histórica e da necessidade geopolítica: segundo a lógica da geopolítica eurasiana, a Ucrânia ou se unirá aos atlantistas (e então o leste e o sul se separarão) ou à Rússia (e então as regiões do oeste se revoltarão). Foi precisamente o que ocorreu, e Putin agiu como verdadeiro patriota russo e eurasianista sob circunstâncias difíceis ao invés de agir como liberal e atlantista. Como resultado, o Ocidente junto aos liberais russos e seus cúmplices velados iniciaram uma nova onda de perseguições contra os eurasianistas, que foram acusados de várias e, às vezes, absurdas coisas, e culpados por todos os pecados mortais. Quão mais fortes essas idéias se tornavam e mais claras era sua manifestação em atos políticos reais, mais ódio despertavam entre os representantes das civilizações do mar e sua rede.

Rede contra Rede

No início do drama ucraniano, eu divido os atlantistas russos nominalmente entre a "quinta" e a "sexta" coluna. A "quinta" coluna representa os atlantistas declarados, liberais e apoiadores da política americana, que se opõem a Putin e ao patriotismo russo. A chamada "sexta" coluna se disfarça como pragmática e burocrata, apoiando Putin superficialmente. Como a "quinta" coluna, porém, eles rejeitam categoricamente as idéias eurasianistas e tentam ou restringir ou sabotar quaisquer das iniciativas patrióticas de Putin, atacando a rede eurasianista tanto na Rússia como no exterior. Na Ucrânia, o Maidan foi uma iniciativa atlantista. A Criméia se tornou a primeira resposta eurasianista ao Maidan. A Nova Rússia teria sido a segunda resposta eurasianista, mas aqui, nossa ofensiva foi (até agora) contida pelos atlantistas na Rússia e além. Muito mudou durante o curso dos eventos dramáticos na Ucrânia em 2014. Mas a geopolítica eurasianista permaneceu imutável: a estratégia russa envolve soberania, multipolaridade e independência total frente a dominação americana. Putin fala e age a partir dessa noção. Portanto, apesar de tudo, os eurasianistas apoiam Putin e seu curso completamente. Novamente, não é nada pessoal. A qualquer momento, certos aspectos de sua política podem gerar pequenos ou grandes graus de entusiasmo, enquanto outros não despertam entusiasmo algum. Em geral, porém, um grande segmento de tempo medido em décadas revelará o fato de que é à política eurasianista que Putin subscreve. E é óbvio que ele irá aderir a esse curso mais tarde. Seu último discurso à Assembléia Federal não deixa dúvidas sobre isso. Era impossível não compreender isso a partir de seu discurso. Declarando abertamente a plataforma eurasianista, Putin afirmou:

"Se para alguns países europeus o orgulho nacional é um conceito esquecido há muito tempo e  soberania é um luxo, a soberania autêntica é absolutamente necessária para a sobrevivência da Rússia. Primariamente, nós devemos perceber isso enquanto nação. Eu gostaria de enfatizar esse ponto: ou permanecemos uma nação soberana, ou seremos dissolvidos e perderemos nossa identidade. É claro, outros países precisam compreender isso, também".

Nos termos da situação ucraniana, as redes eurasianistas na Europa demonstraram seu pleno potencial. Quase todos os protestos pró-russos, os observadores eleitorais, e mesmo os voluntários franceses na Nova Rússia estavam de alguma forma conectados às redes eurasianistas ou a movimentos intimamente relacionados ou paralelos. Isso é bastante natural. Na Europa e em outros lugares, os eurasianistas estão bastante conscientizados sobre geopolítica, compreendendo o fato de que este não é um conflito entre duas nações eslavas, Rússia e Ucrânia, mas entre Terra e Mar, hegemonia e unipolaridade americanas contra o mundo multipolar representado pela Rússia. Novamente, não é nada pessoal: há aqueles que concordam com o liberalismo e com a agenda americana e aqueles que discordam. Os conservadores da Europa não concordam com a dominação americana. Consequentemente, eles voltam seus olhares para um lugar que oferece uma alternativa possível. E o que eles veem? A Rússia de Putin e a ideologia eurasianista. E eles entendem uma através da outra, independentemente do ponto de partida.

Essa lógica é óbvia para amigos, mas também é evidente para os inimigos. Putin é o inimigo principal do Ocidente Liberal e da civilização do mar, porque ele defende consistentemente os interesses da civilização da terra. Qualquer líder de sucesso que tornasse a Rússia grande e independente seria um "vilão" aos olhos do Ocidente, independentemente de quem ele fosse. Portanto, Putin simplesmente não pode se tornar um herói para os EUA e para o atlantismo global. Para fazê-lo, ele teria que destruir a Rússia, como Gorbachev fez com os URSS, pelo que ele foi aplaudido.

O mesmo vale para o eurasianismo: não importa a ideologia, se ela desafia a hegemonia americana, se apoiando em um Estado nuclear, ela não poderá ser vista com indiferença ou de maneira abstratamente neutra. Os inimigos compreendem isso tudo muito bem e lançarão mão de todos os esforços para demonizar o eurasianismo por quaisquer meios necessários. Eles empregam difamação, insultos, falsas rotulações, calúnias, identificações falaciosas com "stalinismo" ou "fascismo" (dependendo do contexto particular), e daí em diante.

Sob Ataque. Preparando uma Contra-Ofensiva

Em algum momento, Putin, como o líder de um grande país, e a ideologia eurasianista, como aparato conceitual que descreve precisamente os desafios e objetivos da situação geopolítica atual - onde velhas ideologias (esquerda e direita) não mais funcionam - se fundiram em um objeto de ódio compartilhado aos olhos de toda a rede atlantista. Qualquer um que apoie a Rússia ou mesmo critique o Ocidente simultaneamente se torna "agente de Putin", "espião russo", e um "eurasianista". Ao mesmo tempo, vale a pena notar que quando mencionamos a dita quinta coluna na Rússia e a rede de agentes atlantistas, somos instantaneamente bombardeados com acusações de paranoia e teoria da conspiração.

Mas olhem para os títulos e chamadas da mídia oficial no Ocidente: a busca pela "quinta coluna putinista" está em pleno vapor, há listas de "espiões russos", e há uma campanha direta para identificar todos aqueles que são simpáticos à Rússia com base em um e-mail eurasianista hackeado. O que é nossa pequena rede heróica daqueles que se opõem à atual ordem mundial liberal em comparação com as milhares de ONGs e agentes de influência dentro das elites européias e asiáticas? Mas essa rede inspira ódio e fúria no inimigo. Afinal, a Rússia está conosco. E Putin lidera a Rússia. Nosso povo e história estão por trás dele. Um punhado de entusiastas carregando bandeiras da Nova Rússia e retratos de Putin não parecem mais tão patéticos. Essa é a civilização alternativa - a da terra - emergindo do sono. E ela continuará a emergir até que esteja plenamente desperta.

Essa é a calmaria antes da tempestade. A situação na Nova Rússia atingiu um beco-sem-saída. A pressão sobre a Rússia cresce a cada minuto. Nós estamos sob um ataque violento. Qualquer um que apoie ativamente Putin, se ligue à rede eurasianista, e desafie a Besta americana, está atualmente sob ataque. Sob artilharia pesada. Os disparos se intensificam. A pressão se torna cada vez maior. A traição é particularmente desagradável nessa situação. É uma pena quando o inimigo está bem consciente do quão perigoso você é para ele, enquanto seu amigo potencial parece ignorar sua utilidade. Aqui está o verdadeiro teste. Só se pode resistir através de uma idéia poderosa. Apesar dos truques psicológicos e dos jogos complexos que os inimigos usem para nos sufocar.

Nós estabelecemos e continuaremos a estabelecer redes eurasianistas ao redor do mundo. Nós trabalhamos e continuaremos a trabalhar contra a hegemonia americana para solapá-la. Nós apoiamos e continuaremos a apoiar todos os personagens alternativos na Europa e na Ásia que representem Tradição (para nós, russos, isso é o Cristianismo Ortodoxo, em primeiro lugar), justiça, liberdade e um mundo multipolar.

Apesar das aspirações do Ocidente atual: não há uma, mas muitas civilizações; não há uma (liberal), mas muitas ideologias; não há uma única humanidade, mas uma rica diversidade de culturas que não aceitam a globalização e a combaterão até o fim amargo.

Deus está conosco, vós, nações, preparai-vos para a batalha e sereis despedaçados, pois Deus está conosco! (de Isaías 8:9-10)






16/03/2015

Ghada Chehade - Como o Ocidente vende a guerra e compra a morte: Sobre Gaddafi, Assad e Putin

por Ghada Chehade

Traduzido por Raphael Camisão



Enquanto persiste o conflito na Ucrânia e negociações de paz entre Putin e líderes ocidentais como Merkel e Hollande continuam, é importante observar os fatores e os interesses econômicos que se beneficiam da troca de regime na Ucrânia e como isso se compara a situações como a síria, a líbica e a iraquiana. Estes são ângulos e interesses relativos a estes conflitos dos quais pouco escutamos relatados pela mídia de massa ocidental, ângulos e interesses estes que não buscamos por estarmos envolvidos demais com dramas políticos ou humanos. A mídia de massa, por exemplo, passou tanto tempo demonizando um único inimigo, fosse ele Putin na Ucrânia, Assad na Síria, Gaddafi na Líbia ou Saddam Hussein no Iraque, que não exploraram criticamente como agentes externos podem explorar ou até apoiar tais conflitos e situações para assegurarem motivos político-econômicos como o acesso ao petróleo, abrindo caminho para empréstimos destrutivamente condicionais no FMI ou a derrubada de políticas domésticas que atacam os interesses mundiais imperiais e econômicos.

Existe na mídia ocidental um binário perigosamente falso em que a oposição a agendas corporativistas ou imperialistas ocidentais é um sinônimo do apoio a “homens maus” como, por exemplo, Putin ou Gaddafi. Isso é parte do que chamo de política de distração ou política de amálgama, em que a oposição a políticas neoliberais e imperiais – como empréstimos do FMI com condições de austeridade que devastam e empobrecem uma nação, seu povo e sua agricultura – é amalgamada com o apoio por certos “tiranos” (como definidos pelo Ocidente).

No caso de uma mudança de regime e do conflito concomitante na Ucrânia, a mídia ocidental está tão fixada na demonização do presidente russo Vladimir Putin com a anexação da Crimeia que pouca atenção é dada ao que JP Sottile chama de “anexação corporativa da Ucrânia”. Comentando o plano econômico para o país, Sottile ressalta que “para companhias americanas como Monsanto, Cargill e Chevron, há uma mina de ouro de lucros a se tirarem do agronegócio e da exploração energética”.

Alguns legistas europeus veem o conflito ucraniano como uma cortina de fumaça a fim de abrir caminho para o FMI, o Banco Mundial e o BERD com seus negócios relacionados à agroquímica e à biotecnologia agrícola, roubando a cobiçada e valorizada terra agrícola ucraniana. A política de distração no conflito ucraniano – isto é, o bem versus o mal personificado em Vladimir Putin – esconde a realidade do vasto roubo terras agrícolas que alimentará as corporações do agronegócio ocidental enquanto inauguram políticas venenosas e práticas como a colheita de organismos geneticamente modificados. Com Yanukovych de fora, o novo governo ucraniano concordou em tomar medidas de austeridade em troca pela “ajuda” do FMI e do Banco Mundial. Além do impacto devastador que essas medidas terão sobre os níveis de pobreza e o padrão de vida dos ucranianos, as medidas de austeridade também permitirão que corporações do agronegócio ocidental se aproveitem de restrições nas leis de produção de organismos geneticamente modificados levadas a um padrão mais próximo do resto da Europa. A Ucrânia, como Lendman explicou, foi, por muito tempo, considerada o “cesto de pão” da Europa. “Seu solo escuro e rico é altamente valorizado” e “ideal para o crescimento de grãos”. Com um terço da terra agrícola europeia, o potencial do país é vasto, fazendo dele um alvo ideal para os gigantes ocidentais do agronegócio que buscam se aproveitar de riquezas econômicas massivas alterando e envenenando o fornecimento de comida da região. Para muitos analistas, estas prospectivas econômicas estão por trás do conflito ucraniano.

Isto é, de certa forma, remanescente dos motivos econômicos para a invasão do Iraque em 2003 e a “guerra ao terror”. É sabido que o governo Bush mentiu sobre Saddam Hussein, antes aliado e parceiro de crime (de guerra), depois inimigo número um, que teria armas de destruição em massa, um pretexto para invadir um país. Como explico em meu próximo livro (NT: a autora Ghada Chehade pretende lançar um livro sobre a Guerra ao Terror ainda pelo fim de 2015), os motivos para a Guerra do Iraque foram majoritariamente econômicos, com megacorporações norte-americanas ganhando contratos massivos – pagos com o dinheiro dos contribuintes – para que o país que as Forças Armadas do país destruíram seja “reconstruído” (em infraestrutura, privatização de serviços públicos, etc.). Em adição aos contratos de desenvolvimento, lucro massivo foi gerado por petroleiras como Halliburton e Chevron. A Halliburton, em si, já foi gerenciada por ninguém mais, ninguém menos que o ex-vice-presidente Dick Cheney, que alegadamente ganhou 39,5 bilhões na Guerra do Iraque.

Da mesma forma, é perceptível que o plano para a intervenção na vida foi (e é) impulsionado por interesses no petróleo, e não por preocupações humanitárias. Nesta análise compreensiva da situação, Nafeez Ahmed explica que a violência e a morte de civis de ambos os lados do conflito é “explorada pela estreita competição geopolítica para controlar o petróleo do Oriente Médio” e o fornecimento de gás no mesmo. Seu relato conta com várias fontes oficiais, incluindo documentos que vazaram do governo, oficiais aposentados da OTAN e o ex-ministro do exterior francês Roland Dumas, demonstrando como a situação na Síria está ligada a antigos desejos ocidentais para se assegurar o controle sobre o petróleo e o gás do Oriente Médio, com os EUA e o RU treinando as forças sírias de oposição desde 2011 para causarem o colapso do regime sírio “de dentro”.

Enquanto uma usurpação ocidental de petróleo é um fator maior no Iraque, na Líbia e na Síria (além de proteger o dólar e os bancos europeus, no caso da Líbia), o caso na Ucrânia é majoritariamente pelo domínio de terras e pelos planos ocidentais do agronegócio de organismos geneticamente modificados – introduzidos por um empréstimo condicional do FMI de 17 bilhões de dólares – para o solo rico e fértil do país. É interessante perceber, como faz Joyce Nelson, do The Ecologista, que, no fim de 2013, Viktor Yanukovych, então presidente da Ucrânia, recusou um acordo de associação à União Europeia ligado a um empréstimo de 17 bilhões de dólares do FMI, optando por um auxílio russo de 15 bilhões seguido por um desconto no gás natural russo. Como Nelson explica, “sua decisão foi um fator decisivo nos protestos fatais subsequentes que o levaram a sair do cargo em fevereiro de 2014 e à crise atual”. Significa que o empréstimo que corre pelo FMI e suas condições econômicas vorazes estavam sobre a mesa antes da abdicação do ex-presidente Yakunovych, e que a mudança de regime no país convenientemente fez com que o empréstimo se fizesse possível.

Em adição à rica terra arável ucraniana sendo aberta para o agronegócio ocidental e para a produção de organismos geneticamente modificados, empréstimos do FMI tipicamente vêm com condições econômica estritas de reestruturação na forma de programas de programas de ajuste estrutural (SAPs). Estes programas essencialmente forçam a nação credora a reestruturar sua economia cortando gastos públicos e subsídios em áreas como a empregabilidade, o apoio à renda e a educação, além da privatização de serviços previamente acessíveis, como a saúde. Se tais condições do FMI forem aplicadas à Ucrânia, devastarão e empobrecerão o país.

Questões e agendas político-econômicas tão importantes na Ucrânia raramente são avaliadas amplamente, se mesmo avaliadas, na mídia de massa. Enquanto o conflito na Ucrânia continua e a mídia de massa ocidental foca predominantemente nos dramas políticos e humanos do conflito e no trato de cessar-fogo Minsk 2, apenas se pode esperar que o povo ucraniano não sofra o mesmo destino econômico que o povo iraquiano, o sírio e o líbio.