16/05/2015

Tomislav Sunic - História e Decadência: O Pessimismo Cultural de Spengler Hoje

por Tomislav Sunic



Oswald Spengler (1880-1936) exerceu influência considerável sobre o conservadorismo europeu antes da Segunda Guerra Mundial. Ainda que sua popularidade tenha diminuído ligeiramente após a guerra, suas análises, à luz das condições perturbadoras da política moderna, novamente parecem ganhar popularidade. Literatura recente lidando com sombrios temas pós-modernos sugerem que as profecias de Spengler sobre decadência podem agora encontrar apoiadores dos dois lados do espectro político. A natureza alienadora da tecnologia moderna e a decadência social e moral de grandes cidades hoje dá crédito novo à visão spengleriana do colapso iminente do Ocidente. Na América e na Europa um número cada vez maior de autores percebe no estado permissivo liberal um arauto do totalitarismo "suave" que pode levar decisivamente à entropia social e concluir no advento do totalitarismo "duro".

Spengler escreveu sua principal obra O Declínio do Ocidente (Der Untergang des Abendlandes) contra o pano-de-fundo da antecipada vitória alemã na Primeira Guerra Mundial. Quando a guerra acabou em desastre para os alemães, suas previsões de que a Alemanha, junto ao resto da Europa, estava destinada a um declínio irreversível adquiriu um senso renovado de urgência para grandes números de pessimistas culturais. A Primeira Guerra Mundial deve ter abalado profundamente o otimismo semi-religioso daqueles que haviam anteriormente profetizado que as intenções tecnológicas e os elos econômicos internacionais pavimentariam o caminho para a paz e a prosperidade. Ademais, a guerra provou que as invenções tecnológicas poderiam ser um instrumento perfeito para a alienação humana e, eventualmente, sua aniquilação física. Inadvertidamente, ao tentar interpretar os ciclos da história mundial, Spengler provavelmente teve mais sucesso em difundir os espíritos de desespero cultural a sua própria geração e às futuras.

Como Giambattista Vico, que dois séculos atrás desenvolveu sua tese sobre a ascensão e declínio da cultura, Spengler tentou projetar um padrão de crescimento cultural e decadência cultural de uma certa forma científica: "a morfologia da história" - como ele mesmo e outros se referem a sua obra - ainda que o termo "biologia" pareça mais apropriado considerando a inclinação de Spengler por ver culturas como entidades orgânicas, alternadamente afligidas com doenças e pragas ou mostrando sinais de vida vigorosa. Indubitavelmente, a concepção orgânica da história foi, em grande medida, inspirada pela popularidade da literatura científica e pseudocientífica, que, no início do século XX começou a focar sua atenção nos paradigmas raciais e genéticos para explicar os padrões de decadência social. Spengler, porém, prudentemente evita o determinismo racial em sua descrição da decadência, ainda que sua exaltação do determinismo histórico em sua descrição não raro o aproxime de Marx - ainda que em uma direção inversa e pessimista. Em contraste a muitos pensadores igualitários, o elitismo e o organicismo de Spengler concebiam a espécie humana como composta por povos distintos e opostos, cada um experimentando seu próprio crescimento e morte, e cada um lutando pela sobrevivência. A "humanidade", escreve Spengler, deveria ser vista ou como um "conceito zoológico ou uma palavra vazia". Se algum dia esse fantasma da humanidade desaparecer da circulação das formas históricas, "nós notaremos então uma afluência assombrosa de formas genuínas". Aparentemente, por forma (Gestalt), Spengler quer se referir à ressurreição da noção clássica do Estado-Nação, que, no início do século XX, foi atacada pelos defensores da política globalista e universalista. Spengler deve receber crédito, porém, por apontar que o conceito frequentemente usado de "história mundial", na verdade envolve um conjunto impressionante de culturas diversas e opostas sem denominador comum; cada cultura expressa suas próprias formas, persegue suas próprias paixões e luta com sua própria vida ou morte. "Há culturas florescentes e fenecentes", escreve Spengler, "povos, línguas, verdades, deuses e paisagens, tal como há carvalhos, pinheiros, flores, arbustos e pétalas jovens e antigas - mas não há humanidade amadurecendo". Para Spengler, as culturas parecem estar crescendo em sublime futilidade, com algumas se aproximando de um estágio doentio terminal, e outras ainda demonstrando sinais vigorosos de vida. Antes da cultura emergir, o homem era uma criatura a-histórica; mas ele se torna a-histórico novamente e, pode-se acrescentar, até hostil à história: "tão logo alguma civilização tenha desenvolvido sua forma plena e final, pondo assim fim ao desenvolvimento vivo da cultura" (2:58; 2:38).

Spengler estava convencido, porém, de que a dinâmica da decadência bem poderia ser prevista, desde que dados históricos exatos estivessem disponíveis. Tal como a biologia humana gera uma expectativa bem definida, resultando finalmente na morte biológica, também cada cultura humana possui seus próprios "dados", normalmente não durando mais que mil anos - um período, separando seu desabrochar de sua eventual antítese histórica, o inverno, da civilização. A estimativa de mil anos antes do declínio da cultura se iniciar corresponde à certeza de Spengler de que, após este período, cada sociedade tem que se deparar com sua autodestruição. Por exemplo, após a queda de Roma, o renascimento da cultura europeia começou no século IX com a dinastia carolíngia. Após o doloroso processo de crescimento, auto-afirmação e amadurecimento, mil anos depois, no século XX, a vida cultural na Europa está chegando ao seu encerramento histórico definitivo.

Como Spengler e seus sucessores contemporâneos a veem, a cultura ocidental agora se transformou em uma civilização decadente afligida por uma forma avançada de degeneração social, moral e política. Os primeiros sinais dessa degeneração apareceram pouco após a Revolução Industrial, quando a máquina começou a substituir o homem, quando sentimentos deram lugar à razão. Desde aquele evento nefasto, novas formas de conduta política e social tem emergido no Ocidente - marcadas por uma obsessão difusa com o crescimento econômico infinito e o melhoramento humano irreversível - alimentadas pela crença de que o peso da história pode finalmente ser removido. As novas elites plutocráticas, que agora substituíram a aristocracia orgânica, impuseram o ganho material como o único princípio digno de ser perseguido, reduzindo toda interação humana a uma imensa transação econômica. E como as massas nunca podem estar plenamente satisfeitas, diz Spengler, é compreensível que eles buscaram mudanças em suas políticas existentes mesmo que tais mudanças possam significar a perda da liberdade. Poder-se-ia acrescentar que esse desejo por afluência econômica será traduzido em um declínio incessante do senso de responsabilidade pública e um sentido emergente de desenraizamento e anomia social, que finalmente e inevitavelmente levará ao advento do totalitarismo. Pareceria, portanto, que o processo de decadência pode ser evitado, ironicamente, apenas recorrendo-se a regimes linha-dura saudáveis.

Usando as previsões apocalípticas de Spengler, fica-se tentado a traçar um paralelo com a política ocidental moderna, que similarmente parece passar por um período de decadência e degeneração. John Lukacs, que porta o selo inequívoco do pessimismo spengleriano, vê a natureza permissiva da sociedade liberal moderna, como representada na América, como o primeiro passo na direção da desintegração social. Como Spengler, Lukacs afirma que o individualismo excessivo e o materialismo generalizado cada vez mais paralisam e tornam obsoleto o senso de responsabilidade cívica. Deve-se provavelmente concordar com Lukacs que nem a retirada da censura, nem a impopularidade crescente dos valores tradicionais, nem a limitação da autoridade estatal em Estados liberais contemporâneos, parecem ter levado a um ambiente mais pacífico; ao invés, um senso crescente de desespero parece ter despertado uma forma de neobarbarismo e vulgaridade social. "Já riqueza e pobreza, elegância e vulgaridade, sofisticação e selvageria vivem juntos cada vez mais", escreve Lukacs. De fato, que poderia ter previsto que uma sociedade capaz de lançar foguetes à lua ou curar doenças que outrora varreram o mundo também poderia se tornar uma civilização afligida pela atomização social, pela criminalidade e por um vício de escapismo? Com suas previsões apocalípticas, Lukacs tal como Spengler, escreve: "Esta mais apinhada de gente entre as ruas da maior das civilizações; este é agora o inferno do mundo".

Interessantemente, nem Spengler nem Lukacs nem outros pessimistas culturais parecem prestar muita atenção no apetite obsessivo por igualdade, que parece desempenhar, como vários autores contemporâneos apontam, um papel importante na decadência e no resultante senso de desespero cultural. Fica-se inclinado a pensar que o processo de decadência no Ocidente contemporâneo é o resultado de doutrinas igualitárias que prometem muito mas dão pouco, criando assim cidadãos economicistas e desenraizados. Ademais, elevados ao status de religiões seculares modernas, o igualitarismo e o economicismo inevitavelmente seguem sua própria dinâmica de crescimento, que provavelmente conclui, como Claude Polin nota, no "terror de todos contra todos" e no feio ressurgimento do totalitarismo democrático. Polin escreve: "O homem indiferenciado é por excelência um homem quantitativo; um homem que acidentalmente difere de seus vizinhos pela quantidade de bens econômicos em sua posse; um homem sujeito a estatísticas; um homem que reage espontaneamente conforme as estatísticas". Possivelmente, a sociedade liberal, caso se torne afligida por dificuldades econômicas e atingida por oportunidades rarefeitas, não terá opção senão domar as massas inquietas em um "regime de força" no sentido spengleriano.

Spengler e outros pessimistas culturais parecem estar certos em apontar que as formas democráticas de política, em sua fase final, estarão acometidas por convulsões morais e sociais, escândalos políticos, e por corrupção em todos os níveis sociais. No topo disso tudo, como Spengler prevê, o culto ao dinheiro reinará supremo, porque "através do dinheiro a democracia destrói a si mesma, após o dinheiro ter destruído o espírito" (2: p.582; 2: p. 464). Julgando pelo desenvolvimento moderno do capitalismo, Spengler não pode ser acusado de pressuposições fantasiosas. Essa civilização econômica soçobra em uma grande contradição: por um lado sua religião dos direitos humanos estende seus princípios legais beneficentes a todos, reconfortando cada indivíduo da legitimidade de seus apetites terrenos; por outro lado, essa mesma civilização igualitária fomenta um modelo de darwinismo econômico, atropelando impiedosamente sob seus pés aqueles cujos interesses não se situam na arena econômica.

O próximo passo, como Spengler sugere, será a transição da democracia ao cesarismo salutar; substituição da tirania dos poucos pela tirania dos muitos. O estado neo-hobbesiano, neo-bárbaro está sendo construído:

"Ao invés das piras emerge o grande silêncio. A ditadura dos chefes de partido é sustentada pela ditadura da imprensa. Com dinheiro, faz-se uma tentativa de atrair hordas de leitores e povos inteiros para longe da atenção do inimigo e trazê-los sob seu próprio controle de pensamento. Ali, eles aprendem apenas do que devem aprender, e uma vontade superior moldará sua imagem do mundo. Não é mais necessário - como faziam os príncipes barrocos - forçar seus subordinados ao serviço militar. Suas mentes são açoitadas através de artigos, telegramas, imagens, até que eles demandem armas e forcem seus líderes a uma guerra à qual estes queriam ser forçados". (2: p.463)

A questão fundamental, porém, que Spengler e muitos outros pessimistas culturais não parecem abordar, é se o cesarismo ou o totalitarismo representa o remédio antitético à decadência ou, contrariamente, a mais extrema forma de decadência? A literatura atual sobre totalitarismo parece focar nos efeitos colaterais desagradáveis do Estado saqueado, a ausência de direitos humanos, e o controle absoluto da política. Por contraste, se a democracia liberal é de fato um sistema extremamente desejável e o menos repressivo até então conhecido no Ocidente - e se, ademais, essa democracia liberal afirma ser o melhor custódio da dignidade humana - fica-se imaginando por que ele incansavelmente causa desenraizamento social e desespero cultural entre um número cada vez maior de pessoas? Como Claude Polin nota, as chances são de que, a curto prazo, o totalitarismo democrático vencerá já que a segurança que ele fornece tem mais apelo às massas do que a vaga noção de liberdade. Poder-se-ia acrescentar que o ritmo do processo democrático no Ocidente leva eventualmente ao impasse caótico, que necessita da imposição de um regime linha-dura.

Ainda que Spengler não forneça uma resposta satisfatória para a questão do cesarismo vs. decadência, ele admite que a decadência do Ocidente não precisa significar o colapso de todas as culturas. Ao invés, parece que a doença terminal do Ocidente pode ser um novo começo para outras culturas; a morte da Europa poderia resultar em uma África ou Ásia mais forte. Como muitos outros pessimistas culturais, Spengler reconhece que o Ocidente envelheceu, não deseja lutar, está com seu inventário político e cultural esgotado; consequentemente, ele é obrigado a ceder o mando da história àquelas nações que estão menos expostas ao pacifismo debilitador e aos sentimentos auto-flagelantes de culpa que, por assim dizer, se tornaram as novas marcas registradas do cidadão ocidental moderno. Poder-se-ia imaginar uma situação na qual essas novas nações viris e vitoriosas mal darão ouvidos às gentilezas democráticas de seus ex-senhores que se afundaram em sentimentos de culpa, e podem possivelmente em algum tempo no futuro, impôr seu próprio estilo de terror que eclipsará o legado da Auschwitz europeia e do Gulag. Em vista das tortuosas guerras civis e tribais por todo o continente africano e asiático descolonizados parece improvável que a política de poder e belicosidade desaparecerá com o "Declínio do Ocidente". Até agora, nenhuma prova foi ofertada de que nações não-europeias podem governar mais pacificamente e generosamente do que seus antigos senhores europeus. "O pacifismo permanecerá um ideal", Spengler nos recorda, "enquanto a guerra um fato. Se as raças brancas resolverem jamais travar guerra novamente, as de cor agirão diferentemente e se tornarão senhoras do mundo".

Nessa afirmação, Spengler indicia claramente o "homo europeanus" auto-odiador que, tendo se tornado vítima de sua má consciência, ingenuamente pensa que suas verdades devem permanecer irrefutavelmente voltadas contra ele. Spengler ataca fortemente essa falsa simpatia ocidental com os despossuídos - uma simpatia que Nietzsche outrora retratou como uma forma distorcida de egoísmo e moral escrava. "Essa é a razão", escreve Spengler", pela qual esse 'compasso moral', no sentido quotidiano evoluiu entre nós, às vezes buscado pelos pensadores, às vezes desejado, jamais foi realizado" (I: p.449; 1: p.350).

Essa forma de masoquismo político bem poderia ser estudada particularmente entre aqueles igualitaristas ocidentais contemporâneos que, com o declínio das tentações socialistas, substituíram o arquétipo do trabalhador europeu explorado pela iconografia do africano faminto. Em lugar algum essa mudança em simbologia política parece mais aparente do que no atual impulso ocidental de exportar formas ocidentais de civilização às antípodas do mundo. Esses ocidentais, no último espasmo de uma vergonha culpabilizada, estão provavelmente convencidos de que sua penitência histórica pode também garantir sua longevidade política e cultural. Spengler estava consciente dessas atitudes paralisantes entre europeus, e ele ressalta que, se um europeu moderno reconhece sua vulnerabilidade histórica, ele deve começar pensando para além de sua perspectiva estreita e desenvolver atitudes diferentes em relação a diferentes convicções e verdades políticas. O que Parsifal ou Prometeu tem a ver com o cidadão japonês médio, pergunta Spengler? "É exatamente isso que falta no pensador ocidental", continua Spengler, "e precisamente o que jamais deveria ter faltado nele; entendimento da relatividade histórica de suas realizações, que são elas próprias a manifestação de uma existência singular e única" (I: p.31; 1: p.23). Em um nível um tanto quanto diferente, se imagina em que medida a tão propagandeada disseminação de direitos humanos universais pode se tornar um princípio valioso para povos não-ocidentais se o universalismo ocidental significa não raro desrespeito patente por todas as particularidades culturais.

Mesmo com seu elogio do universalismo, como Serge Latouche recentemente notou, ocidentais tem, não obstante, garantido as posições mais confortáveis para si próprios. Ainda que eles agora tenham recuado aos bastidores da história, indiretamente, através de seu humanismo, eles ainda desempenham o papel de mestres indisputáveis do show do homem não-branco. "A morte do Ocidente por si mesma não foi o fim do Ocidente em si mesmo", acrescente Latouche. Fica-se a imaginar se tais atitudes ocidentais em relação ao universalismo representam outra forma de racismo, considerando o caos que essas atitudes tem criado nas comunidades tradicionais do Terceiro Mundo. Latouche parece correto em ressaltar que a decadência europeia se manifesta melhor em seu impulso masoquista de negar e descartar tudo que uma vez havia defendido, ao mesmo tempo simultaneamente sugando em sua órbita de decadência também outras culturas. Ainda assim, apesar de suicida em seu caráter, a mensagem ocidental contém admoestações obrigatórias para todas as nações não-europeias. Ele escreve:

"A missão do Ocidente não é explorar o Terceiro Mundo, nem cristianizar os pagãos, nem dominar pela presença branca; é libertar homens (e ainda mais as mulheres) da opressão e miséria. E para se responder a esse auto-ódio da visão anti-imperialista, que conclui no totalitarismo vermelho, fica-se agora compelido a secar as lágrimas do homem branco, e portanto garantir o sucesso dessa ocidentalização do mundo" (p.41)

O Ocidente decadente exibe, como Spengler sugere, uma cultura travestida vivendo de seu próprio passado em uma sociedade de nações indiferentes que, tendo perdido sua consciência histórica, sentem um impulso de se tornarem misturadas em uma "cidade global" promíscua. Fica-se imaginando o que ele diria hoje sobre a imigração massiva de não-europeus à Europa? Essa imigração não promoveu o entendimento entre as raças, mas causou mais conflito étnico e racial que, muito provavelmente, sinaliza uma série de novos conflitos no futuro. Mas Spengler não deplora a "desvalorização de todos os valores" nem a morte de culturas. De fato, para ele a decadência é um processo natural de senilidade que conclui na civilização, porque civilização é decadência. Spengler faz uma distinção tipicamente germânica entre cultura e civilização, dois termos que são, infelizmente, usados como sinônimos em inglês. Para Spengler, civilização é um produto do intelecto, do intelecto completamente racionalizado; civilização significa desenraizamento e, enquanto tal, desenvolve sua forma última na megalópole moderna que, ao fim de sua jornada, "condenada, avança rumo a sua autodestruição" (2: p.127; 2: p.107) A força do povo foi eclipsada pela massificação; a criatividade deu lugar à arte "kitsch"; o gênio foi subordinado à razão. Ele escreve:

"Cultura e civilização. Por um lado a carcaça viva de uma alma e, por outro, sua múmia. É assim que a existência europeia ocidental se difere a partir de 1800. A vida em sua riqueza e normalidade, cuja forma cresceu e amadureceu de dentro para fora em um poderoso curso se estendendo dos dias adolescentes dos góticos a Goethe e Napoleão - naquela velha vida artificial e desenraizada de nossas grandes cidades, cujas formas são criadas pelo intelecto. Cultura e civilização. O organismo nascido no campo, que termina no mecanismo petrificado". (1: p.453; 1: p.353).

Em ainda outra demonstração de determinismo, Spengler disputa que não se pode escapar do destino histórico: "as primeiras coisas inescapáveis que confrontam o homem como um destino inevitável, que nenhum pensamento pode abarcar, e nenhuma vontade pode mudar, é o lugar e tempo do próprio nascimento: todos nascem em um povo, uma religião, um estrato social, um período do tempo e uma cultura". O homem está tão limitado por seu ambiente histórico que todas as tentativas de modificar o próprio destino são inúteis. E, portanto, todos os postulados floridos sobre o melhoramento da humanidade, todo o filosofar liberal e socialista sobre um futuro glorioso em relação aos deveres da humanidade e a essência da ética, são inúteis. Spengler não vê outro caminho de redenção exceto declarando-se a si mesmo como um pessimista resoluto e fundamental:

"A humanidade me parece uma quantidade zoológica. Eu não vejo progresso, não vejo objetivo, não vejo caminho para a humanidade, exceto nas mentes dos filisteus progressistas do Ocidente... Eu não consigo ver uma mente única e muito menos uma unidade de projetos, sentimentos e entendimento nessas massas estéreis" (Ensaios Selecionados, p. 73-74; 147).

A natureza determinista do pessimismo de Spengler foi recentemente criticada por Konrad Lorenz que, apesar de partilhar do desespero cultural de Spengler, rejeita a linearidade predeterminada da decadência. Em sua capacidade de etologista e como um dos neodarwinistas mais articulados, Lorenz admite a possibilidade de uma interrupção da filogênese humana - mas, ainda assim, afirma que novas possibilidades para desenvolvimento cultural permanecem sempre abertas. "Nada é mais estranhos para o epistemólogo evolutivo, bem como, para o médico", escreve Lorenz, "do que a doutrina do fatalismo". Mesmo assim, Lorenz não hesita em criticar veementemente a decadência nas sociedades de massa modernas que, em sua opinião, já deram origem a espécimes pacificados e domesticados, incapazes de perseguir projetos culturais. Lorenz certamente encontraria ressonância positiva com o próprio Spengler ao escrever:

"Isso explica como a doutrina pseudo-democrática de que todos os homens são iguais, pelo que se acredita que todos os humanos são inicialmente similares e flexíveis, pôde ser transformada em religião estatal tanto pelos lobistas da grande indústria, como pelos ideólogos do comunismo". (p. 179-180)

Apesar da crítica ao determinismo histórico que foi lançada contra ele, Spengler não raramente confunde seu leitor com exclamações faustianas reminiscentes de alguém preparado para a guerra, ao invés de alguém reconciliado com um fim sublime. "Não, eu não sou um pessimista", escreve Spengler em Pessimismo, "pois Pessimismo significa não enxergar mais deveres. Eu vejo tantos deveres ainda por resolver que eu temo que o tempo e os homens esgotarão antes de resolvê-los" (p.75). Essas palavras não são muito coerentes com o desespero cultural que previamente ele elaborou de forma tão apaixonada. Ademais, ele muitas vezes prega a força e dureza do guerreiro para se poder evitar o desastre da Europa.

Se é levado à conclusão de que Spengler exalta o pessimismo histórico ou o "pessimismo propositado" (Zweckpressimismus), desde que isso traduza sua convicção na decadência irreversível da política europeia; porém, uma vez que ele perceba que os buracos culturais e políticos estão abertos para regeneração moral e social, ele rapidamente reverte para o elogio da política de poder. Características similares são muitas vezes encontradas entre muitos romancistas e cientistas sociais cujo legado na difusão do pessimismo cultural desempenhou um papel importante na formação do comportamento político entre conservadores europeus antes da Segunda Guerra Mundial. Fica-se a imaginar por que todos eles, como Spengler, lamentam a decadência do Ocidente se essa decadência já foi selada, se o dado cósmico já foi lançado, e se todos os esforços de rejuvenescimento político e cultural são inúteis? Ademais, em um esforço de corrigir o incorrigível, ao defender uma mentalidade e vontade de poder faustianas, esses pessimistas parecem emular o otimismo de socialistas mais do que as ideias desses reconciliados com a catástrofe social iminente.

Para Spengler e outros pessimistas culturais, o senso de decadência é inerentemente combinado com uma repulsa pela modernidade e uma aversão pela ganância econômica generalizada. Como a história recente demonstrou, a manifestação política dessa repulsa pode levar a resultados menos saborosos: a glorificação da vontade de poder e a nostalgia da morte. Nesse momento, a sutileza literária e a beleza artística podem tomar um rumo bastante agourento. A história recente da Europa é testemunha de como o pessimismo cultural diário pode se tornar um instrumento útil para titãs políticos modernos. Não obstante, os desastres que se aproximam tem algo de inspirador para as gerações de pessimistas culturais cuja natureza hipersensível - e desdém pela sociedade materialista - muitas vezes cai no niilismo político. Essa veia niilista foi ousadamente expressa pelo contemporâneo de Spengler, Friedrich Sieburg, que nos lembra que "a vida diária da democracia com seus tristes problemas é tediosa, mas as catástrofes vindouras são bem interessantes".

Não se pode evitar de pensar que, para Spengler e seus semelhantes, em um contexto histórico mais amplo, a guerra e a política de poder oferecem uma esperança regenerativa contra o sentimento onipresente de desespero cultural. Ainda assim, independentemente da validade das visões ou pesadelos spenglerianos, não é preciso muita imaginação para observar na decadência do Ocidente o último sonho crepuscular de uma democracia que já se cansou de si.