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25/12/2010

A Estética Moderna ou O Triunfo da Vulgaridade

por Luis Sánchez de Movellán de la Riva

A actual tendência da arte de massas, ao afirmar que não existem diferenças entre a alta cultura e a cultura popular, leva à neutralização de toda a obra de arte e literatura pela normativa dos meios de comunicação e pela propensão à conformidade a respeito dos gostos aleatórios das massas. Não há dúvida de que vivemos uma estetização muito ampla do mundo social; as fronteiras entre arte e realidade desvanecem-se. Ambas as esferas acercam-se ao que Jean Baudrillard denominou “simulacro universal”.

A indústria da propaganda, as relações públicas e os “mass media” contribuíram decisivamente para isso. Mas trata-se de uma estetização que não merece esse nome: é um nivelamento para baixo, para a fealdade generalizada, para a estreiteza intelectual e ética de uma cultura pré-fabricada para moldar e uniformizar consciências. A perda do sentido de diferença entre arte autêntica e vulgaridade comercial, e a homogeneização coerciva entre arte, política e vida quotidiana, não só aniquilam a transcendência do belo e o legado do humanismo e minam a base da criatividade artística e intelectual, como convertem a praxis da esfera política num jogo inofensivo, onde tudo permanece sempre como está. Este fenómeno de estetização generalizada é uma encenação da uniformidade própria do mundo comercial e termina transformando-se numa “anestética”: numa anestesia. A euforia obrigatória e vazia da propaganda, o predomínio de um desenho frio e universal, produzem o mesmo efeito que um narcótico: a embriaguez termina num atordoamento.

A concepção de que qualquer objecto pode ser arte e que tudo, por isso, pode ser estetizado, constitui a base da propaganda e da indústria de publicidade. Esta última transforma qualquer coisa que deva ser vendida num objecto de aparência atractiva segundo os cânones do relativismo imperante; os especialistas da publicidade asseguram com razão que podem vender qualquer coisa, como os artistas contemporâneos afirmam que podem converter qualquer coisa em arte. 

A estetização de tudo transforma tudo, efectivamente, em algo superficial, como o embrulho dos objectos a vender. Este desenvolvimento foi favorecido pela transformação da arte numa variante do desenho industrial: exterior apetitoso, conteúdo nulo.

A indústria da cultura, tão apreciada agora por “democratizar” o consumo de bens culturais, não tem por objectivo nem melhorar a vida, nem propagar outro paradigma de melhor sociedade, nem fomentar uma “nova arte”, nem promover uma moral diferente, mas antes forçar consentimento e submetimento às modas do dia. A indústria da cultura cria necessidades secundárias, mediante sistemas de publicidade muito refinados que usam o subconsciente e a psicologia profunda. O resultado é a destruição da consciência crítica, a repressão da individualidade genuína, a desumanização dos processos de consumo, a eliminação da capacidade de eleição e, sobretudo, – como apontara Herbert Marcuse – o debilitar da responsabilidade pessoal, da consciência moral, da culpa e da consciência de culpabilidade.

A preservação de princípios aristocráticos, ou seja, razoáveis, na esfera estética obriga a impugnar o novo dogma artístico-relativista: tudo é arte e todos somos artistas. Esta posição, imensamente generalizada hoje em dia e legitimada pelas correntes pós-modernistas, postula que não há diferenças substanciais entre o saudável e o doentio, entre a lucidez e a loucura, entre a elegância e a vulgaridade, entre o sagrado e o profano, entre o festivo e o quotidiano, entre o belo e o feio, e, obviamente, entre o artístico e o prosaico. Estas deliberadas simplificações, que caracterizam sobretudo as artes plásticas contemporâneas acarretam uma traição à função transcendente da beleza, do talento e da fantasia constante nas genuínas obras de arte e literatura. 

Debaixo da desculpa da experimentação e amparando-se numa presumível busca de novos meios de expressão, as artes contemporâneas documentam a terrível orfandade de ideias, de cultura artística, de destreza artesanal do “quefazer” plástico dos nossos dias. A pretensa espontaneidade dos artistas contemporâneos é, no fundo, – como assinala Vargas Losa –, «o critério imposto por um mercado interferido e manipulado por máfias de galeristas e marchands e que de nenhuma maneira revela gostos e sensibilidades artísticas, só operações publicitárias, de relações públicas e, em muitos casos, simples intrujices».

Pese a sua aparência revolucionária e desenfadada, espontânea e turbulenta, o igualitarismo cultural significa, no fundo, uma ratificação da massiva fealdade da civilização industrial na sua etapa actual, uma justificação do momentâneo, uma condenação das tendências estéticas dissidentes e uma apologia dos gostos convencionais e banais difundidos pelos mass media. A luta contra o belo – que parece ser o conteúdo da arte na época actual – representa, segundo Marcuse, um movimento repressivo e reaccionário, que tem profundas raízes na história do ascetismo pequeno burguês e anti-intelectual.

No mundo moderno, a fealdade irremissível dos aglomerados urbanos, a sujidade e a insegurança neles prevalecentes, o péssimo gosto dos grandes projectos públicos e o derrube das formas civilizadas de trato social – a selvajaria convertida em norma sob o lema da informalidade e da espontaneidade – têm que ver com as normas estéticas que, consciente ou inconscientemente, defendem e transmitem as elites políticas e económicas da sociedade. Estes grupos, que no presente assumiram a responsabilidade governamental e educativa dos seus países, têm, em geral, uma origem provinciana, relativamente modesta, e não beneficiaram de uma educação excelente, digna desse nome. 

Abraçam com verdadeiro fervor uma estética e um modo de vida marcados pelos gostos dos estratos médios e inferiores das suas sociedades, pelo consumismo plutocrático e o culto da vulgaridade.

A cultura contemporânea de massas não pode deixar de participar em numerosos fenómenos negativos associados inextrincavelmente ao mundo actual, como são a anomia colectiva, a perda dos laços primários, a decomposição das identidades pessoais, a atomização dos indivíduos, a corrupção no âmbito político e empresarial, o aumento da delinquência, o incremento da desigualdade social e a crescente insegurança do espaço público.

Antes as massas tinham vergonha da sua vulgaridade; agora proclamam orgulhosamente o seu “direito à vulgaridade” e tratam de o impor triunfalmente onde quer que seja. As massas desfrutam de um notável bem-estar material, mas desprezam os esforços científicos e teóricos que são a pré-condição do avanço técnico. O narcisismo destas massas educadas somente na técnica – mas com um bem-sucedido verniz modernizador – é contraposto à austeridade, auto-exigência e auto-disciplina do homem selecto de Ortega y Gasset.

Em definitivo, as gentes – como observou Octavio Paz – vivem mais anos mas as suas vidas são mais vazias, as suas paixões mais débeis e os seus vícios mais fortes. A marca do conformismo é o sorriso impessoal que sela todos os rostos.