20/11/2022

Julius Evola - Os Povos de Gog e Magog

 por Julius Evola

(1956)


A essência de todo esforço civilizatório e, mais geralmente, de todo verdadeiro Estado consiste em dar uma forma superior a tudo aquilo que na humanidade é sem forma, instintivo, subpessoal, selvagem, atado ao elemento massa, matéria e número; portanto, consiste também em fechar os caminhos para as forças que, deixadas a si mesmas, só produziriam destruição e caos. Mas essas forças sempre existem, contidas, como uma ameaça latente, por baixo das diversas instituições informadas por um princípio de hierarquia, ordem, justiça, autoridade espiritual. Nas tradições antigas, a função de ordenação de cima sempre esteve ligada ao símbolo de um Soberano, que, dependendo do povo, toma uma ou outra figura, mas que em essência reproduz um único tipo ou "arquétipo". O ponto de partida pode, a este respeito, ser uma dada figura histórica. Mas na imaginação popular tal figura em seu significado como representante da função acima mencionada não leva muito tempo para assumir traços míticos que, até certo ponto, a distanciam da história e a universalizam. Isto aconteceu, por exemplo, com Alexandre o Grande, Carlos Magno, Frederico da Suábia, bem como com alguns soberanos orientais. A Índia já havia essencializado tal ideia em uma concepção metafísica, naquele Chakravarti, ou "Rei do Mundo".

Um sugestivo motivo associado a estes pontos de vista em um grupo de lendas antigas diz respeito aos chamados povos de Gog e Magog. A designação vem do Antigo Testamento. Nele, esses povos são apresentados a nós como hordas selvagens convocadas por Deus das profundezas da Ásia, hordas que, tendo semeado destruição em Israel, estavam elas próprias destinadas a serem exterminadas. Mas a ideia mais profunda escondida nesta figuração não se refere tanto aos invasores estrangeiros bárbaros e destrutivos, mas ao substrato escuro, demoníaco e selvagem que, encerrado dentro das formas de uma civilização superior e de um grande Estado, está sempre pronto para ressurgir, para emergir destrutivamente em cada momento de crise.

Este significado já é bastante evidente nas redações bizantinas da lenda de Alexandre o Grande. Nelas, Alexandre barra o caminho para os povos de Gog e Magog com uma muralha de ferro. E também vemos esta função atribuída pelo Alcorão a Dhu l-Qurnain, o motivo então reaparecendo nas sagas relacionado a uma figura que teve grande popularidade na Idade Média, João, que, apesar de ter sido considerado o governante de um misterioso reino oriental, é também, afinal, apenas uma das figurações da referida função do "Rei do Mundo". O Preste João é descrito como aquele que, entre outras coisas, mantém os povos de Gog e Magog sob seu poder. Seria fácil apontar correspondências em outras tradições; assim, na Edda nórdica fala-se de "seres elementais" - Elementarwesen - e do povo dos Hrimthursi, inimigos da humanidade, cujo caminho é barrado por uma muralha que eles procuram constantemente derrubar.

Agora, nas lendas de que falamos, um tema apocalíptico está associado a isto. Um dia a muralha cederá, os povos de Gog e Magog irromperão, tal dia nas formas cristianizadas da saga sendo identificado, geralmente, com o da vinda do Anticristo. Um detalhe é interessante: a irrupção ocorrerá no momento em que os povos de Gog e Magog perceberem que as trombetas já sopradas por aqueles que guardavam a parede protetora ainda estão soprando, mas somente porque o vento está soprando sobre eles, já que na verdade não há mais ninguém para soprá-las. Eis um símbolo profundo: as massas são desencadeadas quando percebem que, na realidade, os representantes do princípio oposto são uma mera sobrevivência, que nada mais está por trás de suas vozes: apenas o vento. Com a irrupção para além do muro também virá a hora das decisões finais.

De fato, ainda outro tema toma forma nestas sagas: o tema da "última batalha". Fala-se de um ressurgimento daquele que já havia sido o representante das forças lá de cima, o executor das forças do caos: uma figura muitas vezes dada sob a aparência de um rei ou herói que se pensava estar morto, que ao invés disso apenas "dormia" ou se retirou para um local invisível. É ele quem enfrenta os povos de Gog e Magog, ou outras forças com o mesmo significado, e luta a "última batalha". Consideradas em conjunto, as sagas dos "últimos tempos" deixam o resultado problemático. A última batalha pode ser ganha, mas também pode ser perdida. O renascido "Frederico" pode vencê-lo, reanimando a Árvore do Império (a mesma de que Dante também fala). Mas a saga também conhece um "Alexandre" ou um "imperador romano" que desperta do sono, mas depois de um breve reinado deve eventualmente devolver a coroa ao Senhor, deixando o destino seguir seu curso. E na antiga saga nórdica, o motivo do "crepúsculo dos deuses", do ragna-rökkr, tão maltratado por Wagner, tem um significado não muito diferente.

Todos estes motivos lendários contêm um profundo significado profético. Hoje, os povos de Gog e Magog representam, em última análise, as massas sem rosto, o reino da quantidade, a humanidade coletivizada e materializada, o anti-Estado afirmado pela frente da subversão mundial. A época moderna - a era do "progresso" - conheceu sua emergência em ondas, sua derrubada de cada instituição baseada em um princípio superior de soberania, de hierarquia e de autoridade, sua tomada de um Estado degradado, seu tender ao domínio da terra. E a "última batalha" da lenda, com seu êxito enigmático, talvez seja menos uma ficção apocalíptica do que a realidade que um futuro não muito distante possivelmente nos reserva.