por Luca Negri
(2017)
Façamos um exercício extremo de história alternativa: que caráter teria assumido a Revolução Russa de 1917 com Aleksandr Bogdanov no lugar de Lênin como líder dos bolcheviques? Qual seria o destino então, com soviéticos alternativos no poder, da Rússia e de toda a Europa. Hipótese improvável, mas que nos permite imaginar um outro bolchevismo, não necessariamente melhor, mas mais em sintonia com séculos de espiritualidade eslava. Solzhenitsyn escreveu que Lênin era um produto do jacobinismo europeu mais que do caráter russo; o mesmo se pode dizer apenas parcialmente de Bogdanov, das suas bizarrices e dos seus companheiros.
Já tradutor de Marx, Bogdanov escreveu também um romance de ficção científica no qual o socialismo triunfava no planeta Marte e os alienígenas ensinavam aos terráqueos como sair da pré-história. Era membro dos “construtores de Deus”: bolcheviques heréticos embriagados por leituras científicas e místicas. Nietzscheanos com o ateísmo como ponto de partida e não de chegada: Deus deveria ser (re)construído pelo homem, pelo super-homem soviético, por uma super-humanidade que finalmente chegaria. E tudo devia ser feito rapidamente, com todos os recursos da tecnologia material e da suprassensível.
Porém, tal como perdeu os duelos de xadrez com Lênin em Capri em 1908, Bogdanov perde também na política. Preso no início dos anos 20 por suspeita de facciosismo, é libertado por ordem de Stálin. Morre poucos anos depois, empenhado principalmente na propaganda da transfusão de sangue por razões médicas e, diremos, mágicas. Mais fortuna política teve Lunatcharsky, outro “construtor de Deus”, arauto de um marxismo como religião definitiva e construtiva, Comissário do Povo para a Instrução por doze anos. No partido, porém, vence o marxismo-leninismo que não pretendia pôr em discussão o materialismo oitocentista de Engels.
Mas na Rússia havia algo mais: Bogdanov tem lugar de destaque em um movimento bastante amplo e multifacetado, com uma história que não é curta, dado que se inicia no final do século XVIII e ainda hoje prospera depois dos anos de catacumba sob o regime. O movimento é conhecido com o nome de cosmismo e o maior estudioso ocidental do fenômeno, George M. Young, escreveu um ensaio providencialmente traduzido e publicado na Itália pela “Tre Editori”: “Os Cosmistas Russos”. Leitura recomendada para todos os apaixonados por História e Religião, ocultas e abertas.
O cosmismo nasce do encontro entre espiritualidade ortodoxa e círculos rosacrucianos animados por ocultistas não raro estrangeiros, como franceses, alemães, ingleses. Ao ponto de haver quem veja em toda a operação uma estratégia dos serviços secretos ocidentais para desviar os povos eslavos da via reta da Tradição. A própria obsessão de Bogdanov pelo sangue fez surgirem mitos subterrâneos de vampirismo e de magia negra. Mas é uma figura bem apartada, distante dos círculos esotéricos e das conspirações de espionagem, o bibliotecário Nikolai Fedorov, autor de “A Filosofia da Obra Comum” (publicada postumamente em 1913) que expõe com clareza o programa cosmista: ressurreição dos mortos e dos antepassados, controle da matéria e colonização dos outros planetas. Tudo isso, segundo Fedorov, é exigido pelo Evangelho, é cristianismo ativo e verdadeiro, colaborativo com Deus.
A ciência deve recuperar os átomos dos antepassados dispersos no cosmo, reuni-los tal como Ísis reúne o corpo despedaçado de Osíris, deve moldar corpos de glória e depois se lançar à conquista do espaço. O bibliotecário visionário era pouco conhecido à sua época, mas reuniu ao seu redor alunos fieis e fecundos, que desenvolveram as suas ideias em vários campos. Esteve também em contato com Dostoevsky, Tolstoi e com aquele Solovyov que ampliou os horizontes russos com a sua conferência sobre a Divino-Humanidade e com o culto de Sophia: Sabedoria divina encarnada na terra no corpo de uma bela dama, tal como apareceu ao próprio Solovyov no deserto do Cairo.
Cultuador de Sophia, mas menos heterodoxo, foi também Sergey Bulgakov: ex-marxista tornado sacerdote e teólogo. Houve também Berdyaev que previa um Novo Medievo – dado que o Iluminismo estava esgotado: uma visão burguesa do mundo sob a luz de uma pequena lamparina. Entre todos os cosmistas religiosos se destaca o mártir Pavel Floresnky: teólogo, matemático, cientista, técnico, filósofo, estudioso de história da Arte, da perspectiva, da percepção, das outras dimensões. Nele – fuzilado depois de ser explorado pelo stalinismo no campo científico e industrial – a abissal teologia dos Pais da Igreja se encontra com a física quântica e com o cálculo infinitesimal.
Mais integrados no regime ou mais tolerados e sustentados, porque mais úteis para a glória soviética, foram os cosmistas cientistas. Morto em 1935, Konstantin Tsiolkovsky era um panpsiquista convencido de que o Universo era Uno e que, por todas as partes estava difusa a consciência, de Deus até à pedra, apenas com diferenças de grau. Também escritor de ficção científica, ele se consagrou particularmente graças à invenção de motores a reação capazes de vencer a curvatura gravitacional; fez rascunhos de naves espaciais para a colonização de outros planetas e foi pai do império cosmonáutico russo (tanto que até a NASA o recorda como pioneiro da missilística). Vladimir Vernadskij é, por sua vez, o profeta da noosfera, aquele que vê a atividade imaginativa do homem multiplicada por uma técnica que se manifesta com a força de uma agitação geológica que transforma o mundo e a matéria radicalmente.
Dentro dos laboratórios espaciais da Rússia ou escondidos em círculos esotéricos e artísticos ou, talvez, como filósofos reclusos nas vestes de empregados estatais: os cosmistas permanecerem subterrâneos para depois ressurgirem com a queda da URSS. Uma nova vida feita de museus, livros, convenções, novos pesquisadores e seguidores também entre os jovens, ufólogos e esoteristas. As possibilidades oferecidas pelas biotecnologias, pela interconexão do planeta, pelas viagens espaciais parecem confirmar as suas intuições e obsessões. Um movimento futurista que mistura espiritualidade eslava com raízes pagãs e hebreias. O cosmismo talvez tenha muito a ensinar especialmente aos trans-humanistas ocidentais, pelo menos o impulso transcendente e o elo estreito com o passado. Nos resta a sugestão de uma Revolução alternativa àquela de 1917, mais espiritual, cósmica. Ainda a ser lutada em plenitude.