(Resumo sobre a relevância do anarquismo hoje)
Anarquismo: Um olhar desde a direita
O anarquismo é considerado como o produto mais à esquerda do pensamento esquerdista. Essa crítica total da esquerda de todas as outras formas de ideologias revolucionárias: dos marxistas aos social-democratas. Os anarquistas fustigavam nos outros esquerdistas a presença de todos os velhos elementos reacionários. Para a anarquia, todas as outras formas não são mais do que referências sutilmente veladas ao antigo e único inimigo - o poder.
O anarquismo busca justificar um sistema de antítese radical de uma sociedade baseada no princípio do poder. Daí vem o nome "an-arquia", literalmente - "a ausência de poder". A anarquia aspira ser uma esquerda sem qualquer mistura de "direita", mas infelizmente não é assim. E aqui no anarquismo nós comumente encontramos os elementos que tradicionalmente pertencem à "direita". Exemplos notáveis são o "anarquismo de direita" do Evola e o conceito de "anarca" do Jünger.
Exemplos de componentes "direitistas" do anarquismo são numerosos. O mais notável é o misticismo. Bakunin - maçom, místico - era interessado no movimento dos "beguni". O mesmo se passa com Kelsiev. A grande figura do anarquismo Theodor Reuss - maçom, místico, fundador da "Ordem do Templo do Oriente" (junto com Karl Kellner). Posteriormente Aleister Crowley. Na Rússia - Karelin Solonovich, cujo círculo se reunia ao redor do museu de Kropotkin. A seita anarquista de Alexei Dobrolyubov. Muitos exemplos são dados no livro de Alexander Etkind "Chicote. Seitas, Literatura, Revolução".
O misticismo dificilmente poderia ser classificado como de "esquerda", como uma tendência "progressista". Ele pressupõe a crença em algo além, um certo arcaísmo.
Outra coisa: o que é esse arcaísmo? Qual é a estrutura da atitude anárquica em relação ao misticismo?
"Contra os governantes, contra os poderes..."
O misticismo dos anarquistas se apóia em uma fórmula gnóstica especial. A essência dela vem a isso: não há uma única realidade, hierarquicamente organizada, harmônica, virtuosa em si mesma, mas duas (ou mais). A realidade imanente se sustenta na usurpação, na tentativa de expressar o melhor a partir do pior, como único e inconteste.
E assim o poder imanente é o poder que é ontologicamente e inerentemente errado, injusto, maligno. Os primeiros gnósticos se fiavam no dito pelo Apóstolo Paulo - "Pois nós lutamos não contra carne e sangue, mas contra principados, contra potestades, contra os príncipes das trevas desse mundo, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais". A versão cristã do anarquismo gnóstico se apóia nessa fundação.
Ademais, porém, o mesmo Apóstolo Paulo diz, "Escravos, obedecei a vossos mestres terrenos com respeito e temor, e com sinceridade de coração, assim como obedeceríeis a Cristo." A ortodoxia combina os chamados à conformidade social e à inconformidade espiritual. Os círculos gnósticos radicais estendem o clamor por inconformismo ao nível social.
Mas essa revolução contra "esse mundo" em um padrão anarco-gnóstico pleno pressupõe também uma segunda parte afirmativa. Contra esse mundo pelo outro mundo, por um mundo melhor, pelo "nosso" mundo, um novo mundo. E esse mundo alternativo possuía características positivas, construtivas. Esse - um universo de Luz, o mundo do bem e da divindade justa, o mundo do verdadeiro Bem, que foi usurpado por Satã, "o maligno Demiurgo".
Portanto, estruturalmente e tipologicamente a maior parte do anarquismo revolucionário oculta em si mesmo um grau extremo de conservadorismo, afirmatividade, criatividade, uma ordem transcendental radical. Ele não é niilismo irresponsável. Essa negação daquilo que, segundo o próprio anarquismo gnóstico, é a negação total do Bem.
Império: O Sagrado e o Profano
Traçar as raízes místicas do anarquismo ocidental não representa qualquer dificuldade. Mas como são os "beguni", os velhos crentes, a serem chamados os anarquistas russos mais consistentes? A quem os pesquisadores erguem a cosmovisão de Bakunin? Àqueles que Kelsiev tentou encorajar para a prática de terror antigovernamental em larga escala?
Os gnósticos formularam suas doutrinas radicais no ambiente pré-imperial onde o Cristianismo ainda não havia se tornado a religião dominante. Sua rejeição desse mundo era apoiada por observações do ambiente pagão da Roma tardia, confirmando sua rejeição radical de tudo "externo". Isso quer dizer, os gnósticos eram "contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas desse mundo..." também porque eles eram não-cristãos - judeus ou helenos.
Quando o Império se tornou cristão o anarquismo gnóstico se dissipou. O reinício dessa linha se dá no período da Cristandade, quando a sociedade nominalmente cristão começa a ser alienada de sua natureza. E nesse ponto se torna relevante novamente a mesma abordagem dualista em uma contraposição radical e intransigente entre esse mundo e o outro mundo, "as autoridades desse mundo" às autoridades do outro mundo.
Diagnóstico dos Mentores "Beguni"
É durante o período da dessacralização total do catolicismo que surgem as lojas maçônicas. Enquanto a dessacralização da Russia nikoniata, romanovita, pró-ocidental, "administrativa" é tragicamente percebida pelos mais extremos entre os patriotas místicos ortodoxos russos - os velhos crentes.
Os "beguni" seguiram na negação dos "principados e potestades do governo desse mundo" mais do que os outros, assumindo que o Anticristo já havia coroado a si mesmo em face de Pedro I (Pedro o Grande). Foi assim que aconteceu a convergência tipológica dos extremistas sem sacerdotes com a fórmula gnóstica, cujos elementos já são visíveis naqueles ascetas russos que percebiam a queda do Império Bizantino como uma catástrofe apocalíptica absoluta - especialmente com a linha dos "não-possuidores", e seguidores tardios do ancião radical Kapiton.
Anarquia - Mãe do Bem
O niilismo extremo do impulso anarquista acaba não sendo de forma alguma a última palavra na profanação e negação da Tradição. Ao contrário, ele está baseado em uma discordância total em relação a essa dessacralização, em uma rejeição absoluta dela, do "mundo", dessa "era", que é governada por um Demiurgo maligno e seus acólitos, "avliyi El Shaitan", os "Santos de Satã".
A própria fórmula famosa da "anarquia mãe da ordem" é uma transferência para a dimensão social da tese da necessidade de uma abolição radical desse mundo do mal para que um mundo do bem possa ser fundado. Já que o mundo do mal é uma "barreira" para sua fundação ("Satã" em hebraico antigo significa "barreira"), então ele deve ser completamente destruído. É importante que os anarquistas compreendam o "novo mundo" não como uma criação, mas como uma descoberta. Eles não querem reformar, reconstruir, renovar a realidade, eles queriam transformar radicalmente a qualidade da realidade. Eles eram nisso conservadores muito bem sucedidos, sendo os destruidores mais consistentes. Mas eles destroem o próprio espírito de destruição, o ídolo da "velha ordem", a fortaleza do Demiurgo.
Estranha ação de "busca pela alma"
Os anarquistas são considerados sinônimos de terror radical. Mas por trás disso não há tantos significados sociais quanto ontológicos e cosmológicos. O terror não é um meio para os anarquistas de conseguirem reconhecimento político. Ele leva consigo um peso não tanto sócio-político quanto antropológico. Terroristas anarquistas não lançam bombas contra pessoas, não contra membros da classe, não contra figuras socialmente significativas. Eles lançam bombas contra o Anticristo e seus servos, e o ato em si leva consigo sua própria desculpa e justificativa.
O anarco-terrorismo é, eventualmente, uma "ação de salvação da alma". Ele é dirigido a salvar a "alma do mundo" do abraço tóxico do Usurpador.
Anarquismo de Direita e Rússia
É agora fácil compreender de onde são os "elementos direitistas" dos clássicos do anarquismo, Stirner e Proudhon. Os dois pólos dentro do anarquismo: um - personalista; o outro - coletivista.
Stirner ensina sobre a singularidade e sobre o verdadeiro ego disposto para sair do poder hipnótico desse mundo, incorporado no sistema social, seus símbolos, e da hierarquia de suas dependências. E aqui ele se aproxima ao conceito gnóstico de "atman", o mais elevado "Eu" espiritual, desenvolvido no hinduísmo e no esoterismo de outras tradições. Daí o interesse de Evola em Stirner, incluindo ele em seu panteão filosófico pessoal. Proudhon é o pólo oposto. Sua "veracidade" não está na "ciência do Eu" (o conceito do "Uno"), mas na idealização de comunidades rurais, a autonomia de grupos orgânicos naturais os quais ao sair do poder alienante do controle estatal (o Demiurgo) estão retornando às raízes da existência comunal, associada com ética tradicional e com a terra.
Esse ideal está próximo ao ideal da igreja cristã primitiva, representando ainda outro fenômeno profundamente arcaico e essencialmente "direitista".
Bakunin e Kropotkin estão no mesmo nível que Stirner e Proudhon. A Russia tradicionalmente tem assumido pelo menos metade das cadeiras da esquerda, enquanto o resto é composto por todos os outros povos europeus e não-europeus. Há um desequilíbrio claro. E a vitória da extrema-esquerda em outubro aconteceu conosco. É notável que somente em nosso profundamente "reacionário", "arcaico", "telúrico", "conservador" país, com o mesmo tipo de povo. Isso não é acidente. Para nós esse espírito paradoxal, o pulso gnóstico está muito próximo, esse incrível complexo espiritual, religioso e social que está por trás do fenômeno do anarquismo radical místico, essa forma extrema da Revolução Conservadora.