(2020)
Há um velho adágio na filosofia que diz: Distinguir para unir. E neste caso queremos previamente distinguir entre nova ordem mundial e hispanidade, para depois ver em que se vinculam e em que não. É por isso que substituímos a conjunção copulativa "e" pela disjuntiva "ou" no título deste artigo.
Nova ordem mundial
É sabido que historicamente podemos falar do início da nova ordem mundial a partir da denominada "Revolução Mundial" - que abrangeria a Reforma tanto quanto a Revolução Francesa, a Revolução Bolchevique e a Revolução tecnocrática. Assim o fizeram, entre outros, Christopher Dawson, Julio Meinvielle, Vintila Horia, Gustave Thibon, e, aqui em Córdoba, os Albertos Caturelli e Boixiados.
Mas a nova ordem mundial contemporânea nasce no final dos anos 80 com o fato emblemático da queda do Muro de Berlim e, no início dos anos 90, com a implosão da União Soviética e a mensagem de George Bush (pai) ao parlamento norte-americano sobre a necessidade da construção de um mundo único. Como consequência desse projeto, surgem a teoria do derrame na economia, a "guerra preventiva" na ordem militar, a democracia neoliberal na política, o multiculturalismo nos terrenos da educação e cultura, a new age como alternativa à religião e o homem light nos campos da antropologia e filosofia.
Agora, em nossa opinião, a nova ordem mundial que se inaugura com a modernidade, e se agudiza em nossos dias, se expressa nos relatos ou discursos que com pretensão de universalidade ela mesma elaborou. Destes grandes relatos da modernidade faremos referência a seis: 1) a ideia de progresso indefinido; 2) o poder onipotente da razão; 3) a democracia como forma de vida; 4) a subjetivação do cristianismo; 5) a ânsia de lucro; 6) e a manipulação da natureza pela técnica.
- O século XVII é caracterizado pelo intenso e rápido progresso das ciências naturais, para as quais Bacon e Galileu destacam, como particularmente fecundos, a adoção de métodos de pesquisa como a experimentação e o cálculo matemático. O imenso avanço no domínio do conhecimento que isso representou levou o homem moderno a postular como princípio incontestável para todo o campo do saber e da ação humana o progresso indefinido.
- Já com o Renascimento, no século XV, Deus deixara de ser o centro da reflexão para dar lugar ao homem, como sujeito. Ou seja, o homem passa a ser considerado como criador de um mundo próprio, cujo espírito e dignidade se revelam nas obras-primas da Antiguidade clássica. E qual é o instrumento que permite a esse homem o acesso ao ideal do progresso indefinido? Uma faculdade que lhe pertence por direito próprio: a razão, especificamente, a razão calculista, exaltada pela ciência matemática como órgão adequado para a descoberta das leis que regem a experiência e constituem a estrutura racional do mundo. A atribuição de um poder onipotente à razão por parte do sujeito moderno foi, a partir desse momento, um fato normal, natural e evidente.
- A democracia como forma de vida é uma das últimas narrativas da modernidade. Começa a se constituir em paradigma universal a partir do último quarto do século XVIII, com a Revolução Francesa como sua grande impulsionadora. É a versão liberal da sociedade política que dá origem à democracia moderna. Esta não percebe que a democracia é apenas uma "forma de governo" a mais, assim como a monarquia ou a aristocracia, e que, portanto, reduzir o homem apenas a uma forma de vida democrática é encaixotá-lo e privá-lo das múltiplas e variadas formas de vida que o homem se dá e pode se dar para existir plenamente.
- A subjetivação do cristianismo nasce com o livre exame das escrituras impulsionado pela Reforma protestante do século XVI liderada por Lutero e Calvino. E se consolida com o primado de consciência do filósofo Descartes, para quem a descoberta da verdade é obra pessoal da razão que age e vive em cada indivíduo. O "penso, logo existo" é a única verdade incontestável à qual chega a razão cartesiana. A divisão nítida de Descartes da unidade do homem entre duas substâncias heterogêneas, a res cogitans e a res extensa, teve no denominado "angelismo católico", expresso no lema "salve sua alma", uma influência que perdura até os nossos dias. Esta subjetivação do cristianismo resultou em "um cristianismo dividido em seitas", como o que vivemos hoje na América, em benefício exclusivo dos pregadores de negócios e na servidão dos fiéis que os seguem.
- O outro grande movimento gestado no século XVII, junto com o progresso das ciências naturais, é a formação dos Estados nacionais sobre a ruína do Estado feudal e o surgimento de uma nova classe: a burguesia. Movida, não mais pelos ideais cristãos-cavaleirescos da Idade Média, mas pelo espírito de lucro exercido por Jeová, o antigo Deus dos judeus, sobre o regime econômico e social da Europa moderna e dos Estados Unidos nascentes.
- O último dos grandes discursos da modernidade é a manipulação da natureza (incluindo o homem) pela técnica. Esta narrativa quer significar que a instrumentalização prática do poder onipotente concedido à razão pode fazer com a natureza e com o homem o que quiser. Sustentando que o padrão moral está justificado pelo seu próprio progresso. Isso resultou nas grandes pragas e pestes do século XXI.
Esses seis grandes relatos da modernidade ruíram, não tanto pela crítica feita a partir de uma ótica pré-moderna, mas pelas consequências contraditórias a que chegaram.
- Assim, a ideia de progresso indefinido como pressuposto teórico das ciências naturais e da física mecânica foi abandonada por parte dos Einstein, Planck e Heisenberg, porta-vozes da física quântica. A isso se soma a falta de um progresso equivalente no campo moral, para não dizer um retrocesso, do homem contemporâneo.
- O poder onipotente da razão foi quebrado não só pela descoberta do inconsciente (Freud) mas também pela função desmascaradora do irracional (Nietzsche) e pela captação emocional dos valores (Scheler), bem como pelas consequências contraditórias dos produtos da razão calculista, como as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki.
- A democracia como forma de vida foi frustrada não só pelo fracasso dos governos social-democratas com suas democracias exclusivamente procedimentais, mas também pela existência de outras possibilidades de organização política, fora do marco do capitalismo liberal (de Marx a Gaddafi, passando por Perón). E nos nossos dias, pela luta dos povos seguindo seus ideais nacionalistas para continuar existindo na história.
- À subjetivização do cristianismo, a opção preferencial pelos pobres da Igreja Católica que supera o âmbito individual para se inserir profundamente no domínio social. A mensagem, em última instância iluminista da “teologia da libertação” dos anos setenta e oitenta, está sendo substituída hoje pela “teologia marginal” na Hispano-América.
- O espírito de lucro ainda não parece ter sido quebrado, mas a insatisfação com ele, por parte dos povos dependentes, é algo manifesto, apesar da insistente publicidade do modelo de globalização neoliberal. De tanto viver com "o nariz colado no vidro" —neste caso, da televisão— e não poder adquirir nenhum dos produtos que, como panaceias, nos oferece o primeiro mundo por falta de meios, faz com que a opção de vida seja cada vez mais a marginal ou informal.
- Por último, a manipulação da natureza e do homem pela técnica concluiu na alienação e na dependência do homem em relação aos seus próprios produtos. O homem, que já não é apenas escravo da técnica, mas começa a se sentir produto dela, reage então da única maneira possível: com serenidade para com as coisas. Ele percebe, como observou agudamente Heidegger, que "podemos usar os objetos técnicos, servir-nos deles de forma apropriada, mas mantendo-nos ao mesmo tempo tão livres deles que a qualquer momento possamos nos desfazer deles" (cf. Martin Heidegger, Serenidade).
Estamos assistindo ao nascimento de uma nova época. A quebra dos paradigmas abrange todos os domínios, começando pela tão mencionada quebra do equilíbrio ecológico. A confusão das funções é total (o político é empresário, o esportista pensador, o santo assistente social, os estultos são filósofos, etc.). Não existe uma visão totalizadora do homem, do mundo e de seus problemas, mas retalhos, visões parciais e conjunturais. O homem está forçado a perguntar-se novamente por si, a tentar encontrar-se a si mesmo. E isso não é fácil, mas não lhe resta outra saída genuína. Está obrigado a instaurar um novo arraigamento no mundo, que se funde na preferência de sua própria ecúmene cultural e em sua pertença a um solo e a uma tradição cultural, como propõe o filósofo escocês Alasdair MacIntyre. Caso contrário, se transformará em um homúnculo.
A Hispanidade
Por tudo o que foi dito, estamos obrigados a tratar da hispanidade, que é nossa tradição cultural, o sal de nossa ecúmene cultural ibero-americana e o destino de uma vida melhor para nossos povos indo-ibéricos.
Antes de tudo, devemos ressaltar o fato histórico de que a hispanidade tomou, ab ovo, a partir do século XVI, um caminho diferente do resto do Ocidente. Mas permitam-me primeiro uma distinção que já fizemos desde nosso trabalho A hispanidade vista desde a América (1990), "nossa meditação surge como uma necessidade de afirmação da americanidade na hispanidade". Portanto, não concordamos com a caracterização da hispanidade feita por dois de seus melhores tratadistas, Ramiro de Maeztu em Defesa da Hispanidade e Manuel García Morente em Ideia da Hispanidade, pois o primeiro a define através de "dois pilares: a religião católica e a monarquia espanhola", enquanto o segundo sustenta que "aquilo que simboliza melhor sua essência é a figura do cavaleiro cristão". A consequência lógica dessas afirmações seria pensar que, dado que somos cavaleiros, pelo menos montamos habitualmente a cavalo, e cristãos, e sendo a natureza da hispanidade definida por sua convertibilidade com o católico e o cavaleiro, só nos restaria convalidar e assentir ao que até aqui foi sustentado. Mas o problema que queremos levantar é outro, é o da hispanidade entendida desde a América. E isso é assim porque ela tem sentido para nós, enquanto expressamos nela e através dela "as modalidades nacionais" desta grande nação que é a Ibero-América. Caso contrário, a hispanidade seria mais um universalismo e, como tal, uma categoria de dominação, como o são hoje a latinidade e a ocidentalidade.
As observações a essas duas teorias recém-mencionadas são as seguintes:
- A convertibilidade entre catolicidade e hispanidade não é adequada, ao menos, para definir a hispanidade, posto que a catolicidade não constitui a diferença específica do hispânico, nem é traço exclusivo do espanhol. Existem outros povos como a Polônia e a Irlanda que são convertíveis com a catolicidade. Além disso, as causas nacionais desses povos estão enraizadas no católico, como nos mostra a história antiga e recente.
- A América não teve nada a ver com o regime da monarquia espanhola, prova disso é o desencanto e desassossego que manifestaram nossos enviados americanos às Cortes espanholas. E quando nos declaramos independentes, o fizemos sob o regime republicano. A reductio ad unum, essência do regime monárquico, em nosso caso americano nos alcança sob a figura do caudilho ou líder, mas isso para os monarquistas de toda latitude é algo espúrio.
- A teoria dos arquétipos humanos como paradigma de todo um povo não passa de uma generalização, que agradável ao coração e aos sentimentos, carece de todo rigor filosófico. Esta teoria tem duas falhas: 1) Podemos carregá-la com as maiores virtudes, como faz García Morente com o cavaleiro cristão, ou com os maiores defeitos, como fazem nossos liberais com o gaúcho. 2) Sempre está adscrita a um determinado momento e lugar na história de um povo.
O que é então a hispanidade enquanto expressão do ser do hispânico? Esse ser, participado por um conjunto de povos e nações, não se deixa reduzir facilmente a conceitos intelectuais. Ele se deu na história sob múltiplas e variadas formas, e ainda se dará sob muitas outras que nem sequer podemos vislumbrar. Lembremos que a coruja de Minerva, símbolo da filosofia, sai para voar quando a realidade já se pôs e não antes. Na caixa de Pandora ficou encerrada a prognose e não a esperança, como mal traduzido o termo grego ελπις em Hesíodo. Tudo indica que o conhecimento do futuro não é permitido ao homem. Ora, quando a filosofia não pode captar em um só conceito a entidade que se propõe investigar, ela a rodeia sucessivamente descrevendo seus caracteres mais significativos. No tema que nos interessa, a hispanidade, podemos reduzi-los a dois: o sentido hierárquico da vida, dos seres e das funções e a preferência de si mesmo.
A hierarquia foi entendida a) como uma necessidade do inferior em relação ao superior e não ao contrário, como postula o mundo liberal burguês; b) fundada em uma visão total do homem, do mundo e de seus problemas e não ao contrário em especialistas do mínimo, que deixam de ver o todo que estudam; c) e, por último, apoiada em valores absolutos fora de discussão e não ao contrário em valores subjetivos surgidos do primado da consciência do mundo moderno. Assim, a necessidade do inferior, a visão do todo e a objetividade do valor são os pilares que sustentam o sentido hierárquico da vida.
Em relação ao segundo traço que caracteriza a hispanidade como ser do hispânico é a preferência por si mesmo, que se manifestou uma e mil vezes na falta de temor pela perda da própria identidade. O colonizador hispânico se misturou sem inconvenientes nem reservas com o autóctone, coisa que não ocorreu nem no hemisfério norte, nem na China, nem na África do Sul, nem na Austrália. A preferência por si mesmo não é se crer superior, mas diferente, envolve a diferença de valores que existem, de fato, em toda realidade. A preferência por si mesmo é a afirmação do realismo mais existencial, pois nos diz: você é diferente de mim, e eu de você, então vamos nos tratar igualmente. Vemos como o sentido hispânico da diferença funda a igualdade, ao contrário do sentido moderno, no qual a igualdade elimina a diferença em busca da nivelamento, que produz o estranhamento de si mesmo e do outro. A afirmação da identidade, o direito à diferença e o sentido da alteridade são, na nossa opinião, as manifestações fundamentais da preferência por si mesmo como segundo pilar sobre o qual se apoia a natureza da hispanidade.
Conclusão
A conclusão desta meditação é que, para nós americanos, a hispanidade se situa no êxtase temporal do futuro. Nós devemos fazer hispanidade se queremos ser e permanecer no ser. Serás o que és, dizia Píndaro, o pai dos poetas gregos.
Estamos sozinhos, como soube Hernán Cortés quando queimou os navios. As metrópoles, Espanha e Portugal, se juntaram à novo ordem mundial "a pés juntos". Se estamos sozinhos, estamos de fato fora do "todo uno" da ordem mundial, o que transforma nossa ação e pensamento em uma transgressão e nós, todos, em contraventores e marginais que devem ser ordenados conforme o modelo do mundo único (one world) ou ser postos fora da humanidade.
Pensar e agir desde a hispanidade é pensar a partir da dissidência em relação ao pensamento único e politicamente correto que sustenta esta nova ordem mundial. E pensar a partir da dissidência é contrariar e contradizer os sustentadores conformistas da teoria do consenso que querem, como novos nominalistas, arranjar a realidade com palavras. (Cf. A ideia de democracia deliberativa de Habermas, Cohen e Bohman, segundo a qual "os desafios modernos podem ser superados inventando novos fóruns em que os cidadãos deliberem juntos e façam uso público da sua razão"). Que estupidez!
A dissidência prática passa necessariamente pelo exercício cotidiano da virtude, não realizado de forma burocrática, mas de maneira generosa e sacrificada. Romper diariamente com as solicitações do sistema e do meio ambiente é uma forma de ascese. A dissidência como virtude resulta de um hábito criado pela repetição de atos de resistência ao sistema corruptor e totalitário que anula o homem pela televisão e pela massificação, e o reduz à bestialidade. O homem hispânico, em suas múltiplas e variadas formas e encarnações, sempre foi pessoa, nunca massa. É o absolutamente contrário a esta. A hispanidade é, substancialmente, disjuntiva à novo ordem mundial.