por Aleksandr Dugin
(2020)
O Assassinato do General Suleimani no Contexto do Apocalipse
O assassinato do General Qasem Suleimani, comandante das forças especiais Al-Quds do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, em 3 de janeiro de 2020 por mísseis americanos foi um momento distinto marcando um estado de coisas completamente novo no alinhamento das forças no Oriente Médio.
Na medida em que o Oriente Médio é um espelho das mudanças globais na geopolítica mundial, este evento é de uma dimensão ainda maior que diz respeito à ordem mundial como um todo. Não é por acaso que muitos observadores interpretaram a morte do General Suleimani, um heroi da luta contra o ISIS na Síria e no Iraque, como o início de uma Terceira Guerra Mundial ou, no mínimo, de uma guerra dos EUA contra o Irã. O ataque de mísseis iranianos contra duas bases militares americanas no Iraque em 8 de janeiro de 2020, ao que parece, confirma esta análise: A morte de Suleimani é o ponto de partida da "batalha final". É exatamente assim que este evento foi percebido no mundo xiita, onde as expectativas do fim do mundo e da vinda do Mahdi, o Salvador prometido no final dos tempos, são tão fortes que afetam não apenas sua visão de mundo religiosa, mas também a análise dos eventos políticos e internacionais cotidianos. Os xiitas veem o fim do mundo como "batalha final" entre os partidários do Mahdi e seus oponentes, as forças do Dajjal. Acredita-se que os partidários do Mahdi sejam muçulmanos (tanto xiitas como sunitas, mas com exceção de correntes como os wahhabis e salafis, que são reconhecidos como extremistas, "hereges" e "takfiri"), enquanto o Dajjal, o Anticristo Islâmico, está firmemente associado ao Ocidente, em primeiro lugar e principalmente aos Estados Unidos da América. A maioria das profecias dizem que a batalha final acontecerá no Oriente Médio, e que o próprio Mahdi aparecerá em Damasco. A figura do Mahdi também pode ser encontrada entre os sunitas, mas se os xiitas acreditam que tal seja a aparência do "Imã escondido" que permanece vivo mas "escondido" até hoje, então os sunitas interpretam o Mahdi como o líder do mundo islâmico a aparecer no fim dos tempos para travar uma batalha decisiva contra o Dajjal, no qual a maioria dos sunitas vê a civilização materialista e ateísta do Ocidente moderno e, portanto, a hegemonia estadunidense como a mais agressiva vanguarda do Ocidente.
Esta região também está diretamente implicada em outros relatos apocalípticos específicos de outras religiões. Os israelenses religiosos (haredim), por exemplo, esperam a vinda do Messias em Israel, com o qual será reconstruído o Templo de Jerusalém, o Terceiro Templo. O aparecimento deste último é obstruído pela Mesquita al-Aqsa, localizada em Jerusalém, no local onde o Segundo Templo estava localizado. Seitas judaicas extremas, como o "Templo Monte Fiel", tentaram repetidamente construir um túnel sob o Monte Santo para explodir o al-Aqsa. Isto naturalmente empresta ao conflito árabe-israelense uma dimensão especial. É revelador que o General Suleimani assassinado liderava a divisão do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica chamado "Al-Quds", que significa "Jerusalém" e cujo objetivo principal é impedir que os israelenses comecem a construir o Terceiro Templo, e libertar a Terra Santa dos sionistas. Isto, por sua vez, de acordo com as crenças dos muçulmanos, deve ocorrer às vésperas do fim dos tempos.
Nos EUA, uma enorme influência é exercida por seitas evangélicas extremas que, no espírito do "sionismo cristão", interpretam os acontecimentos políticos do Oriente Médio como um prelúdio à "Segunda Vinda de Cristo", onde os "inimigos de Cristo" são considerados os "exércitos do rei Gog" do "país do Norte", que os evangélicos tradicionalmente associam à Rússia. De fato, a Rússia está operando ativamente na Síria e está fortalecendo sua influência em toda a região.
Se colocarmos tudo isso junto, então o quadro à disposição é extremamente sinistro: o assassinato de Soleimani cai neste contexto de expectativas apocalípticas e está sendo interpretado por muitos como o ponto de partida do Armagedom, ou no mínimo como um análogo ao assassinato do Arquiduque Ferdinando em Sarajevo, que provocou o início da Primeira Guerra Mundial.
Assim, o assassinato do General Suleimani e os ataques de retaliação do Irã às bases americanas são eventos altamente radicais, carregados de significados fundamentais e com consequências difíceis de prever.
Multipolaridade vs. Unipolaridade
Dada a magnitude do significado dos eventos que já ocorreram no início de 2020, é importante começar sua análise com o contexto geral mais amplo em mente. Este contexto é definido pela transição do sistema mundial do mundo unipolar que tomou forma no final do século XX sob o domínio inequívoco do Ocidente (especificamente, os EUA) para um sistema multipolar, cujos contornos se tornaram cada vez mais claros em relação ao retorno da Rússia de Putin à história como uma força soberana e independente e com o agravamento das relações sino-americanas até o ponto da guerra comercial.
Em sua campanha pré-eleitoral, o próprio Presidente Trump prometeu aos eleitores que recusaria as intervenções e que reduziria as políticas do neoimperialismo e do globalismo, um ponto que o tornou um potencial apoiador da transição pacífica para a multipolaridade. Mas com sua decisão de assassinar Suleimani, Trump negou completamente esta possibilidade e mais uma vez confirmou o lugar dos EUA no campo de forças que lutarão desesperadamente para preservar o mundo unipolar. Nestas ações, por trás das costas de Trump, os neocons americanos e os sionistas cristãos conduzira os eventos rumo à batalha final. Mas esta batalha - quer comece agora ou um pouco mais tarde - já estará se desenrolando em novas condições: Os sucessos da Rússia na política internacional, a impressionante ascensão da economia chinesa, bem como a aproximação gradual entre Moscou e Pequim tornaram o mundo multipolar uma realidade, apresentando assim todos os outros países e civilizações - incluindo grandes países como Índia, bem como líderes regionais como Irã, Turquia, Paquistão, os países do mundo árabe, bem como da América Latina e África - com a possibilidade de escolher seu lugar nesta construção antagônica: ou se mantendo (remanescentes) como satélites do Ocidente (ou seja, jurando fidelidade à agonizante unipolaridade), ou se mantendo ao lado do mundo multipolar e buscando seu futuro neste contexto.
O suicídio de Donald Trump
Uma situação fundamentalmente nova se desenvolveu em torno dos trágicos acontecimentos no Iraque de 3 de janeiro de 2020: O General Suleimani, assassinado pelos estadunidenses, era uma parte orgânica do mundo multipolar e representava neste equilíbrio de forças não apenas a Guarda Revolucionária Islâmica ou mesmo o Irã como um todo, mas todos os partidários da multipolaridade. Em seu lugar poderia muito bem ter sido um soldado russo infundadamente acusado pelos EUA de participar da reunificação com a Crimeia ou do conflito no Donbass, um general turco que se provou na luta contra os terroristas curdos, ou um banqueiro chinês que lidou com danos substanciais ao sistema financeiro americano. Suleimani era uma figura simbólica da multipolaridade, morta pelos defensores da unipolaridade fora de todas as normas do direito internacional.
Ao decidir liquidar Suleimani, Trump agiu a partir da posição de poder puramente unipolar - "assim decidi, assim será" - sem dar atenção às consequências, ao risco de guerra, ou aos protestos de todos os outros lados. Como os presidentes anteriores dos EUA, Trump agiu de acordo com a seguinte lógica: somente os EUA podem, sozinhos, rotular os "maus" ou "bons" e agir em relação aos "maus" como entenderem. Teoricamente, Putin, Xi Jinping ou Erdogan também poderiam ser chamados de "bandidos", e então a única questão seria se eles são capazes de se defenderem com os meios de defesa disponíveis, inclusive contra golpes de Estado (como Erdogan já enfrentou) ou "revoluções coloridas" (que o Irã está constantemente enfrentando e que, com a ajuda da "quinta coluna" dos liberais, o Ocidente está constantemente tentando incitar na Rússia). O próprio Trump criticou de forma convincente e dura tais políticas por parte de administrações anteriores, tanto republicanas quanto democráticas, mas ao decidir assassinar Suleimani, ele mostrou que não é diferente deles.
Este é um momento muito importante na transição da unipolaridade para a multipolaridade. Trump representou a esperança de que esta transição pudesse ser realizada pacificamente, caso em que os EUA não seriam seus inimigos, mas um participante pleno, uma posição que teoricamente lhe permitiria fortalecer significativamente sua posição como força líder no contexto da multipolaridade e assegurar seu lugar privilegiado no clube multipolar como um todo. Estas esperanças desmoronaram em 3 de janeiro de 2020, após o que Trump tornou-se um presidente americano comum como todos os demais - não pior, mas não melhor. Ele confirmou o status dos EUA como um dragão imperialista agonizante que é louco, malicioso e ainda perigoso, mas que não tem chance de evitar a "batalha final". Depois disso, Trump riscou tanto seu próprio futuro quanto o futuro dos EUA como um polo no mundo multipolar. Ao fazer isso, ele assinou a sentença de morte dos Estados Unidos para o futuro.
Para o mundo multipolar que cresce em força, os EUA não são mais um sujeito do processo, mas um objeto, assim como Trump, ao assassinar Suleimani, tratou não apenas Teerã, mas também Bagdá, Ancara, Moscou e Pequim como "objetos" que representam meros obstáculos ao reforço da hegemonia estadunidense pelo status de sujeito. Hoje não pode haver dois desses sujeitos; pode haver apenas um, como Trump tentou insistir novamente, ou mais de dois, que é a base das estratégias da Rússia, China, Irã, Turquia e todos os outros que aceitam a multipolaridade.
O Sucesso das Potências Multipolares e o Novo Equilíbrio de Forças: O Fim da América
Esta análise do equilíbrio global de forças aguça dramaticamente toda a estrutura da política mundial, porque leva a situação de volta à política no espírito de George W. Bush, Obama, ou Hillary Clinton. Trump, que tão sarcasticamente escarnece de Hillary, aparece hoje em seu traje no papel de bruxa globalista sangrenta. Mas os eventos dos últimos anos - o fortalecimento das posições da Rússia no Oriente Médio e seus sucessos especialmente notáveis na Síria, a convergência russo-chinesa no projeto de integração da Nova Rota da Seda com a estratégia eurasiática de Putin, e até mesmo os passos anteriores de Trump para evitar o confronto direto que permitiram o fortalecimento das forças multipolares no Mediterrâneo (onde o papel mais importante foi desempenhado pela aproximação de posições entre Putin e Erdogan) - já mudaram irreversivelmente o equilíbrio de forças. Antes de mais nada, este é o caso no território estreitamente adjacente ao reino de Armagedom tal como unanimemente, embora com sinais diferentes, reconhecido por todos os tipos de apocalipticismos políticos.
O desenvolvimento dos acontecimentos inevitavelmente após o assassinato do general Suleimani verá o confronto entre, por um lado, os EUA e o Ocidente ao lado de seus procuradores regionais, como Israel, Arábia Saudita e alguns dos Estados do Golfo, e por outro, as potências multipolares da Rússia, China, Irã, Turquia e outros, ser levado a um novo patamar. Os EUA estão usando a política de sanções e guerra comercial contra seus oponentes de tal forma que uma porcentagem cada vez maior da humanidade está caindo sob sanções estadunidenses, e não apenas na Ásia, mas também na Europa, onde empresas europeias (principalmente alemãs) foram sancionadas por participarem do projeto Nord Stream. Esta é uma manifestação da arrogância da hegemonia estadunidense, que trata seus "apoiadores" como lacaios e os administra com punições físicas. Os Estados Unidos não tem amigos, tem apenas escravos e inimigos. Neste estado, a "superpotência solitária" está caminhando para o confronto, desta vez praticamente com todo o resto do mundo. Em qualquer oportunidade, os "escravos" de hoje procurarão, sem dúvida, fugir ao inevitável cálculo de seu colaboracionismo unipolar.
Washington não aprendeu nenhuma lição com a vontade do povo estadunidense que elegeu Trump. O povo não votou pela continuação das políticas de Bush/Obama, mas contra eles, por sua rejeição radical. As elites estadunidenses (e, mais amplamente, as globalistas) não levaram isso em conta, ao invés disso, trataram tudo como as maquinações de "hackers" e "blogueiros" russos. E agora, com Trump mais uma vez estendendo parcialmente sua mão para a agressiva elite globalista que perdeu todo o senso de racionalidade, a "maioria silenciosa" estadunidense fica com apenas uma opção: se afastar totalmente do governo americano. Se até Trump acabou se tornando um brinquedo nas mãos dos globalistas, isso significa que os métodos legais de luta política foram esgotados. Na perspectiva de médio prazo, o assassinato do General Suleimani será sentido no início de uma guerra civil plena nos próprios Estados Unidos. Se ninguém expressar a vontade da sociedade, então a própria sociedade entrará em um modo especial de sabotagem passiva. Isto é o que deveria ser esperado nos EUA. Se não Trump, então o povo estadunidense, totalmente dentro do espírito de suas tradições culturais e políticas, escolher a multipolaridade, então isto não será com o Estado, mas contra o Estado "sequestrado" pela elite globalista à qual nem mesmo a primeira pessoa na Casa Branca é capaz de se opor. O assassinato de Suleimani significa o fim da América.
O Campo Unipolar está em Crise Profunda
Os parceiros europeus dos Estados Unidos dificilmente estão prontos para qualquer confronto agudo com o clube multipolar. Nem Merkel, que recebeu outro tapa para o Nord Stream, nem Macron sitiado pelos Coletes Amarelos e agora compreendendo de uma forma ou de outra que o populismo terá que ser encarado (daí sua "posição especial" sobre a Rússia e projetos para a criação de um exército europeu), nem Boris Johnson, que acaba de conseguir tirar a Grã-Bretanha do pântano sufocante da UE liberal (e dificilmente trocará tão rapidamente sua soberania duramente conquistada, embora relativa, por uma nova escravidão aos loucos estadunidenses que perderam todo e qualquer senso de realismo), estão ardendo de desejo de saltar no fogo de uma Terceira Guerra Mundial alimentada por Washington e ser incinerados ali sem deixar rastros. A OTAN está se desmoronando diante de nossos próprios olhos em torno da Turquia, que não apoia mais os EUA em praticamente nada no Oriente Médio ou no Mediterrâneo Oriental (que os turcos chamam de "Pátria Azul", Mavi Vatan), ou seja, em sua própria área de controle soberano. Também incondicional e completamente irracional - ou, pode-se dizer, desesperado e até mesmo provocador - é o apoio de Washington a Israel para minar as relações com o mundo árabe e, mais amplamente, com o mundo islâmico. Ao mesmo tempo, Trump está reduzindo a aliança dos EUA com a Arábia Saudita a um acordo financeiro, o que não é uma base de esperança para qualquer aliança de pleno direito, para a qual os EUA são totalmente incapazes geneticamente.
Assim, os EUA estão entrando em uma Terceira Guerra Mundial entre a agonizante unipolaridade e o constante fortalecimento da multipolaridade em condições muito piores, mesmo em comparação com as da administração anterior. Nestas circunstâncias, Trump ainda tem que ser reeleito, pois aqueles que o empurraram para matar Suleimani ainda tentarão derrubá-lo por fazê-lo. Após o assassinato de Suleimani, tanto a guerra quanto a paz só prejudicam a posição de Trump. O assassinato de Suleimani foi uma decisão fatal que vai destruí-lo. As posições dos populistas europeus de direita que apoiaram este gesto suicida de Trump também foram substancialmente enfraquecidas. A questão nem mesmo é que eles escolheram o lado da América, mas que eles tomaram uma posição a favor da unipolaridade moribunda - e isto pode arruinar qualquer um.
As Novas Perspectivas do Mundo Multipolar
Neste contexto, os países que sofreram sanções, em primeiro lugar a Rússia, a China e o próprio Irã, já aprenderam a viver sob estas condições e responderam com o desenvolvimento de suas próprias armas estratégicas (Rússia), estrutura econômica (China, inclusive além de seu próprio território no contexto do enorme espaço do projeto da Nova Rota da Seda), energia independente (Irã), e geopolítica regional independente (Turquia). Agora só resta redistribuir entre os membros do clube multipolar os trunfos mais fortes, e a multipolaridade se tornará um adversário genuinamente sério e relativamente invulnerável. Quanto mais forte for este adversário, mais chances haverá de evitar uma Terceira Guerra Mundial em sua fase quente e esperar pelo colapso da unipolaridade, que inevitavelmente virá por si só.
Algumas das consequências do assassinato do General Suleimani já estão claras. O Irã declarou o Pentágono como sendo uma organização terrorista ao lado do ISIS, e isto significa que o mesmo que aconteceu com o General Suleimani pode acontecer com qualquer soldado estadunidense. Como não houve resposta ao ataque com mísseis contra bases americanas no Iraque, o Irã estará totalmente confiante em sua eficácia de combate e começará a desenvolver armas com vigor renovado, e contando principalmente com a Rússia. É importante que nestas circunstâncias o Irã já tenha declarado sua retirada do tratado sobre desenvolvimento de armas nucleares - afinal de contas, ele não tem nada a perder. Outro Estado islâmico, o Paquistão, já possui armas nucleares. O mesmo acontece com outro opositor regional do Irã: Israel. Teerã não tem mais motivos para negociar mais com aqueles que considera oficialmente "terroristas".
Também é importante a posição do Iraque, onde os xiitas constituem a maioria. Para todo o mundo xiita, o General Qasem Suleimani era um herói indiscutível. Daí a exigência do parlamento iraquiano de retirada imediata de todas as tropas estadunidenses do território iraquiano. É claro que uma decisão parlamentar democrática não é absolutamente suficiente para os cínicos assassinos estadunidenses - eles estarão onde considerarem necessário e onde quer que tenham algo com que lucrar. Mas isto significa o início de uma mobilização geral antiamericana da população iraquiana - não apenas dos xiitas, mas também dos sunitas, que são radicalmente antiamericanos (daí o motivo pelo qual muitos sunitas apoiadores de Saddam Hussein se juntaram ao ISIS, acreditando que estavam lutando contra os estadunidenses com os quais os xiitas tinham chegado a um acordo). Agora todos, tanto os xiitas iraquianos quanto os sunitas iraquianos, estão exigindo a retirada das tropas invasoras, já que agora praticamente toda a população do Iraque, excluindo alguns dos curdos que os EUA, por sua vez, traíram cinicamente recentemente, está pronta para iniciar uma luta armada contra os ocupantes. Isto já é muito, mas o Iraque também pode contar em sua guerra antiamericana com a Rússia e parcialmente com a China, que juntos representam as colunas da multipolaridade, assim como o Irã e a Turquia.
Nesta situação, a posição da Rússia é fundamental: por um lado, a Rússia não está envolvida em contradições regionais entre Estados, etnias e correntes religiosas, o que torna sua posição objetiva e sua aspiração à paz e à restauração da soberania do Iraque sincera e consistente; por outro lado, a Rússia possui um nível significativo de armamento para apoiar a guerra dos iraquianos pela liberdade e independência (como já foi feito na Síria, onde a Rússia demonstrou toda sua eficácia, ou como está acontecendo agora na Líbia). O Iraque está agora se tornando a principal plataforma da política mundial, e mais uma vez estamos lidando com uma civilização muito antiga, com o coração do Oriente Médio, com aquela terra que, segundo a geografia bíblica, já foi "paraíso na terra" e hoje se transformou no oposto.
Agora o mais importante nestas circunstâncias é aproveitar o que, de um ponto de vista global, deve ser considerado o "erro fatal" de Trump. O assassinato do General Suleimani não melhora as posições dos EUA, mas exclui um cenário pacífico de transição para a multipolaridade e priva Trump de qualquer chance para a reforma bem sucedida e de longo prazo da política americana. A situação de Israel, que tem sido mantida refém por um ódio total de todos os povos vizinhos, está se tornando extremamente problemática. Quando a existência de Israel não depende de um complexo equilíbrio de forças, mas de apenas um campo que está perdendo rapidamente seu domínio, então sua situação se torna extremamente arriscada. Israel, como um projeto muito precipitado e pseudo-messiânico criado por nacionalistas pró-ocidentais que resolveram não esperar pelo Messias e, em vez disso, substituir sua chegada por seu próprio voluntarismo, provavelmente será vítima da morte da ordem mundial unipolar - e por isso tem que "agradecer" a Trump, bem como a extrema-direita israelense que o empurrou para tais passos suicidas.
A Rússia é Perseverante e Vencedora
E a Rússia? A Rússia não teve pressa de tomar inequivocamente o lado do Irã, enquanto no próprio Irã parte da elite preferiu negociar com os EUA e evitar a aproximação com Moscou. Em ambas as potências, Rússia e Irã, a "sexta coluna" agiu em conjunto na tentativa de quebrar por todos os meios o eixo Moscou-Teerã e evitar uma estreita aliança russo-xiita que, apesar de tudo, tomou forma na Síria, onde os iranianos (sob o General Suleimani) e os russos lutaram lado a lado contra os extremistas jogando objetivamente nas mãos do mundo unipolar. Tais tentativas certamente continuarão, e os globalistas tentarão usar a "quinta coluna" no Irã em uma estratégia de "revolução colorida" para derrubar os conservadores e mergulhar o Irã no caos da guerra civil. O Ocidente também está certamente pronto para lançar o mesmo cenário na Rússia, e isto está se tornando cada vez mais relevante à medida que nos aproximamos do fim do mandato final de Putin, que representa a principal promessa à política soberana e multipolar da Rússia.
O mundo unipolar está condenado, mas seria uma tolice esperar que ele ceda sem lutar. Além disso, o assassinato do General Suleimani descarta um cenário pacífico para o futuro, já que não se pode mais esperar que Trump e Washington que concordem voluntariamente com esta mudança na ordem mundial e, como se segue, concordem em reconhecer a subjetividade de qualquer poder além dos EUA.
A única coisa que resta para as potências do mundo multipolar - Rússia, China, Irã, Turquia, Iraque e todas as outras - é forçar todos aqueles que se opõem desesperadamente à multipolaridade a aceitar a multipolaridade. Afinal, isto não está forçando ninguém a aceitar a dominação russa ou chinesa. É desta forma que a multipolaridade difere da unipolaridade. O mundo multipolar deixa a todos o direito de construir a sociedade que eles querem com os valores que escolhem. Não há critérios universais aqui; ninguém deve nada a ninguém, exceto respeito por seu direito de fortalecer sua própria identidade, de construir sua própria civilização (quer alguém goste ou não) e de viver em seu próprio futuro (não o de outra pessoa). A compulsão à multipolaridade sacrifica apenas o mundo unipolar, a hegemonia americana e a ideologia liberal totalitária juntamente com seu sistema capitalista como universais. O Ocidente pode permanecer liberal e capitalista enquanto quiser, mas as fronteiras desta ideologia e deste sistema econômico, tão tóxico para outras culturas, devem ser estritamente definidas. É para isso que serve a luta em curso - a luta em nome da qual o mártir do mundo multipolar, o herói da Resistência, o grande general iraniano Qassem Suleimani, deu sua vida.