por Nicolas Gauthier e Alain de Benoist
(2020)
Agora que as coisas parecem estar em vias de apaziguamento, podemos dizer que o governo, mesmo tendo obviamente sido pego com as calas nas mãos, fez em excesso ou não fez o suficiente diante da epidemia, ou fez apenas o que podia?
Não há outra palavra para isso: a resposta do governo ao Covid-19 foi verdadeiramente calamitosa. Cinco meses após a epidemia, ainda não atingimos a capacidade de triagem que deveríamos ter tido quando ocorreram as primeiras mortes. O governo primeiro se refugiou na negação (não chegará nós, é uma gripezinha), após o que assistimos a um desfile interminável de confusões, de instruções contraditórias e mentiras de Estado. Nada havia sido previsto, apesar de muitas vozes terem se levantado nos últimos anos para prever uma nova pandemia vinda da Ásia. A causa principal está na incapacidade dos poderes públicos de pensar além do curto prazo. Mas a causa mais fundamental é que, para se conformar às regras da ideologia liberal, o setor de saúde pública tem sido submetido aos princípios de rentabilidade, da concorrência e da gestão just-in-time, o que tem levado ao fechamento de milhares de leitos, à destruição dos estoques de reserva e à crescente precarização do pessoal já mal pago. Em outras palavras, integramos ao sistema de mercado uma área que, por definição, está fora do mercado. O resultado tem sido um colapso generalizado da capacidade hospitalar pública.
Isto certamente não é uma revelação. A equipe hospitalar vem levantando múltiplos alarmes há anos sem nunca ser ouvida. Hoje, Macron e seus clones se lançam em agradecimentos ao pessoal da enfermagem. Teria sido melhor dar a eles os meios de trabalhar e atender às suas justas reivindicações.
Mesmo na Idade Média, o confinamento dos saudáveis nunca parou uma epidemia. Deste ponto de vista, o confinamento generalizado foi antes de tudo uma admissão de impotência: todos foram confinados porque não havia máscaras (que foram primeiro declaradas “inúteis”, antes de serem tornadas quase obrigatórias), nem testes de rastreio, nem equipamento de reanimação e nem ferramentas de assistência reanimatória. Na Europa, os países com os melhores equipamentos são também os que menos confinaram. Então, quando a desconfinação começou, toda uma série de regulamentos punitivos foram adotados, o que foi uma loucura total. Em vez de fazer face a isso, o governo se escondeu atrás dos conselhos dos “cientistas”, que não são capazes de entrar em acordo uns com os outros. Em resumo, nós sofremos. E provavelmente ainda não acabou.
Para além das considerações técnicas, será que não assistimos a um novo passo rumo a uma espécie de sociedade do medo generalizado, com a internalização do princípio da precaução, que pode nos fazer trocar uma aparência de segurança por privações de liberdades muito mais tangíveis?
Desde que foram tornados sinônimos a felicidade e a prolongação da vida, é sabido que as pessoas estão preparadas para aceitar quase tudo em troca de uma promessa de segurança. Sem cair em conspiracionismo, é claro que o confinamento também tem sido um teste de docilidade em escala real. Foi possível avaliar em que condições era possível fazer com que as pessoas se tornassem seus próprios carcereiros. Ao mesmo tempo, a pretexto de um estado de emergência sanitária, foram adotadas novas medidas de vigilância e de controle que provavelmente se perpetuarão ao serem incorporadas ao direito comum. As medidas adotadas no passado para combater o terrorismo também atingiram toda a população. Cada crise oferece assim uma oportunidade de virar o parafuso.
Muitos comentaristas fofocam sobre o “mundo de amanhã”. Você acha que uma simples epidemia poderia ser suficiente para desafiar os fundamentos do sistema atual? Em outras palavras, o capitalismo globalizado terá que rever seu software ou ainda terá recursos suficientes para continuar sem alterar seu funcionamento histórico?
Nenhuma epidemia pode, por si só, provocar uma revolução política e muito menos o desaparecimento de uma ideologia dominante. Por outro lado, é óbvio que se sonha de pé quando se imagina que “nada voltará a ser o mesmo”. Quem não deseja que nada mude, tem enormes meios à sua disposição para conseguir isso. Mas retornar à rota não vai ser fácil. Aqui, não é a epidemia que conta, mas o que acontece a seguir. Setores inteiros da atividade econômica já foram afetados, e muitos não se recuperarão. O governo está compensando o trabalho em horário reduzido no momento, mas isso será apenas por um curto período. No próximo ano, ou mais provavelmente nos próximos dois anos, podemos esperar incontáveis falências e planos de demissão. O desemprego vai disparar. A própria crise econômica e social pode levar a uma crise financeira de primeira magnitude. A Europa já entrou em recessão e, para absorver a ajuda de emergência que ela teve que fornecer, o endividamento do Estado atingirá alturas estratosféricas. Tudo isso deve levar à raiva social, em comparação com a qual o movimento dos coletes amarelos aparecerá em retrospectiva como algo pequeno.
Vivendo mais ou menos confinado há mais de trinta anos, o confinamento não mudou muito no meu modo de vida! Mas para as classes trabalhadoras, que se encontraram em prisão domiciliar por dois meses, o confinamento foi insuportável. São essas mesmas classes trabalhadoras que têm mantido o país em movimento, o que tem mostrado, mais uma vez, que são as partes mais indispensáveis da população que são também as mais mal remuneradas. A próxima crise econômica também vai atingi-los duramente. As conseqüências ainda são imprevisíveis, mas elas devem ser enormes.