por Nicolas Bonnal
(2018)
(2018)
Discutindo sobre os Coletes Amarelos com um leitor erudito e entendido do Islã, me recordei desse belo capítulo do livro “O Reino da Quantidade e o Sinal dos Tempos”, onde o mestre (Guénon, então) evoca o gênio do anonimato dos tempos medievais, por exemplo, quando da construção das catedrais ou no âmbito dos ofícios.
Mas se em nossa época nós gostamos de nos curvar diante dos nomes gloriosos de pessoas, das falsas dinastias, das dinastias endinheiradas (petróleo saudita ou carros nazistas), das Gaga, dos Johnny e dos Macron, para não falar nos jogadores de futebol e nos intelectuais tidos por luminares do pensamento humano (como também o monstruoso “pensador” israelense Harari), nós detestamos os desdentados, os anônimos, os plebeus e os coletes amarelos. E aqueles que contornaram o sistema com todo o gênio plástico do povo-receptáculo. Eles não têm representantes, além daqueles que o canal BFM nomeou depois de tê-los fantasiado com coletes, e eles não são nada. Isso deixa o sistema louco, porque tudo se apoia nos delírios mentais das celebridades. O problema, para o sistema, é que os Coletes Amarelos, sem querer, deram razão a Debord e Robespierre.
Debord: “E no plano individual, a coerência que prevalece é bastante capaz de eliminar, ou de comprar, certas exceções eventuais...”
Mas os Coletes não podem ser liquidados como exceção. E o sistema não vai comprar o povo que ele deseja exterminar ou substituir.
E Robespierre sobre os deputados em 29 de julho de 1792:
“Se a nação ainda não recolheu os frutos da revolução, se conspiradores tem substituído outros conspiradores, se uma tirania legalista parece ter sucedido ao velho despotismo, não busque em qualquer outro lugar pela causa senão no privilégio que se arrogam os mandatários do povo para brincar impunemente com os direitos daqueles que eles bajularam desprezivelmente durante as eleições”.
Retorno a Guénon, onde já vimos a severidade perante o burguês moderno e as classes médias (mas o povo não é a classe média). Ele escreve sobre o nobre anonimato medieval, que contrasta com a busca torpe e burguesa pela celebridade (“o culto do gênio”):
“Em relação à concepção tradicional dos ofícios, que é a mesma das artes, há outra questão importante para a qual devemos chamar a atenção: as obras da arte tradicional, as da arte medieval, por exemplo, são geralmente anônimas, e é apenas bastante recentemente que tem havido tentativas, como resultado do ‘individualismo’ moderno, de atribuir alguns nomes preservados na história a obras-primas conhecidas, ainda que tais “atribuições” sejam bastante hipotéticas. Essa anonimidade é precisamente o oposto da constante preocupação dos artistas modernas com afirmar e tornar conhecida acima de tudo mais as suas próprias individualidades; por outro lado, um observador superficial poderia pensar que ela é comparável à anonimidade dos produtos da indústria hodierna, ainda que estas não tenham qualquer direito a serem chamada “obras de arte”; mas a verdade é bem diferente, pois apesar de haver, de fato, anonimidade nos dois casos, é exatamente pelas razões contrárias”.
E Guénon acrescenta sobre essa extinção do ego típica do mundo tradicional:
“...deve-se indicar em primeiro lugar que, apesar de todas as falsas interpretações ocidentais sobre noções tais como as de Moksha e de Nirvâna, a extinção do ‘ego’ não é de forma alguma uma aniquilação do ser, mas implica, ao contrário, algo como uma ‘sublimação’ de suas possibilidades (sem as quais, notemos de passagem, a própria ideia de ‘ressurreição’ não faria qualquer sentido);sem dúvida, o artífice que está ainda sob o estado individual humano não pode deixar de tender a uma tal ‘sublimação’, mas o fato de guardar o anonimato será precisamente para ele o sinal dessa tendência ‘transformadora’.”
Guénon afirma em seguida:
“Se agora passarmos ao outro extremo, aquele que é representado pela indústria moderna, nós vemos que o trabalhador é também anônimo aqui, mas porque o que ele produz não expressa nada de si e não é realmente obra sua, o papel que ele desempenha nesta produção sendo puramente ‘mecânico’.”
Celebrai o despertar dos despossuídos no contexto dessa cruzada anônima e mundial do povo ressurgente.