11/07/2019

José Alsina Calvés - A Quarta Teoria Política do Filósofo Russo Aleksandr Dugin

por José Alsina Calvés

(2018)



No livro de Dugin, “A Quarta Teoria Política”, o filósofo russo insiste no caráter coletivo de sua criação, no sentido de que ela não é um sistema fechado, mas aberto às contribuições posteriores. No presente artigo tentaremos descrever e explicar, assim como avaliar, o mencionado livro de Dugin, o qual tomaremos como base de nosso trabalho. Segundo nossa compreensão, a QTP que Dugin expõe se fundamenta em um arcabouço teórico que consta de cinco elementos fundamentais:

1) Uma teoria da modernidade e de suas ideologias;
2) A pós-modernidade como mutação do liberalismo a neoliberalismo;
3) Uma teoria do tempo;
4) Uma fundamentação filosófica na ontologia de Heidegger;
5) A geopolítica dos grandes espaços.

Teoria da Modernidade

A QTP aparece como uma oposição radical à modernidade e a todas as suas manifestações, incluindo a atual implosão pós-moderna. A QTP se dirige a todas aquelas pessoas que sentem uma insatisfação radical diante da sociedade atual, suas mensagens e seus "valores”. Uma dissecação prévia da modernidade é o passo preparatório para a síntese e construção da QTP.


As raízes últimas da modernidade são difíceis de rastrear. Para Heidegger, na aurora da filosofia ocidental, na Grécia pré-socrática, já se produziu o “esquecimento do Ser” que macularia a metafísica ocidental e que desembocaria no “Gesteller”, o domínio da técnica que leva ao niilismo. Para Alain de Benoist (e outros autores da Nova Direita) será o Cristianismo que introduzirá a metafísica da subjetividade, a visão linear da história e a separação radical entre Deus e o mundo, que converterá este em um objeto dessacralizado, apto a ser utilizado por uma técnica a serviço do imanente.

Dugin, não tão radical, situa as origens da modernidade no aparecimento do liberalismo. Seus antecedentes imediatos são a filosofia de Descartes e o Iluminismo, e seus grandes teorizadores são Rousseau, Locke e Smith. Aqui Dugin introduz um conceito interessante: o de “sujeito”. Toda teoria política se apoia em um sujeito, e o sujeito do liberalismo é o indivíduo.

Para o liberalismo, o indivíduo é anterior à sociedade. O próprio conceito de “sociedade” (oposto ao de comunidade) é essencialmente liberal, e se refere à associação livre e voluntária dos indivíduos através do “contrato social”. Por outra parte, para o liberalismo o indivíduo, pelo mero fato de ter nascido, já é portador de direitos inalienáveis (Direitos Humanos): a liberdade (entendida em abstrato) e a propriedade são os direitos mais importantes. Há que assinalar que a liberdade liberal é um conceito negativo: se refere à falta de coerção de qualquer tipo. Ainda que a ideia de liberdade em princípio se referia às coerções do Antigo Regime, esta foi evoluindo até considerar um obstáculo qualquer relação de pertencimento: a identidade cultural, religiosa, nacional ou mesmo sexual acaba sendo um obstáculo para a “livre” escolha do indivíduo. 

O desenvolvimento político e social do liberalismo deu lugar ao capitalismo, e ao aparecimento de novas teorias políticas que disputaram com o liberalismo para a realização dos ideais da modernidade: o socialismo (segunda teoria política) e o fascismo (terceira teoria política).

Por socialismo Dugin entende todas as variantes que tem o marxismo como ideologia nuclear: desde o socialismo democrático ao comunismo stalinista ou ao trotskismo. Se o sujeito político do liberalismo era o indivíduo, o do marxismo é a classe social. Se entende por classe social o conjunto de pessoas que ocupam um mesmo lugar no processo de produção: proprietários de terras, burgueses (proprietários das fábricas) ou proletários (que vivem de vender sua força de trabalho).

O marxismo não se opõe à modernidade, pretende realizar seus ideais melhor que o liberalismo. Partilha com ele uma visão puramente econômica do ser humano, e uma concepção linear e progressista da história, que avança desde um primitivismo a um “fim da história”, a era do comunismo em que o Estado se dissolverá por ser desnecessário.

O marxismo enquanto filosofia política teve diversas concreções práticas. A mais evidente foi o comunismo soviético russo ou “socialismo real” e o de seus países satélites. Mas Dugin, tal como os nacional-bolcheviques russos, crê ver neste comunismo russo uma manifestação da alma russa. Chega a dizer que as causas últimas da Revolução de Outubro devem ser buscadas no descontentamento do povo russo com a ocidentalização e “modernização” da Rússia patrocinadas pelos Romanov. Haveria, pois, no comunismo russo duas “almas”: a marxista com seus mitos economicistas e progressistas, antirreligiosa e antinacional (seu representante mais genuíno seria Trótski, defensor da revolução mundial), e a nacional-comunista onde, por baixe da epiderme marxista, sobreviveria o espírito patriótico da Grande Rússia.

A interpretação de Dugin sobre o comunismo russo tem grande influência na Rússia atual e inspira a política do próprio Putin. Os mitos marxistas foram totalmente superados e abandonados e o patriotismo e a religião ortodoxa viram um renascimento inaudito. Mas o país não se envergonha de seu passado, o qual é recuperado como parte de sua história. Os símbolos comunistas não foram retirados de seus edifícios oficiais, nem se derrubou as estátuas de Lênin.

O marxismo ocidental foi outra coisa. A filosofia que anima os partidos comunistas da Europa Ocidental durante a última parte do século XX foi uma encarnação muito mais purista de uma ideologia da modernidade. Mas a desintegração da União Soviética e o fenômeno da globalização significaram um duro golpe para as pretensões marxistas de ter descoberto as leis que regiam a história humana. Hoje em dia, o marxismo é uma filosofia superada, abatida pelo liberalismo triunfante.

A terceira teoria política que aparece na modernidade é o fascismo. Mas aqui vale a pena nos determos e fazer umas precisões em relação a tese de Dugin. Recordemos que este definia uma teoria política por seu sujeito: para o liberalismo o sujeito político é o indivíduo e para o marxismo é a classe social. Em sua tentativa de definição genérica do fascismo Dugin tem que reconhecer uma dualidade de sujeitos políticos: a raça no nacional-socialismo alemão e o Estado no fascismo italiano. Esta reconhecida dualidade de sujeitos políticos faz suspeitar que estamos diante de dois fenômenos distintos.

Na realidade, quando falamos do fenômeno fascista estamos nos referindo a uma realidade plural, com uma evidente pluralidade de sujeitos. Algumas manifestações do fascismo (como a Guarda de Ferro romena ou a Falange espanhola) estiveram absolutamente impregnadas do espírito religioso-católico, enquanto outras foram absolutamente laicas e seculares. Alguns regimes qualificados de “fascistas”, como o de Franco na Espanha, o de Salazar em Portugal ou do Dollfus na Áustria foram, na verdade, ditaduras impregnadas de espírito contrarrevolucionário, ideologia por certo a que Dugin nunca se refere, talvez por não considera-la própria da modernidade, mas vestígio do Antigo Regime.

Alguns estudiosos do fenômeno fascista, como Sternhell, tentaram buscar um denominador comum de todas estas tendências e situaram na França a origem da ideologia fascista, como uma síntese do monarquismo católico de Charles Maurras e seus seguidores com o sindicalismo revolucionário de Sorel. Mas esta síntese segue deixando de fora o nacional-socialismo alemão, centrado na doutrina da raça.

Para Dugin, o fenômeno fascista forma parte da modernidade. Sua principal bateria de argumentos se concentra, com razão, no nacional-socialismo alemão. Estamos totalmente de acordo em que o racismo, que caracteriza esta ideologia, é um fenômeno especialmente moderno. Em nosso entendimento, o racismo tem duas raízes ideológicas, ambas essencialmente modernas: a teoria calvinista da predestinação, e uma interpretação do darwinismo, por parte de Spencer e de Haeckel (o social-darwinismo) que nunca foi admitida pelo próprio Darwin.

Para certas seitas protestantes, quando um ser humano vem ao mundo, já é predeterminado por Deus se ele será salvo ou condenado. Boas obras e sucesso profissional e empresarial não são méritos, mas sinais de que se pertence aos "eleitos". Max Weber já apontou em sua época a influência dessa ideologia no capitalismo nascente. Passar da categoria de indivíduos "escolhidos" para o dos povos "escolhidos" é fácil. O mesmo fenômeno ocorre no judaísmo com sua teoria de "povo escolhido por Deus". É significativo que nas aldeias da tradição católica raramente tenham ocorrido manifestações de racismo (que não deve ser confundida com a xenofobia).

A outra principal fonte ideológica do racismo é o social-darwinismo, desenvolvido pelo filósofo inglês Herbert Spencer e pelo biólogo e filósofo alemão Ernst Haeckel. O social-darwinismo (que nunca foi aceito por Darwin) transfere os conceitos biológicos de seleção natural e sobrevivência do mais apto para a vida social. A luta de todos contra todos teve, a princípio, um caráter de confronto físico, depois mudou-se para o campo econômico. Os mais "aptos" sobrevivem e apropriam-se de tudo. Qualquer tentativa do Estado ou da sociedade de apoiar os "fracos", aqueles que são derrotados pela luta social, vai contra o progresso e só faz com que o vício e a preguiça sejam cultivados.

Quando o social-darwinismo se desloca dos indivíduos para os povos, o racismo aparece. Note que os mitos racistas estão impregnados de mitos modernos: por que os racistas acreditam que a raça branca (leia-se alemã, inglesa, etc.) é superior? Porque avançou muito mais no caminho da modernização, comparado a outros povos "atrasados", porque desenvolveu tecnologia, indústria, capitalismo. Porque eles destruíram suas próprias tradições e esqueceram suas raízes, nós dizemos. Eis aqui a "superioridade" da civilização ocidental.

O racismo ligado ao social-darwinismo e à teoria calvinista da predestinação são os nexos de união entre o liberalismo e o nacional-socialismo, que lhe dão um indubitável verniz de modernidade, dando assim razão a Dugin. A questão é mais problemática quando nos referimos a outras formas de fascismo.

No fascismo italiano, há uma mistura confusa de elementos modernos e "tradicionais". O culto às máquinas e à velocidade, procedentes do "futurismo", tal como o nacionalismo, que alguns autores relacionam com o jacobinismo da Revolução Francesa, seriam elementos modernos. Mas o culto ao mito do Império, oposto à ideia moderna de Estado-Nação, seria um elemento tradicional presente no fascismo.

Em outros movimentos fascistas como a Falange espanhola ou a Guarda de Ferro romena o elemento tradicional está presente na forma de uma grande visão religioso-católica que permeia completamente essas ideologias.

Finalmente, há um confuso conjunto de correntes, que Dugin chama de "terceira via" que, embora relacionada ao fascismo, reforça significativamente sua rejeição global à modernidade. Aqui estaria o nacional-bolchevismo, o socialismo de Strasser ou certos autores da revolução conservadora.

À margem dessas matizações, Dugin argumenta que tanto o fascismo quanto o comunismo enfrentaram o liberalismo não por se oporem à modernidade, mas por apresentarem um programa de modernidade alternativa. O fascismo foi derrotado militarmente (com colaboração comunista) e se tornou a "besta negra" da modernidade, em uma autêntica encarnação diabólica do mal. O comunismo foi derrotado economicamente e, após o colapso da URSS, tornou-se uma antiguidade que nem a esquerda se atreve a reivindicar.

O comunismo e o fascismo foram, então, duas ideologias que participaram da modernidade, mas foram derrotadas pelo liberalismo, porque este representa, melhor do que ninguém, os ideais da modernidade.

Quando o liberalismo se encontra sem oponentes começa uma nova era. A era da globalização, da morte da política, da conversão do liberalismo em neoliberalismo: entramos na pós-modernidade.

A Pós-Modernidade

Dois filósofos e sociólogos franceses procedentes da esquerda, Christian Laval e Pierre Dardot, em seu livro “A Nova Razão do Mundo - Ensaios sobre a Sociedade Neoliberal” descreveram com maestria o fenômeno anunciado por Dugin, a conversão do liberalismo ao neoliberalismo e o surgimento da pós-modernidade.

O que é essa transformação? O sujeito ainda é o indivíduo, mas este está a caminho de se tornar um pós-indivíduo (o rizoma de que fala Deleuze). O pós-indivíduo perdeu toda identidade e tudo nele é potencial. Novas tecnologias genéticas e biológicas tornam possível escolher mesmo a aparência física ou até o sexo. Não está ligado a nenhum lugar ou coisa concreta. O pós-indivíduo administra a si mesmo como uma empresa capitalista, cercada de ofertas de todos os tipos, entre as quais ele tem que escolher a "melhor" opção, a mais "racional", que maximize seus benefícios.

Mas a principal mutação da modernidade para a pós-modernidade é que o liberalismo, transformado em neoliberalismo, não se apresenta mais como uma ideologia, como uma possibilidade, mas como a própria realidade. O neoliberalismo, ideologia triunfante, nega a si mesmo enquanto ideologia e nega a política, isto é, nega a possibilidade de uma alternativa. Os próprios termos "político" ou "ideológico" aparecem como pejorativos. Ninguém pode duvidar dos fins: a construção de uma sociedade onde o indivíduo é cada vez mais livre. Livre de quê? De qualquer identidade que limite suas possibilidades de escolha.

Esta negação da política degrada qualquer debate ao puramente “técnico”, quer dizer, sobre os meios que melhor realizem fins que ninguém pode discutir. Na realidade, todas as forças e partidos políticos que se movem na esfera do poder são liberais: conservadores (liberal-conservadores), social-democratas (liberais de esquerda), e até mesmo partidos nacionalistas e populistas que (na teoria) se manifestam contra o Sistema, estão impregnados pela ideologia liberal.

Uma Teoria do Tempo

O discurso de Dugin sobre o tempo e suas consequências filosóficas e políticas é, talvez, um dos elementos mais interessantes e originais da QTP.

A concepção moderna do tempo é definida por dois fatores:

A ideia de tempo linear, introduzida pelo cristianismo e continuada pelo racionalismo, pelo positivismo e pelos progressismos de todo tipo.

A ideia de Newton de "tempo absoluto".

A primeira é mais conhecida. Há uma origem, um "pecado original" (pecado de Adão e Eva no cristianismo, a origem da propriedade privada no marxismo, o aparecimento de superstições e "ídolos" no racionalismo), que provoca a queda, e então um avanço progressivo em direção a uma época de felicidade, que culminará em um "fim da história".

A segunda não é tão bem conhecida. Newton definiu um tempo absoluto, que transcorria em um fluxo independente dos eventos que ocorreriam nele. A ideia de Newton se opunha à de Leibniz, para o qual só se poderia falar sobre passagem do tempo quando em seu seio ocorriam acontecimentos que diferenciavam uma unidade de tempo da seguinte. Quando isso não acontecia, as unidades do tempo eram idênticas e, de acordo com o princípio da unidade dos indiscerníveis, elas eram as mesmas, portanto o tempo não havia decorrido.

O tempo absoluto de Newton era, em princípio, compatível com a ideia linear ou cíclica do tempo. O geólogo escocês James Hutton baseou-se na ideia de Newton para desenvolver sua teoria dos ciclos geológicos que se repetiam indefinidamente. Mas a síntese do tempo absoluto com a concepção linear da história forjou a concepção moderna do tempo.

De acordo com a teoria moderna do tempo, este não é apenas independente dos eventos que ocorrem nele, mas, conduzido pela seta que leva a história a seu fim, determina os próprios eventos. A expressão moderna daqueles que estão revoltados com eventos que parecem retrógrados e que não "deveriam" ocorrer, "que coisas assim ocorram em pleno século XXI!!!” reflete perfeitamente esta visão do tempo.

Dugin, baseando-se em Heidegger, desafia essa concepção do tempo. Para Heidegger, o ser humano é o Dasein (o Ser-aí). O Dasein não é determinado pelo tempo, mas, inversamente, o Dasein determina o tempo. Imaginemos um ser vivo racional e consciente, mas que viveu menos de um ano. Ele não veria as estações como um ciclo repetitivo, mas como uma flecha que se move em direção a um "estado final". Se ele vivesse do verão ao inverno, sua flecha do tempo coincidiria com o resfriamento e imaginaria um "estágio final" da história fria e coberta de neve. Se ele vivesse do inverno ao verão, sua flecha do tempo coincidiria com o aquecimento, e ele veria o "fim da história" como algo tórrido.

Para Dugin, o tempo é reversível e socialmente dependente. É certo que em nossa sociedade ele é linear, progressivo e acelerado. Mas são perfeitamente imagináveis outras sociedades onde o tempo seja cíclico ou mesmo regressivo.

A Ontologia de Heidegger

Muitos dos elementos teóricos do TCC desenvolvidos por Dugin são baseados na ontologia de Heidegger. A filosofia de Heidegger, delineado em sua principal Ser trabalho e tempo, é complexo e obscuro, e gira em torno do conceito de Ser para Heidegger, nos primórdios da filosofia ocidental, na Grécia, houve um erro fundamental. É considerar o Ser apenas como razão suficiente da entidade. Esse "esquecimento do Ser" está presente em toda a história intelectual do Ocidente e acaba dando origem à técnica, que é "metafísica realizada".

O ser humano é, para Heidegger, o "pastor do Ser", porque é o Dasein (o Ser-aí). Mas o Dasein pode ser de duas maneiras: autêntico ou inautêntico (das Man). Dugin insinua, embora apenas como uma possibilidade, que o Dasein pode ser o sujeito do CTP, porque o Dasein autêntico é plural, e cada povo, cultura ou civilização terá seu próprio Dasein.

A pós-modernidade, que Heidegger não viveu, seria o esquecimento final do Ser, onde o "nada", o niilismo, começa a aparecer em todas as suas fissuras. O autêntico Dasein desaparece em sua pluralidade, e o inautêntico, o Das Man, representado por uma civilização global, idêntica em toda parte, aparece.

Mas Heidegger deixa um aberto à esperança quando se fala das Ereignis, o "evento" para descrever o retorno repentino de Ser porta. Dugin pega essa idéia quando ele nos diz que no coração da CTP, em seu centro magnético está localizado a trajetória e a esperança deste Ereignis, "o Evento", que está se aproximando. Ela incorporará o retorno triunfante do Ser, exatamente no momento em que a humanidade se esqueceu completamente disso.

Neste ponto, utópica, de seu pensamento, Dugin imagina um retorno do Ser, um renascimento da autêntica Dasein em sua pluralidade e uma retirada de Das Man. Então, diz-nos também que a luta contra a globalização (Das Man) deve ser de uma tradição cultural concreta que, no seu caso, é russa. Este retorno do Ser não se manifestar no renascimento dos Estados-nação, mas na organização do mundo em grandes espaços que coincidem com civilizações, que por sua vez coincide com a distribuição das religiões.

A Geopolítica dos Grandes Espaços

A ideia de que os autênticos sujeitos da história são as grandes civilizações não é original de Dugin. Foi defendida por Toynbee em seu livro “Estudo da História”, e foi atualizada por Huntington com sua tese sobre o choque de civilizações.

A novidade de Dugin é que considera as civilizações como a base de uma possível superação, no futuro, da globalização, a partir dos “grandes espaços”. Seriam conjuntos de nações, unidas por uma civilização comum e por interesses geopolíticos e geoestratégicos. Os grandes espaços são imaginados por Dugin à maneira dos Impérios, com um Centro soberano, mas com uma ampla descentralização dos territórios que permita aplicar o princípio da subsidiariedade, ou seja, nada que possa ser administrado a um nível deve ser feito em um nível superior.

Dugin se refere especialmente a dois grandes espaços que lhe são próximos: um seria a Eurásia, com seu centro na Rússia. Outro seria a União Europeia. O Dasein da Eurásia seria a civilização ortodoxa. Em relação à União Europeia é necessário fazer matizações importantes. Para que este fosse realmente um Grande Espaço dos imaginados por Dugin ele teria que ser fiel a seu Dasein, coisa que evidentemente não se dá. Liberal desde suas origens e vanguarda do neoliberalismo na atualidade, a União Europeia é concebida unicamente como um espaço de liberdade comercial, onde se aplicam as normas do neoliberalismo mais ortodoxo, e como um espaço “político” para a plena realização do pós-indivíduo.

Ademais, a dependência política e militar da EU em relação aos EUA e ao atlantismo a distanciam da soberania imprescindível para se poder falar em um grande espaço no sentido duginiano do termo. O fato de que a EU proponha a integração da Turquia, país absolutamente alheio ao Dasein europeu, tanto por sua cultura, como sua religião ou sua situação geográfica confirma o que estamos dizendo. A penosa atuação da EU na crise ucraniana, mostrando seu absoluto seguidismo dos interesses americanos é outro argumento a nosso favor. Os interesses geopolíticos da Europa aconselham a esta uma aliança com a Eurásia e, portanto, a UE age contra os interesses da Europa.

É sintomático que a EU seja liderada pela Alemanha, país absolutamente “novo”, destruído não só fisicamente como espiritualmente após a Segunda Guerra Mundial e moldado à imagem e semelhança de seus ocupantes ingleses e americanos, e por sua vez liderado por uma ex-comunista convertida ao neoliberalismo mais "ortodoxo”.

A QTP desenvolvida por Dugin e outros autores é um elemento imprescindível para todos aqueles que não nos sentimos satisfeitos na decadente e putrefata sociedade ocidental. É também uma aposta de futuro e uma ginástica intelectual estimulante que permite superar “antifascismos” e “anticomunismos” caducos em um mundo onde o fascismo e o comunismo deixaram de existir realmente, e no qual o único inimigo a abater é o neoliberalismo, convertido em “nova razão do mundo”.