04/12/2018

Aleksandr Dugin - A Anatomia do Populismo e o Desafio da Matrix

por Aleksandr Dugin

(2018)



Os protestos na França, simbolizados por coletes amarelos, cobrem uma parte cada vez maior da sociedade. Especialistas políticos já chamaram esse movimento de uma “nova revolução”. A escala do movimento dos "coletes amarelos" já é tão séria que é absolutamente necessário analisar esse fenômeno de maneira detalhada.

Estamos lidando com uma manifestação vívida do populismo europeu moderno. O significado do populismo enquanto fenômeno é que a estrutura política das sociedades formadas na esteira da Grande Revolução Francesa e baseadas no confronto entre direita e esquerda está mudando radicalmente.

Os movimentos populistas rejeitam esse esquema político clássico de esquerda/direita e não seguem nenhuma atitude ideológica rígida, seja de direita ou de esquerda. Essa é a força e o sucesso do populismo: ele não atua de acordo com as regras predefinidas. No entanto, o populismo tem sua própria lógica: apesar de sua espontaneidade, é perfeitamente possível traçar alguma lógica e até mesmo o início de uma ideologia populista tomando forma diante de nossos olhos.


Em primeiro lugar, o fato de que os movimentos populistas são dirigidos contra a elite política como um todo, sem fazer distinção de direita ou esquerda, é impressionante. Esta é a "revolta da periferia da sociedade contra o seu centro". Em seu famoso trabalho, o sociólogo americano Christopher Lasch (1932-1994) designou a forma de governo que prevalece na sociedade ocidental moderna como a “revolução da elite”.

No início do século XX, era costume seguir o discurso de José Ortega y Gasset sobre a “revolta das massas”, cuja crescente influência na política ameaçava, aparentemente, destruir a cultura ocidental - o Logos europeu.

Mas Christopher Lasch observou uma nova tendência política: são as elites que hoje estão destruindo a cultura e o logos europeu. Essas novas elites ocidentais, que alcançaram o ápice do poder apenas por sua malícia e imensa vontade de poder, são muito piores e mais destrutivos do que as massas.

Uma pessoa comum ainda mantém algumas tradições culturais; é quase impossível encontrar um "puro proletário". Mas as elites capitalistas modernas, que não têm aristocratismo em seus sentidos, são ambiciosas por poder, posição e conforto. Ao mesmo tempo, mais e mais tipos marginais começaram a penetrar na “nova elite”, pessoas não de grupos periféricos, mas de grupos minoritários - étnicos, culturais, religiosos (freqüentemente sectários) e sexuais - se tornaram dominantes entre eles. É essa turba pervertida, segundo Christopher Lasch, que forma a base da elite globalista moderna, que destrói os alicerces da civilização.

Assim, o populismo - incluindo o populismo dos “coletes amarelos” - pode ser visto como uma revolta de retaliação do povo contra as elites, que perderam completamente sua conexão com a sociedade. As elites construíram seu próprio mundo no qual padrões duplos, normas politicamente corretas e a demagogia liberal reinam.

De acordo com essas “novas elites”, o povo e a sociedade, em seu estado atual, não têm lugar neste mundo. Portanto, a representante típica da "nova elite" Hillary Clinton, perturbada pelo sucesso do populista de direita Trump, insultou abertamente os americanos comuns - deploráveis, o que significa "insignificância". Os “deploráveis” escolheram Trump - não porque eles o amavam, mas para responder à “bruxa globalista” Clinton.

Macron é um representante do mesmo tipo de "nova elite". É curioso que na véspera das eleições o jornal francês 'Libération' publicasse a manchete 'Faites ce que vous voulez, mais votez Macron' (“Faça o que quiser, mas vote em Macron”). Esta é uma óbvia paráfrase de Aleister Crowley, que se proclamou no século XX como o Anticristo e a Besta 666: "Faz o que queres será o todo da Lei". Em outras palavras, multidões obedientes devem votar em Macron não por razões racionais, não por causa de suas idéias e virtudes, mas simplesmente porque esta é a lei imperativa da elite dominante, e a desconsideração das elites em relação às massas massacradas obedientes é tão aberta que eles nem se preocupam em seduzi-los com promessas impraticáveis: "Vote em Macron, porque isso é uma ordem e isso não está aberto para discussão". Vote e então você está livre. Deploráveis. E isso é tudo.

Na Itália, onde metade da população votou por populistas de direita da 'Lega', e a segunda metade - por populistas de esquerda do 'Cinque stelli', e juntos esses partidos conseguiram criar o primeiro governo populista na história da Europa.

E agora na França. E embora na França não haja praticamente nenhum contato político entre o populismo de direita da Frente Nacional e o populismo de esquerda de Mélenchon, hoje eles estão unidos na heroica revolta dos “coletes amarelos”.  Os "coletes amarelos" são deploráveis, tanto de direita quanto de esquerda (ou, nem de esquerda liberal, nem de direita liberal). Os populistas de direita estão aterrorizados pelas políticas insanas da nova elite em relação à imigração e à destruição dos resquícios da identidade francesa. Os populistas de esquerda estão indignados com as desastrosas políticas econômicas dos liberais, que defendem apenas o interesse dos grandes negócios: Macron é um protegido dos Rothschilds e isso mostra de que lado ele está...

Os "coletes amarelos" rebelaram-se contra Macron bem como contra a elite liberal dominante. Mas hoje, já não é mais um movimento da direita ou da esquerda clássica. Macron é de esquerda no apoio à migração, proteção de minorias, a legalização de distorções e o chamado "marxismo cultural", mas de direita (direita liberal) em termos de economia, defendendo firmemente os interesses dos grandes negócios e da burocracia europeia. Ele é um globalista puro, sem descartar uma declaração direta de sua pertença à Maçonaria (seu famoso sinal de mão, representando um triângulo), e até com slogans satânicos diretos: “Faça o que quiser, mas vote em Macron.” A revolta dos “coletes amarelos” é precisamente contra essa combinação de direita liberal e esquerda liberal.

Se Mélenchon e Marine Le Pen não podem ser unidos politicamente, sendo um - muito à esquerda e o outro – muito à direita, então os "coletes amarelos" farão isso no lugar dos líderes políticos que buscam liderar um movimento populista. Os “coletes amarelos” não são apenas contra a política econômica ou a imigração - eles são contra Macron como um símbolo de todo o sistema, contra o globalismo, contra o totalitarismo liberal, contra o “estado atual das coisas”. O movimento dos "coletes amarelos" é uma revolução populista e popular. E a palavra "povo" (populus, "le peuple") no conceito de "populismo" deve ser entendida literalmente.

Estas não são massas abstratas ou um proletariado impessoal - elas são as últimas pessoas vivas que se ergueram contra o poder global da prole mundial, os rebeldes (como Lasch acredita) contra a cultura e civilização, assim como contra homem enquanto tal, contra o povo, contra Deus. Hoje não há mais direita e esquerda: apenas o povo está contra a elite. Os "coletes amarelos" estão criando uma nova história política, uma nova ideologia. Macron não é um nome pessoal, é um rótulo da Matriz. Para alcançar a liberdade, ele precisa ser aniquilado. Assim falaram os "coletes amarelos", e eles falam a verdade...