O problema com Martin Heidegger, o filósofo ocidental amplamente aclamado, não é apenas como interpretar corretamente seus textos, mas também como interpretar corretamente as obras de seus intérpretes. A partir de uma infinidade de livros e artigos de centenas de críticos de Heidegger, dificilmente podemos distinguir dois críticos que se pareçam um com o outro. Cada crítico, ou melhor, qualquer suposto perito em Heidegger, costuma manusear várias palavras de Heidegger, apenas para interpretar essas palavras de acordo com suas próprias conclusõs prévias. No estudo tradicional alemão, esta compartimentação obsessiva das ciências sociais, que salta sobre um contexto social, racial, literário, histórico, etc., mais amplo, foi rotulada com um substantivo "Fachidiotismus", isto é, "idiotice especializada". Este tipo de abordagem compartimentalizada nas ciências sociais hoje é bastante difundido entre os acadêmicos liberais e os autoproclamados especialistas da mídia.
Somos, portanto, obrigados a levantar uma pergunta simples: vale a pena ler as críticas mutuamente exclusivas de Heidegger em primeiro lugar? Parte do problema também reside na própria prosa opaca de Heidegger, sem notas de rodapé e bibliografia, que nunca oferece ao leitor uma única ilustração do domínio público e que permanece fechada em relação a qualquer julgamento ético. Para os guerreiros da justiça social modernos, o filosofismo abstrato é inadmissível. Para piorar as coisas, o texto de Heidegger com nomes compostos alemães faz com que seus textos sejam lidos como um quebra-cabeças reminiscente das dificuldades de Orfeu, das tarefas de Teseu ou dos trabalhos de Hércules, durante os quais esses três heróis míticos se embarcam em uma perigosa viagem de uma suposição mortal na tentativa de decifrar o enigma da vida (Ser). Embora esses heróis tenham conseguido adivinhar todos os enigmas da vida, em algum momento, no entanto, o destino inexorável se impõe. O destino individual incontrolável, combinado com o destino inevitável de sua comunidade, recai sobre eles todos: primeiro a morte violenta do herói e depois a queda da comunidade do herói [1].
Não é surpresa, então, que Heidegger, assim como todos os pensadores, poetas e estudiosos europeus "nacionalistas-socialistas-conservadores-revolucionários-tradicionalistas-pagãos-tradicionais-cristãos, etc", incluindo figuras políticas simpáticas do pré-guerra, era profundamente apaixonado pela língua e sabedoria da Grécia antiga. "Sim para Atenas, não para Jerusalém!" era o lema subjacente de todos eles. No entanto, Heidegger evita meticulosamente qualquer referência ao domínio público, nunca se aventurando nas águas turbulentas dos estudos de raça, sociologia ou teologia - diferentemente dos seus colegas, inspirações ou mesmo imitadores nacionalistas ou conservadores contemporâneos, do mesmo calibre intelectual ou similar, tal como Oswald Spengler, Carl Schmitt ou Ernst Jünger [2], cujos livros ainda fornecem uma narrativa histórica, social e literária muito acessível e muito legível sobre a verborragia abstrata conhecida como "democracia ocidental" ou "humanismo" (ou pode-se parafrasear Heidegger com suas próprias palavras veladas de "mergulho descendente" ou "queda" (isto é, Absturz) no liberalismo). Sua única e quase obsessiva preocupação permanece a linguagem e como a linguagem lida com o imaterial e onipotente Ser, e como, por sua vez, o Ser se interrelaciona com o "Ser-aí" fisicamente visível, isto é, a vida do homem ou o "Dasein". Ou, simplesmente , embora de forma mais grosseira, Heidegger teoriza como o Ser indefinível afeta o "estar-lançado" ou "queda" do homem neste mundo sem nunca ser perguntado se ele queria ser jogado neste mundo em primeiro lugar. O falecido cantor de rock americano Jim Morrison, que costumava ser um ávido leitor, teria sido influenciado em sua música por este conceito de Heidegger.
A fama repentina e inesperada de Heidegger é, paradoxalmente, mais atribuível a alguns intelectuais franceses simpáticos de tendência à esquerda que vieram a ser conhecidos após a Segunda Guerra Mundial como "existencialistas" do que a direitistas europeus simpáticos ou a sua própria ambição de autopromoção . Ele era um homem modesto e socialmente tímido que evitava trocas polêmicas com seus detratores e que desprezava intensamente a agitação das grandes cidades, preferindo viver uma vida provincial de uma cidade pequena. "Nas grandes cidades, pode-se facilmente ser tão solitário como em quase nenhum outro lugar". [3] Nem a aparência de Heidegger, ou seja, seu "fenótipo" corresponde à iconografia de Hollywood do usual nazista loiro, alto e louco, que está pronto para gasear todo o planeta. Heidegger era um homem de estatura física modesta que se assemelhava a mais um quebra-galho das Montanhas Ozarks, ou um garoto do coral idoso em sua pequena cidade de Messkirch acendendo velas todas as manhãs em sua igreja epônima local de São Martinho do que um alto e musculoso rei filosofo branco.
Heidegger se orgulhava em lembrar aos visitantes de seu pedigree campesino. Mas seus olhos vívidos refletiam um homem de alta inteligência capaz de ler os pensamentos escondidos de seus adversários. Heidegger pode, portanto, ser uma grande decepção para muitos nacionalistas brancos que se concentram apenas no papel da raça física, negligenciando o estudo da raça espiritual. Os substantivos compostos generalizados e recém-construídos, popularizados durante sua vida por estudiosos raciais proeminentes na Alemanha - palavras como "Ahnenerbe" (herança ancestral), "Rassenhygiene" (higiene racial) ou "Rassenschande" (impureza racial) - estão ausentes nos livros de Heidegger. [4] Sua evitação para escrever pelo menos um capítulo sobre a "ontologia da hereditariedade" pode também ser uma grande desvantagem em toda a sua carreira filosófica. A perda de identidade (ou seja, a "queda do Dasein autêntico", isto é, da vida humana) terá inevitavelmente um significado completamente diferente para um nativo de Papua-Guiné do que para um homem branco que é nativo de Nova York multiracial.
Era de se esperar que, depois da Segunda Guerra Mundial, seus críticos, em sua maioria críticos marxistas e judeus mundanos, com Theodor Adorno na liderança, começassem a avaliar as obras de Heidegger através das antigas afiliações nacional-socialistas de Heidegger. Adorno zomba da linguagem de Heidegger: "assim que afrouxa sua autocensura voluntária, ele cai no jargão, com uma provincialidade que não pode ser desculpada já que ela se torna temática de si mesma". [5] No entanto, em sua própria linguagem florida mas também bem mais explícita, Adorno percebeu corretamente a tendência de Heidegger à "linguagem pedante" cuja transposição para o jargão da falsa democracia Adorno alega estar repetindo-se novamente na Alemanha Ocidental do pós-guerra governada pelos americanos. No entanto, de passagem, Adorno não pode deixar de exibir seu próprio medo tribal e sua vitimização de um "desabrigo" judio errante, bem como a sua própria situação "ahasueriana" (ou seja, hebraica) marcada com a estrela amarela, a cada vez que Heidegger aborda o tópico sensível da "inautenticidade" e do "desabrigo".
"Quando Heidegger finalmente chama de 'desabrigo' à 'terceira característica essencial desse fenômeno', ele evoca o elemento ahasueriano. Ele faz isso por meio da demagogicamente comprovada técnica da alusão, que mantém silêncio sobre aquilo com o que se espera consentimento secreto. O prazer da mobilidade se torna uma maldição para o desabrigado. O oposto do 'Dasein quotidiano', que 'está constantemente se desenraizando', é 'observaar entidades e se maravilhar com elas', embora ainda não seja, de qualquer modo, a contemplação do Ser. Na filosofia em 1927, o intelectual desenraizado carrega a marca amarela de alguém que mina a ordem estabelecida". [6]
Previsivelmente, após o fim da Segunda Guerra Mundial e em grande parte devido a Adorno e aos esforços de seus acólitos na recém-estabelecida Escola de Frankfurt, as aulas de ciências sociais em toda a Europa e América logo se transformaram em cursos antifascistas seriais sobre demonologia. Cada pensador inconformista, crítico tanto da ordem liberal-capitalista americana quanto da escolástica marxista patrocinada pelos soviéticos, corria o risco de ser identificado como um demônio nazista ou fascista. A palavra depreciativa "nazista" (que nunca estave no uso oficial na Alemanha nacional-socialista), tornou-se depois da Segunda Guerra Mundial uma grande palavra de "cala a boca" no arsenal de fabricantes de opinião ocidentais em sua própria busca oportunista, embora autocensurada por proeminência política ou acadêmica e em sua vilipendação de seus oponentes intelectuais e políticos. [7]
Os críticos de Heidegger, no entanto, ignoram que seus métodos de processo judicial de culpa por associação "nazista" volta e meia acabam saindo pela culatra. A demonização acadêmica ou midiática de "Heidegger nazista" só adicionou mais brilho e glória à reputação já bem estabelecida de Heidegger. No entanto, à luz do envolvimento de Heidegger com o nacional-socialismo, dois métodos em relação à avaliação objetiva de suas obras merecem ser testados novamente. Uma opção é supor que o nacional-socialismo era um mal absoluto cósmico sem quaisquer conquistas intelectuais e culturais, cujos escribas pseudocientíficos e insanos devem ser extintos para sempre. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, este método de criminalização jurídica e acadêmica dos hereges tem sido amplamente respeitado no domínio público e na educação superior na Europa e na América. Uma segunda opção na avaliação das obras de Heidegger é radicalmente oposta e é a seguinte: devido a uma grande quantidade de estudiosos e escritores europeus e americanos que simpatizavam com o nacional-socialismo e o fascismo e, em vista da própria adesão de Heidegger, não teria sido o nacional-socialismo o ápice do empreendimento intelectual ocidental, bem como uma tentativa desesperada de criar o modelo político-cultural mais sofisticado - "Dasein" - em toda a história intelectual do Ocidente?
Falatório, ou a Subversão Moderna da Fala
Heidegger estava enamorado com a sua língua nativa alemã, que, com certeza, é a língua européia mais rica e um meio de comunicação ideal para os pensadores e os poetas. "A linguagem é a casa do Ser. Em seu lar, o homem habita. Aqueles que pensam e aqueles que criam com palavras são os guardiões desta casa", escreve Heidegger no primeiro parágrafo do primeiro livro que publicou após o final da Segunda Guerra Mundial. [8] A poética da língua alemã sempre teve um lugar proeminente no menu de Heidegger e particularmente durante suas descrições anteriores da linguagem usada por seus queridos poetas alemães.
No ensaio, "Carta sobre o Humanismo", escrito no final de 1946, Heidegger aborda o significado da palavra "humanismo", uma palavra que desde a Segunda Guerra Mundial foi regurgitada em todos os comprimentos de onda por políticos e intelectuais comunistas e liberais do Ocidente e do Oriente. Heidegger responde que cada época histórica desencadeia sua própria definição de humanismo: "o humanismo difere de acordo com a própria concepção da 'liberdade' e da 'natureza' do homem. Assim também existem vários caminhos para a realização de tais concepções. O humanismo de Marx não precisa mais voltar à antiguidade do que o humanismo que Sartre concebe que o existencialismo seja. Neste sentido amplo, o cristianismo também é um humanismo". [9]
Nesta passagem levemente irônica, escrita em sua linguagem críptica habitual, Heidegger diz o óbvio: a noção de humanismo será sempre definida pela qualidade da espada do vencedor e pelo subsequente zeitgeist que o vencedor impõe aos vencidos. As centenas de críticos de Heidegger que se debruçam sobre esse texto muitas vezes ignoram o tempo e o lugar quando Heidegger o rascunhou pela primeira vez. Naquela época, em 1946, Heidegger sabia muito bem que suas palavras não podiam ofender os ouvidos e os olhos dos reeducadores militares franceses e americanos que residiam nas imediações. Naquele frio e faminto inverno alemão de 1945-1946, A Carta sobre o Humanismo foi composta por um homem ao qual foi negada a possibilidade de desfrutar à vontade sua cerveja Bock local ou fazer passeios meditativos relaxantes ao longo dos caminhos ermos das matas suábias próximas. Quando Heidegger escreveu essa peça, toda a Alemanha, da cidade nortenha de Flensburg à cidade sulista de Freiburg, era uma paisagem ardente de cidades e aldeias bombardeadas, com 10 milhões de alemães adicionais, de todas as partes da Europa central e oriental ocupadas, "correndo em direção ao seu autêntico ser-para-a-morte". [10]
Em 1946, a linguagem abstrata de Heidegger sobre a morte e o morrer, escrita duas décadas antes em sua obra-prima, Ser e Tempo, se materializara na verdadeira situação de milhões de "Daseins" moribundos alemães cujas histórias não deveriam alcançar os noticiários "fake" do horário nobre ocidental".. "Se o falatório é sempre ambíguo, também é assim essa maneira de falar sobre a morte", escreveu Heidegger em Ser e Tempo muito antes da Segunda Guerra Mundial ter começado. [11] Assim, quando sua "Carta sobre o Humanismo" foi composta, em 1946, Heidegger, como centenas de milhares de professores, acadêmicos e jornalistas alemães, juntamente com milhões de alemães comuns, com armas aliadas literalmente apontadas para a cabeça, foi obrigado a preencher o humilhante Questionário e explicar em cada uma das 131 questões todos os detalhes de sua antiga vida pública e privada, desde suas preferências sexuais e religiosas até suas afiliações políticas e acadêmicas no Terceiro Reich. [12]
Em seu Ser e Tempo, a linguagem de Heidegger chegou perto do ponto, pelo menos em algumas seções, de expressar uma crítica relativamente explícita do sistema liberal. Nas seções "Falatório", "Ambiguidade" e "Estar-Lançado", um leitor pode obter um primeiro vislumbre da desonestidade política contemporânea, coloquialmente vendida na mídia tradicional americana e européia hoje sob o título de "fake news". Semelhante a A "Carta sobre o humanismo" de Heidegger, no entanto, antes de avaliar o trabalho e a obra, é preciso também ter dificuldade em compreender as condições sociais, políticas e militares prevalecentes da Alemanha em 1926, ano em que Heidegger escreveu. Afastando-se da derrota humilhante na Primeira Guerra Mundial, estrangulada pela inflação e grandes pagamentos de reparação, que estavam programados para expirar apenas em 1988, abalados pela guerra civil urbana entre agitadores bolcheviques patrocinados por Moscou e um número crescente de nacionalistas alemães e soldados destrançados, Heidegger's Weimar Alemanha não era um lugar para se divertir ou meditações românticas sobre a beleza da ordem liberal. As secções 27 e 28 do livro referem-se à desarraigamento social em curso e ao estranho costume político de mimetismo mútuo em meio à classe liberal dominante. "Todo mundo é o outro, e ninguém é ele mesmo" (pág. 128) escreve Heidegger - palavras que o tornaram bem famoso entre estudantes de pós-modernidade.
Estes foram os tópicos que logo se tornariam um grande tema de pesquisa entre os estudiosos neomarxistas em seus próprios escritos críticos sobre a sociologia da modernidade.
De fato, até mesmo seus ex-alunos judeus, mais tarde conhecidos como os principais personagens da Escola de Frankfurt, alguns dos quais, como Hebert Marcuse, também se tornaram seus críticos mais fortes, já vinham se apropriando das teorias de Heidegger, vendendo-a, por sua vez, para estudantes americanos e europeus como se fosse sua. Na seção "Falatório", Heidegger não usa palavras carregadas como "fake news", "mentiras do Sistema", "evasividade" ou "novilíngua", preferindo suas próprias criações poéticas, como "inautenticidade" (Uneigentlichkeit) e "queda" (Verfallen) - palavras que ilustram não apenas seu próprio humor sombrio e ansiedade na recém-criada Alemanha de Weimar, mas também a mentalidade de milhares de intelectuais europeus em busca de identidade. O alcance completo da propaganda liberal hoje, onde cada mídia está tentando superar a outra com sua própria cobertura, muitas vezes falsa, de eventos políticos e históricos e, a cada vez se dobrando em mímica recíproca, pode ser melhor compreendido depois de ler essas linhas de Heidegger:
"Todo mundo mantém o olho no Outro primeiro, observando como ele se comportará e o que ele irá dizer em resposta. Ser-um-com-o-outro na 'gente' não é, de modo algum, um indiferente estar ao lado do outro no qual tudo já está disposto, mas sim uma observação ambígua, intencionada um do outro, uma escuta secreta e recíproca. Sob a máscara de 'um-para-o-outro', um 'um-contra-o-outro' está em jogo". [13]
Esta é uma passagem em que Heidegger ilustra a comunicação fantasiosa no sistema liberal sem, no entanto, jamais pronunciar a palavra "impostura liberal" ou "fake news". Da mesma forma, os acadêmicos de hoje e os comentadores de mídia tradicionais nos EUA e na UE gostam de aumentar a credulidade dos seus alunos e seus leitores alimentando-os com contos surrealistas da Segunda Guerra Mundial ou histórias extraterrestres sobre o renascimento iminente do fascismo. Um exemplo desse tipo de falatório na mídia moderna hoje pode ser observado na fabricação de contos lúgubres sobre a vida privada de Donald Trump ou suas supostas conexões russas. A súbita onda das chamadas "fake news", no entanto, não é novidade na história da chamada imprensa livre liberal. As notícias falsas são o seu principal pilar.
A curiosidade falsa entre leitores e estudantes também deve ser produzida por falsos especialistas em notícia e professores da faculdade. Heidegger escreve sobre como "o falatório controla até mesmo as maneiras pelas quais alguém pode ser curioso. Diz o que um 'deve' ter lido e visto. Ao estar em todos os lugares e em lugar algum, a curiosidade é entregue ao falatório". [14]
O substantivo composto de Heidegger, "falatório" (Gerede), pode ser usado hoje como um eufemismo útil para a descrição da propaganda liberal em curso. Se o falatório e a sua versão contemporânea de "fake news" são adicionalmente enfeitadas pela classe dominante e seus formadores de opinião com palavras e frases desarmantes, como "humanismo", "tolerância", "democracia", "diversidade", "treinamento de sensibilidade étnica" , "ação afirmativa", etc., eles têm uma melhor chance de serem implementados e são mais propensos a serem aceitos pelos cidadãos como a verdade suprema.
A expressão "fake news" tem um propósito genérico cujo significado varia com cada usuário individual. Este termo, ao lado de vários outros termos que descrevem a manipulação da linguagem na mídia, podem ser classificadas na categoria de "falatório" de Heidegger. Os efeitos políticos do falatório e de sua palavra relacionada "novilíngua" também foram bem ilustrados pelo romancista e ensaísta George Orwell. [14] Tentar compreender o significado da propaganda política liberal, ignorando o estudo do falatório de Heidegger, ou da novilíngua de Orwell, é inútil. Orwell havia feito um trabalho revolucionário desmistificando o falatório e as fake news, expondo as mentiras freqüentes na comunicação política moderna.
Desnecessário dizer que um nacionalista branco na Europa ou na América hoje definirá de maneira diferente a descrição de Orwell da novilíngua do que sua contraparte liberal ou antifascista de mentalidade globalista. Culpar apenas Joseph Goebbels, o ex-ministro nacional-socialista, por ser o primeiro a lançar notícias falsas na Alemanha, ou, por essa questão, por ser o primeiro em padronizar mentiras políticas e o auto-engano no discurso público, é falso. Ironicamente, era o próprio Goebbels, muito mais cedo do que Orwell, que havia apontado em seus livros e seus discursos a crescente onda de falatórios ou notícias falsas na mídia liberal: "E se quisermos dizer a verdade, então devemos simplesmente confessarmos que estamos lentamente ficando doentes com esse falatório ("Gerede") sobre a moral e a humanidade que está viajando, coluna por coluna, através da imprensa inglesa hoje."[15]
O evento que adquiriu ultimamente uma importância histórica e que torna os fabricantes de opinião modernos nos EUA e na UE extremamente preocupados é que acusações contra falsas notícias estão sendo feitas por um homem que representa o país mais influente e mais liberal da terra - Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Se Trump não se esquiva de chamar as notícias mais importantes como notícias falsas, ele pode algum dia começar a falar os nomes e descrever a origem étnica de grandes distribuidores de notícias falsas na América. A rotulagem de Trump dos principais boletins de notícias como provedores de notícias falsas é uma acusação sem precedentes em toda a história do liberalismo - tanto mais porque a chamada "imprensa livre" muito louvada é vista como o principal pilar do liberalismo ou no caso da América oficial, ou seja, do "Estado profundo" hoje.
A Poética do Político
Heidegger discute pouco a manipulação da linguagem na política e apenas no âmbito de uma recuperação do Ser da inautenticidade pela compreensão dos poetas alemães sobre os quais ele gostava de discorrer. Algumas das suas raras e importantes observações sobre a linguagem no contexto da contínua mecanização e mercantilização da vida humana, que mais tarde ele descreveu como o processo de "enquadramento", são, no entanto, bastante reveladoras:
"Enquanto isso, troveja em torno da terra, um falar, escrever e propagar de palavras faladas que é desenfreado, apesar de esperto. O homem age como se ele fosse o moldador e mestre da linguagem, equando na verdade a linguagem permanece mestre do homem. Quando essa relação de dominância se inverte, o homem atinge manobras estranhas. A linguagem torna-se o meio de expressão. Como expressão, o idioma pode decair em um mero meio para a palavra impressa". [16]
As observações de Heidegger sobre a linguagem se tornando "um mestre do homem" e não o contrário são testemunhas da perda da autenticidade dos políticos liberais que, muitas vezes, sem saber, emitem palavreado que não têm qualquer significado. O falatório e as notícias falsas na comunicação política hoje não são novidades; ambos foram usados na propaganda comunista oficial na antiga Europa Oriental e na União Soviética. O discurso oficial nos países comunistas consistiu em frases ameaçadoras ou promissoras com palavras estrangeiras que deveriam dar a seus autores uma aura de sofisticação intelectual. Em termos de sintaxe, cada frase media o tamanho de um parágrafo inteiro, ocupando uma quarta parte da página de um jornal. Para tal tortura lingüística, intelectuais anticomunistas franceses, há cerca de cinquenta anos inventaram a expressão "linguagem de madeira" (langue de bois). A expressão "linguagem de madeira" tornou-se agora popular na França, com os cidadãos ridiculizando como ininteligível a conversa sde políticos e meios de comunicação. [17] Da mesma forma, durante a Guerra Fria, os dissidentes na Alemanha Oriental comunista inventaram a palavra "Betonsprache" (conversa cimentada) ao se referirem criticamente às notícias falsas patrocinadas pelo estado. Um discurso parecido com o do comunismo, embora vestido com significantes muito mais elegantes e insidiosos, entrou em pleno vigor na mídia da UE e nos EUA e no ensino superior hoje. A conversa falsa pode ser melhor observada na introdução de frases abstratas e criminalizantes, como "discurso de ódio" ou "supremacista branco", que se originaram nos campi dos EUA no início dos anos 80 do século anterior e que agora se tornaram generalizados no judiciário do UE e EUA. A liberdade de expressão de alguém é sempre o discurso de ódio de outro alguém.
Nenhuma língua européia é imune ao falatório ou às fake news. Tanto o falatório quanto as fake news são os resultados lógicos da descida da sociedade liberal à inautenticidade. Heidegger sustenta que apenas os poetas podem nos ajudar a re-apropriar o nosso Ser da inautenticidade e que "o poético é a capacidade básica para o habitar humano" [18].
Essas reflexões pessimistas de Heidegger, no entanto, dificilmente podem preordenar a rica língua alemã e sua cultura a se tornar um importante transmissor de autenticidade - pelo menos não de acordo com muitos não-alemães, e muito menos os inimigos de Heidegger.
"Ser poeta em um tempo destituído significa: assistir, cantar, ao vestígio dos deuses fugitivos. É por isso que o poeta no tempo da noite do mundo pronuncia o sagrado. É por isso que, na linguagem de Hölderlin, a noite do mundo é a noite sagrada". [19]
Vale lembrar que, antes da Segunda Guerra Mundial, a língua alemã era uma lingua franca, ou seja, um idioma comum no ensino superior e no serviço civil entre os cidadãos não-alemães cultivos em toda a Europa Central e Oriental. Após a guerra, a língua alemã tornou-se objeto de ostracismo político e do freqüente escárnio "nazi-hollywoodiano". Mesmo as palavras e frases poetizadas de Heidegger, quando traduzidas para as línguas inglesa ou francesa, ressoam de forma diferente, muitas vezes estranhamente e, muitas vezes, incapazes de reter as nuances da redação de Heidegger ou de capturar o espírito alemão. Ao contrário de outras línguas europeias, a língua alemã dá um reinado livre ao seu falante para elaborar tantos substantivos compostos como ele desejar, o que pode ser visto o tempo todo no próprio texto de Heidegger. No entanto, a língua alemã moderna também pode dar origem a composições grotescas de notícias falsas, como o espantalho legal moderno apresentado pelo Código Penal alemão, seção 130, com o título "Volksverhetzung". Essa assustadora construção da novilíngua foi traduzida embaraçosamente em inglês oficial com uma expressão desajeitada e imprecisa: "incitamento do ódio popular". [20] Este substantivo alemão, no entanto, tinha sido concebido deliberadamente pelas autoridades alemãs do pós-guerra como uma palavra fechada para os chamados racistas alemães ou negadores do Holocausto. De forma inteligente, os operadores jurídicos alemães garantiram que as palavras "Holocausto" ou "judeu" nunca apareçam, nem nesta construção legal nem em todo o corpus da legislação alemã. Este substantivo composto pesado levou, no entanto, centenas de alemães à prisão nas últimas décadas.
Dada a sua extraordinária riqueza etimológica, a língua alemã é mais adequada para especulações filosóficas. Os verbos alemães, muitas vezes aparecendo no final de cada oração subordinada, forçam um leitor ou um falante a respirar antes. A língua alemã pode ser descrita como uma linguagem de "câmera lenta", ideal para a solidão pensativa e a melhor ferramenta para os pessimistas culturais e os românticos obscuros que abundam na literatura alemã no início do século XIX. Ao contrário da língua francesa, com o seu grande número de homônimos, ou ao contrário do inglês americano com seus verbos frasais complicados, a língua alemã possui uma gramática normativa concisa e disciplinada que proíbe as aventuras verbais. Não se pode excluir que a Alemanha perdeu a Segunda Guerra Mundial porque sua linguagem, ao contrário da língua francesa, impede a ambiguidade política. Os homônimos franceses freqüentemente permitem aos diplomatas franceses se safarem de uma situação embaraçosa, ao mesmo tempo que lhes fornecem um aviso prévio: "Não, eu não quis dizer isso!" A língua alemã, no entanto, com suas sílabas claras e audíveis não fornece ao seu orador margens de manobra diplomática.
A língua alemã não produziu qualquer literatura erótica, como a língua italiana e o seu autor renascentista Giovanni Boccaccio, cuja prosa é composta de cenas sexualmente carregadas. Além disso, o pai fundador da sátira francesa e do francês coloquial, o autor renacentista Rabelais, dificilmente conseguiria encontrar seu equivalente na Alemanha. Quando seu jovem trapaceiro fictício, um menino gigante chamado Pantagruel urina do topo da Catedral de Notre Dame, afogando os transeuntes, Rabelais anuncia um novo gênero literário que ignoraria a Alemanha. O romancista francês mais popular, Louis Ferdinand Céline, cujas sátiras sobre comunistas e judeus são proibidas na França (denominadas erroneamente pelos censores modernos como "panfletos antissemitas") conseguiu reunir um grande número de obscenas expressões de gírias francesas que dificilmente poderiam encontrar o seu equivalente, e muito menos o seu tradutor alemão na França de Vichy ocupada pelos alemães (1940-44). [21]
Os franceses e os ingleses têm meia dúzia de palavras vulgares para um judeu, enquanto os alemães não têm nenhuma. Daí a razão pela qual os alemães recorrem novamente a substantivos compostos vulgares e desajeitados como "Scheissjude" ou "Saujude" ao expressar seu desagrado ou ódio aos judeus. Mesmo os romances americanos sexualizados de Henry Miller quando traduzidos para o alemão soam estranhos aos ouvidos alemães. As esculturas neoclássicas de mulheres nuas dos artistas alemães Arno Breker ou Josef Thorak que outrora adornavam edifícios públicos na Alemanha Nacional-Socialista, sempre ostentando em seus rostos um olhar do trágico, dificilmente poderiam despertar a fantasia sexual entre espectadores como as pinturas de mulheres nuas pelo francês Gustave Courbet ou pelo excêntrico artista anticomunista espanhol Salvador Dali. [22]
Apesar de sua linguagem pietista, ideal para uma investigação filosófica sóbria, o povo alemão entre todos os povos europeus, nunca foi presa do fanatismo religioso católico ou protestante que abalou outras nações européias por séculos. De fato, os alemães são a nação menos judaico-cristã no Ocidente. O moralismo político obsessivo, que tem sido a marca registrada de muitas figuras públicas na América, tem sido amplamente ignorada pelos poetas, pensadores e políticos alemães. Somente com a cesura política que ocorreu em 1945, com o novo "Ser no mundo" alemão se estabelecendo, a maioria dos políticos e sábios alemães se transformaram voluntariamente em criaturas masoquistas e mansas. A angústia da Alemanha por não sair da linha política resultou desde 1945 no mimetismo mútuo dos cidadãos, que Heidegger chamou há muito tempo "a gente" (das Man). O "a gente" de uma multidão anônima pode ser observada hoje no emburrecimento deliberado da população alemã que após a Segunda Guerra Mundial foi obrigada a aceitar autocensura e auto-reeducação, e cuja prática se espalhou para todos os povos brancos do mundo até agora. O que Heidegger quis dizer especificamente por seu conceito de "a gente", em oposição à sua descrição da autenticidade individual, tem sido um assunto de infinitos debates acadêmicos. A sociedade moderna de alta tecnologia, operando como um esqueleto de computador gigante pré-programado, um processo que Heidegger chama de "enquadramento" (Gestell), remove gradualmente qualquer busca pelo Ser, tornando cada pessoa uma criatura flexível e uma mercadoria perecível que Heidegger rotula "reserva permanente". Quando essas biomassas humanas ou a reserva permanente, renomeada hoje pelo falatório liberal como "recursos humanos" comercializáveis, chegam ao prazo de validade, elas devem ser descartadas. [23] Esta visão apocalíptica do Ocidente oferecida por Heidegger não pode mais ser desprezada.
"A ameaça para o homem não vem em primeira instância das das máquinas e aparatos tecnológicos potencialmente letais. A ameaça real já afetou o homem na sua essência. O reino do Enquadramento ameaça o homem com a possibilidade de que lhe seja negado entrar em uma revelação mais original e, portanto, experimentar o chamado de uma verdade mais primordial. Assim, onde o Enquadramento reina, há perigo no sentido mais elevado". [24]
A notícia falsa na política é apenas um dos segmentos no imenso processo de enquadramento reforçado pelo Estado. Pode ser melhor visto na ascensão incontornável da linguagem higiênica imposta aos cidadãos na América e na Europa. Os hereges modernos na Europa e na América, para sobreviver profissionalmente e evitar a demonização política, precisam recorrer à sua própria linguagem codificada, semelhante à linguagem codificada dos dissidentes nos antigos países comunistas.
As "fake news" não só transpiram nos principais meios de comunicação e entre os políticos corruptos, mas também se espalha para outros domínios da palavra escrita, especialmente na historiografia moderna. Se a maioria dos meios de comunicação mente, devemos concluir que a maioria dos especialistas midiáticos, a maioria dos professores universitários e a maioria dos defensores do liberalismo são obrigados a mentir também.