11/12/2017

Maurizio Lattanzio - Estado, Partido, Povo, Revolução: O Estado Popular Khmer de Pol Pot

por Maurizio Lattanzio



O epílogo cíclico da decadência ocidental é a extenuação racial da forma antropológica e a deformação "teratológica" do tecido social no qual "se agitam" as massas de indivíduos "pululantes" nas áreas metropolitanas do Ocidente judaicoplutocrático.

A desordem dos indivíduos "possuídos" pelas pulsões consumístico-mercantis correlativas às dinâmicas neocapitalistas predominantes nas democracias usurárias ocidentais é a estação terminal do processo de dissolução antropológica e de fragmentação social induzido pela "decomposição" ontológica da ordem da raça. É o fétido e lamacento "flutuar" antropoide da raça burguesa, a qual tem patologicamente gravada a "marca" repugnante da inferioridade racial sobre a mesma imagem física do "cidadão" ocidental: "Eu sofro - escreve Drieu La Rochelle - por causa do corpo dos indivíduos (...); que coisa horrível caminhar pelas ruas e encontrar tanta decadência, tanta feiura, tanta imperfeição: costas curvas, ombros caídos, barrigas inchadas, músculos frágeis, rostos flácidos". Tal é o desdenhoso "garrancho" descritivo que representa à sub-raça cidadã, imortalizado pela pena de Drieu.


Trata-se de uma "identificação" analítica homóloga quanto a seus conteúdos à polêmica anti-urbana organicamente ilustrada por Walter Darré, ministro de agricultura e alimentação do Terceiro Reich nacional-socialista.

"Dentro de nossa alternativa 'Cidade ou Campo' é preciso também considerar um ponto de vista mais distante. Toda cidade, tanto a cidade-jardim como a cidade-quartel, não repousa por si mesma sobre suas leis vitais (...) cada cidade é como um polvo que atrai com seus longos tentáculos (...) o alimento de suas redondezas, e ainda de mais longe se os meios de transporte permitirem. Se uma circunstância qualquer faz cessar essa corrente para a cidade, se torna como um peixe fora d'água. A cidade em tal caso não pode se manter viva por si mesma, é necessário ajudá-la a partir de fora. O parasatismo é o caráter essencial da cidade. Todo parasitismo perece quando se retira sua base nutritiva". (Walter Darré, A Nova Nobreza de Sangue e Solo).

No campesinato germânico - o Bauertum - residirá o "manancial" antropológico do sangue ário, que "nutrirá" a nova ordem da raça afirmada pelo Terceiro Reich nacional-socialista; do mesmo modo mutatis mutandi, o campesinato será o sujeito social de referência para os movimentos revolucionários comunistas, caracterizados por uma "leitura" marxistamente "herética" e dialeticamente distante da práxis de conflitividade social denominada "luta de classes". Não se esqueça, a este propósito, que, segundo Lênin: "A luta contra os camponeses é mais difícil e muito mais longa que a que devemos travar contra a burguesia"; enquanto, segundo o hebreu Marx-Mordechai, o camponês é aquele que deve ser arrancado de seu "idiotismo rural". A centralidade social do campesinato e a incompatibilidade "cultural" que opõe o "espírito" do campo ao racionalismo utilitarista da cidade, delineia, ao contrário, os fatores identificadores da concepção maoísta do Estado popular: "A guerra de resistência contra o Japão - escreve Lin Piao - foi essencialmente uma guerra revolucionária dos campesinos guiada por nosso Partido (...). Dar confiança aos camponeses, criar bases rurais e servir-se do campo para cercar e posteriormente conquistar a cidade; tal foi o caminho que conduziu à vitória a revolução chinesa". Certamente, hoje, no Ocidente plutocrático, o campesinato representa um componente social quantitativamente "recessivo", qualitativamente degradado e politicamente marginal; mas, resulta igualmente inegável que os atuais fenômenos imigratórios extraeuropeus - assim com oaqueles provenientes das áreas "atrasadas"do leste europeu - constituem o "assalto" travado a partir do "campo do mundo" contra a "cidade do mundo" ocidental, convalidando, três décadas depois, a exatidão "estratégica" da análise política revolucionária elaborada por Lin Piao: "Tomaremos por todo o globo terráqueo. Se a América do Norte e a Europa Ocidental puderem ser consideradas como 'sua cidade', Ásia, África e América Latina representam sua 'zona rural'. Após a Segunda Guerra Mundial, o movimento revolucionário do proletariado dos países capitalistas da América do Norte e da Europa ocidental, tem, por distintas razões, bloqueado prvisoriamente o passo, enquanto que o movimento revolucionária da Ásia, África e América Latina se desenvolveu vigorosamente. Em certo sentido, também a revolução no mundo contemporâneo se apresenta como um cerco da cidade a partir do campo". A discriminante radical constituída pela inteligência política consiste na capacidade de compreender o significado substancial subjacente à "fachada", ou melhor a convenção semântico-léxica inerente a uma fenomenologia política. Se trata de individuar os nexos de afinidade objetiva que se podem detectar na qualidade e/ou direção de um vetor político, o qual deverá ser funcionalmente inserido no quadro de uma forma político-projetual pré-existente, para o fim de contribuir para a potencialização de sua eficácia de devastação antissistêmica.

O Camboja será anexado pelo Vietnã entre 1841 e 1845. Posteriormente, em 1863, a França, "oficialmente" chamada pelo rei Ang Duong e, depois, pelo rei Norodom, imporá seu protetorado sobre o Camboja. O domínio colonial francês acabará em 1953. Durante este período, o Camboja ficará subordinado às exigências de mais-valia do sistema de exploração colonial hegemonizado pelas oligarquias plutocráticas judaico-francesas. Estas procederão à sistemática extração forçosa das matérias-primas cambojanas e à sucessiva revenda, in loco, de manufaturas caríssimas. De fato, a poupança laboriosamente acumulada pelos camponeses - muitas vezes quase exclusivamente mediante a aquisição de ditos produtos - será "distraída" de toda forma de investimento produtivo orientado para o melhoramento das técnicas de cultivo. O campesinato cambojano, historicamente propenso ao escambo - plenamente operativo até fins do século XIX - será progressivamente obrigado a usar o dinheiro e a tomar empréstimos monopolisados por usurários chineses, os quais demandarão taxas de juros anuais que oscilarão entre os 200% e os 300%: "Alguns camponeses trabalhavam somente para devolver suas dívidas, vendo-se às vezes constrangidos a vender suas propriedades (...) ...as terras começaram a ficar concentradas nas mãos de capitalistas locais. (...) Em 1956, o príncipe Sihanuk havia tratado de remediar os empréstimos usurários instituindo um crédito agrícola e uma espécie de cooperativa para a colheita de produtos agrícolas. Mas os diretores do crédito e das cooperativas exploravam os camponeses de um modo ainda mais impiedoso que os comerciantes chineses". 

Segundo o Khmer Vermelho acontecerá "...uma transformação completa da mentalidade do povo...". De fato, "na adminsitração de Phnom Penh, a corrupção, inclusive na época de Sihanuk, alcançava uma amplitude quase inimaginável". Consequentemente, a alma popular campesina expressará um justificado sentimento de "ódio pela cidade onde se concentram os comerciantes chineses e a burocracia administrativa" (François Ponchard, Camboja Ano Zero).

O Pracheachon (Partido Comunista Khmer), forma expressiva organizada da subjetividade social campesina, se transformará no curso da luta antissistema no Angkar, quer dizer na Organização Revolucionária do Partido e do Estado, encarnada pela vanguarda política do povo cambojano. No Angkar não existem sujeitos que, enquanto tais, prevaleçam sobre outros: todo dirigente é função objetiva da totalidade revolucionária. Esta orientação é confirmada pela quase completa falta de notas biográficas relacionadas com a pessoa de Pol Pot. Ele, junto com seus companheiros de partido, assumirá notoriedade somente como objetiva função militante do Angkar. O anonimato ascético dos soldados políticos khmer apresentará "...os caracteres 'típicos' que quase sempre tiveram (...) as figuras representativas: o sábio, o guerreiro, o asceta, o aristocrata (...). Em efeito, neles o suprapessoal e o impessoal aparecem estreitamente unidos". (Julius Evola, O Trabalhador no Pensamento de Ernst Jünger).

Pol Pot é o "nome de batalha" que, como qualquer outro militante, será assumido por Saloth Sar no momento de sua adesão ao Angkar, abandonando a precedente identidade individual, "necessariamente" transfigurada na impessoalidade ativa daquele que é grau individual de manifestação da totalidade revolucionária: "...em efeito, quando um homem entra no exército revolucionário, deve mudar de nome, como se renascesse. Ninguém mais deve reconhecê-lo, nem mesmo seus progenitores" (François Ponchaud).

Nascido em 1928 em Kompong Thom de uma família campesina, Saloth sar será educado em uma pagoda budista durante seis anos e na Escola Técnica de Phnom Penh. Em 1949 se mudou para a França graças a uma bolsa, para se especializar em radioterapia. Em Paris, entrará em contato com os comunistas e outros estudantes cambojanos que vivem na França. Em 1952 regressou ao Camboja e tomou parte na guerrilha antifrancesa. Se casará com Khieu Ponnary, irmã da esposa de Leng Sary, dirigente do Partido Comunista Khmer, cujo congresso o elegerá vice-secretário em 1960 e seretário em 1962. No Angkar estão ausentes as referências ao materialismo histórico-dialético, à centralidade operária, à luta de classes e à ditadura do proletariado. O Angkar é a totalidade popular cambojana, solidamente agrupada ao redor da subjetividade social antagonista do campesinato, entendido como portador de uma "cultura" rural e anti-urbana, assim como radicalmente - e não dialeticamente - antiburguesa e anticapitalista. Em 15 de janeiro de 1976 será promulgada a "Constituição da Kampuchea Democrática". Esta, em seu art. 1, diz assim: "O Estado de Kampuchea é o Estado dos operários, dos camponeses e de todos os outros trabalhadores de Kampuchea". A sóbria elementalidade espartana e bolchevista da comunidade do povo se articulará no marco do Estado popular dos soldados políticos khmer vermelhos, dos camponeses e dos operários. A ideologia marxista representará a "concreção" superficial formalista de um processo revolucionário nacional, popular, socialista, camponês e antiplutocrático: "Se, até setembro de 1976, a rádio e os dirigentes fizeram habitualmente referência ao 'movimento revolucionário internacional' e à 'edificação do socialismo', não se reclamaram nunca, não obstante, como marxistas (...). De fato, se tem falado em 'abater as classes' e em 'abater o regime', mas não se falou nunca em 'ditadura do proletariado' ou em 'luta de classes'." (F. Ponchaud, op. cit).

Em setembro de 1966, o Partido Comunista Khmer adotará a metodologia revolucionária da luta armada, que "explorará" em 1967, por ocasião da mobilização popular campesina de Samlaut, uma aldeia da província de Battambang, no oeste do Camboja. A luta armada de libertação nacional e popular atingirá seu "ápice" nos anos compreendidos entre 1973 e 1975. Nestes anos, o governo colonial filoamericano do fantoche Lon Nol será obrigado a defender somente a capital, submetida aos incessantes bombardeios da artilharia do exército popular revolucionário dos Khmer Vermelhos. Em 17 de abril de 1975, os Khmer Vermelhos entrarão em Phnom Penh, finalmente liberada da ocupação colonial americana. A devastadora estética militante da práxis de subversão radical antiburguesa ativada pelos Khmer Vermelhos, iniciará então uma "titânica" obra de "demolição" revolucionária da sociedade burguesa e do "ambulantismo" plutocrático: "Do mesmo modo que havíamos lutado para expulsar os colonialistas franceses e japoneses - afirma Pol Pot - e logo, por último, os imperialistas americanos, continuaremos a luta para construir e para defender a nação, com o mesmo heroísmo revolucionário". 

A cidade é o "lugar" sociológico-urbanístico do privilégio burguês, da rapacidade negociante e do parasitismo plutocrático. Esta será "purificada" pelos Khmer Vermelhos mediante a técnica revolucionária da "cesta invertida", consistente, precisamente, na inversão da cesta ou recipiente (ou seja, a cidade) com todos os frutos nele contidos (contrariamente às outras revoluções que eliminam da "cesta" só os frutos podres), dos quais serão selecionados só aqueles ainda "sadios", quer dizer a substância antropológica merecedora de um sucessivo e gradual reassentamento em uma nova estrutura urbana quantitativamente "redimensionada" e qualitativamente tornada funcional e subordinada ao harmônico, equilibrado e orgânico desenvolvimento da comunidade rural. Os Khmer Vermelhos porão em marcha a práxis de "esvaziamento" da cidade começando justamente pela capital Phnom Penh: "Esta evacuação generalizada, massiva, provinha de uma concepção nova da sociedade: a própria ideia da cidade devia desaparecer. As cidades cambojanas se haviam engrandecido ao redor dos mercados, e Phnom Penh, em particular, havia conhecido sua expansão graças ao colonialismo francês, ao comércio chinês, às burocracias estatais da monarquia e da república. Era preciso fazer tábua rasa e construir uma sociedade (...) de tipo rural (F. Ponchaud, op. cit.). Segundo Pol Pot, "a cidade é maligna, porque na cidade está o dinheiro. As pessoas é possível trocar, a cidade não. Suando no lavrar, no semear e no colher, o homem conhecerá o verdadeiro valor das coisas. É necessário que o homem saiba que ele nasce de um grão de arroz!".

A práxis revolucionária do traslado dirigido da população urbana da cidade para o campo, constitui a adequada projeção "executiva" emanada da elaboração técnica formulada por Khieu Samphan, dirigente do Ankgar revolucionário. Ele sustentará que os fluxos monetários da economia capitalista-mercantil cidadão determinam a decadência da nação. A cidade - segundo Samphan - "vampiriza" a produção agrícola em benefício dos estratos sociais especulativo-burgueses, os quais alimentam consumos parasitários, ademais de um aparato burocrático composto de indivíduos fracos e corruptos. Shampan delineia uma proposta radicalmente alternativa, articulada na abolição da propriedade privada, da moeda, da cidade e na valoração do campo, elevado ao status sociológico de espaço primário para o assentamento da comunidade popular. Consequentemente, o Banco emissor será minado e literalmente explodido, a moeda será abolida e o escambo será afirmado como meio exclusivo de troca. Isso determinará o substancial "cancelamento" urbanístico-econômico da cidade, completamente privada dos circuitos monetários que garantem a sobrevivência da especulação financeira "manobrada" pelas oligarquias cidadãs da burguesia mercantil e usurária. A estrutura industrial, colocada a serviço da agricultura, fornecerá os apetrechos, utensílios e vestimenta necessários para o exercício da atividade campesina. Serão abolidos os títulos acadêmicos, substituídos por "diplomas à vista", ou seja por certificados emitidos pelo Angkar àqueles que tenham contribuído funcionalmente e produtivamente para a milícia do trabalho orientada para o desenvolvimento e consolidação do equilíbrio comunitário. A dissolução racionalista do intelectualismo burguês será recomposta mediante a abolição de toda forma de atividade profissional que propicie a formação de grupos sociais oligárquicos em concorrência conflitiva com os interesses da comunidade popular do trabalho campesino e operário. A escola, convertida em função político-educativa da comunidade do povo, não conferirá títulos que permitam o exercício de atividades profissionais socialmente privilegiadas. A educação política das crianças começará à idade de seis anos. Aprenderão que a lealdade política em relação ao Angkar e à comunidade popular de soldados, camponeses e operários prevalece sobre a relação naturalista que une o indivíduo com sua própria família de origem. A medicina tradicional substituirá a farmacologia química ocidental, enquanto os membros do kom, célula-base da comunidade do povo, composta de entre dez e quinze famílias, segundo os setores, se apropiará dos pastos comunais, como na Esparta dórica e como na China maoísta. O niilismo iconoclasta das milícias khmer porá em marcha uma "tensa" práxis de aniquilação frente às instituições, estruturas e expoentes religiosos, especialmente budistas, que rechacem colaborar ou que sejam objetivamente incompatíveis com o processo de edificação do Estado popular khmer. O campo era a sede na qual operar a regeneração. "(...) O vírus da corrupção e do capitalismo estava sendo extirpado em sua raiz. Com sangue e fogo. Recita o hino nacional incluído na Constituição de 1975: 'Sangue vermelho escarlate inundou as cidades e planícies de nossa pátria Kampuchea'. Militares, funcionários, comerciantes, artesãos, intelectuais, proprietários, profissionais liberais e estudantes são expulsos das cidades. (...) Os implacáveis Kamaphibai, os quadros do Angkar, lutam para criar o 'homem novo'. Seu lema é que não se pode mudar a sociedade sem mudar o homem. (...) Os jovens, a maior parte dos quadros militares do Khmer Vermelho, com idades entre 13 e 17 anos, representam, por sua vez, a reserva de pureza a atingir para criar a nova sociedade".

No dia de hoje, não sabemos ainda - graças às contradições das informações - se Pol Pot morreu ou não nas selvas indochinesas, onde ele estabeleceu seu QG depois de que, em 1978, foi expulso de Phnom Penh, ocupada pelos vietnamitas. Não sabemos, ainda que, de modo geral, perante a função objetiva de sua milícia revolucionária, inclusive sua pessoa física tem uma importância meramente subordinada. O que permanece é o radical valor de um processo revolucionário nacional, prussiano e comunista, campesino e antiplutocrático, conduzido com exemplar coerência política e com lúcida eficácia operativa: "...supressão das cidades, liquidação radical dos antigos líderes, reestruturação completa da sociedade e da economia, transformação da cultura e abolição de qualquer religião. Nenhuma revolução foi tão longe, e acima de tudo tão rapidamente, na realização de seus objetivos". 

Portanto, reconhecemos no Camboja nacional-comunista de Pol Pot a conotação política identificadora de um Estado popular fundado sobre uma ordem hierárquica agrário-guerreira de soldados políticos enraizados na elementalidade soldadesca espartana do comunismo campesino. Quanto a nós, pessoalmente, achamos que Pol Pot nos resulta mais "simpático" - se queremos falar com propriedade de nacional-comunismo - do que o rufianismo eslavo dos Zhirinovsky e dos Zyuganov.