por Franco Ferraresi
O panorama de grupos que, de 1976 a 1981-82, se originaram na Itália, e especialmente Roma, de negra reputação, com inúmeros episódios de violência, greves, ataques, homicídios, assaltos, e até provavelmente massacres, não pode ser traçado aqui. Só é possível tentar indicar o impacto das doutrinas dos mentores intelectuais e as formulações dos grupos militantes. Uma tarefa extremamente complexa, já que esses grupos militantes geralmente se formavam espontaneamente, e eles espacam de todo enquadramento ideológico exato, pelo que é difícil marcar suas ações, a fronteira entre o ato político e o ato puramente criminoso (muito comumente, por exemplo, assaltos, no início organizados para financiar o movimento e ajudar camaradas em dificuldade, então se tornaram um instrumento de enriquecimento para os perpetradores). Sem mencionar a extrema fragmentação e dispersão de raros materiais documentais, ainda longe de serem conhecidos de maneira sistemática.
Por exemplo, e sem a pretensão de ser exaustivo, podemos indicar aqui as posições da Quex, o boletim informativo dos prisioneitos políticos de direita, publicado entre 1978 e 1981. Todos os seus editores, do momento em que escreveram, estavam encarcerados, alguns com penas bem graves, como é o caso do líder do grupo, sr. Tuti, condenado à perpétua pelo assassinato de dois policiais durante uma briga causada por sua prisão. A publicação expressa de maneira relativamente sistemática e continua os pontos de vista de uma corrente, a do "espontaneísmo armado", recusando por natureza desenvolver suas próprias ideias com uma plenitude que ultrapasse a de um panfleto ou documento interno.
Quex se situa explicitamente na corrente Evola-Freda, a partir da qual ela reconhece o mérito fundamental de ter determinado uma posição teórica capaz de levar à ação militante, os "objetivos da pequena guerra santa". O ponto de partida de sua teorização, a partir de então adquirida pela direita radical, é a recusa de todos os laços estruturais. Para o homem diferenciado, para aquele que quer ser capaz de "cavalgar o tigre", a única possibilidade é a de "se misturar na sociedade, mas reagindo quando sua honra e dignidade o demandam, ou seja...sempre. Ações desse tipo são perfeitamente possíveis mesmo que sejam conduzidas por militantes isolados ou 'grupúsculos informais' de 2 ou 3 camaradas; eles podem, por um fenômeno espontâneo, se expandir continuamente". É precisamente a carência nos planos materiais e organizacionais que constitui a premissa da luta espontânea: "Espontaneidade! Essa é a palavra de ordem sendo lançada pela vanguarda aos seus camaradas".
A ação exemplar é o resultado natural da espontaneidade; ela se distingue tanto do terrorismo (já que ela é aberta e concentra a atenção de todos sobre o grupo que a realizou) quanto do gesto do anarquista (porque "ela não é feita para satisfazer as demandas libertinas da parte do militante, que não devem existir"): isso para não mencionar a estratégia leninista e gramscista cuja essência é o "trabalho da formiga" (fazendo referência à fábula). A escolha da ação exemplar deriva dos cânones de natureza existencial antes da política: "Não é ao poder que aspiramos, nem, necessariamente, à criação de uma nova ordem... É a luta que nos interessa, é a ação em si, o combate diário pela afirmação de nossa própria natureza".
Este é o ponto decisivo: a ação desprovida de referências precisas a um objetivo específico corresponde a um topos clássico da ética guerreira que os militantes revolucionários permanentemente reivindicavam. Uma vez mais, a referência fundamental vem da obra de Evola, cujos ensinamentos na matéria foram destilados e condensados em um texto de 1940 que, reimpresso por Freda em 1970 e 1977, constitui um tipo de breviário místico-ascético do soldado político. Esse escrito começa com a afirmação de que o contraste entre ação e contemplação, típico da civilização ocidental, era desconhecido para os antigos arianos, para quem a ação poderia ser o instrumento de realização espiritual, ou seja capaz de empurrar o homem para além de seu condicionamento individual e envolvê-lo em uma realidade sobrenatural. Guerra, é claro, na categoria de ação, corresponde a um conflito eterno de forças metafísicas: por um lado, o princípio olímpico da luz, a realidade solar e urânica, pelo outro, a violência em seu estado cru, o elemento titânico-telúrico, bárbaro no sentido clássico, feminino, demoníaco. Este é o pensamento de Evola. Seus discípulos o ecoam: "Para nós, ser legionário significa ser soldado das forças luminosas contra tudo que é telurismo e caos. Assim, a luta para o legionário não é uma ação exclusivamente material, mas essencialmente espiritual". Na tradição antiga, a guerra e o caminho do divino se fundiam em uma única entidade. Isso se aplica ao mundo nórdico-germânico, onde o Valhalla é o assento da imortalidade eminente reservada aos herois cáidos no campo de batalha. "Sacrifício algum agrada Odin-Wotan, senhor de Valhalla, tanto quanto o oferecido pelo homem que morre em combate". Neste ponto, ousso tema: "O legionário claramente percebe seu próprio ser na Morte Heroica... Ele sempre teve em seu coração o pensamento da morte, de modo a estar pronto a qualquer instante para embarcar serenamente com ele na viagem triunfal para o Valhalla... o Reino dos Herois". Estes conceitos, segundo Evola, também constitui o núcleo de tradição islâmica na teoria da guerra dupla: a "menor", material, travada contra o inimigo ou infiel (neste caso, chamada "pequena guerra santa"), e a "grande guerra santa", de ordem interna ou espiritual, a luta do elemento sobre-humano do homem contra tudo que é instintivo, fervoroso, sujeito às forças da natureza. A essência dessa concepção, segundo Evola, está na visão da "pequena" guerra como meio de realizar, em perfeita simultaneidade, a grande: é por isso que "guerra santa" e "o caminho divino", jihad, são muitas vezes usados como sinônimos. O eco dessa ideia no Quex é literal: "A essência da ação legionária deve remeter ao par pequena guerra santa/grande guerra santa... Assim, isso estabelecerá que tipo de ação se adequa de maneira funcional e contemporânea à pequena e grande guerra santa".
Finalmente, a tradição indo-ariana do Bhagavad-Gita, onde o deus Krishna condena como covardia os escrúpulos humanitários que impedem o guerreiro Arjuna de descer ao campo de tabalha: o dever de lutar tem suas origens no juízo divino, que ignora toda necessidade terrena, da mesma maneira, a ação heroica deve ser realizada por si própria, para além de motivações contingentes, de toda paixão, de toda utilidade vulgar. "Na medida em que o guerreiro é capaz de aginr em pureza e absolutismo... ele rompe as correntes da humanidade, ele evoca o divino como força metafísica". Do Bhagavad-Gita, passando por Evola, ao Quex, "a ação é feita por si mesma e pela pureza que aquele que a realiza possui, ignorando sua utilidade ou inutilidade para os fins da estratégia global".
Exercícios inofensivos dos adeptos do esoterismo? Devemos duvidar disso se considerarmos a totalidade de condenações acumuladas pelos editores do Quex. O problema se parece a qualquer outro: verificar que estes mitos e conceitos, reproduzidos por um pequeno número de indivíduos possuindo uma inclinação particular à reflexão doutrinária (estando separados da ação por conta de força maior...) constituem um legado real para militantes ativos na base. Infelizmente, o ainda pequeno grau de nosso conhecimento sobre essas figuras não nos permite dar uma resposta satisfatória a esta questão neste momento.