por Angel Millar
"É possível para as pessoas usar o corpo como uma metáfora para ideias", diz o autor japonês Yukio Mishima em Sol e Aço.
Mishima havia sido uma criança fraca e doente, paparicada por sua avó superprotetora. Ele não tinha permissão para brincar com outros garotos, e cresceu alienado da cultura masculina (bem como de sua mãe, que não tinha permissão para cuidar dele sem supervisão). De si mesmo, Mishima diz, "palavras vieram primeiro; então...veio a carne. Ela já estava desgastada pelas palavras".
Para o autor a resposta para esse desgaste - que ele também deve ter visto no Japão do pós-SGM, derrotado pela bomba atômica americana - foi passar a praticar Kendo (a esgrima tradicional japonesa) e fisiculturismo, e transformar sua figura magra em um poderoso veículo que pudesse competir com seu intelecto.
A competição era parcialmente por atenção e parcialmente um jeito de ser. Como com os estetas ocidentais, a extravagância e a sinceridade não eram alienígenas uma à outra, mas uma e a mesma coisa. Controversialmente, Mishima formou seu próprio exército privado, de aproximadamente 100 homens: o Tatenokai ou "Sociedade do Escudo". Ele queria, dizia, criar uma sociedade para estudantes que não pudesse, por razões ideológicas, se juntar aos marxistas nos campi - o marxismo era altamente popular à época.
Uma das questões que dividia o autor e os marxistas (que Mishima respeitava) era a devoção ao imperador. Mishima jamais o disse, mas outra - e talvez uma área ainda mais importante - era o corpo. O "Caminho" do Tatenokai, e do próprio Mishima, estava cada vez mais voltado para o físico. Em um vislumbre de intuição, Mishima compreendeu "todas as coisas até então pouco claras para mim. O exercício dos músculos elucidou os mistérios que haviam sido criados pelas palavras. Era similar ao processo de aquisição de conhecimento erótico. Pouco a pouco comecei a compreender o sentimento por trás da existência e da ação".
O marxismo era intelectual. Mishima estava cada vez mais preocupado com o físico, precisamente como expressão de ideias enraizadas em um tipo de drama primordial. O vislumbre intuitivo havia vindo enquanto o autor considerava a natureza da tragédia.
A tragédia, diz Mishima, "nasce quando a sensibilidade perfeitamente mediana momentaneamente assume para si uma nobreza privilegiada...segue-se que aquele que se aventura com palavras não pode participar nela. É necessário, ainda, que a 'nobreza privilegiada' encontre sua base estritamente em um tipo de coragem física... A tragédia demanda uma vitalidade antitrágica e ignorância, e acima de tudo uma certa 'inadequação'."
Por "ignorância", obviamente, Mishima não quer dizer estupidez, vulgaridade ou grosseria (Mishima era bastante preocupado com elegância, ainda que não como a compreendamos hoje), mas sim, um distanciamento em relação ao intelecto na direção do instinto.
Inofensiva no Ocidente, a "inadequação" era talvez uma ideia mais assustadora no Japão da época de Mishima (e mesmo hoje), onde regras de etiqueta social são rígidas e complexas, e compreender o próprio lugar na ordem social é algo praticamente natural. Mas o herói trágico deve, claramente, ir contra a convenção de seu tempo. Ele é aquele que dá o passo para frente, assumindo o desafio de salvar a sociedade de alguma ameaça existencial, enquanto todos os outros seguem com seus afazeres mundanos.
É estranho, então, que Mishima sugira que o corpo físico é "estranho ao espírito", estando mais próximo das ideias. Não obstante, ao criticar aqueles que permitem que seus corpos se tornem feios, ele sugere que o corpo pode ser um veículo para o espírito. Uma barriga protuberante é um "sinal de preguiça espiritual", por exemplo. Este e outros traços não atraentes, diz Mishima, são "como se o dono estivesse expondo suas impudicícias espirituais por fora do corpo".
O autor equipara essa feiura física com a "individualidade". "Se", diz Mishima misteriosamente, "o corpo puder alcançar perfeita harmonia não-individual, então seria possível fechar a individualidade para sempre em um confinamento estreito". Mas a ideia de "perfeita harmonia não-individual" parece chave para o crescente interesse de Mishima no físico. Ele pôde escapar do mundo internamente e externamente feio através do aperfeiçoamento do corpo, fazendo disso sua orientação espiritual.