O que importa para nós é notar que o “legado popular
latino” não pode ser identificado de qualquer modo ou caracterizado como
“romano”; no estético e nos traços humanísticos supracitados e ainda em alguns
modelos jurídicos, o que é “latino” deriva de um mundo que é “romano” somente
no nome – um mundo em que a patrícia, antiga e heroica Roma de Cato seria
desprezada.
Nesse ponto, nós devemos fazer algumas considerações
gerais sobre os valores, desde que precisamos especificar o significado do
“clássico” mundo greco-romano que foi objeto de adoração dos humanistas da
Renaissance. Sem me estender muito, limitar-me-ei em dizer que o “mito”
clássico é muito similar ao mito “Iluminista”, de acordo com que civilizações
verdadeiras começaram somente com os “triunfos” e criações artísticas da
Renaissance, seguinte à obscura Idade Média. Ainda no mito clássico, como foi
formulado pelas pessoas que eu mencionei antes, nós temos essa mentalidade
estética e anti-tradicional. O que é retratado como “clássico”, em relação à
Grécia e à Roma, é um período de civilização que, apesar do seu esplendor e
requinte, representou a decadência; em muitas lembranças essa foi a civilização
que surgiu e prevaleceu quando o ciclo da civilização anterior, um tipo
sacro-heróico das origens tanto helênicas como romanas, estava na sua fase de
declínio.
Se nos referirmos às origens, o mito latino é
relativizado e o “espírito latino” aparece desconexo com as forças criativas
fundamentais dos povos que abrange. De uma perspectiva filológica, devemos
observar que se as linguagens românticas são essencialmente inspiradas pela
antiga língua romana, nomeadamente latim, a língua latina, por sua vez,
notoriamente pertence à família em geral das línguas Indo-Européias, às quais a
língua alemã legitimamente pertence; é um fato que a antiga língua latina
(assim como as palavras, articulação, sintaxe, e declínio, são concebidas) é
mais semelhante à alemã que à outras línguas românticas latinas.
As coisas são parecidas no domínio étnico, uma vez que há
muito tem sido demonstrado que tanto o mundo da Roma primitiva quanto o
primitivo de Hellas foram criações de forças pertencentes à mesma haste
Indo-Européia, da qual mais tarde os povos germânicos apropriadamente a
separaram. Tem mais. É importante notar que quando nos referimos ao mundo das
origens, a expressão “latina” assume um significado que eventualmente debilita
a tese dos fervorosos apoiadores do anti-nórdico, espírito latino. Um dos
resultados dos estudos recentes relativos à pré-Roma e à Roma pré-histórica é
de que os antepassados dos latinos foram um povo cuja consanguinidade étnica e
espiritual com as famílias dos povos nórdico-ários é inquestionável. Esses
antepassados foram um grupo dissidente dos “povos de machado”, que praticavam o
ritual da cremação; esse povo, depois de se deslocarem para o centro da Itália,
se opuseram à civilização local osco-sabeliana, caracterizada pelo ritual do
enterro. A relação da última civilização com o Mediterrâneo pré e
não-Indo-Europeu e as civilizações asiático-mediterrâneas é também perceptível.
Entre os vestígios mais antigos deixados para trás por
essa haste nórdica, deveríamos mencionar aqueles descobertos em Val Camonica.
Esses vestígios possuem uma correspondência interessante com os vestígios
pré-históricos das raças primordiais, tanto nórdico-atlânticas (civilização
franco-cantábrica dos Cro-Magnons) quanto nórdico-escandinavas (cultura
‘fossum’). Ali, encontramos os mesmos símbolos de uma espiritualidade “solar”,
o mesmo estilo, a mesma ausência de vestígios de cultos femininos
(telúrico-maternais) que por sua vez são abundantes em civilizações
não-Indo-Européias ou em civilizações mediterrâneas degeneradas
paleo-Indo-Européias (pelasgos, cretenses; na Itália, a civilização de Maiella,
os estruscos, etc). Além disso, há uma afinidade entre os vestígios de Val
Camonica e a civilização dos dórios, povo que chegou à Grécia vindo do norte e
que criou Esparta, e que venerou Apollo como o Deus da Luz Hiperbóreo. Assim é
dito que a migração dos povos dos quais os latinos descendem (o destino final
da migração para a Itália sendo Roma) é análoga à migração aquéia-dórica que na
Grécia terminou com a criação de Esparta; Roma e Esparta são ambas
manifestações correspondentes com os nórdicos.
Com o espírito romano antigo e com Esparta encontramos um
mundo sacro-heróico que foi caracterizado por um ethos severo, por um amor à
disciplina, e por uma atitude espiritual viril e dominadora. Este mundo não foi
perpetuado na seguinte civilização “clássica”, da qual, por sua vez, o
“espírito latino” e a “união dos povos da civilização latina” derivaram. Em vez
disso, se usando o termo “latino” nos referimos à suas origens, vemos uma
completa derrubada da tese “latina”. Os latinos foram, entre os povos, quem
ergueu as influências para o qual o mundo romano antigo deve sua grandiosidade
e traços específicos. Os latinos tiveram modelos de culto, de civilização, e de
vida, que não eram opostos, mas similares àqueles exibidos pelos povos
germânicos antes do mundo ficar decadente em que muito mais do que ser “latino”
era somente “romântico” e bastante Bizantinizado. O tardio “mundo latino”, por
trás da fachada externa e dos meros indícios, incluiu forças heterogêneas que
foram suscetíveis à convergência somente quando nada mais sério que o “mundo
das cartas e da arte” era para ser encontrado (com exceção do Catolicismo e
algumas maneiras de sentimentos ao qual o termo ‘Mediterrâneo’ mais do que o
‘Latino’ deveria ser aplicado).
Eu gostaria de sublinhar a importância do que eu
brevemente estabeleci, não somente de um ponto de vista histórico e
retrospectivo, mas também de um normativo; as similaridades entre o estilo de
vida das antigas Roma e Esparta são óbvias e reconhecidas, como são as
similaridades entre ambas e alguns vestígios característicos exibidos pelos
povos germânicos; esses vestígios, devido a um número de circunstâncias, foram
retidos pelos povos germânicos por mais tempo do que por outros povos da mesma
raiz Indo-Européia. Se aqueles que são meros “italianos” e que também desejam
sentir-se “latinos” e “mediterrâneos” poderiam encontrar-se frente a frente à
disciplina romana do período heróico, sua intolerância à disciplina, à honra, à
hierarquia, à presteza, e à virilidade anônima e anti-exibicionista, desta
última, não seria nada menos do que a intolerância provocada neles pelo seu
anti-germanismo e especialmente pelo animus anti-prussiano (é significativo que
L. Aldington chamou os romanos de “os prussianos do seu tempo”).
Em tal animus há certamente influências raciais suspeitas
no trabalho. Isso é um exemplo do que está errado com tantos italianos, que
empregam a tese do “espírito latino católico” ou da “civilização mediterrânea”
com um álibi especial.
Esse álibi tem muitas vezes sido associado com a adequada
polêmica ao guelfismo militante, que convenientemente identificou o espírito
romano e latino com a Igreja Católica, em uma função anti-germânica e
anti-gibelina. Assim, havia pessoas que se aventuraram em falar sobre a
antítese entre “templo” e “bosque”; o “templo” representando o modelo de vida
latino-católico, com seus princípios de autoridade, ordem, e transcendência,
enquanto os “bosques” representam o caótico, “estilo nibelungo”,
individualista, e o mundo protestante alemão. Isso é puro amadorismo típico de
partidário pseudo-intelectual, familiarizado somente com Wagner e com alguns
outros filósofos românticos alemães, e que são ignorantes, ou então pretendem
ser, de tudo que permanece em muitos estratos sociais dos Estados Centrais
Europeus como uma atitude oculta até tempos recentes, antes da catástrofe das
duas guerras mundiais. Em relação ao âmbito externo, Pareto devidamente
observou que na Alemanha, apesar de ser predominantemente protestante, os
sentimentos de ordem, hierarquia, e disciplina, são muito fortes, enquanto que
na Itália, apesar de ser um país católico, tudo isso é presente em uma
quantidade insignificante, enquanto o individualismo, a desordem, a
instintividade, a falta de disciplina, tendem a prevalecer.
Aqui permanece a verdadeira raiz da intolerância que
certo tipo italiano abriga contra o elemento germânico. Não tem que ver somente
com outro modelo de vida, mas também com outra concepção étnica. Por exemplo,
em uma saga heroica germânica há um episódio característico: um príncipe, sendo
convidado para a corte do Rei Etzel, é informado de que é uma armadilha que
está provavelmente sendo feita para ele. O príncipe responde: “vou de qualquer
jeito, e se é verdade o que me diz, isso é muito ruim para o Rei Etzel”. Ele
quis dizer que podia perder sua vida, mas Etzel teria perdido sua honra. Do
contrário, de acordo com a mentalidade “mediterrânea”, alguém que é capaz de
enganar outros desfruta de uma posição mais alta, ainda que em fazer ele não
tinha preocupação nenhuma ou respeito por si mesmo.
Aqui outro exemplo vem em mente, relativo a um dos mais
fervorosos apoiadores do mito latino, católico, e anti-germânico, nomeadamente
Guido Manacorda. Em uma de suas palestras, ele pensou que estava de bom gosto
ao atiçar gracejo para a “carregada” noção de lealdade germânica. Ele informou
sobre uma das lendas relacionadas à Faust, de acordo com as quais o último
selava seu famoso pacto com o mal com sua palavra de honra. Faust aprendeu de
um eremita que ele tem sido levado ao abismo e que ele precisa revogar seu
pacto. Logo que Faust ficou ciente disto e que estava a agir de acordo, ele
lembrou que tinha dado sua palavra. Neste ponto, ele sentiu que não podia
quebrar sua promessa. Manacorda, com um espírito sinistro, comentou: “um de nós
latinos encontraria um caminho para trapacear o demônio também!” Eu não tenho
dúvidas quanto a isso.
Por ora eu quero informar que o mito do “eixo” Itáliano-Alemão poderia
ter um significado peculiar, não somente de uma perspectiva política, mas
também de uma perspectiva moral e espiritual, em vista da recíproca integração
entre os dois povos e culturas. Esta é uma das razões de que o “eixo” foi
sabotado e considerado como “impopular”; o contraste entre do confuso mito
nacionalista e patriótico conectado às idéias restantes do Risorgimento, por um
lado, e a saudade de um forte Estado “romano”, pelo outro, desempenhou seu
próprio papel em uma antipatia, que foi abrigado mesmo por muitas pessoas que
se diziam “fascistas”. Todas essas pessoas podem ser felizes de novo, agora que
a Itália voltou a ser o que mesmo é – a pequena Itália dos mandolins e dos
museus, “0 Sole Mio”, e a indústria de turismo (para não mencionar o lamaceiro
democrático e a infecção marxista), tem sido “libertada” da difícil missão de formar
a si mesma em inspiração às mais altas tradições, que devem ser descritas não
como “latinas”, mas “romanas”.