09/05/2012

Pedra Luciférica




Nestas lendas, uma vez liberadas dos revestimentos de ordem religiosa em sentido estrito, aparece de nova a conexão do Graal como pedra celeste com uma herança e um poder misterioso conectado com o “estado primordial” e, de certo modo, conservado no período do “exílio”. A referência a Lúcifer, por si mesma, a margem do marco de caráter cristão e teísta, pode ser vista como uma variante do tema de uma tentativa, abortado ou desviada, da reconquista “heróica” desse estado. Quanto ao tópico do grupo de anjos caídos do céu com o Graal, pode-se recordar da mesma raça dos Tuatha de Danann, que também se considerada formada por “seres divinos” que chegaram do céu à Irlanda, trazendo também uma pedra sobrenatural – a pedra dos reis legítimos -, assim como objetos que, como indicamos, correspondem exatamente aos do ciclo do Graal, uma espada, uma lança e um recipiente que proporciona, inesgotavelmente, seu alimento a cada ser. Ao mesmo tempo, a pátria dos Tuathas – como sabemos- é aquele Avalon que, segundo uma tradição já indicada, é também a a sede de que falam os livros do Graal e que, em qualquer caso, se confundiu frequentemente, devido às suas obscuras associações, com o lugar onde primeiramente se manifestou o Graal.

Mas isso não é tudo. Em algumas lendas Celtas, os anjos caídos são identificados precisamente com os Tuatha de Danann: em outras lendas, se fala exatamente de espiritos que, como castigo por sua neutralidade, tiveram que descer a Terra. Fala-se que eles habitam uma região ocidental além do Atlântico, em que chegou São Brandão, região que também é uma reprodução de Avalon, mesmo que essa viagem seja uma umagem cristianizada do feito de vários heróis celtas para chegar à “Ilha”, pátria original e centro inviolável dos Tuathas.

Teremos, então, uma curiosa interferência de razões, que são expressões, por exemplo, no Leabhar na hvidhe, onde se lê que os Tuathas são “deuses e falsos deuses aos que notoriamente se remonta a origem dos sábios irlandeses. E provavelmente que chegaram dos céus à Irlanda e, por isso, [existe] a superioridade da sua ciência e dos seus conhecimentos”. Portanto, teríamos que proceder aqui a uma separação um tanto delicada das razões em que se basear tudo o que se refere aos elementos autenticamente luciféricos, aos que se podem aplicar corretamente a idéia de uma “caída” e a presença sobre a terra como castigo, e àqueles outros, que diferentemente, através de uma representação tendenciosamente deformada, podem refereri-se aos custódios na Terra do poder do alto e da tradição, cujo símbolo é o Graal:  quase como uma presença persistente,  inalterada e secreto do que foi precisamente no estado primordial e “divino”.
Em Wolfram, a “neutralidade” dos anjos do Graal nos leva a pensar, na realidade, que se encontram em uma fase idealmente anterior a esse diferenciação da espiritualidade, em função da qual pode definir-se geralmente o espírito luciférico, e se se Wolfram posteriormente deu uma versão diferente a Trevizent, quando disse que os anjos neutros não voltaram a subir ao Céu (como os Tuathas retornaram a Avalon), senão que causaram a sua eterna ruína e, “quem quiser ser recompensado por Deus deve mostrar-se adversário desses anjos caídos”, precisa levar em conta precisamente de que modo o cristianismo deformou as tradições anteriores, substituindo seus sentidos originais por significados muito diferentes. Devido ao caráter deral de sua visão preponderantemente “lunar” do sagrado, o cristianismo frequentemente estigmatizou como “demoníaco” e “diabólico” não só o que efetivamente o era, mas também toda a tentativa de reintegração do tipo “heróico” e toda espiritualidade alheia às relações de devoção e dependência terrena do divino concebido de modo teísta. Assim, em outro lugar temos tido oportunidade de observar uma mistura de razões análogas as que acabamos de ver no caso dos Tuatha de Danann, por exemplo, em certa literatura sírio-hebraica, na qual os anjos caídos acabam formando uma coisa só com uma estirpe de “vigilantes”, concebida com instrutura primordial da humanidade. Tertuliano não exíta em atribuir globalmente aos anjos caídos, o conjunto de doutrinas mágico-herméticas, as quais já vimos que ajudaram Flegetanis a decifrar os textos originários do Graa, e que a Morte Darthur atribuiu a Salomão, concebido como cabeça da estirpe dos heróis do Graal, justamente com os mesmo termos de Tertuliano: “Aquele Salomão era um sábio e conhecia todas as virtudes das pedras e das árvores, assim como o curso dos astros e muita coisa mais”. Quando Inocêncio III acusou os Templários, por sua vez, de terem se entregado à “doutrina dos demônios” – utentes doctrinis daemonorium - , muito provavelmente levou em conta os mistérios “anti-cristólatras” dos Templários e procedeu instintivamente para a mesma assimilação pela que a “raça divina” primordial foi apresentada como a raça culpada ou demoníaca dos anjos caídos.

Por nossa parte, já temos proporcionado pontos de referência suficientemente exatos para orientar-nos frente a distorções desse tipo e para fixar o limite que separa o espírito luciférico do que não é, e o ponto de vista cristão do de uma espiritualidade mais elevada. Assim, qualquer um poderá distinguir facilmente o distinto alcance de cada elemente que se encontra na nossa lenda, junto com muitas interpolações e deformações. Tendo demonstrado que o elemento “titânico” é a matéria prima da qual se podia extrair o “herói”, é compreensível que, apesar de tudo, Wolfram tenha dado a Parsifal alguns traços “luciféricos”, felizmente fazendo chegar, contudo, ao término de sua aventura, ao ponto de que finalmente adotou sua forma luminosa de rei do Graal e de restaurador. De fato, Parsifal acusa a Deus de haver o traído, de não ter tido fé nele, por não o ter ajudado a conquistar o Graal. Se rebela, e em sua cólera diz: “eu servia a um ser a que se dá o nome de Deus antes de que permitisse que eu me exposse a ultrajante escárnio e que me cobrisse de vergonha... Fui um servo submisso porque acreditava que me concedería seu favor, mas, de agora em diante, me negarei a servir-lhe... Se me perseguir com seu ódio, eu me resignarei. Amigo [Galvão disse], quando cheguar o seu momento de combater, que o que te proteja seja o pensamento de uma mulher [é entendido, não de Deus]”. Animado por esse desdem e esse orgulho, Parsifal, depois de não ter triunfado em sua primeira visitado ao castelo do Graal, continua suas aventuras. E ele, assim, separado de Deus, evitando igrejas, entregando-se a demandas “selvagens” de cavalaria - wilden Aventüre, wilden, ferren Ritterschaft – acaba vencendo igualmente, e ao mesmo tempo consegue a glória de Rei do Graal. Trevrizent tem a dizer: “Raras vezes se viu um milagre maior: ao mostrar sua ira, conseguiu de Deus o que [você] queria.”

Notamos, além disso, que, em Wolfram, Parsifal aparece como aquele que chega ao castelo do Graal de modo excepcional, sem haver sido designado ou chamado, como os outros. Sua eleição se dá posteriormente, por assim dizer, são as próprias aventuras de Parsifal que a determinam e quase a impõem. Trevrizent disse: “Nunca havia ocorrido que o Graal pudesse ser conquistado combatendo [Es was e Ungewolhnheit, dasz den Gral ze keine ze keine zêten jeman möchte erstriten].”

Também neste traço se faz reconhecer o tipo “heróico”: aquele que, não por natureza, como o tipo “olímpico” (que poderia corresponder com o rei legítimo do Graal, que depois cai em decadência, na senescência, é ferido e se torna inutilizado), senão que pelo despertar de uma vocação profunda e graças às sua ações, chega a participar naquilo do que o Graal é símbolo, e se aproxima ao ponto de fazer sua a suprema dignidade da Ordem do Graal.

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(Julius Evola, Capítulo II de El Misterio del Grial - El ciclo del Grial – XV).