Certo dia, movida pela curiosidade provinda das minhas inclinações, debrucei-me sobre as colunas da imprensa que se intitulavam do povo.
Andava à cata de companhia... Não é, porventura, verdade que, cada vez que, correndo os olhos pelas páginas de um livro, estamos, a rigor, procurando antes uma companhia do que um roteiro a seguir ou um guia que nos oriente?
Quem sabe se não foi por isso que corri os olhos pela imprensa esquerdista do País? Porém, não encontrei, nem companhia, nem roteiro e nem qualquer guria que me orientasse.
É bem verdade que os jornais do povo esbravejavam contra o capital e contra os capitalistas com o linguajar rude e forte, desmascarando as iniqüidades do regime social, que oprimia o País. Porém, nos detalhes e ainda no fundo da prédica, percebi sem dificuldades a influência de idéias remotas separadas do autenticamente argentino: sistemas e fórmulas alheias aos nossos pontos de vista, concebidas pelas mentes de homens estranhos à nossa cultura e sentimentos nacionais. Notava-se logo que eles desejavam para o povo argentino, não aquilo que ele aspirava. A constatação pôs-me em alerta. Havia outra coisa que ainda repugnava meu espírito: a solução para a injustiça social era a mesma para todos os povos e países do mundo. Eu, porém, considerava inconcebível que, para destruir esse grande mal, fosse preciso aniquilar, concomitantemente algo tão elevado como a Pátria.
Nesta altura, quero deixar claro que até alguns anos passados, muitos sindicalistas argentinos, patrocinados por organizações estrangeiras, consideravam a Argentina e seus símbolos, como meros preconceitos do capitalismo e da religião.
Mais tarde, comecei a desconfiar daqueles veementes defensores do povo. Pela leitura daquela imprensa deduzi que, em minha Pátria, a iniqüidade social só poderia ser banida por uma Revolução, por ventura, internacional, do exterior e conduzida por seres alheios à nossa cultura. Não cabiam, para mim, senão soluções nacionais, resolvendo problemas visíveis, com soluções simples, ao contrário das rebuscadas teorias econômicas. Isto é, optar por soluções patrióticas, próprias para remir o próprio povo. Assim, perguntava-me: Para que aumentar ainda mais os sofrimentos das vítimas dessa injustiça, tirando-lhes os anseios de Pátria e de Fé, a que estão acostumadas? Por conseguinte, seria como tirar da paisagem o firmamento que a emoldura.
Em vez de atacar a Pátria e a Religião, por que tais dirigentes não tratam de uni-las a favor desse mesmo povo? Suspeitei de que aquela gente trabalhava mais para o enfraquecimento da moral da nação do que pelo bem-estar do operariado. Por isso, não gostei da solução.
Embora sabendo pouco da situação global, tinha a orientação do coração e do sentido comum. Pesarosa, voltei às minhas meditações anteriores, convencida de que não possuiria lugar naquela luta inglória. Resignei-me a viver em minha revolta íntima e que, agora, se somava àquela outra, gerada no meu coração, oriunda da deslealdade daqueles pretensos condutores do povo, cuja traição acabara de descobrir. Resignei-me em ser vítima.
05/09/2011
Resignei-me em ser Vítima
por Eva Perón