09/10/2024

Aleksandr Dugin - Notas sobre o Pensamento

 por Aleksandr Dugin

(2019)


Todo mundo “acha” que pode pensar e que o que estão normalmente fazendo é chamado de “pensar”. Isso é um equívoco.

Aqueles que possuem uma certa cultura de pensamento e são capazes de autorreflexão entram (espero que de maneira consciente e responsável) no que são virtualmente processos mecânicos de circulação por certas escolas, trajetórias e sistemas. Eles residem ali, seguindo as principais regras e cânones semânticos. No melhor dos casos, podem modificar, acrescentar, corrigir ou emendar algo nesse sistema, mas certamente nada fundamental. É assim que as dissertações ensinam a “pensar” – isto é, claro, quando são honestamente, minuciosamente e independentemente concebidas e escritas. Mas isso ainda não significa “pensar”. Este é um estágio preparatório, às vezes importante, mas está longe do objetivo final. Além disso, isso não leva necessariamente ao pensamento. Em vários casos, isso pode até se tornar um bloqueio para o nascimento do pensamento. Ademais, é possível pensar sem isso.

O primeiro caso está associado exclusivamente àqueles que, de uma forma ou de outra, dedicaram conscientemente suas vidas à ciência e à cultura e a tudo que está conectado a isso. Esses são os “programadores” do pensamento e, às vezes, os hackers.

O segundo caso inclui todos os outros. Eles não têm nenhum momento consciente de ingresso em um ambiente intelectual organizado e estruturado. Permanecem na ignorância sobre de onde vêm e o que gira dentro de suas cabeças e como isso é organizado. Estes são os usuários comuns do pensamento, que usam programas prontos sem se questionar sobre seus algoritmos. Aqui, “pensamento” é entendido como fragmentos de inferências aleatórias e instâncias de conhecimento disperso e não sistematizado e fórmulas cujas origens permanecem desconhecidas (para este “pensador”), a reciclagem livre de cálculos racionais, tudo isso continuamente atacado pelo feixe de invasões do inconsciente, que confere ao pensamento um caráter sinistro e saturado de corporeidade. Este último aspecto foi objeto da psicanálise, para a qual o próprio processo de pensar é uma projeção do jogo das forças corporais irracionais mal cobertas com pseudo-racionalismo. A subjetividade aqui é uma combinação aleatória de complexos firmemente estabelecidos na infância e que permanecem fundamentalmente inalterados. Ou seja, tudo o que uma pessoa “pensa” ao longo de sua vida é simplesmente uma história detalhada e duradoura de dor e anamnese.

O segundo caso – o da consciência banal – não é pensamento de forma alguma, mas o resíduo da maquinaria corporal. O primeiro é um ato de pertencimento a um sistema mais elevado, mas também completamente alienado, no qual não há subjetividade à vista. Podemos ver um indício disso no reconhecimento de humanistas de que seus discursos e todos os discursos que ouvem são instâncias de citação. O pós-modernismo leva essa reflexão ao ponto do absurdo e a transforma em uma nova doença mental que converge com a idiotice da consciência banal.

Pode-se, claro, propor variáveis mistas também, como as do “semi-intelectual” ou “semi-leigo” (o consumidor), mas isso não resulta em nada novo: apenas um idiota avançado ou um intelectual mentalmente retardado. A alienação não é alterada. Estamos fora do pensamento. Não pensamos, mas sim participamos de um processo mecânico alienado – alguns mais claramente, outros mais vagamente.

Onde está o pensamento? Em um plano diferente. O pensamento nasce e se manifesta em uma dimensão completamente diferente. Comparado ao que estamos fazendo quando (nos parece que) estamos “pensando”, é algo radicalmente outro. A experiência do pensamento significa o colapso de tudo que normalmente consideramos como tal. O pensamento pode começar apenas quando o que tomamos por pensamento está acabado. Tanto o delírio cotidiano quanto as “citações acadêmicas” intelectuais são barreiras para o nascimento do pensamento. Devem ser abolidos. O pensamento nasce do momento de loucura ou absurdo, quando a rotação dos mecanismos tanto da consciência cotidiana quanto da científica é subitamente interrompida. Diante da morte, isso parece bom. Mas não para todos. O pseudo-pensamento nos protege de maneira confiável da morte ao se barricadar contra a própria possibilidade de experimentá-la com incontáveis instâncias, medos, cálculos, planos e esperanças (para médicos, milagres, polícia, senso comum, ciência e a “luz no fim do túnel”). Tudo está sujeito à morte, mas a morte é a sorte dos escolhidos. A morte está intimamente ligada ao pensamento. O pensamento nasce apenas diante da morte. Aquilo que nasce livre e horrivelmente diante da morte, quando tudo o que tínhamos como “pensamento” foi destruído – isso é o pensamento real. Só nesse momento a subjetividade se revela, tendo estado em todos os outros casos dissolvida nos campos alienados da consciência desfocada.

O pensamento requer um esforço colossal, sobre-humano, para superar o limiar fundamental.

Pensar é incrivelmente difícil. É uma façanha. Ao mesmo tempo, é uma iluminação transformadora. Não é meramente algum pensamento particular e sublime, mas apenas o pensamento, o pensamento como tal – pode-se até dizer “qualquer” pensamento, levando em consideração a raiz de “amor” (em russo: liubov’) na palavra “qualquer” (em russo liubaia). Pensar não é a criação de sistemas ou doutrinas, que são consequências, e não necessariamente obrigatórias. O principal aspecto do pensamento não são seus resultados e manifestações, mas o próprio pensamento, seu ser. O pensamento muda irreversivelmente qualquer pessoa que pelo menos uma vez se aproximou dele. O pensamento nos dá a primeira visão de quem é que está pensando, ou seja, o sujeito. Mas não somos nós. É o outro radical em nós. Alguém escondido dentro. Pensar significa apresentar a possibilidade de emergir da escuridão interior para a luz interior.