por Adriano Scianca
(2020)
O globalismo nunca dorme. Mesmo diante de um contexto de crise, que coloca em xeque todos os seus postulados, essa ideologia nefasta segue acreditando que pode achar validade para si própria em qualquer lugar. Resumindo: é uma ideologia que não falseável no sentido popperiano, porque se crê corroborada tanto por A como pelo inverso de A.
Atualmente, sobre isso, existem pelo menos três tópicos em particular que circulam nas mídias sociais, nos jornais e nos programas de televisão: a) a emergência do coronavírus confirma a validade da globalização e a inutilidade das fronteiras (“soberanamente”) fechadas; b) a emergência do coronavírus confirma a validade dos especialistas, dos técnicos e dos noticiários contra as falsidades e, portanto, contra as fake news; c) a emergência do coronavírus confirma a superioridade da democracia e da “sociedade aberta” sobre os autoritarismos.
Obviamente, todos esses três argumentos estão baseados em uma abordagem inicial distorcida, em simplificações e em perspectivas hiper-generalistas, propositalmente colocadas de forma maniqueísta e caricatural para forçar certas conclusões. Mas olhemos de forma mais detalhada.
A Globalização
a) A globalização. Curiosamente, aqueles que apoiam essa tese enfatizam bastante o papel das instituições supranacionais e da pesquisa internacional na contenção do vírus, mas se esquecem do papel que os intercâmbios, o turismo e as interconexões globais tiveram em sua difusão. Que a palavra de ordem em voga, invocada pelas instituições, seja “Fique em casa” é também revelador. Mas aqui é bom especificar um ponto que parece escapar a muitos, globalistas e até a alguns soberanistas ingênuos: o oposto da globalização não é o fechamento hermético de fronteiras, a eliminação dos intercâmbios, das viagens e da cooperação internacional. A micro-mônada isolada do mundo é um homem de palha, um antiglobalismo imaginário construído em prol dos argumentos globalistas. A realidade: o real oposto da globalização é um mundo em que os fluxos e as trocas são controlados por uma política forte, no qual existem grandes espaços que regulam o local e global; no qual identidades e diferenças existem e resistem; no qual não há concorrência entre territórios com padrões sociais muito discrepantes; etc. Tudo isso não tem nada a ver com o fato de que — mesmo num mundo pós-global — uma vacina criada em Cingapura pode ser usada na Argentina ou o conhecimento adquirido em um laboratório japonês pode ser compartilhado com colegas noruegueses.
Os Especialistas
b) Os especialistas. Outro argumento teleguiado, que, no máximo, é válido só contra alguns afobados na Internet, militantes anti-vacina e, na Itália, contra os apoiadores do grillismo raiz (felizmente, hoje em perigo de extinção). A tática é sempre a mesma: lute contra a versão mais distorcida de seu oponente, contra uma caricatura que, no mundo real, é quando muito defendida por figuras periféricas. Faça isso para distorcer as coisas e ter sucesso em uma possível comparação com o seu posicionamento de base. A realidade: o debate crítico a respeito dos “especialistas” e das “Fake News” dizia respeito a uma questão bastante diferente, a saber: a pretensão de que a política seja tutelada por técnicos e a ideia de conceder o monopólio da verdade apenas à grande mídia, especialmente e acima de tudo em temas que nada tinham a ver com ciências básicas. Ou seja, o ponto é assumir posição contra a alegação autoritária que visa estabelecer a ideia de que existe apenas uma única linha política possível e apenas uma maneira de falar da realidade – que, no entanto, continua a ser multifacetada e interpretável, e não limitada a um único diapasão. Mesmo na crise atual, onde, pela ordem das coisas (e com razão), médicos e pesquisadores têm um papel decisivo, tanto no acompanhamento das decisões políticas quanto no relato jornalístico dos fatos, ainda existem diferentes maneiras de reagir e diferentes formas de explicar o que se passa. O que — dentro dos limites da responsabilidade — é absolutamente bom.
O Autoritarismo
c) O autoritarismo. É um tópico que estava muito na moda no início da crise, especialmente contra a China e, depois, também contra o Irã. O silêncio e omissão de Pequim foram duramente criticados sob o argumento de que a falta de transparência e controle civil na política havia causado a tragédia. Na época, porém, na Europa, a crise foi analisada com um olhar um tanto quanto colonial, dentro da crença de que essas coisas só aconteciam lá fora. Mas após ter ficado clara a inaptidão desastrosa do governo italiano e da irresponsabilidade de seus cidadãos, o clima mudou. Agora, o argumento dominante é: “Como podemos replicar os métodos de contenção dos chineses, preservando as garantias democráticas?”. E nas entrelinhas: “Não estaria a democracia se tornando um peso de metal acorrentando aos nossos pés no atual estado de coisas?”. O que não significa, é claro, que os modelos chinês ou iraniano devam ser o futuro. Mas é certo que todos os nós dos nossos modelos estão vindo a tona. E talvez tenha chegado o momento de tirar esse sorriso estúpido do rosto daqueles que se sentem perpetuamente guiados pelo espírito do tempo e pelo sentido da história, onde quer que eles assoprem.