por Emmanuel Frankovich
“O logos prevaleceu sobre o mito, Apolo sobre Dionísio. Hoje, o homem está desprovido de mitos.” – Friedrich Nietzsche
O Império do Mito
"Nada é mais verdadeiro que um mito". O “Mûthos” torna possível compreender a origem pela revelação, onde o Logos explica a realidade objetiva pelo raciocínio lógico. O mito não é, porém, irracional: tem sua própria racionalidade. "Matriz de imagens retrizes", ele não se inventa, mas, fora da temporalidade, ele é e é visto como "revelação permanente". A Totalidade é o seu espaço e a Eternidade é o seu tempo. O mito não é uma metafísica, mas uma ontologia.
A possibilidade de perceber o que o mito revela reside na vontade de aceitar sua clareza. Ele "se opõe à luz da razão: quanto mais o pensamento racional ‘ilumina’, mais ele oculta a própria fonte da claridade”. Outro modo de revelação do ser das coisas é a Figura (Jünger, Niekisch), a ser distinguida do mito político e da ideologia, formas instrumentais e subjetivas. A Figura também revela o invisível a um olhar inclinado a ir além das aparências. Por outro lado, a psicologia das profundezas, animada pela mesma pretensão de definir a verdade do mito, rapidamente retorna ao seu caráter profundamente moderno de confinamento no mental e de mera análise dos "estados da alma".
Porque o mito não tem um significado que deva ser descoberto e compreendido. Ele escapa ao conceito. Não podemos ter nenhuma ideia do porquê ele está agindo. Ele só pode ser vivido e recebido como palavra fundadora, como palavra verdadeira. É apenas significância e a sua verdade, sempre renovada, procede da combinação de seu tecido de significantes. O mito é expresso através da linguagem: "A linguagem é a verdade do mito". Ele é palavra, ele é canção, ele é o divino e o poeta é seu mediador. "Voltar à clareza do mito seria, para o homem, experimentar uma revolução como ele nunca viu antes..."
Autoridade Espiritual e Poder Temporal
No que diz respeito às relações entre autoridade espiritual e poder temporal, quatro grandes figuras são convocadas principalmente: Guénon, Evola, Coomaraswamy e Dumézil. No trabalho deste último sobre trifuncionalidade indo-européia, fala-se em "duas faces, duas metades antitéticas, mas complementares e igualmente necessárias". Segundo Guénon, deve haver "subordinação da função real guerreira à função sacerdotal". A autoridade espiritual, guardiã dos princípios imutáveis, da "ordem das coisas", é de fato aquela que "dá sua lei" ao temporal que está sujeito ao contingente. Evola chamará essa posição de "ponto de vista bramânico-sacerdotal de um oriental". Ele afirmará a existência de uma "sacralidade da ação" e censurará Guénon por confundir autoridade espiritual e autoridade sacerdotal. Segundo ele, a casta dos kshatriyas também representa uma forma de autoridade espiritual [1]. Na arbitragem do debate, Alain de Benoist se remete a Evola e Guénon pedindo para interpretar o par de poder temporal-autoridade espiritual "sob o ângulo da dependência recíproca e da oposição dos contrários", os dois princípios estando "indissoluvelmente ligados dentro da mesma função soberana". Além disso, Coomaraswamy, classificado ao lado de Guénon, sustenta uma "dependência recíproca assimétrica" dos dois poderes e sua união "nupcial", enfatizando neste ponto a proximidade da orientação evoliana com o mundo moderno.
A grande derrubada "moderna" consistiu de fato em uma lenta separação do princípio espiritual e do poder real, o último acabando se apoiando não na primeira, mas na casta burguesa que a cercava e que a destituiria, abrindo por ali o reinado das castas mais inferiores da hierarquia tradicional (vaishyas - para a burguesia capitalista, shudras - para o bolchevismo). Na Europa, as relações entre a realeza e a classe sacerdotal foram às vezes tumultuadas, como evidenciado pela famosa Querela das Investiduras que opunham o papado e o poder imperial. É precisamente esse tema do Império e, em particular, o conflito entre Guelfos e Guibelinos, que é desenvolvido na terceira parte do livro.
O Mito do Império
"O Império, como a cidade ou a nação, é uma forma de unidade política e não [...] uma forma de governo". A ordem política é determinada por "uma ideia de natureza espiritual". "O imperador [...] reina sobre soberanos, não sobre territórios [...]." O Império não é definido por um território, mas por uma ideia. Ele se desagrega no Renascimento com o aparecimento dos primeiros Estados "nacionais". Alain de Benoist também lembra que "a história da França tem sido uma luta perpétua contra o Império". Ele considera que a França como nação realmente não nasce até o século XVIII e, mais particularmente, durante a Revolução. Anteriormente, o que era designado por Reino da França não era constituído por uma definição territorial precisa nem por uma unidade política centralizada. A ascensão da burguesia em torno do absolutismo real minou a nobreza feudal e os corpos intermediários para impor lentamente essa centralização do poder, da qual o jacobinismo revolucionário foi a expressão máxima. A nação, como um "espaço abstrato onde o povo pode conceber e exercer seus direitos", substituiu o rei e encarnou a unidade política. De Benoist cita, a esse respeito, o “Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte” de Karl Marx: "A primeira Revolução Francesa, que se propôs a tarefa de quebrar todos os poderes independentes, locais, territoriais, municipais e provinciais, para criar a unidade burguesa da nação, deve necessariamente desenvolver o trabalho da monarquia absoluta: centralização, mas também estender os atributos e o aparato do poder governamental."
Duas concepções de soberania são assim delineadas nesta última parte do “Império Interior”: o Império e a Nação. Interessando-se em seus respectivos fundamentos teóricos, Alain de Benoist apresenta dois pensadores do século XVI: Johannes Althusius e Jean Bodin. É sob o impulso deste último que se impõe o absolutismo monárquico e que, o poder do soberano não sendo mais limitado, “a ordem política é reduzida a uma simples relação entre dominante e dominado", abrindo muito depois, o caminho para as revoluções nacionais burguesas. Em contraste com essa concepção, está o consociatio symbiotica de Althusius: "associação orgânica de indivíduos que vivem na sociedade"; "forma federativa de comunidades orgânicas" [2]. Através de uma demonstração clara e contundente, Benoist estabelece as amplas linhas de separação entre o Império e a Nação: o orgânico contra o artificial; o natural contra a construção racionalista; o holismo contra o individualismo; o federalismo contra o jacobinismo; o espiritual contra o mercado.
Essas duas concepções de soberania obviamente produzem consequências diferentes: enquanto o Império federa e preserva particularismos, a Nação atomiza o corpo social ("a nação conhece apenas indivíduos") e homogeneiza; enquanto o Império distingue cidadania e nacionalidade (princípio da subsidiariedade), a nação os confunde; finalmente, enquanto a universalidade do Império se limita a uma determinada área de civilização dada sem dimensão equalizadora, a vocação universal dos valores da Nação leva ao imperialismo de conversão [a Nação e seus valores são identificados com a Humanidade que deve então cair sob sua bandeira, o clichê "França, pátria dos direitos humanos" - e ainda mais "cidadão" - é a esse respeito edificante]. De Benoist cita Evola: "O Império, no verdadeiro sentido, só pode existir se for animado por um fervor espiritual [...] Se isso estiver faltando, não teremos nada além de uma criação forjada pela violência - imperialismo - mera superestrutura mecânica e sem alma".
A Falsa Europa da União Europeia
"Mera superestrutura mecânica e sem alma": essa fórmula parece definir o que é agora o Novo Império Europeu e o que conhecemos como União Europeia. Obviamente, essa "coisa" é apenas uma extensão em larga escala do nacionalismo jacobino, destinada exclusivamente a servir aos interesses do globalismo mercantil e do americanismo. Para Alain de Benoist, diante de um globalismo que visa torná-la um mero domínio, o caminho da salvação para uma Europa dos povos é o do Império. No entanto, podemos nos perguntar se o recurso à nação, agora contestado pelo supranacionalismo da UE e pelo regionalismo e outras autonomias, é necessariamente um obstáculo à construção de um grande bloco europeu, federalista e subsidiário, ou se poderia ser um passo nessa construção. Uma coisa é certa e Alain de Benoist lembra: não é para defender uma subjetividade, mas um princípio. Nesse sentido, ele se junta ao eurasianismo de seu amigo Aleksandr Dugin e sua abordagem civilizacional multipolar que o fez dizer: "Portanto, você pode ser muito eurasianista vivendo na América Latina, no Canadá, na Austrália ou na África" ([3].
Notas
[1] No hinduísmo, os textos védicos indicam que a sociedade é dividida em quatro varnas ou classes, que são: brâmanes - padres, mestres e professores; os kshatriyas - rei, príncipes, administradores e soldados; os vaisyas - artesãos, comerciantes, empresários, agricultores e pastores; shudras - servos.
[2] Johannes Althusius por Alain de Benoist : http://www.in-limine.eu/2015/04/johannes-althusius-par-alain-de-benoist.html
Texto em pdf : http://data.over-blog-kiwi.com/0/55/48/97/20150411/ob_7c21b9_althusius.pdf
[3] « Qu’est-ce que l’eurasisme ? Une conversation avec Alexandre Douguine », in Krisis, n° 32, juin 2009