17/12/2019

Alain de Benoist - A Terceira Era do Capitalismo

por Alain de Benoist

(2000)



Em um livro recente, Luc Boltanski e Eve Chiapello examinaram o modo pelo qual o capitalismo continuou a mobilizar milhões de indivíduos ao redor de uma causa que, porém, não tem qualquer finalidade fora de si mesma: a acumulação de capital. Tentando identificar as "crenças que contribuem para justificar a ordem capitalista e para apoiar, legitimando-as, os modos de ação e as disposições que são consistentes com ela", eles observam que em todas as épocas o capitalismo envolve uma figura básica, um elemento de excitação individual e um discurso de justificação em termos de bem geral. O que os leva a distinguir três períodos diferentes.

O primeiro capitalismo, que domina todo o século XIX, é encarnado pela "burguesia" tão bem descrita por Werner Sombart e pelo empreendedor ou capitão de indústria, que manifesta antes de tudo o gosto pelo risco e pela inovação. É um capitalismo patrimonial e familiar, em grande parte ligado às classes burguesas que exercem o poder. O elemento de excitação é representado pela vontade de descobrir e empreender. O discurso da legitimação se confunde com o culto ao progresso.

O Advento do Turbocapitalismo

O segundo capitalismo se desenvolve a partir dos anos trinta. É o das grandes empresas e do compromisso fordista, em que o proletariado renuncia progressivamente às críticas sociais em troca da garantia de ter acesso à classe média. O aumento dos salários favorece o consumo, o que reduz os conflitos. A figura emblemática desse segundo capitalismo é a do presidente do conselho de administração ou do diretor da empresa, juntamente com a do gerente superior. A excitação está na disposição da empresa de se desenvolver o máximo possível. O discurso de legitimação acentua o aumento do poder de compra, bem como a valorização do "mérito" e da competência. Esse período, que corresponde à era da redistribuição por parte do Estado assistencial, do keynesianismo e da expansão regular da classe média, termina ao mesmo tempo que os trinta anos de outro do pós-guerra, após a crise do petróleo de 1973.

A partir de então, entramos na "terceira era" do capitalismo, que corresponde à transição de um capitalismo ainda enquadrado para o capitalismo desenfreado do mundo atual, o "turbocapitalismo" de que fala Edward N. Luttwak. Sua figura essencial é a do chefe de planejamento (coach) ou do criador de redes (networker), que se limita a coordenar a atividade de unidades de duração limitada. Seus principais valores são autonomia, criatividade, mobilidade, iniciativa, convívio, desenvolvimento. O novo capitalismo envolve o princípio da hierarquia com um novo dispositivo de gestão de pessoas. Há cada vez menos "chefes" e mais e mais gerentes trabalhando em equipes. O gerente atento aos recursos humanos, adaptável, flexível, "comunicativo", substitui o dirigente rígido e planificador. O funcionário é móvel, com muito pouca lealdade à empresa que lhe dá trabalho. Devido à intensificação da concorrência, a empresa trabalha cada vez menos "em ambientes fechados". Transfere serviços para fora, alimentado pela precariedade. A empresa taylorista ou fordista gradualmente dá lugar à empresa de rede, um fenômeno que anda de mãos dadas com o surgimento de um mundo pós-moderno, essencialmente "conexionista". O elemento de excitação é o desenvolvimento de novas tecnologias. O discurso legitimador é o de uma "nova economia" que traria a humanidade a uma nova era de crescimento duradouro.


A grande característica desse novo capitalismo reside em um crescimento extraordinário dos mercados financeiros. O vôo das taxas de rendimento das bolsas começou em meados da década de 1980 em Wall Street e depois se espalhou para a Europa. Em 1998 e 1999, o índice acionário avançou cerca de 30%. Nos Estados Unidos, os valores da Bolsa, que há mais de um século representam, em média, o equivalente a quinze anos de lucros, hoje representam trinta e cinco. A conseqüência é a obsessão de criar valor para o acionista e uma necessidade exorbitante de rentabilidade do capital. Agora se exige uma taxa de retorno de capital da ordem de 15%, quando o crescimento do PIB não supera os 4-5%. Ao mesmo tempo, enquanto há algum tempo, para medir a rentabilidade dos ativos econômicos das empresas, se examinava exclusivamente os retornos dos fundos de investimento, hoje, para compensar a falta de informações sobre rentabilidade futura, as empresas são avaliadas com base em percentuais presumidos, com base nas quotas de mercado obtidas ou conquistadas. O preço da ação, que flutua de maneira aleatória, não é mais um reflexo da situação das empresas ou economias: o valor dos títulos listados não tem mais nada a ver com o seu valor real. O incêndio das bolsas ocidentais rompe a relação de igualdade entre a taxa de crescimento da economia real e a taxa de retorno dos títulos financeiros. O valor econômico está cada vez menos conectado a um valor que pode ser traduzido em termos objetivos e cada vez mais a uma riqueza virtual que deve corresponder ao desejo ilimitado dos indivíduos. A dinâmica da empresa, que apontava para a duração, é suplantada por uma dinâmica financeira intangível, sem uma base objetiva.

Essa distorção entre economia real e economia financeira, valor da bolsa de valores e valor agregado, mas também entre consumidor e acionista, alimenta a ilusão de que a acumulação de valores mobiliários é equivalente à produção de bens. Como o voo para a frente sempre ocorre a crédito, os mercados de ações se assemelham cada vez mais aos potenciais “assignats” da França pré-revolucionária. A "bolha" especulativa, que continua a inchar, corre o risco de explodir a qualquer momento, causando um novo crash.

Essa supremacia da bolsa de valores tem levado, como conseqüência lógica, à dos "investidores institucionais", que hoje administram algo como 10 trilhões de dólares e estão impondo a versão anglo-saxônica do capitalismo em todo o mundo. Entre estes investidores institucionais que dominam o mercado de ações, os mais conhecidos são os gestores de fundos de pensão, de seguradoras ou de fundos de investimento (mutual funds). Esses "fundos de pensão" - uma expressão que é apenas um mau anglicismo - são na verdade fundos de pensão privados, fundos de poupança coletiva criados pelas profissões ou empresas para oferecer pensões na forma de uma renda. Os mais famosos são a Calpers, na Califórnia, e depois a Vanguard e a Fidelity. Seu negócio consiste em investir nos mercados financeiros em busca dos melhores lucros. Em dólares correntes, seus ativos aumentaram de 17 bilhões para quase 5 trilhões entre 1950 e 1997. Somente em 1997, eles possuíam quase 50% de todas as ações listadas nos Estados Unidos, contra 10% em 1960. Este tipo de fundos de pensão, cujas virtudes milagrosas são incessantemente vangloriadas, na verdade envolve um risco enorme para aqueles que, através deles, não têm medo de jogar a pensão na bolsa de valores. Na verdade, trata-se de transferir para os funcionários expostos ao risco de um crash, os riscos financeiros que antes eram suportados por empresas e governos. Os fundos de pensão também são um dos principais fatores da instabilidade financeira mundial, uma vez que seus influxos maciços de capital causam uma supervalorização artificial que alimenta a "bolha" especulativa, enquanto seu impacto positivo na economia real é praticamente nulo. Seu papel potencialmente desestabilizador, particularmente em mercados emergentes, foi perfeitamente destacado pelas mais recentes crises financeiras.

Com ameaças ou decisões reais, os investidores institucionais mudaram a face do capitalismo. Seu peso considerável e os meios de pressão à sua disposição trouxeram à tona novas regras de gestão e, ao mesmo tempo, causaram limitações persistentes na margem de manobra dos Estados. Eles impuseram seu estilo, objetivos e necessidades em todos os lugares. Por meio de capital de risco, stock options e acionistas assalariados, eles atribuíram prioridade à governança corporativa, estimulando o desejo de um retorno do investimento imediato. Com fusões, participações cruzadas, aquisições no mercado de ações, elas deram origem a uma nova classe de empreendedores que extraem seu poder do poder absoluto dos mercados. Ao exigir taxas de rentabilidade quase usurárias de 15% para o capital investido, eles forçaram os empreendedores a se submeterem aos seus termos.

Capital das Grandes Empresas e Fundos Estrangeiros

A esse respeito, a penetração da capitalização da bolsa francesa por investidores estrangeiros é reveladora, incluindo, na primeira fila, os grandes fundos de pensão anglo-saxões. A França possui um recorde mundial neste campo. Hoje, a participação de grandes investidores internacionais no capital das empresas francesas chega a quase 40%, contra 16% na Inglaterra, 10% na Alemanha e 7% nos Estados Unidos. Em 1998, os investimentos líquidos em ações francesas por não residentes subiram para 70 bilhões de francos, em comparação com apenas 6 bilhões para residentes. Além disso, após uma decisão tomada em 1993 por Nicolas Sarkozy, na época Ministro do Orçamento, esses fundos não residentes estão isentos de todos os impostos sobre os dividendos franceses que coletam. O resultado é um diferencial de coerção e, portanto, de rendimento, cuja conseqüência lógica, dados os meios disponíveis para investidores institucionais, poderia ser a tomada progressivo da maioria dos títulos de empresas francesas por investidores estrangeiros. A recente queda da Alcatel, após a decisão de um fundo americano de vender metade das ações que possuía em seu capital, ilustra os perigos de tal dependência, que está em constante crescimento.

"Desta forma", observa Laurent Joffrin, "o modelo liberal se expande sem o som de trombetas e tambores, através do simples jogo da pressão financeira. Forçados a garantir a esses acionistas impiedosos uma ‘criação de valor’ (um lucro, no idioma atual) leonina, os grupos nacionais dispensam sacrifícios aos funcionários: a estagnação dos salários franceses encherá os bolsos dos aposentados do outro lado do Atlântico".

O "capitalismo renano", descrito à sua época por Michel Albert, perde constantemente terreno contra o capitalismo financeiro, o que faz com que suas fundações vacilem. Aquele capitalismo "renano", baseado no sistema bancário e em conglomerados industriais, pretendia ainda se preocupar com um mínimo de coesão social, mas as dificuldades econômicas que a Alemanha (e o Japão) experimentam nos últimos dez anos reforçaram a ideia de que o modelo anglo-saxão promete se impor em todos os lugares.

A convergência de modelos econômicos é um dos grandes postulados da "nova economia". O método utilizado consiste em aplicar aos Estados nacionais a mesma grade de leitura aplicada às empresas para avaliar sua competitividade. Na realidade, dado que o exemplo americano constitui a referência básica da "nova economia", essa suposta convergência de sistemas econômicos - que não leva em conta as particularidades culturais, sociais ou institucionais de cada país e interpreta todo problema como um "atraso" decorrente de uma situação local - é simplesmente o resultado do fato de todos os países serem classificados de acordo com a lacuna que apresentam em relação aos Estados Unidos, “um país jovem que erradicou todas as formas anteriores de socialização e é, portanto, a terra do sujeito mercantil por excelência", como observa Robert Boyer, que acrescenta: "Compara-se esta sociedade, figura emblemática do capitalismo, com todas as outras, para descobri-las ‘arcaicas’ ou ‘emergentes’. Em outras palavras, a maioria dos analistas americanos aplica a outras economias as ferramentas conceituais usadas para analisar a sociedade americana, assumindo que sejam necessárias e suficientes". Desse modo, perde-se de vista o fato de o sistema americano ser uma exceção à diversidade de situações existentes.

O primeiro requisito dos investidores institucionais é obviamente a desregulamentação. É sabido que, no centro da crença liberal, está a crença na existência de um processo de ajuste natural (autorregulador) que permitiria ao mercado alcançar uma situação ideal com a condição de não ser impedido por nada - o que, no entanto, não impede os apoiadores do mercado de se converter discretamente ao intervencionismo sempre que encontrarem uma vantagem para si. A desregulamentação, portanto, consiste em suprimir tudo que é suscetível de perturbar os ajustes típicos do "mecanismo de mercado" e, secundariamente, em atribuir todos os efeitos negativos que podem ser constatados à malignidade dos homens ("rigidez salarial", dívida de administrações públicas, "obstáculos" culturais e assim por diante) ao invés do próprio mercado.

Componente essencial da concepção liberal da economia, a desregulamentação nunca deixou de se estender dos anos 80 em diante, a partir das experiências inglesas e americanas. Uma grande mudança foi feita em 1986, quando Ronald Reagan e Margaret Thatcher convenceram seus parceiros do G7 a aceitar o princípio da desregulamentação financeira. Os Estados aceitaram porque essa desregulamentação lhes permitiu financiar a dívida pública por meio da "titularização"; o que significa que a dívida dos Estados pode ser convertida em valores mobiliários. Nesse momento, iniciou-se um amplo movimento de “desintermediação” financeira, o que permitiu às grandes empresas encontrar diretamente os recursos de que precisavam nos mercados financeiros, o que resultou em redimensionamento do papel dos bancos. O fato é que os bancos tradicionalmente desempenham um papel de triagem entre empresas e poupadores, permitindo uma certa "mutualização" de riscos e absorvendo uma parte dos choques conjunturais, que geram um desequilíbrio entre poupança e investimento. O desaparecimento dessa tela significa que o poupador individual deve agora suportar sozinho a qualidade do risco de seus investimentos nos mercados financeiros, o que aumenta sua vulnerabilidade. Ao mesmo tempo, novos instrumentos financeiros foram criados, como mercados futuros e de moedas.

Essa liberalização dos mercados financeiros tem sido um dos motores essenciais da globalização. Assim como a desregulamentação e a privatização, faz parte da mesma tendência: a transição da liquidez bancária para a liquidez puramente financeira; em outros termos, os instrumentos financeiros continuam a ganhar liquidez, a ponto de poderem ser utilizados como instrumentos monetários. Sob o pretexto de desregulamentação e maior eficácia, o novo capitalismo reivindica, de maneira estatutária, uma total liberdade de manobra, argumentando que qualquer restrição a essa liberdade resultaria em uma diminuição da eficácia. Dessa maneira, ele se liberta de todas as regras, exceto a do lucro imediato. Resultado: na Europa, onde as grandes incursões às bolsas de valores eram muito raras, de 1998 a 1999 elas se multiplicaram em uma taxa nunca vista antes. Obviamente, entre 1885 e 1913 já havia um processo de concentração de empresas, mas as dimensões não eram as mesmas. Além disso, há mais de um século, as fusões eram ofensivas e serviam para ganhar novas participações de mercado, enquanto as atuais são, em dois terços, principalmente defensivas. Outra característica dessas operações é que, na maioria dos casos, são feitas "em papel", ou seja, por meio de ofertas públicas que dão lucros aos acionistas das empresas a elas sujeitas, mas aumentam ainda mais o volume da "bolha" especulativa.

Essas abordagens colocam somas colossais em jogo. A aquisição do grupo alemão Mannesmann pelo Vodaphone britânico representou, por si só, uma operação de 148 bilhões de dólares (equivalente a um pouco menos do que o orçamento anual da França!). Em 1998, a Exxon absorveu a Mobil por 86 bilhões, o Travelers Group engoliu o Citycorp por 73,6 bilhões, o Bell Atlantic absorvou o GTE por 71,3 bilhões, a AT&T a Media One por 63,1 bilhões, a TotalFina a Elf Aquitaine por 58,8 bilhões. Em janeiro de 2000, a aquisição da Time Warner, número um global da comunicação, por parte da AOL, primeira fornecedora mundial de acesso à internet, criou um grupo que pesa algo ao redor de 300 bilhões de dólares.

Em escala global, essas operações de fusão-aquisição e incorporação representaram uma soma total de 3 trilhões de dólares em 1999. Na última década, os valores captados atingiram 20 trilhões de dólares, duas vezes e meia o produto interno bruto dos Estados Unidos da América.

O princípio da concorrência, que se diz favorecer a diversidade e a qualidade, resulta na constituição de imensos cartéis ou monopólios que têm um poder maior do que o de muitos estados. Atualmente, as 200 empresas multinacionais mais importantes (91 delas com sede nos Estados Unidos) produzem um volume de negócios de 7 trilhões de dólares por ano, mais do que o produto interno bruto dos 150 países que não pertencem à OCDE. Na maioria dos setores, particularmente no campo da cultura e da comunicação, essa evolução causa a homogeneização da oferta (cada empresa tenta fazer melhor, mas faz melhor a mesma coisa) e a "seleção reversa", ou seja, situações em que as soluções selecionadas provam ser desvantajosas para os atores.

Entende-se, portanto, que o verdadeiro papel dos fundos é o de reestruturar o capitalismo global. Como escreve Dominique Plihon, “ao comprar e vender suas participações, os fundos de pensão circulam capital e aceleram a evolução para uma nova configuração caracterizada pela tomada do controle do capital produtivo por parte dos investidores e, simultaneamente, pela criação de uma classe de rentistas entre os próprios assalariados”. De fato, se passou do comércio de matérias-primas para o de produtos industriais, depois do comércio de produtos industriais para o de produtos financeiros. Esta evolução é agora sustentada pela fé em um novo tipo de crescimento duradouro, ligado ao desenvolvimento de "novas tecnologias": mídia, internet, telefonia móvel, etc. Assim como o desenvolvimento do primeiro capitalismo foi favorecido pelo motor a vapor e pelas ferrovias, o novo capitalismo deve sua fortuna essencialmente à explosão das tecnologias da comunicação, uma vez que o computador, o primeiro instrumento com a vocação de substituir o cérebro humano criado pelo homem é caracterizado pelo transporte instantâneo de dados intangíveis e permite a proliferação ao infinito das redes. Um símbolo nos é oferecido pelo Canal Plus, cuja capitalização é hoje maior que a da Peugeot, da Renault e da Michelin juntas.

O Start-Up de Internet, El Dorado da Nova Economia?

A Internet, lançada no mercado privado pelo Pentágono no final dos anos 80, provou ser uma ferramenta formidável. Daqui a três anos, o número de usuários deve exceder o meio bilhão. O comércio eletrônico (trading on-line, publicidade, bolsa de valores ao vivo) deve atingir 80 bilhões de dólares por ano naquele momento. No início de março de 2000, a mera hipótese da introdução de uma subsidiária da Internet da France Tèlécom na bolsa de valores permitiu que essa operadora telefônica ganhasse 295 bilhões de francos [quase 45 bilhões de euros] em um único dia, um fenômeno que nunca havia sido registrado na praça de Paris. Dessa forma, a France Télécom alcançou uma capitalização bolsista de 1,470 trilhão de francos, ou seja, mais uma vez, o equivalente ao orçamento francês. Na mesma noite de sua introdução na Bolsa de Valores de Nova York, a Palm Pilot, fabricante americana de calculadoras de bolso, viu seu valor exceder 53 bilhões de dólares, mais do que o da General Motors, principal fabricante automotiva do mundo!

Ignacio Ramonet lembra que "um poupador que simplesmente investiu mil dólares em ações de cada um dos cinco grandes nomes da Internet (AOL, Yahoo!, Amazon, AtHome, eBay) no dia de sua entrada no mercado de ações teria ganho, em 9 de abril de 1999, um milhão de dólares"! A valorização no mercado acionário de títulos da Internet despertou uma espécie de loucura, testemunhada pela multiplicação das chamadas start-ups. Também neste caso, o modelo adotado é o da economia virtual e da fuga para a frente. "Empresas que nunca obtiveram lucro e não estão à beira do sucesso, são avaliadas em cifras que representam vários séculos de volumes de negócios". As decepções estão, é claro, ao virar da esquina. No final de março de 2000, na Bolsa de Nova York, 700 bilhões de dólares (o dobro da dívida externa dos países africanos) se tornaram fumaça no espaço de 24 horas. Alguns dias depois, o colapso da Nasdaq, o mercado eletrônico em que os valores de alta tecnologia são cotados) resultou em uma nova perda de 800 bilhões de dólares.

Permitindo que todas as atividades se tornem imediatamente transnacionais, onde quer que estejam no planeta, a Internet ainda tem o valor de um símbolo. De fato, um dos traços característicos do novo capitalismo é a abolição da distância e do tempo. O dinheiro circula no tempo zero de um extremo ao outro do planeta, e essa mobilidade, que contrasta com o peso das burocracias estatais das quais acentua a impotência e acelera a obsolescência, pode ser encontrada em todos os níveis: entre aqueles que dão ordens e os subcontratados, multinacionais e países, mercados financeiros e empresas. A mobilidade (o "diferencial de deslocamento") tende a ser erigida como uma norma absoluta, pois os imperativos da lucratividade comandam o movimento dos homens e as realocações das empresas. "Uma tecnologia do século XXI foi colocada a serviço de uma ideologia do século XIX", escreveu Jack Dion. O capitalismo é mais do que nunca nômade.

O primeiro capitalismo já era um capitalismo "selvagem", mas também incluía um elemento de segurança vinculado à disseminação da moralidade burguesa e seus valores-chave (família, patrimônio, poupança, caridade patronal). Esse elemento fortaleceu-se no segundo capitalismo, com o compromisso fordista e o advento do Estado de bem-estar social: a atividade dos empregadores era enquadrada por dispositivos reguladores, pela legislação fiscal, por uma legislação trabalhista frequentemente conquistada pela luta, pelas estruturas sociais, pelas tradições culturais, etc. Esses dois capitalismos também se baseavam em relações hierárquicas de dominação, dentro das quais uma certa disputa ainda era possível. Nesse sentido, Bernard Perret observa que "a organização hierárquica paradoxalmente dá mais espaço à elaboração democrática e à consolidação de regras não mercantis. Em uma palavra: se a empresa fordista pôde ter sido o cenário central das lutas pela democracia social, é precisamente porque o domínio do dinheiro se manifestava explicitamente como uma relação de dominação entre as pessoas”.

Tudo isso desmoronou com o capitalismo da terceira era. Encontrando o apetite das origens, mas com meios amplamente multiplicados, ele tende a fazer desaparecer qualquer sistema de segurança, pois sua ideia básica é que, em uma economia em que a concorrência atropela organizações e instituições, o fato social não deve de forma alguma perturbar o jogo do mercado.

Devido à desregulamentação, os funcionários veem as vantagens e os direitos adquiridos através de décadas de luta sindical desaparecerem um após o outro, seja sob governos de esquerda ou de direita. Ao mesmo tempo, a natureza informática do neocapitalismo (cada vez mais bens e serviços estão sendo produzidos com menos homens) significa que o crescimento se torna "rico em desemprego", como escreveu Alain Lebaude, enquanto a flexibilidade se traduz sobretudo na desvalorização do conceito de estatuto e se desenvolve em precariedade e exclusão.

O desemprego tende a passar de conjuntural a estrutural. Por um lado, se assiste à diminuição tendencial nos empregos agrícolas e industriais, aos quais se somam as restrições orçamentárias que pesam na criação de empregos públicos e os limites inerentes ao desenvolvimento de empregos no setor terciário comercial. Por outro lado, a busca por trabalho se desloca cada vez mais para fora dos territórios nacionais. Finalmente, e acima de tudo, as grandes empresas industriais não apenas não criam mais empregos, mas tentam, vice-versa, aumentar a produtividade eliminando-os.

Obviamente, a influência crescente que os fundos de pensão exercem sobre os critérios de gestão de negócios faz sua parte. "Os únicos imperativos que são importantes para eles são o aumento da rentabilidade dos fundos próprios e a maximização do valor das ações. O objetivo prioritário não é mais, como no período fordista anterior, garantir o crescimento da indústria, mas alcançar ganhos de produtividade. Se necessário, fechando unidades de produção consideradas não rentáveis o suficiente ou, mais precisamente, incapazes de atender aos altos padrões de rentabilidade impostos pelos investidores. Nesse novo regime, o tamanho da empresa e o local de trabalho tornam-se variáveis de ajuste do sistema".

Outrora, uma empresa deslanchava quando obtinha lucros. Era assim, de fato, que esses lucros eram justificados: quanto mais as empresas estavam indo bem, menos desemprego haveria. Hoje acontece o contrário. A decisão da Michelin, que anunciou simultaneamente a supressão de 7.500 empregos e um aumento de 22% nos ganhos, é reveladora: as notícias são bem-vindas com um favor imediato pelos mercados. Da mesma forma, quando o governo francês de Lionel Jospin endossa, em junho de 1997, o fechamento das fábricas da Renault em Vilvorde, os fundos de investimento americanos presentes na proporção de 5% no capital da empresa aplaudem de todo o coração. O desemprego torna-se, assim, um fator de lucro, pelo menos no curto prazo (porque as conseqüências sobre o consumo não são levadas em consideração). Nesse contexto, o crescimento do emprego é explicado essencialmente pelo desenvolvimento de empregos de meio período e de curto prazo ou precários. Em outras palavras: quanto mais a sociedade dá piora, mais os lucros aumentam.

Da Exploração à Exclusão

Como os economistas liberais estão convencidos de que a sociedade de mercado é o melhor sistema concebível, seu objetivo é privilegiar reformas estruturais que aumentem os estímulos ao trabalho e, ao mesmo tempo, reduzir os rendimentos da inatividade, ou seja, aquelas que são distribuídas pelo sistema de proteção social. Por um lado, se cria desemprego estrutural, por outro, se faz cada vez menos pelos desempregados. A exclusão resultante difere fundamentalmente da sorte dos trabalhadores em relação aos quais, em outros tempos, o capitalismo se limitava a explorar a força-trabalho. O surgimento do mundo das redes é acompanhado por novas formas de alienação baseadas nos diferenciais de atitudes, mas também de mobilidade e adaptabilidade. Considerando os perfis exigidos nos setores em expansão (inteligência abstrata e competência técnica), os subqualificados se tornam cada vez menos empregáveis e, portanto, inúteis. "Na topologia da rede", escrevem Boltanski e Chiapello, "o próprio conceito de bem comum é problemático porque, dado que o pertencimento ou não-pertencimento à rede permanece em grande parte indeterminado, não se sabe entre quem um ‘bem’ poderia ser posto em ‘comum’ e também, conseqüentemente, entre quem se poderia estabelecer um equilíbrio de justiça".

No mundo das redes, a justiça social na verdade não tem praticamente nenhum significado. Quem passa entre as malhas é definitivamente excluído. Bernard Perret fala, com razão, de uma sociedade eletiva e volátil, “fundada na capacidade de evitar aquilo que perturba e, por esse motivo, gera exclusão". Para mascarar essa tendência, os defensores da "nova economia" reivindicam a importância agora decisiva da criação de lucro para o acionista (shareholder value). "Durante muito tempo", observou Jacques Julliard, "a identificação da administração da empresa com seu capital era total. Assim, no sistema clássico francês, a figura do PDG, ao mesmo tempo presidente do conselho de administração e diretor da empresa, assegurava perfeitamente a identificação entre acionistas e patronato. Hoje, a tendência do capital de se tornar autônomo, encorajada pelo crescente peso dos fundos de pensão, o coloca na posição de um controlador exigente da rentabilidade da empresa".

De fato, os acionistas são cada vez mais importantes no sistema. São eles agora, e não mais o chefe da empresa ou ou o patronato, a reivindicar fusões e demissões para aumentar os próprios dividendos. Isso foi visto claramente na França, onde, no final, foram os acionistas que arbitraram a batalha bolsística entre a BNP, a Société générale e a Paribas, enquanto o Ministério das Finanças foi reduzido ao papel de espectador. O acionista é, portanto, apresentado como se fosse a receita milagrosa, tanto pelos partidários do "capitalismo popular" quanto pelos liberais, que chegam ao ponto de explicar muito seriamente que eles permitem realizar o antigo sonho socialista de apropriação de empresas pelos trabalhadores.

O resultado é colocar os acionistas assalariados em uma situação de "dupla ligação" quase esquizofrênica. Por um lado, como acionistas, paradoxalmente, têm interesse em se libertar da "dura disciplina do capitalismo", neste caso da natureza eminentemente arriscada de todas as atividades que visam obter lucro rapidamente, no momento mesmo em que fortalecem essa disciplina, desempenhando o papel de compradores de ações. Por outro lado, seus interesses como funcionários se opõem diretamente aos seus interesses como proprietários de ações, uma vez que seus ganhos, como acionistas, dependem estritamente do sucesso de políticas sociais que lhes são hostis enquanto assalariados. "Esses assalariados-rentistas são assim duplamente perdedores", observa Dominique Plihon: "enquanto funcionários, eles suportam as consequências da ‘flexibilidade’ que a busca desenfreada pelo máximo lucro imediato exige; enquanto poupadores, assumem na primeira fileira os riscos associados à instabilidade dos mercados financeiros". Como o capital permanece essencialmente concentrado em um número muito limitado de mãos, a participação acionária dos assalariados, na ausência de qualquer redefinição de seus poderes reais nas empresas, simplesmente representa um excedente para o capitalismo patrimonial individual.

Do Capitalismo Salarial ao Capitalismo Patrimonial

A substituição por esse capitalismo patrimonial, no qual os dividendos atribuídos aos acionistas desempenham um papel de importância primordial, do antigo capitalismo salarial acentua obviamente as desigualdades, uma vez que a distribuição dos patrimônios é sempre mais dispersa do que a dos rendimentos. O sistema de stock options, usado por empresas em rápido crescimento para remunerar seus dirigentes, permite que alguns deles criem fortunas colossais. O capital permanece sempre mais bem pago do que o trabalho, posto que o fato de as posições na bolsa oferecerem muito mais ganhos do que o crescimento real significa simplesmente que a parte do produto anual que não provém dessas posições (essencialmente os salários) diminui.

Portanto, é toda a face da sociedade que muda um pouco de cada vez. Outrora, os lucros feitos pelos vencedores beneficiavam um pouco os perdedores, situados no fundo da pirâmide social. Este não é mais o caso. A expansão do desemprego marca o fim da era em que aqueles que ingressavam na classe média (e seus descendentes) tinham certeza de que não cairiam de novo no âmbito proletário. Enquanto os liberais repetem imperturbavelmente que o livre comércio é um jogo "no qual todos ganham" (Alain Madelin), o modelo da "sociedade da ampulheta" se impõe progressivamente: os ricos cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais carentes de meios e postos de lado, e no meio uma classe média que vai se estreitando.

Enquanto o mundo se torna globalmente sempre mais rico e massas financeiras cada vez mais maiores circulam de um lugar para outro, as diferenças entre salários e patrimônios continuam a crescer, tanto entre os países quanto dentro de cada país. Nas empresas americanas, o fator de multiplicação entre o salário médio e o salário mais alto aumentou de 20 para 419 em trinta anos! Hoje, a fortuna das três pessoas mais ricas do mundo excede a quantidade de produção anual dos 48 países mais pobres, onde vivem 700 milhões de habitantes. Em toda parte, a diferença que separa os "conectados" e os "desconectados", as elites financeiras e a massa de trabalhadores precários, dos pequenos assalariados, dos desempregados de longa data, dos jovens inativos e subqualificados aumenta. Essa nova fratura social em escala planetária também é um fato novo.

Ao mesmo tempo, uma elite "de vanguarda" está sendo estabelecida, uma "hiperclasse", como Jacques Attali a define, egoísta e volátil, da qual nem empreendedores nem capitalistas antiquados fazem parte, mas indivíduos cuja riqueza é composta por um ativo nômade, que detém o conhecimento, controlam as grandes redes de comunicação, ou seja o conjunto de instrumentos de produção e difusão dos bens culturais, e não tem o menor desejo de dirigir as questões públicas, das quais conhecem melhor do que ninguém o papel cada vez mais limitado.

"Não se pode negar", escreve Laurent Joffrin, "que uma ‘neoburguesia’ agora domina a sociedade francesa, como muitas outras sociedades democráticas. Além da riqueza ou da ocupação de posições importantes, essa nova classe se destaca por sua mobilidade. Mobilidade profissional, intelectual e geográfica. Concentrada nas profissões ‘que se movem’, comunicação, finanças ou tecnologia de ponta, ela possui poder simbólico e material e, portanto, os meios para influenciar a opinião pública. Ela faz parte de um mundo de velocidade, adaptação, competição; forma uma humanidade internacional, relaxada, tolerante, um pouco cínica, de cultura cosmopolita e de poder aquisitivo variável e elevado [...] Nada lhe é mais estranho, no fundo, do que fronteiras, estatutos, garantias, regulamentos, proibições, em resumo, que as proteções que aparecem ao mortal comum como barreiras indispensáveis em face dos riscos da existência [...] Protegida das vicissitudes de uma sociedade sujeita à abertura e à anomia, protegida por sua sociedade de vigilância e por suas stock options, a nova classe abandona à sua triste sorte as pessoas comuns e categoriza como ‘populismo’ a vontade de preservar as proteções de outrora”.

Em contraste com os liberais que apoiam o mercado "autorregulado", os líderes social-democratas reivindicam regular ou enquadrar o neocapitalismo. Mas eles ainda podem fazer isso? Os socialistas há muito abandonaram a ideia da apropriação coletiva dos meios de produção. O governo francês de Lionel Jospin se opôs à compra da Orangina pela Coca-Cola, mas não impediu as demissões na Michelin ou o fechamento da fábrica da Renault em Vilvorde. Quando o primeiro-ministro declara que deseja que o Estado se envolva em uma "vigorosa política industrial", alguém pode realmente pensar que ele tem os meios?

Sejam redistributivas ou corretivas, as tentativas dos social-democratas ou "liberais de esquerda" de encontrar um compromisso aceitável entre os imperativos da vida social e democrática, por um lado, e a hegemonia do mercado e as exigências da globalização, por outro, não produzem nenhum efeito concreto. De fato, na medida em que relacionam o nível de bem-estar exclusivamente à riqueza monetária, não recolocando absolutamente em discussão o modelo social dominante, reforçam a centralidade do trabalho remunerado, continuando, assim, a se colocar ao lado do processo de individualização e monetarização da vida social. A verdade é que atualmente o Estado Assistencial está tendo dificuldades cada vez maiores para intervir no campo econômico, algo com que se alegram os liberais, que há muito aspiram à "impotência pública".

O velho capitalismo ainda estava ligado à nação, na medida em que os lucros corporativos eram essencialmente feitos nesse contexto, contribuindo assim, pelo menos indiretamente, para o poder nacional. Hoje, esses ganhos são buscados fora do contexto dos Estados nacionais, e a conseqüência é que o regime normativo do neocapitalismo se vale indiferentemente para todos os países. A globalização financeira mudou a realidade do poder econômico do nível das nações para o do planeta, das empresas clássicas para as empresas transnacionais, da esfera pública para os interesses privados. Os Estados, vítimas do crescente poder dos mercados e de sua internacionalização, não têm mais os meios necessários para uma política econômica de longo prazo. A mobilidade dos investimentos internacionais, que continuam se movimentando em busca de maiores lucros, limita diretamente a sua capacidade de ação, principalmente no campo social e fiscal: qualquer desejo de regulamentação que não vá na direção dos interesses do capital é imediatamente sancionado pelas realocações empresas, pela expatriação de executivos e pela fuga de capital. Na Europa, mais da metade das decisões que afetam diretamente o PIB são de natureza não-governamental. Na França, o aumento das despesas obrigatórias (dívida, emprego, funcionalismo público) também reduziu as margens reais das manobras orçamentárias de 43% em 1990 para 12% em 1998.

Wolfgang H. Reinicke analisou bem esse desequilíbrio entre os Estados nacionais, que continuam a derivar sua legitimidade da manutenção fronteiras que não detém mais nada, e os mercados, que antes dependiam do poder político e das socialidades locais, e agora se reencontram emancipados de qualquer vínculo territorial. Hoje, a criação de riqueza e até de moeda ocorre por cima dos bancos e Estados, enquanto as trocas são organizadas para escapar de qualquer tributação.

Seria, portanto, um erro acreditar que a expansão do neocapitalismo pode ser detida por um Estado nacional que pratique uma espécie de keynesianismo renovado. Hoje, o Estado não apenas está cada vez mais impotente, mas, além disso, ao contrário do que se pensa amplamente, há muito tempo que não representa mais o interesse geral em oposição aos interesses particulares. Sob muitos pontos de vista, ele colocou-se deliberadamente a serviço do mercado. "O sucesso do capitalismo se deve tanto ao papel do Estado quanto ao do mercado", nos recorda a economia Amartya Sen, Prêmio Nobel de 1998. É surpreendente ver uma certa esquerda esquecer o papel desempenhado pelo Estado burguês na promoção do mercado e, simultaneamente, a "natureza de classe" que outrora ela lhe atribuía.

O sistema fagocita os velhos valores da contestação

Em seu livro, Boltanski e Chiapello também questionam as razões para o enfraquecimento das críticas antes dirigidas ao capitalismo. Distinguem "crítica artista" e "crítica social". O primeiro, típico tanto do anticapitalismo romântico quanto da contestação libertária do maio de 68, acentuava acima de tudo o caráter inautêntico do capitalismo, criticando a generalização dos valores mercantis provocada por seu domínio. Ele se expressava através de uma forte reivindicação de autonomia e criatividade. A segunda se aferrava bastante ao egoísmo do capital e à exploração da pobreza. Um instrumento clássico da esquerda e da extrema esquerda desde o século XIX, se limitava a denunciar a injustiça e a reclamar melhores salários e maior segurança.

Essas duas críticas, que se complementavam sem se confundirem, uma vez que visavam diferentes formas de alienação, agora estão visivelmente em declínio. A incorporação dos valores em voga no maio de 68 (criatividade, convívio, escárnio etc.) na dinâmica do neocapitalismo, não tanto por efeito de uma estratégia deliberada (ao contrário do que Boltanski e Chiapello afirmam), mas como resultado de um efeito de simbiose, desarmou amplamente a "crítica artista". A "crítica social", por outro lado, sofreu não apenas com o colapso das teorias ou sistemas alternativos, mas também com o crescimento do individualismo e da desinstitucionalização, que liquefizeram os efetivos dos sindicatos e partidos. Finalmente, não há dúvida de que uma das chaves da longevidade do capitalismo reside em sua capacidade de se alimentar das críticas de que é objeto, desdobrando-se em novas formas sem abandonar a lógica da acumulação perpétua de capital.

O erro cometido pela crítica social tradicional, como ainda o encontramos hoje em um Pierre Bourdieu, consiste em permanecer ancorado a uma concepção arcaica das formas de "domínio". Essa crítica não foi capaz de medir completamente as "mudanças" operadas pela lógica capitalista através de realocações, da substituição de mão-de-obra por máquinas, do desaparecimento relativo da velha classe trabalhadora e do acionariado. Ela não foi capaz de descobrir as formas de alienação características do novo mundo das redes. As contradições entre capital e trabalho não desapareceram, mas agora elas desempenham apenas um papel específico em relação à racionalidade geral do sistema. A expansão do poder dos mercados não envolve mais simplesmente a exploração da força de trabalho; ela também induz uma série de rupturas fundamentais do equilíbrio, tanto para a política quanto para a diversidade de formas de troca social. A monetarização das relações sociais, em particular, transforma e empobrece o vínculo social de maneira inédita, enquanto as instituições públicas são progressivamente afetadas pela obsolescência.

O fato novo é que o mundo do trabalho renunciou à derrubada do capitalismo, limitando-se a adaptá-lo ou reformá-lo. Continuamos a nos deparar com a repartição da mais-valia, mas não discutimos mais a melhor maneira de acumulá-la. É o que Jacques Julliard, muito adequadamente, chamou de "a internalização pelos trabalhadores da lógica capitalista". O que parece desaparecer dessa maneira é um horizonte de significado que justifica o projeto de mudar profundamente a situação atual. De fato, todos se dobram porque ninguém acredita na possibilidade de uma alternativa. O capitalismo é experimentado como um sistema imperfeito, mas que continua sendo o único possível. A sensação se espalha a tal ponto que não é mais possível escapar dela. A vida social agora é vivida exclusivamente na perspectiva da fatalidade. O triunfo do capitalismo reside, antes de tudo, no fato de ele aparecer como algo fatal.

O resultado é uma lenta conquista das mentes por valores mercantis, inseparáveis da colonização pelo mercado de todas as esferas da vida social; os dois processos se apoiam e se reforçam. Essa mercantilização generalizada da vida humana significa que agora estão sujeitos à lógica do mercado âmbitos que até então lhe escapara, pelo menos em parte. Informação, cultura, arte, esporte, cuidados pessoais e relações sociais em geral estão agora conectadas ao mercado. O estabelecimento de um mercado de "direitos de poluir" deriva da mesma lógica. “Desde quando uma parte das atividades de um setor é atendida pelo mercado, todo o setor tende à privatização. Assim, vemos todas as atividades relacionadas à educação, saúde, esportes, artes, tecnociências e relações humanas precipitando-se no mercado”, observa Jacques Robin.

As consequências são conhecidas. A privatização dos transportes causa o aumento da insegurança e, portanto, dos acidentes. A comercialização de sementes geneticamente modificadas é aceita antes que os efeitos sobre o meio ambiente e a saúde possam ser realmente conhecidos. A alimentação se deteriora, porque a concorrência de preços leva ao sacrifício da qualidade dos produtos. A busca pelo lucro leva à eliminação, sob o pretexto de rentabilidade insuficiente, de uma série de estabelecimentos comerciais, locais ou serviços sociais que anteriormente ofereciam certo conforto à vida quotidiana. A mesma rentabilidade é avaliada de maneira puramente mercantil, sem levar em consideração os efeitos a longo prazo, as externalidades e os efeitos incalculáveis financeiramente. Chegamos ao ponto em que o americano Francis Fukuyama, um ex-teórico do "fim da história", pode se felicitar pelo fato de que "a Organização Mundial do Comércio [é] a única instituição internacional que tem chance de se tornar um órgão de governo mundial"!

"As últimas máscaras caem", como deduz René Passet, "e vemos a imagem do mundo que o universo empresarial pretende nos impor: um mundo saqueado sistematicamente, completamente voltado para a frutificação do capital financeiro, um planeta trancado na rede tentacular de uma hidra de interesses que tem apenas direitos, impõe sua própria lei aos Estados e pede que eles prestem contas, exigindo o reembolso dos lucros perdidos vinculados à proteção social, à defesa do meio ambiente, da cultura e de tudo o que constitui a identidade da uma nação. O dinheiro como valor supremo e os homens para servi-lo”.

Após o interlúdio do século XX e o fracasso de fascismos e comunismos, o capitalismo parece reencontrar as ambições desmesuradas que eram suas quando surgiu. De certa forma, o capitalismo da terceira era tem muito mais afinidade com a economia mercantil pré-industrial do século XVIII do que com a economia manufatureira do século XIX. As declarações do ultraliberal David Boaz, vice-presidente do Instituto Cato de Washington, segundo o qual o século XX não passava de um parêntese estatista na história do livre-comércio, são reveladoras. Segundo ele, "o liberalismo levou primeiro à revolução industrial e, em uma evolução natural [sic], à nova economia. Em vez de algo inteiramente novo, acredito que a globalização é o prolongamento da revolução industrial [...] Em certo sentido, voltamos agora ao caminho traçado no início do século XVIII, à ascensão do liberalismo e da revolução industrial". Boaz acrescenta: "O ideal dos liberais não mudou desde dois séculos até hoje. Queremos um mundo em que homens e mulheres possam agir em seus próprios interesses [...] porque, ao fazer isso, eles contribuirão para o bem-estar do resto da sociedade". Para ser mais claro: quanto mais o egoísmo individual reinar, melhor será o mundo! O capitalismo preservou a desumanidade de suas origens, mas agora assume novas formas. Deveríamos deduzir que seu reino é irreversível? A história, na realidade, sempre permanece aberta. Dizem que o capitalismo se alimenta de suas próprias crises. No entanto, não é certo que ele sempre será capaz de superar suas contradições. Mesmo que constantemente crie novas necessidades, programe a obsolescência de seus produtos e sempre faça aparecer novos gadgets, não podemos excluir a hipótese de que a própria abundância acaba prejudicando o mercado, na medida em que este só pode funcionar em uma situação de escassez relativa dos bens produzidos.

Outro paradoxo reside no fato de que, no sistema capitalista, a vantagem competitiva se alimenta das diferenças entre os países, enquanto sua generalização acaba, ao mesmo tempo, fazendo-as desaparecer. A "bolha" especulativa não pode inchar indefinidamente. O sistema do dinheiro perecerá por causa do dinheiro. Por enquanto, o mundo inteiro vive a crédito. A dívida mundial acumulada (de famílias, empresas e Estados) passou de 1997 para hoje de 33.100 trilhões para 37.200 trilhões de dólares, ou seja, três vezes o PIB mundial. "Em certo sentido", observa Henri Guaino, "a derrapagem do capitalismo industrial em direção ao capitalismo financeiro dá razão a Marx: o capitalismo corta o ramo em que está assentado". Serge Latouche fala, com toda a razão, de um "sistema que marcha a toda velocidade, sem ré, sem freios e sem piloto". Estamos dançando em um vulcão.