Ao contrário do que, sem dúvida, muita gente está pensando, a vitória de Trump não parece ser uma vitória da direita sobre a esquerda, do racismo sobre o antirracismo, ou do conservadorismo social sobre o liberalismo social (ou libertarianismo). Quando várias eleições locais e regionais, bem como referendos, são examinados, e quando as diferenças demográficas dos resultados da eleição presidencial são analisadas, uma imagem um pouco diferente emerge. Considerem estes fatos:
- Trump venceu fazendo campanha à esquerda de Clinton em política externa e política comercial, estendendo um ramo de oliveira para a Rússia, atacando os planos de Clinton de derrubar Assad na Síria, e repudiando as políticas econômicas neoliberais do marido de Hillary. Hillary, por outro lado, fez campanha como uma intervencionista em política externa e defensora do statuos quo corporativo liberal em relação a política comercial.
- Trump se saiu incomumente bem entre minorias raciais (para um republicano), particularmente homens negros e hispânicos.
- Uma maioria significativa dos seus eleitores expressou discordância ou apreensão em relação a algumas das posições mais direitistas de Trump em relação a imigração, legalidade e política econômica.
- Independentes se saíram incomumente bem nessa eleição (relativamente falando) com o esquerdista Green Party e o social-liberal Libertarian Party causando mais danos a Clinton do que a Trump.
- Oito de nove referendos pró-maconha passaram.
- Um referendo californiano demandando que atores pornô usem camisinha falhou.
- O xerife Joe Arpaio do condado de Maricupa, Arizona, uma grande celebridade conservadora, perdeu sua cadeira.
- As provocações anti-Rússia dos democratas falharam como estratégia eleitoral.
- Carolina do Sul, um estado vencido por Trump, elegeu o primeiro senador negro desde a Reconstrução para um mandato completo.
- Trump empacotou sua campanha nos momentos finais como uma "revanche" do proletariado.
- Evidências indicam que Trump teria perdido se ele estivesse disputando contra Bernie Sanders ao invés de Hillary.
- A vitória de Trump foi tornada possível por sua habilidade de arrebanhar o proletariado nos estados do Cinturão da Ferrugem, os que foram mais atingidos pelo neoliberalismo.
Tudo isso junto, incluindo vitórias para maconha, pornografia, proletariado, e bons desempenhos para partidos esquerdistas menores, e o primeiro senador negro em 150 anos, com o direitista autoritário Joe Arpaio perdendo sua cadeira após 23 anos, dificilmente indicaria uma mudança dos EUA na direção do "fascismo". Ao contrário, pode ser dito com alguma segurança que Trump venceu porque ele era o mais esquerdista dos dois candidatos principais, ou seja, o menos intervencionista em política externa, o mais pró-proletariado, e, por uma ampla margem, o mais anti-sistema.
Há quase 10 anos, eu introduzi a teoria do "humanismo totalitário" onde eu ofereci as seguintes observações.
"A ideologia emergente das classes dominantes ocidentais, particularmente das americanas pode, creio eu, ser descrita como segue:
1 - Militarismo, Imperialismo e Império sob o disfarce de 'direitos humanos', 'democracia', modernidade, universalismo, feminismo e outras baboseiras esquerdistas.
2 - Mercantilismo corporativo (ou 'Capitalismo de Estado') sob o disfarce de 'livre-comércio'.
3 - Na política doméstica, o que eu chamo de 'humanismo totalitário' por meio do qual uma burocracia onipresente e irresponsável se infiltra em cada canto da sociedade para garantir que ninguém em qualquer lugar, a qualquer momento jamais pratice 'racismo, sexismo, homofobia', tabagismo, 'abuso sexual' ou outros pecados esquerdistas.
4 - No reino da lei, um Estado Policial ostensivamente estruturado para proteger todos contra terrorismo, criminalidade, drogas, armas, gangues ou algum outro bicho-papão do mês.
O tipo de Estado que defensores dessa nova ideologia visualizam é um no qual o propósito do governo local é impôr a ortodoxia esquerdista contra instituições rivais (como famílias, religiões, empresas, sindicatos, clubes, outras associações), o propósito do governo nacional é impôr esquerdismo contra comunidades locais, e o propósito da política externa é impôr esquerdismo contra sociedades tradicionais 'atrasadas' ou 'reacionárias'."
O voto de ontem foi, na verdade, um enorme dedo do meio para a classe dominante e sua ideologia de humanismo totalitário.