12/01/2016

Aleksandr Dugin - Iniciantes Absolutos

por Aleksandr Dugin



1 - David Bowie, o Iniciado

David Bowie é conhecido como músico e ator; poucas pessoas sabem que ele é membro de uma organização iniciática que adere aos princípios do "Caminho da Mão Esquerda" e à "Thelema". Portanto, não é surpreendente que suas canções, vídeos e designs estéticos possuem uma dimensão oculta.

Sua canção "Absolute Beginners" (Iniciantes Absolutos) - é um exemplo típico desse tipo de mensagem em múltiplos níveis onde a estética emocional e psicológica externa oculta um núcleo esotérico secreto.

2 - Falsificação

"Absolute Beginner" - literalmente "iniciante absoluto" - uma frase que contem dentro de si uma contradição lógica completa. O que é absoluto não "inicia", porque algo verdadeiramente absoluto não possui início ou fim, não surge ou desaparece. E inversamente, o que tem um início essencialmente não é absoluto, mas relativo. É uma questão filosófica.

Há já uma controvérsia em um nível puramente quotidiano: uma tentativa de "recomeçar" por parte de nossos contemporâneos, seu protesto fraco e inexpressivo contra sua própria degeneração, envelhecimento, estonteamento, contra o pano-de-fundo de uma civilização que rapidamente vai se congelando, onde ninguém se opõe ou tenta se opôr à entropia, é algo extremamente questionável. As crianças, como Hesíodo predisse, já nascem hoje com cachos acinzentados e desde o berço almejam lavar carros e abrir contas bancárias. Todos os sinais do fim da Idade do Ferro. Que "novo início" há aqui? Um absoluto também.

O próprio Bowie, apesar de sua inteligência e talento, dificilmente poderia afirmar ser seriamente uma alternativa. Ele fascina exatamente como um decadente, como aprofundado em uma perversão narcisista perturbadora, como um esquisitão melancólico anglossaxão, mas certamente não como um heroi ou portador do "novo". Não há nele qualquer "absoluto" ou "início", mas sim o odor exótico da decomposição da carne, envolvida em bugigangas globalistas.

Iniciante Absoluto é um conceito tomado por David Bowie do arsenal de doutrinas gnósticas. Ele inspirou uma boa canção e um clip estranho.

3 - Doutrina da Estrela

Iniciante Absoluto, aquilo que não é e não pode ser, é porém o eixo do proibido, o conhecimento heroico que é partilhado por meio de uma corrente secreta. Através da imagem estática banal da metafísica, no fundo do relativo mutável, no topo do constante absoluto, a vontade paradoxal especial de certos devotos verão no risco para a mente e para a vida uma perspectiva excitante. Há algo que corta através do dualismo lógico e religioso - há um Início Eterno, um raio misterioso que está "fechado" de um lado e "aberto" no outro. Nesse raio todas as grandes proporções e o encontro dos três mundos perdem seu significado. Cima e baixo se invertem, o incrível e impossível casamento do céu e do inferno ocorre, sobre o qual escreveu o gênio Blake.

A isso se dá o nome de "Doutrina da Estrela".

Os seguidores "thelemitas" do francês Rabelais e do inglês Crowley (nomeadamente deles Bowie tomou emprestado o conceito da música, ele próprio sendo membro da OTO) acreditam que "todo homem e toda mulher é uma estrela". A personificação da finitude e da relatividade, um claro perdedor tipológica, termina sua história repleto da vulgaridade do Banco Mundial e do Mercado Global, imitação biológica aberta do ser angélico puro e orgulhoso - o homem da outra mão ("thelêmica"), carregando dentro de si uma "estrela", um raio de gelo. Através da confusão miserável de sua pequena e frágil alma pulsa uma luz estranha, impossível, estonteante.

É a luz de um Início Absoluto, aquele que não pode ser.

4 - Raios Negros

O solo foge sob os pés. Os valores tradicionais se degeneram e se profanizam de tal forma que não há mais como confrontar o apático niilismo. Conservadorismo e progresso, as duas faces do mesmo processo de degeneração. De uma outrora vibrante história restam a fome, a luxúria e a polícia. Todos os sinais indicam que estamos muito longe do Início. Seja velho ou novo. A paixão está completamente exaurida.

O que tem em mente, os "thelemitas", cujas ideias perturbadoras estão longe do otimismo "new age" e dos teósofos aposentados, quando eles dizem que cada uma das "estrelas" possui a possibilidade paradoxal de "um novo início"? É claro que essa não é qualquer "iluminação" vulgar, "descoberta da verdade", etc. Olhe para esses "convertidos" de todas as religiões e cultos, um olhar amedrontado, lampejos de uma feliz estupidez, gestos estranhos, corpos claramente doentios por dentro... eles se afastam, sibilando e em convulsões, sem conquistar nada.

O raio negro da estrela thelêmica desliza por uma trajetória diferente. Ela não está fixa a partir de fora, ela não é apreendida por ferramentas familiares. Ela deliberadamente assusta e repele, disfarçando-se (provocativamente) em trajes antinômicos. Ela rapidamente abandona aquele que quer enquadrar a inspiração intitiva transfiguradora em um sistema. Ela não pode ser institucionalizada. Mas ela sempre e absolutamente tremeluz em seu ritmo aeônico contra a vontade dos ciclos e da massa concentrada das eras sombrias. Ela própria escolhe formas e corpos para se manifestar, buscar por ela é inútil, sua escolha é arbitrária e espontânea, não depende de méritos, virtudes ou feitos, é indiferente a "perspectiva moral" e avanços em exercícios de respiração. Início Absoluto sem sexo, idade, ocupação, posição. Rasgando como uma navalha o véu da tola pilha de átomos, um despertar cristalino.

5 - Alternativa Traída

A questão é, de fato, central. Sem futuro, não é apenas uma tese grotesca cativante de movimento juvenil, que agora já perdeu completamente o fôlego. A tese do "fim da humanidade", desenvolvida por Francis Fukuyama, na verdade é o mesmo, apenas tomado em uma nota otimista. A exaustão é a principal descoberta da pós-modernidade. O triunfo da simulação, a alegria doentia. Predadores maliciosos da mentira eletrônica estupram tanto a realidade que acabarão sua manipulação social na campanha de máquinas insanas. No fim, toda a literatura fantástica do século XIX se tornou lugar-comum técnico no século XX, o mesmo podemos esperar do século XXI. Especialmente quando consideramos que a maioria dos principais escritores de ficção científica (de Jules Verne a Lovecraft) foram membros de poderosas organizações esotéricas ativamente envolvidas em dar a aparência já posta à civilização.

Nenhum dos escritores de ficção científica e futuristas prevê um "Novo Começo". As previsões são terríveis, quanto mais distante o futuro é, mais horrível ele parece. E o homem se apressa no narcisimo não-salvífico, sob a colcha de fórmulas claramente espúrias e consoladoras. Enquanto isso, abutres coloridos pairam sobre o colapso dos banqueiros e da TV. Encantadores de corpos. Acreditar em mitos televisivos é se tornar um idiota, não acreditar é ficar louco de solidão (todos ao seu redor acreditam). No star in sight, nenhuma estrela à vista.

O sistema soviético reagiu de forma muito indiferente e tosca à tentativa desesperada da "nova esquerda" de oferecer uma ideologia alternativa à ordem burguesa, por meio de uma modernização (e revisão) das doutrinas anticapitalistas tradicionais. Preguiçosos apparatchiks ignoraram as tentativas desesperadas de inconformistas de irromper com um projeto positivo. Já então, percebendo a derrota inevitável do sistema soviético, a "nova esquerda" se voltou para o esoterismo, para o gnosticismo, as outras disciplinas (não-ortodoxas para esquerdistas).

A "Nova Direita" se desenvolveu em uma trajetória similar, tendo rejeitado o chauvinismo, a xenofobia e a orientação mercadológica da "velha direita" e descobrindo para si os valores da revolução e do socialismo. Mas os partidocratas soviéticos (futuros "democratas" ou "comunistas do PCFR") acusaram o "novo", tanto da direita como da esquerda, de "niilismo", enquanto eles próprios rapidamente afundavam o país em pântanos de "reformas" e traições nacionais. Novamente, como milhares de vezes na história, os verdadeiros niilistas acusaram de niilismo os que buscavam superar o niilismo.

O resultado foi triste. Sem a ajuda de Moscou, "novatos" inteligentes e honestos, porém impotentes, foram esmagados pelo Sistema. Debord cometeu suicídio, Foucault e Deleuze morreram no obscurantismo. Os outros se degeneraram em "policiais do pensamento" (Bernard Henri Levy, Glucksmann, Habermas e outros vermes). Sem o doloroso espírito da revolta flamejante, a própria Moscou escorregou para os braços do Governo Mundial.

Em tudo, sem qualquer Início, qualquer sugestão, qualquer chance. Na melhor das hipóteses, pessimistas inteligentes esperam que o desastre iminente será suave, como uma eutanásia. O que, em princípio, todos os "democratas" e "patriotas" tem contra o "homem unidimensional" de Marcuse? Como "os muitos" no início do "Zaratustra" de Nietzsche ansiando pelo "último homem", todos os setores de nossa sociedade colocariam o "homem unidimensional" no comando da "coalização governamental".

E as músicas de Bowie seriam ouvidas por ex-jovens (agora já na casa dos trinta), bebericando Heineken.

6 - Fim da Ilusão

Sem Alternativa, sem Novo Início. Nada fora (tudo ao redor é falso). Nada dentro (as forças da alma foram esfriadas). Não obstante, as vinhas da ira estão maturando e as redes de conspiração estão se tecendo, uma conspiração global contra esse presente odioso.

É uma conspiração da Estrela. Em qualquer idade, em qualquer lugar, em qualquer estado, em qualquer momento, em qualquer situação, em qualquer posição, "todo homem e toda mulher" pode começar, pode abrir o Início Absoluto, ser perfurado pelo Raio Negro, sem fim, passando pelos ciclos e eras em oposição a toda lógica, toda predisposição externa, todo sistema causal. Qualquer impulso vital, qualquer busca apaixonada, qualquer estado estridente pode subitamente transbordar, se tornado excessivo, desenfreado. Ganância e generosidade, ascetismo e devassidão, ciúme e lealdade, raiva e ternura, doença e saciedade, podem se tornar um Início Absoluto, um terrível acorde trovejante de uma Nova Revolução, uno e indivisível, direita e esquerda, exterior e interior.

Só é imperativo não permitir que após o ápice venha uma nova recessão. A intensidade só deve se elevar, após o clímax deve vir um clímax ainda maior, o superaquecimento das individualidades deve incendiar o mundo exterior com o fogo da rebelião, rebelião que é (segundo Sartre) o único poder capaz de salvar o homem da solidão.

O Início Absoluto é independente da objetividade, porque ele não tem noções de "cedo" ou "tarde", "aqui" e "lá". Melhor ainda se não houver "nada a oferecer, nada a tomar".

O fim do ciclo é, no fim das contas, o fim de uma ilusão, como disse Guénon.

A canção de Bowie acomapnha a leitura do "Livro da Lei" (Liber Al vel Legis), o amargor do absinto, que Crowley chamava de única substância iniciática entre as bebidas alcoólicas ("Deusa Verde"), um rebote inesperado de ero-comatismo, fanatismo belo e doloriso da célula política extremista, sombra acidentalmente caída, como uma Cruz Celta.

O Início Absoluto está à distância de uma mão (esquerda).