23/05/2015

Orazio Maria Gnerre - A Luta pela Ucrânia e o Paradigma da Quarta Teoria Política

por Orazio Maria Gnerre


Por anos, em certos círculos, tem havido uma pressuposição de uma necessidade de superar as categorias políticas pré-existentes em favor de uma nova definição, que tem sido impulsionada adiante. Essa é uma necessidade histórica, de forma que é fundamental compreender a natureza estrutura, para que seja possível se conscientizar do novo background político no qual teremos que assumir nosso lugar, para escolher o campo e determinar o escopo da batalha.

Tal pressuposição reconhece na era da política pós-moderna - a atual fase pós-democrática - a falência terminológica e narrativa de categorias como Direita e Esquerda e a oportunidade de se formular um novo paradigma político, que poderia propôr um elo teórico e um caminho estratégico para um dos dois pólos do novo antagonismo político.

Os fatos do EuroMaidan, a anexação da Crimeia à Federação Russa e a declaração de independência do Donbass, seguidas pela fundação nacional da Nova Rússia, demonstraram claramente essa necessidade, em particular graças ao falatório de certos representantes culturais de diferentes afiliações políticas, que rapidamente demonstraram como seus argumentos são infundados, baseados apenas na preservação infrutífera de formas político-estratégicas ultrapassadas.

É apropriado ressaltar como nossa batalha, com base na constituição de um novo paradigma político e no contexto de uma nova polarização, é eminentemente narrativa. Nossa guerra deve ser no front do Sentido. Nosso dever é erguer as bandeiras antigas e enrugadas, que jazem na lama do campo de batalha abandonado, para dar a elas novo brilho e vigor renovado.

Rumo a um Novo Horizonte do Conflito

Tomemos a oposição mais forçosa e evidente entre tendências comunitaristas e (neo)liberais no lugar da falida polarização Direita-Esquerda como ponto de partida de nossa discussão. Isso reconhece uma compreensão do tempo presente, e parte rumo a uma formulação de uma teoria política coerente que poderia ser histórica em sua orientação aos princípios políticos de cada sujeito interessado em tomar parte em um novo conflito político.

É dentro desse sistema oposicional que deve ser situada a velha narrativa política, com atenção particular aos princípios que a fundaram. É importante estabelecer como no setor comunitarista - e também no liberal - a cada dia convergem diferentes identidades políticas, que muitas vezes estão caracterizadas por histórias profundamente diferentes, lutas (teóricas ou materiais) pelo controle exclusivo de certos setores (narrativos ou físicos) estratégicos.

O principal problema, para aqueles que se identificam no campo comunitarista, é a falta daquela coesão que, ao contrário, é típica do campo liberal. Isto, graças a sua própria visão de mundo na qual o conceito de Valor tem que ser encontrado em sua manifestação tangível de forma-mercadoria, consegue garantir uma reformulação mais rápida de sua própria identidade, com base no puro interesse. Ao contrário, o setor comunitarista ainda não se identificou enquanto tal. A busca de visões de mundo que senão são similares, definitivamente são compatíveis, não trouxe todos aqueles representantes das diferentes narrativas - que deveriam se encontrar uns com os outros no campo comum do Comunitarismo - ao reconhecimento do novo horizonte político. Na melhor das hipóteses, grupos particulares que são parte desses setores ingressaram em um caminho necessário de vanguarda teórica dirigido a reconhecer a necessidade histórica, infelizmente se movimentando para a frente apenas paralelamente rumo aos mesmos objetivos. Nessas condições a batalha estratégica poderia ser perdida, e o risco é a realização histórica do Absoluto neoliberal. Não podemos permitir que isso aconteça.

É nesse sentido que a formulação de um novo paradigma político se torna necessária para o pólo comunitarista, tanto quanto o neoliberalismo encontrou sua própria identificação na proposição da realização do Capitalismo Absoluto. Essa teoria política deve permitir, acima de tudo, a identificação nela de todos aqueles que são parte de uma identidade política que seja substancialmente comunitarista. O dever da nova teoria política será absolutamente inclusivo, para permitir a realização de várias narrativas basicamente comunitaristas em um Absoluto singular. Para fazê-lo, é necessário declarar guerra aberta à Linguagem, a prisão do Significado, através de sua reformulação e da demonstração experiencial estética. 

É o Capitalismo Absoluto o primeiro que reformulou a linguagem de uma maneira consumista e comercializada, tendo previamente se imposto experiencialmente graças à selvageria despertada no perfil antropológico do homem-consumidor. Enquanto o Capitalismo Absoluto está na frente do front comunitarista no que concerne a categorização da necessidade histórica, a conquista das almas pela demonstração experiencial de sua própria magnificência e pela colonização do imaginário coletivo pela criação/manipulação da linguagem, ele também deu vários passos na direção de seu túmulo e da exaustão histórica.

É necessário situar o pragmatismo absoluto do interesse neoliberal - aparecendo hoje na forma do Capitalismo Absoluto, o Capital em sua fase virtual e ideal - contra a consubstanciação das narrativas históricas comunitaristas dentro do novo paradigma político. Nesse caso, o campo comum deve ser encontrado em todas aquelas narrativas que afirmam a iniquidade da situação presente, a necessidade de sua anulação, a reintegração total do Homem em sua plenitude e o fim de sua alienação histórica. Finalmente, a base da fundação da nova teoria política deve ser estabelecida na compreensão do pólo comunitarista como efetivamente fundado naqueles excluídos pela sociedade: pela visão de mundo, pelo método de produção liberal-capitalista, ou por aqueles que estão descontentes, e aqueles que o filósofo italiano Costanzo Preve chamou de portadores da "consciência infeliz".

Ao considerarmos nossa era como a da vitória do Capital (que se tornou "absoluto" - pelo menos nominalmente - e quase onipresente) torna-se evidente que todo excluído (economicamente, ideologicamente ou existencialmente) do pior dos mundos possíveis torna-se um interlocutor e aliado potencial da nova teoria política dentro do pólo comunitarista.

A nova teoria, como dito por Aleksandr Dugin, deve propôr como objetivos fundamentais a garantia dos direitos dos povos (povos compreendidos como comunidades de Destino) e uma abordagem omnidirecional e policêntrica, baseada na coexistência desses povos, de caminhos de civilização, culturas, narrativas históricas e visões de mundo, pólos geopolíticos, que possam garantir basicamente o direito à diversidade.

Ucrânia 2014: Casus Belli Ideologicus

Como já foi dito na introdução, é na trágica crise ucraniana de 2014, agora em sua fase mais dramática, que encontramos o teste tornassol de nossa tese. O fato espalhou medo na perspectiva política da maioria dos setores políticos europeus "anti-sistema", que são certamente os de menor alcance. Tudo que foi necessário foi um gosto das técnicas de guerra de quarta geração, para confundir as ideias dos herdeiros daqueles de backgrounds políticos nobres. 

Este é o caso, em particular, dos movimentos de extrema-esquerda e extrema-direita europeus, que, longe de serem dois blocos monolíticos com interesses divergentes, em verdade são entidades puramente nominais, constituídas por identidades e estratégias bem diferentes. Eles estão divididos em vários grupos fracos e não raro auto-referenciais que dão testemunho, basicamente, da progressiva despolitização desses círculos, que são agora apenas "áreas" de pertencimento identitário, comunidades verdadeiramente de paródia navegando na turbulência da modernidade líquida.

Na estagnação interpretativa e falida, que teve um antecessor digno durante as revoltas árabes, a principal tese apresentada pelas duas partes foi a definição do conflito ucraniano em termos de conflito inter-imperialista, como confronto entre imperialismos norte-americano e russo: o confronto dos interesses relativos opostos tal como na era do egoísmo nacional.

O fato de que a tese tem sido compartilhada tanto pela direita radical como pela esquerda radical demonstra um elemento inegável: a tese tem sido expressa não em virtude de ideologias políticas e narrativas diferentes professadas, mas como resquício de uma era que começou no final do século XIX e terminou com o fim do segundo conflito global, a era dos imperialismos.

Dentro do mesmo paradigma interpretativo, que o caso ucraniano quer como oposição entre dois imperialismos distintos, direita radical e esquerda radical responderam ao mesmo tempo segundo sua própria orientação ideológica: na melhor das hipóteses decidiram se abster de tomar posição, na pior tomaram posição em favor da massa de manobra que trabalha - mais ou menos conscientemente - pelos interesses norte-americanos.

Ao contrário está na proposta da nova teoria política (a quarta após a afirmação do liberalismo histórico, da sua antítese social-comunista e sua síntese fascista) que encontramos clareza de análise em relação aos intentos eminentemente comunitaristas que deve ser buscada.

Localizado no contexto da transição do mundo unipolar liderado pelos EUA, que representa geopoliticamente a realização formal dos interesses do Capitalismo Absoluto em sua forma financeira e cosmopolita, ao mundo multipolar, ou dividido em grandes espaços predominantemente autônomos de integração regional que se encaixam com as áreas de civilização histórica e situadas no mesmo nível em uma estável balança de poder, o interesse da facção comunitarista deve ser em favor de um empreendimento global multipolar. Tendo tomado nota da efetividade da globalização posta em ação pela Técnica (penúltima forma de força niilista antes da Economia), a alternativa consciente ao monopólio da força do Capital, à destruição da especificidade local de grupos étnicos, religiões e sociedades, à desumanização antropológica posta em ação pelo processo de completude da húbris liberal, à realização definitiva do mercado global, é exclusivamente a alternativa multipolar.

A realização dos grandes espaços geopolíticos, já desejada pelos profetas da escola geopolítica alemã, representará o colapso da hegemonia global liberal, por agora sem seu sustento, o mercado global, e de sua força estratégica, o controle norte-americano sobre o destino do mundo. É claro que a afirmação do setor comunitarista dependerá da realização da alternativa multipolar: ela determinará o fim da predominância do capital financeiro, um passo na direção da realização da sociedade do trabalhador e da afirmação da diversidade cultural, que reconstrói diferenças e tradições.

Se assumirmos que o caminho que leva os Povos à afirmação de uma balança global baseada na coexistência e no diálogo de civilizações deve ser o ponto de partida em interesse do setor comunitarista, a crítica deve estar dirigida à velha concepção que ainda vê a oposição no tabuleiro internacional de diferentes imperialismos nacionais. O cerne da questão é que a era dos imperialismos foi rapidamente substituída por Yalta desde a era da oposição bipolar e, ainda mais rapidamente, pela ascensão do imperialismo norte-americano único no início da década de 90, com o colapso do bloco soviético. Falar em conflito inter-imperialista usando a fórmula leninista - adequada para o primeiro conflito global - na era da realização do imperialismo global significa usar esquemas que antes eram efetivos, mas que agora estão ultrapassados. Agora no tabuleiro nós veremos apenas o imperialismo hegemônico, os sub-imperialismos de certos países e a oposição representada pelos BRICS e países não-alinhados.

Quem diz querer defender os interesses dos trabalhadores ou as tradições dos diferentes Povos deve levar isso em consideração. Não há outra possibilidade para os trabalhadores dentro dos mecanismos do capitalismo financeiro, promovido dentro do setor de segurança euro-atlântico, em meio a trabalho precário, desindustrialização, deslocalização. E o mesmo pode ser dito pelas tradições e identidades fora de um mundo multipolar, onde Povos e Nações poderiam ser protegidos dentro das grandes integrações regionais dos grandes espaços geopolíticos.

Hoje, a batalha pela Ucrânia não representa apenas uma batalha pela Rússia. A batalha pela Ucrânia é uma batalha por um mundo multipolar. Os princípios mais profundos da política histórica sobre Trabalho e Auto-Determinação dos Povos estão agora continuando em vigor graças à resistência do Donbass. Confundir os militantes do Setor Direito com representantes da identidade nacional é tão sério quanto não compreender a necessidade de que os trabalhadores se situem com as economias emergentes dos BRICS, com seus modelos econômicos alternativos. Agora os verdadeiros patriotas compreendem que a batalha pela Ucrânia é também sua batalha contra o avanço atlantista na direção do Coração do Continente, tal como os mineiros do Donbass já lutam e morrem pela verdadeira independência, a independência de um governo que planeja lançar as piores medidas de austeridade e venda de soberania, seguindo um modelo pós-democrático e antipopular de tecnocracia, que os europeus ocidentais já conhecem muito bem.

A luta na Ucrânia é a luta contra o Capitalismo Absoluto, na direção de um mundo multipolar. Para vencer, o inimigo usou acima de tudo a arma da confusão, usando nossas palavras, nossos símbolos, nossas ideias. Nós vimos demais. O imperativo para todos os defensores de princípios comunitaristas, é conhecer a verdade, para assim transformar o mundo. Lutar como comunitaristas, ou viver como escravos. A escolha é de vocês.