por Thomas Bertonneau
Contra o Niilismo: A Crítica "Tradicionalista" de Julius Evola à Modernidade
Com tipos como Oswald Spengler, cujo Declínio ele traduziu para uma audiência italiana, e José Ortega y Gasset, Julius Evola (1898-1974) se destaca como um dos críticos notavelmente incisivos da modernidade de meados do século XX. Como Spengler e Ortega, Evola se via como um devedor formativo de Friedrich Nietzsche, mas mais forçosamente que Spengler ou Ortega, Evola via as limitações - contradições e inconsistências - no pensamento de Nietzsche.
Evola diferia de Spengler e Ortega de outra maneira: como certos outros Homens da Direita durante as mesmas décadas, ele se envolveu profundamente em questões místicas e ocultas, criando uma reputação durante a última parte de sua vida como um especialista em tais tópicos como religiosidade oriental, alquimia, e uma vasta gama de doutrinas esotéricas. Hermann Keyserling vem à mente também, como tendo dirigido seus interesses a essas questões. Não obstante, Keyserling, que conhecia a obra de Evola, evitava Evola, tal como Spengler havia evitado Keyserling. Isso teria sido em parte porque o envolvimento oculista de Evola chocava Keyserling como mais indiscreto e profundo do que o seu e em parte porque Evola parecia, no início da década de 30, ser simpático ao fascismo e ao nacional-socialismo, enquanto Keyserling, como Spengler, via estes como inequivocamente sinais da decadência difusa de seu tempo e os criticava desde os primórdios.
Ainda que as proclividades transitórias de Evola justificassem as apreensões de Keyserling, um rápido e crescente desgosto mútuo pôs uma distância real entre Evola e as ditaduras. Tivesse ele sabido disso, Keyserling poderia ter se aproximado de Evola. À época em que a guerra teve início, o barão havia explicitamente repudiado princípios ditatoriais. Evola, que tinha sua própria teoria da raça, expressava uma particular repulsa pela política racial nazista e pela imitação dela por Mussolini na Itália após 1938.
Evola não obstante cria dificuldades para aqueles de temperamento conservador que poderiam apreciar sua crítica da modernidade. Ele desconsiderava o cristianismo, pelo menos em sua forma moderna, como uma religião social; e como suas contrapartes da esquerda, ele desprezava a burguesia e seus valores, tanto que pelo menos um de seus biógrafos o comparou, de forma alguma sem plausibilidade, a tipos frakfurtianos como Herbert Marcuse e Theodor W. Adorno. Porém a irascibilidade geral de Evola pertence a sua atratividade. Assim, em um artigo de 1929, Bolchevismo ed Americanismo, Evola condena com igual fervor o comunismo moscovita e a democracia financeira americana, como representante, ambas, a mecanização e desumanização da vida. Diferentemente dos marxistas - e diferentemente dos fascistas e nacional-socialistas - Evola via a única esperança para a civilização ocidental como estando em um renascimento do que ele gostava de colocar em letra maiúscula, por um lado, como Tradição e, por outro lado, como Transcendência; ele assim rejeitava todo materialismo e instrumentalismo como reduções cruas da realidade para mentes brutas e, assim também, como sintomas de uma decadência prevalecente e de modo geral repugnante.
I. O especialista em Evola H.T. Hansen expõe os detalhes dos seus envolvimentos políticos, criando uma defesa exculpante generosa, no artigo que serve como introdução à tradução para inglês de Gli Uomini e le Rovine. Eu encaminho leitores a esse artigo e à própria Autodifesa de Evola, que o mesmo volume oferece como apêndice ao texto principal, caso estejam interessados nos detalhes. A análise de Evola da modernidade me interessa no que segue mais do que suas afinidades políticas na Itália no início de sua maturidade. O desprezo apaixonado de Evola pela vulgaridade de coisas como a democracia (aquele fetiche do mundo moderno), "a questão social", e a economia - que, como E. Christian Kopff aponta em um artigo recente na revista virtual Alternative Right, ele considerava "demônica" - pertence a sua convicção absoluta de que o Ocidente tem estado preso em uma crise descendente de niilismo desde o século XVIII pelo menos. A desintegração do Sacro Império Romano nas guerras de faccionalismo religioso pressagiava a desintegração da sabedoria coerente na guerra do Iluminismo contra a fé. A era do Estado-Nação, como Evola a vê, desconstruiu o princípio de que a autoridade política deriva de uma fonte transcendente. Evola admirava o que ele chamava de guibelinismo do Império ainda que ele o defendesse contra seus detratores modernos sem nostalgia. Não se pode nunca voltar para trás; deve-se lidar com as condições, tais quais elas existem agora.
Evola parecia ter concebido Gli Uomini et le Rovine, seu título já comentando sobre as condições atuais, e Cavalcare la Tigre (1961) como uma introdução dupla a sua obra-prima, Rivolta Contra il Mondo Moderno (1934).
Em Gli Uomine et le Rovine, Evola avalia a crise contemporânea, a "doença" e "a desordem de nossa era", paradoxalmente: o totalitarismo, uma tendência sinistra plenamente instigada pelo conformismo amplamente difundido, é, em efeito, um tipo de caso tal que o máximo de coerção ilegítima existe em uma sociedade simultaneamente com a máxima ilegalidade desenfreada; enquanto a proliferação de bugigangas técnicas brilhosas, em cuja fascinação as massas creem participar no progresso, coexiste com uma decadência dos refinamentos sociais e éticos da civilização medieval em várias ressurgências de primitivismo degradante. Pode-se pensar na maneira em que a internet está ligada à pornografia e à jogatina. No esquema de Evola, a Reforma, a ascensão da ciência, e a Revolução Industrial marcam fases da queda, não da subida, na história das formas sócio-políticas viáveis. Para Evola, a exaltação moderna do instrumental, do prático, e do material é equivalente não apenas a uma rejeição petulante de cada "dimensão superior de vida" mas também a um abraço perverso da "disformidade espiritual".
Assim a degradação da pessoa, um termo que Evola usa de maneira especial, pertence a um regime que alcança o controle, inteiramente em prol do controle, ao encorajar os mais baixos impulsos apetitivos daquela criatura útil, porém desesperada, o mero indivíduo numérico. Evola aqui se vale francamente da categoria de Ortega do homem-massa, cuja única qualidade consiste em sua quantidade sobrepujante inevitável.
Evola identifica a fonte aproximada dessas tendências na "subversão introduzida na Europa pelas revoluções de 1789 e 1848" ainda que uma análise poderia traçar ambas explosões a fases e eventos anteriores. Em igualdade, o fetiche central da subversão revolucionária, Evola vê um fenômeno nem natural, nem apropriadamente cultural que sugere a aversão profundamente enraizada de uma consciência supostamente liberada em relação à estrutura efetiva, graduada, da realidade. Em particular, como Evola ressalta, a humanidade contemporânea separou a si mesma inteiramente do único contexto que poderia esclarecer o valor do homem para ele e integrá-lo em uma vida significativa: aquela harmonia de "soberania, autoridade e legitimidade" pela qual "todo Estado verdadeiro" alcança "transcendência de seu próprio princípio". Mais platonista que cristão - talvez de certo modo, como eu sugeri, anticristão - Evola insiste em que o significado de um regime consiste exclusivamente em sua corporificação de "uma ordem superior", por meio da qual exclusivamente seu "poder" deriva. Um regime tradicional, sendo essencialmente hierárquico, assim jamais adotará a face da democracia; de fato, seus aristocratas sempre governarão por "absolutidade", no sentido de que sua condução da ordem, seu "Imperium", sempre tomará direção de sua participação espiritual na mesma "aeterna auctoritas" que doa inteligibilidade ao cosmo físico.
As classes sociais do regime tradicional reconhecem a autoridade incorporada nos seus governantes por seus sinais externos de dignidade e justiça próprios de pessoas reais. A democracia representa o princípio oposto a isso (na medida em que, isto é, seja possível dizer que ele representa algum princípio); a democracia é dissoluta; ela liquefaz todas as estruturas alcançadas e toda subordinação a valores em sua abolição das diferenças autênticas.
É possível notar que suave eco do que Evola reconheceria como ordem genuína informa uma fase até mesmo tão tardia da modernidade quanto a da fundação da América, com suas referências a um "Criador". Não obstante, a afirmação de Evola de que o regime e seus governantes devem tornar manifesta uma ordem transcendente - cósmica, divina e paternal - está tão distante a definição prevalecente de existência que até mesmo a maioria daqueles que se dizem conservadores devem olhar para ela em incompreensão muda. A prática moderna inverteu grosseiramente a visão tradicional de ordem, se orientando para baixo na direção do ctônico, do animista e do maternal. A democracia, para Evola, pertence com sua mediocrização infantilizante da vida, assim como a noção vazia e obsessiva, como ele vê, de individualidade. Aqui também a mentalidade dominante deve recuar - como poderia alguém não defender o indivíduo? Não é a santidade do indivíduo a base indispensável da sociedade anglo-saxã? Não é a Carta de Direitos um conjunto de garantias para o indivíduo?
Mas Evola distingue rigorosamente o indivíduo da pessoa, valorizando o segundo. "A pessoa", Evola escreve, "é um indivíduo que é diferenciado por suas qualidades, imbuído de sua própria face, sua própria natureza, e uma série de atributos que o tornam quem ele é o distinguem de todos os outros". Por distinção, "o indivíduo pode ser concebido apenas como uma unidade atômica...uma mera ficção de uma abstração". Pessoas, sendo efetivamente individuadas, possuem categoria de "pares" na companhia diferenciada, na "vontade de igualdade", por contraste, Evola vê apenas a "vontade do que não tem forma".
Evola também insiste em distinguir o "Estado orgânico" do "Estado totalitário", ligando o primeiro à individuação dentro de uma hierarquia funcional (para pessoas) e o segundo à vacuidade da democracia: "Um Estado é orgânico quando possui um centro, e esse centro é uma idéia que molda os vários domínios da vida de maneira eficaz; ele é orgânico quando ignora a divisão e autonomização do particular e quando, por virtude do sistema de participação hierárquica, cada parte dentro de sua relativa autonomia realiza sua própria função e desfruta de uma conexão íntima com o todo". Evola escreve que, "no totalitarismo nos usualmente encontramos uma tendência à uniformidade e intolerância por qualquer autonomia e qualquer grau de liberdade, por qualquer corpo intermediário entre o centro e a periferia, entre o topo e o fundo da pirâmide social". Em uma sociedade em que a Tradição governa, o "axioma...é de que os valores supremos...não estão sujeitos a mudar e devir". Em uma sociedade liberal em que a democracia governa (que será indistinguível de uma ditadura), "não há princípios, sistemas, e normas com valores independentes do período em que assumiram uma forma histórica, com base em fatores contingentes e irracionais".
Evola se recusa a recuar das duas fases de um duro julgamento: Primeiro que "o início da desintegração das estruturas sóciopolíticas tradicionais, ou pelo menos do que restava delas na Europa, ocorreu através do liberalismo", que é o precursor direto da revolução; e segundo que "a essência do liberalismo é o individualismo". Porque a noção de igualdade não passa de "puro absurdo" e constitui um "absurdo lógico", qualquer implementação da igualdade envolverá necessariamente uma destruição daquilo que, existinto realmente e efetivamente, ofende o sentimento democrático. Assim para Evola a democracia em si é niilismo.
II. Onde Gli Uomini et le Rovine assume a tarefa de descrever nossa situação catastrófica, Cavalcare la Tigre prescreve como uma pessoa genuinamente individuada pode se comportar em um ambiente culturalmente devastado e moralmente degenerado. Cavalcare la Tigre não obstante também analisa os tópicos que fascinam Evola, geralmente o grande espetáculo da civilização em decadência e particularmente as formas exteriores da corrupção dominante. O leitor as encontra, então, em Cavalcare la Tigre, capítulos devotados a "Os Disfarces do Niilismo Europeu", "O Colapso do Existencialismo", "Cobrindo a Natureza - Fenomenologia", "A Dissolução da Arte Moderna", e "Segunda Religiosidade", entre muitos outros. Em relação à situação de meados do século XX Evola incentiva seus leitores a não confundirem a desintegração visível atual do mundo burguês pelo cataclismo primário em cuja paisagem destruída eles vivem: "Socialmente, politicamente e culturalmente, o que desaba hoje é o sistema que assumiu forma após a revolução do Terceiro Estado e a primeira revolução industrial ainda que houvesse não raro misturado alguns remanescentes de uma ordem mais antiga, drenada de sua vitalidade original". Evola permanece diligentemente leal àquela "ordem mais antiga", na ressurreição de cuja vitalidade o bem-estar de pessoas em um mundo hostil está implicado.
Niilismo, na discussão de Evola sobre ele, sabe como se ocultar e dissimular, como sorrir, suavizar e bajular. A habilidade de revelar os esconderijos do niilismo e penetrar suas máscaras assim desempenha um papel fundamental na autonomia continuada da pessoa individuada ou "aristocrata do espírito". Evola toma o bordão de Nietzsche da "Morte de Deus" como utilmente designando uma específica "fratura de um caráter ontológico" que aflige a cena contemporânea. Através dessa "fratura", Evola escreve, "a vida humana perde qualquer referência real de transcendência", e em seu rastro os inúmeros "duplos e substitutos" do "Deus que está morto" ascendem à proeminência. Assim, "quando o nível do sagrado se perde", só fórmulas vazias - ideologias - persistem, como o "imperativo categórico" proposto por Kant ou o "racionalismo ético" (como Evola o chama) promulgado por Mill e seus seguidores Rastejando por trás da cortina dessas e outras construções, Evola vê "niilismo já visível". Por exemplo, o niilismo avança no "herói romântico: o homem que se sente sozinho face a indiferença divina" e que "reivindica para si direitos excepcionais ao que é proibido".
Após o romantismo, o espírito da negação aparece sob o rótulo de "o absurdo", com seu axioma da ausência universal de significado e sua dramatis personae da "juventude perdida", "rebeldes sem causa". Hollywood e a cultura comercial continuamente reinventam esses tipos limitados.
Com uma referência ao artigo recente de Kopff, eu mencionei mais cedo como Evola caracteriza a teoria econômica moderna como "demônica". Evola aplica esse rótulo irrespectivamente de se a teoria sob escrutínio defende uma visão enraizada em Karl Marx ou em Adam Smith porque ambos representam o niilismo mascarado. Um conceito racional de riqueza se torna uma teoria "demônica" quando a idéia de dinheiro e sua relação a bens, primeiro, se reduz a algo inteiramente abstrato e, depois, se infla até que seja o besteirol central e dominante de um regime. Não importa se a ideologia dominante é o socialismo ou o capitalismo: "O erro e ilusão são os mesmos", nomeadamente que o "desejo material" são a causa de toda "miséria existencial" e que a abundância geram felicidade e legalidade. Em uma afirmação chocante, cuja importância quase nenhum político atuante atualmente poderia compreender, Evola oferece que, "a verdade da questão é que o significado da existência pode ser tão carente em um grupo [rico ou pobre] como no outro, e que não há correlação entre miséria material e espiritual". Evola ressalta que toda a política moderna tende ao "messianismo socioeconômico".
Segundo Evola, virtualmente toda filosofia moderna e do século XX é evasão ou enganação. Os capítulos de Cavalcare la Tigre sobre Edmund Husserl, Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre - para não mencionar Nietzsche - expõe a perspectiva de que esses pensadores, também, participam no processo de redução da realidade a nada. Nietzsche, no comentário de Evola, participa na redução de Transcendência à imanência: "Uma vez que os ídolos caíram, bem e mal foram ultrapassados, junto a todos os substitutos de Deus, e essa névoa foi retirada dos próprios olhos, nada resta para Nietzsche a não ser 'esse mundo', vida, o corpo". O Übermensch é o substituto de Nietzsche para a Transcendência. Evola categoriza o Übermensch, uma futuridade afastada que supostamente justifica a ação agora, não é "muito diferente da ideologia marxista-comunista", com sua imagem sinuosa da Humanidade Socialista. A Vontade e o Poder de Nietzsche seriam meros disfarces da "ausência de forma". Husserl parece a Evola também como desviado, se engajando no velho projeto de Salvar as Aparências pela desrealização das aparências ainda mais e assim cortando a consciência de seu contato tanto com a natureza como com a Transcendência. Quanto a Heidegger, como Evola vê as coisas, o filósofo do Dasein falhou em ir além de Nietzsche e como ele seu precursor teria reduzido a vida à imanência desesperada. A doutrina de Heidegger seria "uma projeção de homem moderna em crise, ao invés do homem moderno além da crise".
O niilismo pode se disfarçar como espiritualidade e religião. Assim o que Evola chama de "naturalismo moderno" e "o ideal animal" é associado ao que ele chama, pegando emprestado o termo de Spengler, de "segunda religiosidade". Os rótulos "naturalismo moderno" e "o ideal animal" se referem à idéia de "retorno à natureza" que a história dos conceitos traça a uma codificação original em Jean-Jacques Rousseau. "O estado natural do homem jamais existiu", escreve Evola, porque "no início o homem estava situado em um estado supranatural do qual ele agora caiu". Uma descida desindividuadora ao seio da Mãe Terra permanece impossível por definição para pessoas culturalmente maduras. Assim, "cada retorno à natureza é um fenômeno regressivo, incluindo qualquer protesto em nome de direitos instintivos, do inconsciente, da carne, da vida desimpedida pelo intelecto, e daí em diante". Os movimentos neoctônicos familiares à cena moderna pertencem à "segunda religiosidade". Como a "segunda religiosidade" do mundo antigo, a do mundo moderno é afeminada, matriarcal e anti-intelectual; ela é também plenamente anti-espiritual. A "segunda religiosidade" permeia a vida moderna em "formas esporádicas de espiritualidade e misticismo, mesmo em irrupções do supersensível". Porém, tais "sintomas" definitivamente "não indicam uma reascensão" a qualquer coisa genuinamente metafísica.
Evola morreu antes que ambientalismo encontrasse seu pseudo-evangelho na histeria do "aquecimento global", antes que o feminismo organizado começasse sua emasculação sistemática de instituições ocidentais, e antes que essas tendências se concentrassem em charlatães como o "teórico de Gaia" James Lovelock e o ex-senador Albert "Nós-somos-o-inimigo" Gore. Os leitores podem tomar Evola como previdente quando ele escreve que, "nada é mais indicativo do nível de neoespiritualismo do que o material humano da maioria daqueles que o cultivam". Evola nota que, a mistificação e superstição estão constantemente imiscuídas no neoespiritualismo, outro de cujos traços, especialmente nos países anglo-saxões, é a elevada porcentagem de mulheres (mulheres que são derrotadas, marginalizadas ou velhas demais)". Em uma metáfora, Evola compara essas manifestações de "escapismo, alienação e compensação confusa" à "fluorescência que aparece quando corpos se decompõem".
III. Pode parecer haver uma contradição insuperável quando, em minha introdução, eu escrevi que Hermann Keyserling havia desprezado Evola porque o envolvimento de Evola em idéias ocultas se situavam em um excesso desconfortável em relação ao do próprio Keyserling; enquanto, ao fim da seção anterior eu relatei sobre a hostilidade crítica de Evola ao "misticismo" e à "superstição", usando seus próprios termos de Cavalcare la Tigre. Não há contradição real. A idéia de Evola de Transcendência não está tão distante de idéias similares na obra de Giambattista Vico, Oswald Spengler, Arnold Toynbee, Eric Voegelin e Richard Weaver. Evola, cuja educação literária era grande, sabe dos textos antigos que a sequência de experiência visionária intensa - seguida pela propagação viril de uma ordem essencialmente religiosa - se encontra no início de todas as sociedades e civilizações complexas conhecidas. A semelhança de fundações míticas ou proféticas sugere que todas elas correspondiam a uma fonte singular ainda que não seja possível dizer, em linguagem racional moderna, que fonte era essa.
Seja a Dike de Homero cuja origem é Zeus, o "Eu sou o que sou" hebreu, o Dao do Reino do Meio, ou a visão beatífica em Platão, Agostinho e Dante - o efeito formativo da experiência é estabelecer uma hierarquia nocional de estruturas, orientada ao que está "acima" do mundo humano, que, enquanto anunciando a si mesmo como Ser eterno, assume forma física através da atividade humana criativa no mundo atual. Visões fundantes organizam pessoas anagogicamente. Este é um fato histórico. Mesmo Spengler, um cético, escreve, em Der Untergang des Abendlandes (Vol.I), que, "uma Cultura nasce quando uma grande alma desperta da proto-espiritualidade...e se destaca, uma forma a partir do informe". Toynbee, católico heterodoxo, escrevendo em Civilization on Trial (1948), reconhece o cristianismo como uma visão de vida que "emergiu do labor espiritual que foi consequência da desintegração da civilização greco-romana" e que prognosticou a forma de uma civilização sucessora em meio às ruínas da antiga. Quanto a Voegelin, em Israel and Civilization (1956), ele escreve: "A simbolização cosmológica não é nem uma teoria, nem uma alegoria. Ela é a expressão mítica da participação, experimentada como real, da ordem da sociedade no ser divino que também ordena o cosmo".
Evola, ainda que excêntrico, pode não obstante reivindicar companhia nos testemunhos convergentes de inúmeras lendas e sagas da antiguidade e do medievo. A grande obra de Evola, Revolta Contra o Mundo Moderno, torna explícitas as bases filológicas e antropológicas de suas convicções sobre a Tradição. Evola divide Revolta em duas partes: Primeiro, uma descrição compreensiva das estruturas e pressuposições daquelas sociedades históricas que incorporam a Tradição; Segundo, uma "genealogia" da decadência moderna. Na Parte Um de Revolta, Evola se firma fortemente em James G. Frazer, Franz Cumont, Georges Dumézil, Fustel de Coulanges e outros estudiosos que, sem preconceito, tentaram compreender costumes e instituições primitivos e arcaicos, enquanto tal, de dentro para fora. Evola admira sociedades históricas e antigas pela virilidade de suas estruturas - realeza, aristocracia, sacerdócio, guerreiro, trabalhador, e servo - que, em sua perspectiva, permitia que as pessoas se integrassem em um arranjo significativo e vivificante com os outros, incluindo seus superiores, com um mínimo de fricção. Cada estamento na hierarquia tinha seus privilégios, mas cada estamento também tinha suas obrigações para com os estamentos abaixo, assim como cada tinha seus deveres perante a totalidade.
Evola morreu antes que ambientalismo encontrasse seu pseudo-evangelho na histeria do "aquecimento global", antes que o feminismo organizado começasse sua emasculação sistemática de instituições ocidentais, e antes que essas tendências se concentrassem em charlatães como o "teórico de Gaia" James Lovelock e o ex-senador Albert "Nós-somos-o-inimigo" Gore. Os leitores podem tomar Evola como previdente quando ele escreve que, "nada é mais indicativo do nível de neoespiritualismo do que o material humano da maioria daqueles que o cultivam". Evola nota que, a mistificação e superstição estão constantemente imiscuídas no neoespiritualismo, outro de cujos traços, especialmente nos países anglo-saxões, é a elevada porcentagem de mulheres (mulheres que são derrotadas, marginalizadas ou velhas demais)". Em uma metáfora, Evola compara essas manifestações de "escapismo, alienação e compensação confusa" à "fluorescência que aparece quando corpos se decompõem".
III. Pode parecer haver uma contradição insuperável quando, em minha introdução, eu escrevi que Hermann Keyserling havia desprezado Evola porque o envolvimento de Evola em idéias ocultas se situavam em um excesso desconfortável em relação ao do próprio Keyserling; enquanto, ao fim da seção anterior eu relatei sobre a hostilidade crítica de Evola ao "misticismo" e à "superstição", usando seus próprios termos de Cavalcare la Tigre. Não há contradição real. A idéia de Evola de Transcendência não está tão distante de idéias similares na obra de Giambattista Vico, Oswald Spengler, Arnold Toynbee, Eric Voegelin e Richard Weaver. Evola, cuja educação literária era grande, sabe dos textos antigos que a sequência de experiência visionária intensa - seguida pela propagação viril de uma ordem essencialmente religiosa - se encontra no início de todas as sociedades e civilizações complexas conhecidas. A semelhança de fundações míticas ou proféticas sugere que todas elas correspondiam a uma fonte singular ainda que não seja possível dizer, em linguagem racional moderna, que fonte era essa.
Seja a Dike de Homero cuja origem é Zeus, o "Eu sou o que sou" hebreu, o Dao do Reino do Meio, ou a visão beatífica em Platão, Agostinho e Dante - o efeito formativo da experiência é estabelecer uma hierarquia nocional de estruturas, orientada ao que está "acima" do mundo humano, que, enquanto anunciando a si mesmo como Ser eterno, assume forma física através da atividade humana criativa no mundo atual. Visões fundantes organizam pessoas anagogicamente. Este é um fato histórico. Mesmo Spengler, um cético, escreve, em Der Untergang des Abendlandes (Vol.I), que, "uma Cultura nasce quando uma grande alma desperta da proto-espiritualidade...e se destaca, uma forma a partir do informe". Toynbee, católico heterodoxo, escrevendo em Civilization on Trial (1948), reconhece o cristianismo como uma visão de vida que "emergiu do labor espiritual que foi consequência da desintegração da civilização greco-romana" e que prognosticou a forma de uma civilização sucessora em meio às ruínas da antiga. Quanto a Voegelin, em Israel and Civilization (1956), ele escreve: "A simbolização cosmológica não é nem uma teoria, nem uma alegoria. Ela é a expressão mítica da participação, experimentada como real, da ordem da sociedade no ser divino que também ordena o cosmo".
Evola, ainda que excêntrico, pode não obstante reivindicar companhia nos testemunhos convergentes de inúmeras lendas e sagas da antiguidade e do medievo. A grande obra de Evola, Revolta Contra o Mundo Moderno, torna explícitas as bases filológicas e antropológicas de suas convicções sobre a Tradição. Evola divide Revolta em duas partes: Primeiro, uma descrição compreensiva das estruturas e pressuposições daquelas sociedades históricas que incorporam a Tradição; Segundo, uma "genealogia" da decadência moderna. Na Parte Um de Revolta, Evola se firma fortemente em James G. Frazer, Franz Cumont, Georges Dumézil, Fustel de Coulanges e outros estudiosos que, sem preconceito, tentaram compreender costumes e instituições primitivos e arcaicos, enquanto tal, de dentro para fora. Evola admira sociedades históricas e antigas pela virilidade de suas estruturas - realeza, aristocracia, sacerdócio, guerreiro, trabalhador, e servo - que, em sua perspectiva, permitia que as pessoas se integrassem em um arranjo significativo e vivificante com os outros, incluindo seus superiores, com um mínimo de fricção. Cada estamento na hierarquia tinha seus privilégios, mas cada estamento também tinha suas obrigações para com os estamentos abaixo, assim como cada tinha seus deveres perante a totalidade.
As pessoas modernas veem nas hierarquias sociais, e tais instituições como castas e guildas, algo arbitrário e limitador, mas Evola insiste que os estamentos e vocações tradicionais permitiam uma seleção de talentos e potenciais e que eles permitiam que as pessoas, por meio do aprendizado e da iniciação, realizassem seu progresso pessoal em um contexto bem definido. O Evola também ressalta que, especialmente na sociedade medieval, certas instituições atravessam estamentos, de modo que um homem cujo ofício seja, digamos, sapateiro, poderia como membro de uma ou outra ordem laica, alcançar reconhecimento social por sua atividade para além daquela pela qual ele ganharia seu pão. Hans Sachs, no Meistersinger de Richard Wagner, é por ofício um sapateiro, mas seus pares o celebram como um artista-adepto do Stabreim e do Minnelied. A Igreja, também, atravessava estamentos e oferecia avenidas de mobilidade. Por implicação constante, Evola sugere que, na medida em que a felicidade nos concerna, as pessoas tem sido mais felizes em sociedades tradicionais do que são, apesar dos confortos materiais, na sociedade moderna. Evola é consciente, como o era Nietzsche, de que a dissolução das forças exacerba o ressentimento e que as pessoas modernas são mais ressentidas do que suas predecessoras.
Evola chega até mesmo a defender as atitudes de Aristóteles e do Velho Testamento em relação a escravidão, atitudes que ocasionam ressentimento no comentário moderno: "Deixemos de lado o fato de que os europeus reintroduziram e mantiveram a escravidão até o século XIX em suas colônias ultramarinas em formas odiosas dificilmente encontráveis no mundo antigo; o que deveria ser enfatizado é que se já houve alguma civilização de escravos em larga escala, aquela em que vivemos é ela". As pessoas modernas portam a insígnia de sua "dignidade" ciumentamente. Porém "nenhuma civilização tradicional jamais viu tamanhas massas de pessoas condenadas a realizar trabalhos automáticos, impessoais e vazios". É o caso ainda que, "no sistema escravocrata contemporâneo as contrapartes de figuras como senhores ou déspotas esclarecidos não podem ser encontrados", mas tão somente "as estruturas absurdas de uma sociedade mais ou menos coletivizada". Faz-se necessário dizer que isso não significa defender a escravidão? Mais exatamente é uma condenação do paroquialismo e santimoniosidade de liberais e democratas, e um ataque ao tédio espiritualmente destrutivo das funções burocráticas em que a sociedade liberal-democrática se baseia.
No mesmo parágrafo de onde eu tirei as linhas pretéritas, Evola menciona os campos de trabalho soviéticos, que atestam para ele o mal inerente na "sujeição física e moral do homem aos objetivos da coletivização".
Como qualquer admirador da cavalaria deve, Evola deplora o feminismo e o empoderamento feminino, ambos pertencendo, em sua perspectiva, à tendência do indivíduo puramente quantitativo, com seu egocentrismo infantilizado. "Um estilo de vida prático e superficial de um tipo masculino", Evola escreve, "perverteu a natureza da mulher e a lançou no mesmo abismo masculino de trabalho, lucro, atividade frenética e política". Segue daí que, "a mulher moderna em desejar estar por conta própria destruiu a si mesma", porque "a 'personalidade' pela qual ela tanto desejava está matando toda semelhança de personalidade feminina nela". Mas Evola não poupa ninguém: "Não devemos esquecer que o homem é o maior responsável pela decadência feminina... em uma sociedade governada por homens de verdade, a mulher jamais teria desejado ou mesmo seria capaz de tomar o caminho que ela segue hoje". Como Kopff escreve: "Evola rejeitou o Projeto Iluminista em absoluto, e tinha pouca utilidade para o Renascimento e para a Reforma. Para Evola aqueles realmente opostos ao regime de esquerda, a verdadeira Direita, não teriam embaraço em se descreverem como reacionários e contrarrevolucionários".
IV - A Parte Dois de Revolta Contra o Mundo Moderno traça o pedigree da atual crise niilista fornecendo uma "visão de pássaro da história". Naturalmente, Evola se recusa a seguir a historiografia padrão, desconsiderando sua pressuposição mais básica - nomeadamente que as sociedades humanas originais eram primitivas e que a civilização é um estágio tardio no desenvolvimento social da humanidade. Evola similarmente rejeita a idéia darwiniana relacionada de que entidades complexas evoluem a partir de entidades primitivas. Em ambas instâncias ele vê coisas da forma inversa, não por egocentrismo ranzinza, mas ao contrário como ele escreve, porque a própria Tradição, perante a qual ele se curva, vê as coisas de forma inversa. Ele toma a sério, por exemplo, as cinco fases da humanidade do poeta arcaico Hesíodo do poema didático Trabalhos e Dias; ele toma a sério o conto de Atlântida de Platão dos diálogos Timaeus e Crito, e ele admite como respeitáveis regimes ou sociedades que a variedade do mito e da literatura localizam em uma era antediluviana. No esquema hesiodico, os primeiros homens foram aqueles da Raça de Ouro, após o que vieram os da Raça de Prata, de Bronze, a Heróica e a de Ferro. Hesíodo famosamente jura que ele desejava não pertencer à degenerada Raça de Ferro, tão maligna e desprezível como era. No conto de Atlântida de Platão, os atlantes originais são semideuses, que vivem em um estado moralmente e tecnicamente perfeito; mas seus descendentes se tornam grosseiros, materialistas e degenerados.
Antes de se desconsiderar esse esquema como uma instância de credulidade irremediável, deve-se cuidadosamente notar duas coisas. A primeira é que diferentemente dos ideólogos que ele critica, que situam sua Justiça Social ou sua Raça Mestra no futuro indefinido, Evola situa o regime-modelo irreproduzível em um passado irrecuperável, do qual não pode justificar qualquer agenda modificadora da realidade; ela só pode servir como medida remota para pessoas conscienciosas que buscam padrões distintos do contemporâneo. O segundo é que Evola pensa por hábito em termos mitopoéticos, como o fizeram Platão e Giambattista Vico; e é por símbolos e metáforas que ele derrota a pseudo-cognição mecanística-literalística que ele deplora. Como Platão e Vico - e como P.D. Ouspenski, que também entretinha a idéia de ciclos de civilização e destruição, e que certamente não era um fantasista - Evola aconselharia as pessoas honestas a começarem sua contemplação da realização humana de uma posição de humildade ao invés de arrogância. Eu noto que essa postura, central para o ethos de Evola, o livra da acusação de gnosticismo. Apesar das muitas referências de Evola a conhecimento esotérico, ele nunca qualifica tal conhecimento como milagrosamente ou singularmente garantido a ele. Ele afirma que o retirou dos mitos, sagas e folclore pelo estudo diligente.
Pode-se também notar que nos últimos cinquenta anos a arqueologia aprofundou gradativamente as cronologias de associações humanas complexas e de realização material; e que no mesmo período a outrora desacreditada idéia de uma linguagem humana primordial a partir da qual todas as outras descenderiam reapareceu, muito respeitavelmente, nas hipóteses "nostratica" e "mundial". Por que, se poderia perguntar, desde que a teoria da gênese africana permaneça formalmente inquestionável, alguém deveria levantar objeção à teoria evoliana de uma etnogênese extremo-nórdica ou hiperbórea, formalmente falando? A teoria da Tradição Primordial Hiperbórea explica a difusão cultural tão adequadamente quanto a teoria dominante; cuja preferência é uma questão de um preconceito santificado. De fato, uma formação "boreal" primeira da alta cultura não torna de forma alguma impossível um aparecimento equatorial anterior do homo sapiens, considerado sob uma categoria puramente biológica. Como Evola aponta, muitos povos sulinos situam seus ancestrais culturais em uma pátria nórdica. É claro, o principal interesse na segunda parte de Revolta está no diagnóstico da corrupção moderna.
Qual é a história de Evola sobre essa corrupção? Em um primeiro colapso remoto em "a regressão das castas", como Evola chama o processo degenerativo de longo prazo, "a realeza do sangue substituiu a realeza do espírito", e essa alteração corresponde a uma insurgência da "Civilização da Mãe" sobre o "Patriciado" original. Muito depois - no período medieval tardio - "um segundo colapso ocorreu conforme as aristocracias começaram a cair e as monarquias a tremer em suas fundações", quando "através das revoluções e constituições elas se tornaram instituições inúteis sujeitas à 'vontade da nação'." Depois vem o colapso de uma consciência nacional já estreitada ao coletivismo indiferenciado paradoxal da sociedade burguesa de meros indivíduos, onde a igualdade é o shibboleth tirânico e a conformidade absoluta o modo. Depois, a partir do coletivismo incipiente da sociedade burguesa, vem "a revolta proletária contra o capitalismo", em que Evola discerne "uma redução do horizonte e valor ao plano da matéria, da máquina e do reino da quantidade". O fenômeno é um nadir, inteiramente "sub-humano". Assim, "nos líderes da revolução bolchevique é possível detectar uma coerência ideológica impiedosa".
Como seu artigo "Bolschevismus ed Americanismus" deve levar alguém a supor, Evola nunca poupa os EUA: "A América também, na maneira essencial pela qual ela vê a vida e o mundo, criou uma 'civilização' que representa a contradição exata da tradição européia antiga". Em palavras reminiscentes da dicção de Spengler, Evola descreve os EUA como "uma grandeza sem alma de natureza puramente tecnológica e coletiva, carecendo de qualquer fundamento de transcendência". Enquanto "o comunismo soviético professa oficialmente o ateísmo", Evola ressalta, e enquanto "a América não chega a tanto"; não obstante, "sem percebê-lo, e não raro acreditando no contrário, ela avança no mesmo caminho em que nada resta de significado religioso". Segundo Evola, "a grande maioria dos americanos poderia representar uma refutação em grande escala do princípio cartesiano...eles 'não pensam e existem'." Evola liga o anti-intelectualismo americano com a proliferação nos EUA do "idiotismo feminista", que viaja em paralelo com "a degradação materialista e prática do homem".
Em sua conclusão, a Revolta de Evola prevê uma nova "idade das trevas", para a qual seu termo preferido é Kali Yuga. A América assimilará o impulso cruzado do comunismo soviético e começará a tentar universalizar seus pseudo-valores destrutivos através da agressão imperialista; o Imperium será uma calamidade de vida curta levando a uma ruína global. Quando Evola fala assim em 1934, fica difícil desconsiderá-lo.
O que se deve fazer então com um autor previdente, cuja cultura e educação permanecem indubitáveis, que não obstante fornece sua análise social e política, por mais mordaz que seja, no contexto de uma história alternativa, cujos detalhes poderiam se assemelhar aos contornos de uma história de Lord Dunsany e Clark Ashton Smith? Eu estou fortemente tentado a responder minha própria pergunta dessa maneira: Que talvez devamos começar reavaliando Dunsany e Smith, especialmente Smith, cujos contos de resquícios civilizacionais decadentes - semi-arruinados, erotizados, sucumbindo a apetites momentâneos com abandono fatalista - falam com intuição poderosa sobre nossas circunstâncias atuais. Eu não quero dizer, porém, que Evola é apenas metaforicamente verdadeiro, como se sua obra, como a de Smith, fosse mera ficção. Eu quero dizer que Evola é verdadeiramente verdadeiro, na ordem de um dos "Mitos Verdadeiros" de Platão, não importa o quanto de sua verdade nos desconcerte.
Evola chega até mesmo a defender as atitudes de Aristóteles e do Velho Testamento em relação a escravidão, atitudes que ocasionam ressentimento no comentário moderno: "Deixemos de lado o fato de que os europeus reintroduziram e mantiveram a escravidão até o século XIX em suas colônias ultramarinas em formas odiosas dificilmente encontráveis no mundo antigo; o que deveria ser enfatizado é que se já houve alguma civilização de escravos em larga escala, aquela em que vivemos é ela". As pessoas modernas portam a insígnia de sua "dignidade" ciumentamente. Porém "nenhuma civilização tradicional jamais viu tamanhas massas de pessoas condenadas a realizar trabalhos automáticos, impessoais e vazios". É o caso ainda que, "no sistema escravocrata contemporâneo as contrapartes de figuras como senhores ou déspotas esclarecidos não podem ser encontrados", mas tão somente "as estruturas absurdas de uma sociedade mais ou menos coletivizada". Faz-se necessário dizer que isso não significa defender a escravidão? Mais exatamente é uma condenação do paroquialismo e santimoniosidade de liberais e democratas, e um ataque ao tédio espiritualmente destrutivo das funções burocráticas em que a sociedade liberal-democrática se baseia.
No mesmo parágrafo de onde eu tirei as linhas pretéritas, Evola menciona os campos de trabalho soviéticos, que atestam para ele o mal inerente na "sujeição física e moral do homem aos objetivos da coletivização".
Como qualquer admirador da cavalaria deve, Evola deplora o feminismo e o empoderamento feminino, ambos pertencendo, em sua perspectiva, à tendência do indivíduo puramente quantitativo, com seu egocentrismo infantilizado. "Um estilo de vida prático e superficial de um tipo masculino", Evola escreve, "perverteu a natureza da mulher e a lançou no mesmo abismo masculino de trabalho, lucro, atividade frenética e política". Segue daí que, "a mulher moderna em desejar estar por conta própria destruiu a si mesma", porque "a 'personalidade' pela qual ela tanto desejava está matando toda semelhança de personalidade feminina nela". Mas Evola não poupa ninguém: "Não devemos esquecer que o homem é o maior responsável pela decadência feminina... em uma sociedade governada por homens de verdade, a mulher jamais teria desejado ou mesmo seria capaz de tomar o caminho que ela segue hoje". Como Kopff escreve: "Evola rejeitou o Projeto Iluminista em absoluto, e tinha pouca utilidade para o Renascimento e para a Reforma. Para Evola aqueles realmente opostos ao regime de esquerda, a verdadeira Direita, não teriam embaraço em se descreverem como reacionários e contrarrevolucionários".
IV - A Parte Dois de Revolta Contra o Mundo Moderno traça o pedigree da atual crise niilista fornecendo uma "visão de pássaro da história". Naturalmente, Evola se recusa a seguir a historiografia padrão, desconsiderando sua pressuposição mais básica - nomeadamente que as sociedades humanas originais eram primitivas e que a civilização é um estágio tardio no desenvolvimento social da humanidade. Evola similarmente rejeita a idéia darwiniana relacionada de que entidades complexas evoluem a partir de entidades primitivas. Em ambas instâncias ele vê coisas da forma inversa, não por egocentrismo ranzinza, mas ao contrário como ele escreve, porque a própria Tradição, perante a qual ele se curva, vê as coisas de forma inversa. Ele toma a sério, por exemplo, as cinco fases da humanidade do poeta arcaico Hesíodo do poema didático Trabalhos e Dias; ele toma a sério o conto de Atlântida de Platão dos diálogos Timaeus e Crito, e ele admite como respeitáveis regimes ou sociedades que a variedade do mito e da literatura localizam em uma era antediluviana. No esquema hesiodico, os primeiros homens foram aqueles da Raça de Ouro, após o que vieram os da Raça de Prata, de Bronze, a Heróica e a de Ferro. Hesíodo famosamente jura que ele desejava não pertencer à degenerada Raça de Ferro, tão maligna e desprezível como era. No conto de Atlântida de Platão, os atlantes originais são semideuses, que vivem em um estado moralmente e tecnicamente perfeito; mas seus descendentes se tornam grosseiros, materialistas e degenerados.
Antes de se desconsiderar esse esquema como uma instância de credulidade irremediável, deve-se cuidadosamente notar duas coisas. A primeira é que diferentemente dos ideólogos que ele critica, que situam sua Justiça Social ou sua Raça Mestra no futuro indefinido, Evola situa o regime-modelo irreproduzível em um passado irrecuperável, do qual não pode justificar qualquer agenda modificadora da realidade; ela só pode servir como medida remota para pessoas conscienciosas que buscam padrões distintos do contemporâneo. O segundo é que Evola pensa por hábito em termos mitopoéticos, como o fizeram Platão e Giambattista Vico; e é por símbolos e metáforas que ele derrota a pseudo-cognição mecanística-literalística que ele deplora. Como Platão e Vico - e como P.D. Ouspenski, que também entretinha a idéia de ciclos de civilização e destruição, e que certamente não era um fantasista - Evola aconselharia as pessoas honestas a começarem sua contemplação da realização humana de uma posição de humildade ao invés de arrogância. Eu noto que essa postura, central para o ethos de Evola, o livra da acusação de gnosticismo. Apesar das muitas referências de Evola a conhecimento esotérico, ele nunca qualifica tal conhecimento como milagrosamente ou singularmente garantido a ele. Ele afirma que o retirou dos mitos, sagas e folclore pelo estudo diligente.
Pode-se também notar que nos últimos cinquenta anos a arqueologia aprofundou gradativamente as cronologias de associações humanas complexas e de realização material; e que no mesmo período a outrora desacreditada idéia de uma linguagem humana primordial a partir da qual todas as outras descenderiam reapareceu, muito respeitavelmente, nas hipóteses "nostratica" e "mundial". Por que, se poderia perguntar, desde que a teoria da gênese africana permaneça formalmente inquestionável, alguém deveria levantar objeção à teoria evoliana de uma etnogênese extremo-nórdica ou hiperbórea, formalmente falando? A teoria da Tradição Primordial Hiperbórea explica a difusão cultural tão adequadamente quanto a teoria dominante; cuja preferência é uma questão de um preconceito santificado. De fato, uma formação "boreal" primeira da alta cultura não torna de forma alguma impossível um aparecimento equatorial anterior do homo sapiens, considerado sob uma categoria puramente biológica. Como Evola aponta, muitos povos sulinos situam seus ancestrais culturais em uma pátria nórdica. É claro, o principal interesse na segunda parte de Revolta está no diagnóstico da corrupção moderna.
Qual é a história de Evola sobre essa corrupção? Em um primeiro colapso remoto em "a regressão das castas", como Evola chama o processo degenerativo de longo prazo, "a realeza do sangue substituiu a realeza do espírito", e essa alteração corresponde a uma insurgência da "Civilização da Mãe" sobre o "Patriciado" original. Muito depois - no período medieval tardio - "um segundo colapso ocorreu conforme as aristocracias começaram a cair e as monarquias a tremer em suas fundações", quando "através das revoluções e constituições elas se tornaram instituições inúteis sujeitas à 'vontade da nação'." Depois vem o colapso de uma consciência nacional já estreitada ao coletivismo indiferenciado paradoxal da sociedade burguesa de meros indivíduos, onde a igualdade é o shibboleth tirânico e a conformidade absoluta o modo. Depois, a partir do coletivismo incipiente da sociedade burguesa, vem "a revolta proletária contra o capitalismo", em que Evola discerne "uma redução do horizonte e valor ao plano da matéria, da máquina e do reino da quantidade". O fenômeno é um nadir, inteiramente "sub-humano". Assim, "nos líderes da revolução bolchevique é possível detectar uma coerência ideológica impiedosa".
Como seu artigo "Bolschevismus ed Americanismus" deve levar alguém a supor, Evola nunca poupa os EUA: "A América também, na maneira essencial pela qual ela vê a vida e o mundo, criou uma 'civilização' que representa a contradição exata da tradição européia antiga". Em palavras reminiscentes da dicção de Spengler, Evola descreve os EUA como "uma grandeza sem alma de natureza puramente tecnológica e coletiva, carecendo de qualquer fundamento de transcendência". Enquanto "o comunismo soviético professa oficialmente o ateísmo", Evola ressalta, e enquanto "a América não chega a tanto"; não obstante, "sem percebê-lo, e não raro acreditando no contrário, ela avança no mesmo caminho em que nada resta de significado religioso". Segundo Evola, "a grande maioria dos americanos poderia representar uma refutação em grande escala do princípio cartesiano...eles 'não pensam e existem'." Evola liga o anti-intelectualismo americano com a proliferação nos EUA do "idiotismo feminista", que viaja em paralelo com "a degradação materialista e prática do homem".
Em sua conclusão, a Revolta de Evola prevê uma nova "idade das trevas", para a qual seu termo preferido é Kali Yuga. A América assimilará o impulso cruzado do comunismo soviético e começará a tentar universalizar seus pseudo-valores destrutivos através da agressão imperialista; o Imperium será uma calamidade de vida curta levando a uma ruína global. Quando Evola fala assim em 1934, fica difícil desconsiderá-lo.
O que se deve fazer então com um autor previdente, cuja cultura e educação permanecem indubitáveis, que não obstante fornece sua análise social e política, por mais mordaz que seja, no contexto de uma história alternativa, cujos detalhes poderiam se assemelhar aos contornos de uma história de Lord Dunsany e Clark Ashton Smith? Eu estou fortemente tentado a responder minha própria pergunta dessa maneira: Que talvez devamos começar reavaliando Dunsany e Smith, especialmente Smith, cujos contos de resquícios civilizacionais decadentes - semi-arruinados, erotizados, sucumbindo a apetites momentâneos com abandono fatalista - falam com intuição poderosa sobre nossas circunstâncias atuais. Eu não quero dizer, porém, que Evola é apenas metaforicamente verdadeiro, como se sua obra, como a de Smith, fosse mera ficção. Eu quero dizer que Evola é verdadeiramente verdadeiro, na ordem de um dos "Mitos Verdadeiros" de Platão, não importa o quanto de sua verdade nos desconcerte.