por Claudia Mende & Katrin Gänsler
No século XVIII, o Império Otomano controlou grande parte da Península Arábica, acima de tudo as peregrinações na cidade sagrada de Meca e Medina. Foi um tempo de insegurança e conflito.
Com uma espécie de um "Islão liberal", os otomanos afrontaram várias tribos beduínas tradicionais. Neste ambiente de discórdia, o líder Muhammad Ibn Abd al-Wahhab, que viveu de 1703 a 1792, foi quem deu voz aos descontentes.
Wahhab acusou os otomanos de mudarem o Islão original e o distorcerem com o uso de elementos nacionais como o culto popular de santos. Conforme os seguidores de Wahhab, os muçulmanos precisariam retornar ao que chamavam de "estado puro".
Esta espécie de "Islão sem adulterações", do século VII e VIII, era propagado por Abd al-Wahhab. Apenas o corão e as palavras tradicionais do profeta deveriam ser válidas.
A luta de Abd al-Wahhab e seus seguidores pelo alegado retorno do Islão às suas origens marca o início do que hoje é conhecido por Wahhabismo.
Razões controversas
No entanto, muitos especialistas acreditam que o é defendido como "Islão original" é na verdade algo construído, que não corresponde ao início da história do Islão.
Na Arábia Saudita, as ideias de Abd al-Wahhab penetraram no poderoso clã de Al-Saud e criou um vínculo muito forte. Sob o governo militar de Mohammed Ibn Saud e com a ideologia religiosa de Abd Al-Wahhab, seus seguidores conquistaram grande parte do Najd, a região central da península arábica, invadindo portanto o Kuwait e o Iraque.
Após quase um século e meio, em 1932, Abd al Aziz Al-Saud finalmente proclamou, após anos de campanhas, o Reino Saudita e o Wahhabismo se tornou uma espécie de "Religião de Estado".
No entanto, isto não significa que todas as pessoas foram convertidas ao wahhabismo na Arábia Saudita. Conforme Ulrike Freitag, diretora do Centro para Estudos Orientais Modernos, em Berlim, a aliança entre os wahhabis e a família real saudita não foi sempre estável. O reforço da chamada "doutrina pura" já causou inclusive uma espécie de conflito de interesses sobre as razões do Estado saudita.
Estímulo à repressão
Em 1979, quando os ultra-conservadores islamistas ocuparam a grande mesquita de Meca numa revolta contra a monarquia saudita, Freitag diz que não somente tropas sauditas reprimiram a revolta, mas também tropas estrangeiras o fizeram.
Um outro exemplo foi a invasão americana do Iraque em 1990 para reconquistar a independência do Kuwait que tinha sido ocupado pelas tropas iraquianas de Saddam Hussein. "As tropas norte-americanas chegaram em larga escala a Arábia Saudita. Houve mulheres americanas que combateram no exército dos EUA. As mulheres sauditas certamente se viram estimuladas a lutar por mais direitos. Tal comportamento levou também a uma séria crise", diz Freitag.
Mesmo assim, o Wahhabismo não é um movimento homogêneo e acaba se tornando motivo de vários debates entre seus teóricos. Uma das discussões mais fortes, por exemplo, é sobre as circunstâncias que eles permitem o uso da violência ou a aplicação de castigos físicos.
Sob o ponto de vista legal, o tema é discutido em blogs e em pareceres jurídicos – as fatwas (pronunciamentos legais do Islão). No entanto, todas as correntes do Wahhabismo são convergentes, o que acaba acentuando a diferença entre os crentes e não-crentes.
A este último grupo pertencem não somente as pessoas de outras religiões, mas também todos os muçulmanos que têm um outro entendimento sobre o Islão. A esta categoria estão integrados todos os sunitas tradicionais, muçulmanos liberais, sufis e, acima de tudo, xiitas.
A luta xiita
O resultado disto é que muitos xiitas acabam sendo privados de seus direitos civis. Eles são considerados cidadãos de segunda classe religiosamente, culturamente e politicamente. Conforme o especialista em islamismo, Michael Kiefer, por isso o relacionamento entre xiitas e wahhabis é muito tenso.
"Isto também é uma expessão a violência. Quando xiitas protestaram pelas sua liberdade de religião houve uma série de ações brutais da polícia."
Mais tarde, a tentativa do rei Abdullah de garantir mais direitos aos xiitas parcialmente também levou a reações contrárias bastante fortes dos wahhabis. Surge novamente aqui a convergência da razão de Estado com a ideologia Wahhabi.
Apesar de todos os conflitos, como uma ideologia da família real saudita e enorme investimento financeiro, o Wahhabismo é espalhado por todo o mundo árabe, África subsaariana, Índia, Paquistão, Indonésia e antigas repúblicas soviéticas.
Conforme Kiefer, a ideologia é também um ponto de referência espiritual para os movimentos salafistas que começam a se tornar mais populares na Europa.
"Os sauditas também fazem muito para a difusão do Salafismo, por um lado com dinheiro, mas também pelo fato de eles formarem especialistas que seguem atividades nas universidades sauditas e também no fato que estes pesquisadores acabarem viajando o mundo inteiro e pregando a ideologia".
Pela África
Uma vez iniciada como uma pequena seita que se distanciou do entendimento otomano sobre o Islão, tornou-se um movimento espalhado pelo mundo. Na época da globalização o Wahhabismo está no limite das fronteiras entre as culturas.
Na Nigéria sempre houve grupos islâmicos que advogaram uma interpretação particularmente conservadora da religião. Muitos nigerianos peregrinos viajam para Meca e entram em contato com o Wahhabismo.
Grupos que tomam medidas radicais que frequentemente são apoiados por jovens que, muitas vezes, nem sequer o fazem por motivos religiosos. A DW falou com o imã Muh'd Tukur Adam Abdullahi, da mesquita Al-manar Juma'at, em Kaduna, no noroeste da Nigéria. O imã estudou na Arábia Saudita e vai lá frequentemente, à maior mesquita do mundo, a mesquita al-Haram em Mecca.
Tal como Abdullahi, muitos jovens nigerianos continuam a tirar um curso no país, com a ajuda de uma bolsa. Trata-se do único apoio da Arábia Saudita para a Nigéria, conforme Abdullahi. "Desde o 11 de Setembro que a Arábia Saudita e organizações internacionais islâmicas deixaram de enviar dinheiro para a Nigéria. Parou tudo. Tudo o que há no país vem da população. Dão dinheiro e apoiam os projectos."
Origens da radicalização
O imã não acredita que os movimentos radicais tenham sido introduzidos na Nigéria a partir de fora. Muh'd Tukur Adam Abdullahi diz que há grupos conservadores na Nigéria, mas esses seriam de "fabrico nacional".
Exemplo disso é o movimento Boko Haram. Os seus membros dizem que pretendem implementar a lei islâmica, a Sharia, e abolir as reformas democráticas ocidentais. Pensa-se que o grupo tenha ligações com a rede terrorista Al-Qaida e tenha campos de treino no estrangeiro.
Sani Isah, imã da mesquita Waff Road, também em Kaduna, procura noutro lugar as causas da radicalização de grupos como o Boko Haram. "Permitimos que os jovens se aproveitem dos verdadeiros ensinamentos para enganar as pessoas. É esse o nosso problema. É melhor não começar nada novo. Quanto mais inventarmos coisas novas, mais os jovens vão dizer: apoiamos isso!", diz Isah.
Frequentemente, há confrontos nas ruas – alegadamente em nome da religião. São sobretudo jovens quem se envolvem nos confrontos. Segundo o imã Sani Isah, eles são influenciados por nomes novos e sonantes. "Eles precisam do nome. Se falamos em salafismo, então os jovens dizem: esse é um bom nome. O 'salafismo' soa atraente."
Muitas vezes, os jovens nem teriam ideia do que está por trás. Nem estariam interessados nisso. Sunday – que não quer revelar o seu apelido – tem cerca de 20 anos. E sabe quão fácil é para os jovens deixarem-se influenciar pelas ideias religiosas. Para isso, nem chegam a precisar de um nome.
"Assim que tomam drogas, lutam alegadamente em nome da religião. Não vão nem à igreja nem à mesquita. Mas assim que começam os confrontos, cada um luta pela sua religião, apesar de nem sequer serem religiosos", diz Sunday.
No passado, ele também participou. Vendeu e consumiu drogas. Hoje pertence ao grupo dos desistentes. Sunday já não quer ter nada a ver com drogas, homens influentes e ideias religiosas.