por Julius Evola
Considerando as confusões que abundam nessa área, é oportuno clarificar primeiro o que queremos dizer, em geral, por "centros iniciáticos" e "organizações iniciáticas".
Nós tratamos da iniciação em um outro capítulo, então aqui nós nos limitaremos a relembrar que, em seu sentido autêntico e integral, a iniciação consiste em uma abertura da consciência para além das condicionalidades humanas e individuais, implicando em uma modificação do sujeito (de seu "status ontológico"), que então participa de uma liberdade superior e de uma consciência superior. Isso está ligado ao enxerto no indivíduo de uma influência de uma certa maneira transcendental, ou não simplesmente humana. Em geral tal influência é transmitida, e a transmissão é uma função essencial de um centro iniciático. O que emerge disso é a idéia de uma "corrente" ininterrupta (o termo usado no Islã é exatamente silsila) cujas origens são remotas e misteriosas, em paralelo com uma "tradição". Segundo a escola guenoniana, os vários centros iniciáticos, se são autênticos e regulares, estariam conectados a um único centro e até mesmo derivariam suas origens dele. Uma hipótese similar nos confronta porém com difíceis problemas, se ela deve ser validada de alguma maneira.
Para o tópico que pretendemos discutir aqui, surge a questão sobre aquele aspecto das influências espirituais que não concernem tão somente ao "conhecimento", uma iluminação espiritual, o atingir da gnose, mas também um poder. Esse poder pode mesmo ser considerado por alguns - e não incorretamente - como um sinal positivo, enquanto ele se refira apenas a um conhecimento relativo às esferas superiores, mas se ele permanece em um domínio puramente interior, ele também pode criar ilusões. A coexistência de um poder, que enquanto tal é verificável, é uma prova indireta, porém suficientemente positiva, para a solidez e realidade do mesmo conhecimento que é considerado como tendo sido alcançado por meio de uma iniciação.
Titus Burckhardt, ademais, foi capaz de falar, em termos de centros de iniciação, de influências espirituais "cuja ação, se não sempre aparente, passa incomensuravelmente para além de tudo que esteja em poder dos homens". Vamos passar agora à área da realidade e da história. Nós tivemos um debate amigável com Burckhardt sobre a existência e o estado de uma organização iniciática no mundo atual. Não é que afirmemos que elas não mais existem, mas sim que elas se tornaram ainda mais raras e difíceis de acessar (a hipótese é sempre em relação a organizações iniciáticas autênticas, e não de grupos espúrios que reivindicam tal caráter). Parece que um recuo progressivo de tais organizações, e portanto das forças que são manifestas nelas e das quais elas eram as portadoras, se verifica. Ademais, para fazer referência a algumas tradições dignas de nota, esse fenômeno nem mesmo seria recente. Nos limitaremos a mencionar aqueles textos em que se diz que a busca pelo Graal foi levada a um fim, mas que através de uma ordem divina, os Templários do Graal teriam abandonado o Ocidente e passado, junto com o objeto místico e mágico que não mais permanecia "entre povos pecadores", a uma região misteriosa, às vezes identificada com onde "Preste João" reinava. E para lá, magicamente, o Castelo do Graal, Montsalvat também teria se deslocado. Naturalmente, a dimensão simbólica deve ser considerada nisso tudo.
Uma segunda tradição, mais recente, concerne os Rosacrucianos. Após causarem uma comoção, especialmente com seus Manifestos nos quais eles davam a conhecer sua "presença invisível e visível" e com seu projeto da restauração de uma ordem superior geral, os Rosacrucianos também recuaram, nos idos do século XVIII; por essa razão, nós consideramos que certos grupos que subsequentemente se auto-qualificaram como "Rosacrucianos" não tinham autorização e careciam de qualquer filiação tradicional regular ou continuidade.
Nós poderíamos também acrescentar um testemunho da corrente iniciática ismaelita e em particular dos assim chamados Duodecimanos. A visão correspondente é a de que o Imã, o líder supremo da Ordem, a manifestação de um poder de cima que também dá as iniciações, similarmente se retraiu. Eles ao invés aguardam aquele que se tornará manifesto novamente, mas a época atual seria uma de "ausência".
Não obstante, isso, em nossa opinião, não implica em que centros iniciáticos no sentido estrito do termo não existam atualmente. Sem dúvida eles ainda existem, mesmo que em relação a isso o Ocidente mal entre em questão e seja necessário se remeter a outras áreas, tanto no mundo islâmico como no Oriente. Estando isso estabelecido, o problema é o seguinte: se, como Burckhardt afirma, tais centros foram depósitos das influências espirituais por definição, à parte do uso iniciático, nós temos que atribuir o início de uma ação possível em relação a algo externo que "se não sempre aparente, passa incomensuravelmente para além de tudo que está em poder dos homens", como devemos nós conceber o relacionamento entre tais centros ainda existente (se existirem não como meras sobrevivências) e o curso da história recente?
Desde o ponto de vista tradicional, esse curso possui, em geral, um caráter absolutamente involutivo e dissolutivo. Agora, em face das forças que estão atuando nesses desenvolvimentos, qual é a posição dos centros iniciáticos? Se eles sempre tiveram aquelas influências como é afirmado, deve-se pensar em um tipo de ordem recebida delas, mas não fazendo uso delas, e não impedindo o processo de involução, ou deve-se sustentar que o processo geral de "solidificação" e impermeabilidade do ambiente ao suprassensível, provocando um tipo de racha agora torna relativa toda ação que vá para além do campo iniciático em uma direção puramente espiritual e interior?
É bom esclarecer e por de lado os casos históricos em que simplesmente se colhem os frutos plantados há muito tempo. Os homens possuem uma liberdade fundamental. Se eles fizeram uso dela para a ruína, a responsabilidade recai sobre eles e não há motivo para intervir. Agora, nós podemos dizer isso sobre o Ocidente, que tem tomado o caminho da anti-tradição por algum tempo e que por uma cadeia de causa e efeito, às vezes bem visível, às vezes oculta a um olhar superficial, fatalmente procedeu a se achar em seu estado atual, que se assemelha à Kali Yuga, a "idade das trevas" profetizada pelas tradições antigas.
Mas em outros casos, as coisas não permanecem da mesma maneira. Há civilizações que por não terem seguido o mesmo caminho, por não terem escolhido vocações equivocadas, mas se encontrando sujeitas a influências externas, teriam que ser defendidas. Mas isso não é observado. Por exemplo, no caso do Islã há certamente centros iniciáticos sufi existentes, mas sua presença não impediu realmente a evolução dos países árabes em uma direção anti-tradicional, progressista, e modernista, com todas as consequências inevitáveis.
Mas um caso decisivo é o do Tibet. O Tibet não considerou de modo algum tomar o mesmo caminho que os países ocidentais. Ele havia preservado suas estruturas tradicionais intactas e também era considerado um país em que, mais do que qualquer outro, existiam indivíduos e grupos que estavam em contato com poderes divinos e superiores. Isso não o impediu de ser invadido, profanado e devastado pelas hordas comunistas chinesas, que também puseram um fim ao "mito" do Tibet cujo fascínio teve uma enorme influência sobre o meio espiritual ocidental. Porém, em princípio, deveriam ter se manifestado oportunidades concretas atribuíveis a uma ordem não meramente humana e material.
Para ser mais preciso, nós não estamos pensando em barreiras mágicas e invisíveis de proteção que teriam bloqueado os invasores do Tibet. É suficiente atentar para algo um pouco menos espetacular. Por exemplo, com referência à chamada pesquisa parapsicológica moderna, realizada sob controles estritos, a realidade dos "fenômenos paranormais" foi verificada, isto é, a possibilidade de que objetos possam ser deslocados, movidos ou levitados à distância sem uma explicação normal. Simplesmente, considerando as coisas tratadas pela pesquisa paranormal, é uma questão de processos espontâneos esporádicos, muitas vezes extrassensoriais, mais não reprodutíveis à vontade. Não obstante, já se verificou que um agente psíquico pode causar fenômenos como a levitação de um objeto pesado, o que implica em uma força indubitavelmente superior à força necessária para causar, por exemplo, um dano cerebral com um resultado mortal. Mesmo o fenômeno da bilocação, ou a projeção da própria imagem em um lugar distante, já foi verificado (ademais, parece que isso aconteceu mesmo com o Padre Pio de Pietralcina).
Assim, de tudo que já foi relatado por viajantes e observadores dignos de credibilidade, começando por Alexandra David-Neel, fenômenos similares já foram verificados no Tibet, porém não como fenômenos de um caráter extrassensorial e inconsciente, mas como fenômenos conscientemente controlados e voluntários, tornados possíveis pela disciplina e por iniciações.
Agora, teria sido suficiente usar poderes desse tipo para causar, por exemplo, uma lesão cerebral e portanto fulminar Mao Tsé-Tung no momento em que a primeira divisão comunista cruzasse a fronteira tibetana. Ou talvez usar o poder da projeção da própria imagem para causar uma aparição alarmante em face do líder comunista chinês.
Tudo isso não deveria aparecer como mera fantasia digressiva para aqueles que possuem uma concepção de centros iniciáticos como a indicada pelas palavras de Burckhardt citadas acima e que acreditam que tais centros de iniciação similares ainda existem. E não falam as tradições tibetanas do famoso Milarepa que no primeiro período de sua vida, antes de alcançar a Grande Liberação, era um fora-da-lei que se dedicou à magia negra, e, de fato, causou um massacre de seus adversários por meios mágicos? Ao invés nos deparamos no presente com o fim do Tibet, sem sermos capazes de invocar a idéia de um tipo de Nêmesis (para o Ocidente). Um livro recentemente traduzido ao italiano [Nascido no Tibet, de Chogyam Trungpa] fala da Odisséia daqueles lamas que não foram capazes de nada além de fugir para salvar suas vidas, enquanto no país outros eram massacrados, por aqueles que buscavam erradicar tudo que possuía um caráter sagrado, e começar a doutrinação comunista atéia do povo.A única resistência foram as guerrilhas de partisans tibetanos que se entrincheiraram em uma área inacessível. É inútil dizer o que uma defesa oculta como a mencionado teria significado. Sua significância teria feito todas as viagens e incríveis explorações parecerem jactâncias banais e insípidas do mundo ocidental.
Assim o problema que acabamos de apresentar permanece sem que, parece, um esclarecimento adequado
seja possível. A única idéia que eu talvez poderia apresentar é a de um tipo de fratura do que existe com a autonomização de uma certa parte da realidade, e portanto também da história, com uma consequente impermeabilidade em relação a influências extrassensoriais. Isso também poderia ter relação com a doutrina dos ciclos, àquilo que é característico do fim de um ciclo. Porém no caso em questão pouco espaço restaria para valores de caráter moral. Nós deveríamos pensar em um processo geral no qual mesmo aqueles que não o fomentaram se encontram implicados. E isso também estaria relacionado a algum tipo de senha transmitida aos centros iniciáticos, com o objetivo de permitir que os destinos sejam cumpridos.
Essa é uma ordem de idéias que levariam bem longe, à mesma concepção de uma direção inescrutável do mundo e, em outra direção, à relação existente entre liberdade e necessidade. Quando outra perspectiva é assumida que não a dos valores, a necessidade só pode ser relacionado ao domínio factual da existência, a liberdade para várias atitudes que se poderia assumir em face dos fatos (ou em reação a eles), que, em termos de princípio, não está determinada. Nesse contexto, se poderia dar um peso particular até mesmo para experiências negativas e dramáticas, se for assumida uma certa atitude, como se tivessem o caráter de um teste. Como vemos, esse é um campo de problemas vastos e complexos, com o qual também se lida na teologia da história. Nós mencionamos isso apenas como um pano de fundo geral ao qual se refere o aprofundamento do tema específico desse ensaio.