por Leonid Savin
Apesar do fato de que pesquisas sobre a globalização tem sido realizadas há décadas, uma definição clara do fenômeno, aceita por toda a comunidade científica internacional não existe. Mais ainda, não é possível pensar sobre a globalização em um campo particular de uma ciência ou disciplina em isolamento, por causa de sua natureza interconectada e complexa.
Axel Dreher propôs observar a globalização de três maneiras:
- Globalização econômica: caracterizada pelo fluxo de bens, capital e serviços a longa distância, bem como pela informação e percepções que acompanham essas trocas do mercado;
- Globalização política: caracterizada por uma difusão de políticas governamentais;
- Globalização social: expressada como a difusão de ideias, informações, imagens e pessoas.[1]
O Relatório Anual da UNESCO de 2001 afirma que, "a globalização pode ser definida como um conjunto de estruturas e processos, econômicos, sociais, tecnológicos, políticos e culturais emergindo do caráter em mutação da produção, do consumo e da troca de bens e ativos que formam a base da economia política internacional"[2].
Os promotores da globalização compartilham de muitas percepções comuns.
Zygmunt Bauman, por exemplo, tenta determinar os mecanismos de interação entre estados e nações, propondo uma transformação de organizações "inter-nacionais" existentes para o que ele enxerga como instituições verdadeiramente universais e globais. Ele não mais tem qualquer interesse na instituição social do "estado", mas, ao invés, visualiza um "planeta social"[3]. Muitos outros estudiosos e políticos que similarmente promovem a globalização em sua forma atual estão repletos de alegria e otimismo em relação ao futuro. Porém, alguma crítica é necessária para uma avaliação objetiva do fenômeno.
Jacques Derrida disse há muitos anos que o ideal ou imagem eufórica da globalização como um processo de abertura de fronteiras que torna o mundo mais homogêneo deve ser desafiado com absoluta seriedade e vigilância. Não apenas porque essa homogeneização, onde ela era feita em realidade ou suposição possui lados positivos e negativos, mas também porque qualquer aparente homogeneização muitas vezes oculta as velhas ou novas formas de desigualdade social ou hegemonia. Josef Stiglitz, que tem estado intimamente envolvido no processo de globalização de dentro, também produziu inúmeras obras criticando a globalização desde que ele deixou o Banco Mundial.
Como um todo, o processo de globalização é muito abstrato, e assim demanda uma avaliação desde dentro e entre vários campos discretos das ciências sociais. David Harvey nota que "...se a palavra 'globalização' significa qualquer coisa sobre nossa recente geografia histórica, é mais provável de ser uma nova fase exata do mesmo processo subjacente da produção capitalista do espaço"[4]. Anthony G. McGrew, um professor de Relações Internacionais na Southampton University, descreve a globalização como "um processo que gera fluxos e conexões, não simplesmente entre estados-nações e fronteiras territoriais nacionais, mas entre regiões globais, continentes e civilizações. Isso convida a uma definição da globalização como: "um processo histórico que engendra uma mudança significativa no alcance espacial de redes e sistemas de relações sociais para padrões transcontinentais ou interregionais de organização humana, atividade e exercício de poder"[5].
É muito importante notar que em muitas definições de globalização nós podemos ver a primazia da economia, particularmente do capitalismo neoliberal, bem como a distribuição de poder que assim flui e sua influência ao redor do mundo. Nodos mais rápidos, mais flexíveis e mais robustos desse poder econômico possuem uma vantagem em difundir seus próprios fluxos de produção e troca de ideias e conhecimento, em efeito, um processo normativo e definidor da realidade. Eles fazem a globalização a sua própria imagem.
É também necessário compreender a natureza híbrida da globalização, compreendendo uma economia de mercado global, desenvolvimento tecnológico, e transformação societária e homogeneização global.
David Steingard e Dale Fitzgibbons, em uma crítica acadêmica do capitalismo global como dirigindo o processo de globalização, definiu a globalização "como um construto ideológico desenvolvido para satisfazer as necessidades capitalistas por novos mercados e fontes de trabalho e propelido pela adulação acrítica da comunidade acadêmica internacional"[6]. Porém, a globalização também tem sido concebida como uma prática discursiva. Nesse sentido, ela não é o resultado de forças "reais" de mercados e tecnologia, mas ao invés um construto retórico e discursivo, formado por práticas e ideologias que alguns grupos estão impondo sobre outros por vantagens políticas e econômicas.[7] Instituições educacionais globalmente prestigiosas, como Harvard, a LSE, e a Universidade de Columbia são incubadoras para uma elite política e econômica transnacional institucionalizada com uma agenda ideológica neoliberal. Assim elas dão ao neoliberalismo como a força motora e definidora da globalização "legitimidade intelectual" e uma fachada acadêmica.
Novas possibilidades de se comunicar mais rápido e de se conectar com mais pessoas não são apenas boas para interrelações pessoais e profissionais, mas para compartilhar e colaborar em experimentos científicos, pesquisas acadêmicas, etc. Nesse sentido, "a globalização deve ser entendida como a condição por meio da qual estratégias de localização se tornam sistematicamente conectadas com preocupações globais... Assim, a globalização aparece como um processo dialético (e portanto contraditório): o que está sendo globalizado é a tendência de enfatizar "localidade" e "diferença", e ainda assim "localidade" e "diferença" pressupõe o próprio desenvolvimento da dinâmica mundial de comunicação e legitimação institucionais"[8].
Em paralelo à globalização pode ser notado que, "amplas tendências econômicas, tecnológicas e científicas que diretamente afetam a educação superior e são majoritariamente inevitáveis no mundo contemporâneo. Esses fenômenos incluem a tecnologia da informação em suas várias manifestações, o uso de uma linguagem comum para a comunicação científica, e os imperativos da demanda massiva por educação superior..."[9].
Em outras palavras, a nova linguagem científica promovida pelos vencedores da globalização nivelam as diferenças culturais e solapam os aspectos tradicionais e regionais que incluem, mas não estão limitados às características religiosas, históricas, culturais e filosóficas dos povos do mundo. Também pode ser dito que a globalização através da troca de ideias também ameaça a instituição do estado soberano. Como? Tanto a troca independente de ideias como a instituição formal da educação pública são fundamentais não apenas para o desenvolvimento humano, mas também para a institucionalização, criação normativa e para a formação de legitimidade do estado. As pessoas, como capital humano, são desenvolvidas e utilizadas pelo estado moderno como qualquer outro recurso natural a sua disposição [10]. Se um governo não está envolvido no processo de educação pública e especial, há poderes externos que atuarão para preencher esse vazio. Como resultado, o capital potencial humano e a estabilidade de qualquer estado serão reduzidas.
Nós podemos também tentar ver esse aspecto da hegemonia desde o ponto de vista de outras culturas. O processo de globalização sugere simultaneamente duas imagens de cultura. "A primeira imagem engloba a extensão exterior de uma cultura particular até seu limite, o globo. Culturas heterogêneas se tornam incorporadas e integradas em uma cultura dominante que eventualmente cobre todo o mundo. A segunda imagem aponta para a compressão de culturas. Coisas previamente mantidas separadas são agora postas em contato e justaposição"[11].
Eu não considero controverso caracterizar a cultura globalmente dominante atual como uma pseudo-cultura ersatz de massa produzida nos EUA e promovida pelo consumismo global como o fruto da ideologia liberal.
O próprio liberalismo é uma criação sintética da estrutura global de poder ocidental, uma fachada humanitária por trás da qual o trabalho sujo do policiamento mundial pode seguir sem ser interrompido por espasmos idealistas no corpo político [12]. Assim, em um sentido radical "a globalização é o que nós nos Terceiro Mundo temos chamado há séculos de colonização" [13].
Finalmente, nós chegamos à questão dos valores. A globalização está ocorrendo em um paradigma de valores pós-modernos [14]. Desse jeito ela rejeita valores tradicionais e sistemas educacionais tradicionais, porque a lógica do pós-modernismo é a ausência de um centro, de um princípio absoluto. Ela, a priori, discrimina contra todas as outras culturas e ideias, e, também contra os portadores dessas ideias. Ela busca reduzir todas as outras culturas a uma caricatura clichê vazia e inofensiva que pode ser facilmente digerida e regurgitada dentro do contexto de uma cultura consumista global. É impossível para a cultura neoliberal dominante coexistir e se harmonizar com culturas tradicionais e criar um tipo singular artificial de cidadania global sem dano essencial a esses povos e sociedades. Assim a globalização se torna um processo de destruição cultural e homogeneização forçada.
O único jeito de remediar o processo de globalização é pela nivelação da disparidade de poder global e pelo estabelecimento de uma nova ordem internacional baseada na genuína multipolaridade, onde haverá diversos centros civilizacionais capazes de projetar o poder regionalmente. Isso preservará os paradigmas civilizacionais culturais e científico-educacionais, conectados com a vontade, valores e herança dos povos, e ainda ao mesmo tempo preservará a abertura para a cooperação e discurso internacionais, mas construídas sobre uma plataforma de confiança, ajuda mútua, respeito por diferenças culturais, e pelo direito ao próprio caminho histórico e de desenvolvimento de cada sociedade.
Na Rússia nós podemos ver o início de algumas tentativas de teorizar e construir os precursores de um novo sistema de educação como resposta para os milagres sombrios do pós-modernismo. O professor Aleksandr Dugin da Universidade Pública de Moscou propôs a ideia de uma estrutura educacional eurasiana que reflete a situação contemporânea global e a interdependência de países e nações, bem como o reconhecimento da necessidade de manter nossas tradições vivas e a proteger nossos povos da destruição criativa promovida pelo liberalismo ocidental.
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[1] Dreher A. Does Globalization Affect Growth? Empirical Evidence from a New Index. Applied Economics 38 (10), 2006. P. 1091-1110.
[2] United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), MOST Annual Report 2001, seehttp://www.unesco.org/most/most_ar_part1c.pdf.
[3] Zygmunt Bauman. From Agora to Marketplace, and where to from Here? //Journal of Globalization Studies Vol. 2, Num. 1, May. 2011, p.13-14.
[4] David Harvey, Spaces of Hope (Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 2002), p. 54
[5] Anthony G. McGrew, “Global Legal Interaction and Present-Day Patterns of Globalization”, in V. Gessner and A. C. Budak (eds.), Emerging Legal Certainty: Empirical Studies on the Globalization of Law (Ashgate: Dartmouth Publishing Company, 1998), p. 327
[6] David Steingard and Dale Fitzgibbons, “Challenging the Juggernaut of Globalization: A Manifesto for Academic Praxis”, Journal of Organizational Change Management, Vol. 8, No. 4, 1995, pp. 30-54
[7] C. Walck and D. Bilimoria, “Editorial: Challenging ‘Globalization’ Discourses”, Journal of Organizational Change Management, Vol. 8, No. 4, 1995, pp. 3-5.
[8] Cesare Poppi, “Wider Horizons with Larger Details: Subjectivity, Ethnicity and Globalization”, in Alan Scott (ed.), The Limits of Globalization: Cases and Arguments (London: Routledge, 1997), p. 285.
[9] Philip G. Altbach, “Globalization and the University: Realities in an Unequal World”, Occasional Papers on Globalization, Vol. 2, No. 1, 2005, Globalization Research Center, University of South Florida, see http://www.cas.usf.edu/globalresearch/PDFs/Altbach.pdf.
[10] Volker H. Schmidt. Modernity, East Asia’s modernization and the New World Order
P. 115. https://ap3.fas.nus.edu.sg/
[11] Mike Featherstone, Undoing Culture, Globalization, Postmodernism and Identity (London: Sage, 1995), pp. 6-7
[12] Eric Norden, “The Tender Tyranny of American Liberalism,” The Realist, June 1966, 1-6, http://www.ep.tc/realist/a-b-set/09.html
[13] J. A. Scholte, “The Globalization of World Politics”, in J. Baylis and S. Smith (eds.), The Globalization of World Politics, An Introduction to International Relations (New York: Oxford University Press, 1999), p. 15.
[14] Endre Kiss. The dialectics of Modernity. A theoretical Interpretation of globalization//Journal of Globalization Studies Vol. 1, Num. 2, Nov. 2010, p. 16