27/07/2012

Nacionalismo: Fenomenologia e Crítica

por Alain de Benoist


Há provavelmente tantas teorias do nacionalismo quanto há teorias nacionalistas. É obviamente impossível fazer um relato delas aqui. Nós não tomaremos parte na falsa controvérsia sobre se o nacionalismo é uma exacerbação patológica do patriotismo, ou se ele representa, ao contrário, sua elaboração doutrinária consciente e rigorosa. Notemos apenas que, para além das normalmente extremamente complexas tipologias sugeridas hoje, o nacionalismo pode ser definido de duas maneiras básicas.

Primeiro, o nacionalismo é a aspiração mais ou menos voluntária, fundada em fatos objetivos ou não, de um povo ser constituído (ou restaurado) como uma nação, geralmente em um contexto percebido como hostil a sua identidade coletiva. Assim, ele se apresenta como um movimento de construção histórica. Na segunda definição, o nacionalismo é a doutrina política que afirma que um governo deve se preocupar acima de tudo com o interesse nacional, ou até mesmo exclusivamente baseado nele.

Essas duas definições demonstram desde o início a ambivalência do nacionalismo, uma ambivalência diretamente relacionada a seu caráter eminentemente reativo. O nacionalismo geralmente aparece em circunstâncias que são "excepcionais", no sentido schmittiano do termo. O nacionalismo objetiva uma reação contra uma ameaça, real ou suposta, que lançaria suas sombras sobre a identidade coletiva e a impediria de fundar a si mesma como ou persistir como nação. O nacionalismo, por exemplo, aparece tanto em relação a uma ocupação estrangeira como em uma situação de colonização, no contexto de um regionalismo exacerbado, etc. Sua essência, portanto, está relacionada ao conflito. Ele precisa de um inimigo. Mas esse inimigo pode assumir as formas mais diversas. Daí a plasticidade do nacionalismo que, na história, pode tão bem ser moderno ou antimoderno, intelectual ou popular, de Direita ou Esquerda. (Durante todo o século XIX, lembremos, o nacionalismo era primariamente liberal e republicano).

A definição de nacionalismo como uma doutrina política levanta outros problemas. Uma vez que uma identidade seja resgatada ou que a nação emerge, o que no nacionalismo pode verdadeiramente ser usado como princípio de governo? O conceito de "interesse nacional" é nebuloso. Maurras escreve que um nacionalista "subordina seus sentimentos, seus interesses, e seus sistemas ao bem da pátria". Mas que facção já não reivindicou essa expressão? O "bem da pátria" é um conceito através do qual quase qualquer coisa pode ser reivindicado, tanto quanto se pode ter idéias extremamente diferentes sobre ele. Dado que o conflito pertence à essência do nacionalismo, o risco é então grande de que um governo nacionalista só possa existir enquanto confronte novas arenas de conflito. Qualquer estrangeiro, por exemplo, será potencialmente visto como um inimigo. Quanto ao conceito de um "inimigo interno", ele levará à guerra civil, que o nacionalismo parece proibir por questão de princípio.

Os conteúdos do nacionalismo permanecem, assim, um tanto quanto obscuros. Se veem movimentos nacionalistas aparecendo no mundo, mas em geral eles possuem poucas coisas em comum. Eles se opõem uns aos outros. Eles reivindicam valores contraditórios. Tudo parece ocmo se o nacionalismo fosse mais uma forma do que uma substância, um continente mais do que um conteúdo.

Pode-se entender isso melhor, porém, se o relacionamos à idéia da nação, da qual ele não pode ser dissociado. De fato, o nacionalismo inicialmente representa uma instrumentalidade política da identidade coletiva que dá origem à nação. Porém, a nação é apenas uma forma de entidade política entre outras. E ela é uma forma especificamente moderna.

Nem a resistência gálica contra César, nem a de Armímius contra as legiões de Varro são relevantes para nosso sentido de "nacionalismo". A aplicação da palavra "nação" à Antiguidade ou ao Velho Regime é, em geral, um anacronismo. Na Idade Média, a "nação" (de natio, "nascimento") possuía um sentido cultural ou étnico, mas de modo algum um sentido político. À época da Guerra dos Cem anos, o patriotismo faz referência ao "país" (pays), ou seja, a tanto uma região familiar quanto a um conjunto de corpos intermediários definindo concretamente uma identidade compartilhada. No sentido político, a nação aparece apenas no século XVIII, e ela se define em oposição ao rei. Os "patriotas" então eram aqueles que pensavam que a nação, não o rei, encarnam a unidade do país, ou seja, a nação existe independentemente do reino. A nação reúne aqueles que partilham das mesmas idéias políticas e filosóficas. É nesse sentido que Barrère foi capaz de dizer à Convenção que "os aristocratas não possuem pátria". A nação é assim inicialmente percebida como o povo soberano, então como a população de um dado território reconhecendo a autoridade do mesmo Estado e se reconhecendo como membros de uma mesma unidade política, e finalmente como essa própria unidade política. É possível ler, no Artigo 3 da Declaração dos Direitos do Homem: "O princípio de qualquer soberania se encontra primariamente na nação".

O Velho Regime na França já havia dado início ao processo de centralização. A Revolução continuou esse processo de uma nova forma. Ela objetivava "produzir a nação", criando um novo laço social, gerando comportamentos sociais dando origem à nação como um corpo político formado por indivíduos iguais. O Estado, consequentemente, se tornou o produtor do social. E essa produção era construída sobre as ruínas dos corpos intermediários. Começando com a Revolução, a nação se tornou para qualquer indivíduo uma presença imediata. Ela é uma abstração coletiva à qual se pertence diretamente, sem a mediação de corpos intermediários ou do Estado. Aí se encontra então, paradoxalmente, uma raiz individualista da nação e do nacionalismo. Louis Dumont escreveu sobre este tema:

"Historicamente, a nação no sentido moderno e preciso do termo, e o nacionalismo - distinto do mero patriotismo - tem dependido do individualismo como valor. A nação é precisamente o tipo de sociedade geral correspondente ao reino do indivíduo enquanto valor. Não apenas a nação acompanha o individualismo historicamente, mas a interdependência dos dois é essencial, de modo que se pode dizer que a nação é uma sociedade composta de pessoas que se consideram como indivíduos".

A "modernidade" da nação e do nacionalismo permanecem sem ser vista por um longo tempo, inicialmente porque o nacionalismo foi em certos momentos também uma reação (ou uma resposta) às disfunções sociais e políticas nascidas da modernidade, então, se iniciando no final do século XIX, porque a Direita política assumiu a idéia nacional em oposição aos movimentos socialistas "internacionalistas".

Esse sentido individualista e moderno da idéia nacional nos permite compreender como o nacionalismo se situa no horizonte da metafísica da subjetividade. Heidegger, que vê a subjetividade como a forma moderna (Gestalt) de ser si mesmo (Selbstsein), escreve nessa conexão:

"Qualquer nacionalismo é, no plano metafísico, um antropologismo e enquanto tal um subjetivismo. O nacionalismo não é superado pelo puro internacionalismo, mas apenas ampliado e estabelecido como sistema. O nacionalismo é tão pouco trazido e erguido à humanitas pelo internacionalismo quanto o individualismo o é pelo coletivismo ahistórico. O coletivismo é a subjetividade do homem no plano da totalidade".

Ao mesmo tempo isso também clarifica o relacionamento entre nacionalismo e individualismo liberal: O "nós" que forma a base daquele é apenas uma ampliação do "eu" característico desse. No liberalismo, é legítimo para o indivíduo sempre buscar seu próprio interesse; o nacionalismo, o interesse nacional precede tudo. Em ambos casos, a justiça e a verdade se fundem com o que é bom para mim ou para nós. Em ambos casos, a decisão final reside no interesse subjetivo, isto é, na utilidade.

Na citação acima, Heidegger demonstra muito bem que o universalismo político ("internacionalismo puro") não contradiz fundamentalmente o nacionalismo. O etnocentrismo exacerbado, ademais, é definido bastante classicamente como o indivíduo privado ampliado a dimensões universais, e o universalismo, inversamente, como um etnocentrismo mascarado. O indivíduo privado atesta apenas a sua verdade, mas ele tende a apresentá-la como a verdade em si mesma. Tal é a base ta pretensão de certos povos ou certas nações em serem considerados como "escolhidos", ou seja, chamados a realizar uma "missão universal". A França não escapou dessa tentação, e até mesmo sucumbiu mais frequentemente do que outros. Guizot declarou: "A França é o coração da civilização". Lavisse acrescentou: "Nossa pátira é a mais humana das pátrias", assim dando a entender que existe graus de "humanidade". De fato, se diz normalmente que o nacionalismo francês não pode ser fundamentalmente intolerante porque na França a idéia de nação caminha junto à idéia de humanidade. Mas essa afirmação nos faz refletir. De fato, se a idéia de nação caminha junto à de humanidade, então a de humanidade também o faz com a de nação. Quem não pertença à nação consequentemente se encontra excluído da humanidade.

Nem toda reivindicação da identidade coletiva necessita ser formulada em termos da ideologia do nacionalismo. Tal confusão, dado os excessos históricos do nacionalismo, só pode pôr em cheque o valor do próprio conceito de identidade coletiva. Porém tal conceito, independentemente de métodos e fundações, é essencial para qualquer socialidade. Em sociedades comunistas, foi ele que fez possível para o povo sobreviver opondo sua própria identidade à que o regime tentava impôr. Na sociedade ocidental, é o que continua a nutrir a imaginação simbólica e dar sentido ao desejo de viver junto. O nacionalismo, no que é mais tumultuoso e questionável nele, não é mais uma consequência inevitável da asserção de identidades coletivas do que a nação é a única maneira de organizar politicamente os cidadãos. De fato, é a negação de identidades coletivas, tais como encontramos ao longo do século XX no liberalismo, bem como no comunismo, que faz com que essas identidades assumam formas irredentistas, convulsivas e destrutivas.

Para ser mais preciso, digamos que há duas maneiras diferentes de apresentar a afirmação de uma identidade coletiva. A primeira, que poderia ser a do nacionalismo, restringe o indivíduo a defender seu povo, enquanto a segunda, preocupada acima de tudo com diversidade, vê a necessidade de defender todos os povos contra as ideologias que ameaçam erradicá-las.

Consideremos o ditado inglês "My country, right or wrong". Esse ditado é geralmente incompreendido. Ele não a firma que a pertença é um mero fato do qual não se pode fazer uma abstração. Ele também diz que meu país pode estar certo ou errado - e não que ele está sempre certo.

Porém, em todo rigor, um nacionalismo não poderia reconhecer que seu país está errado, simplesmente porque para julgá-lo errado, ele deve ter um critério de justiça que vá para além da mera pertença, ou seja, ultimamente, uma consciência clara da verdade objetiva. Um nacionalista é espontaneamente levado de pensar que seu país nunca está errado a pensar que ele está sempre certo. De tal ponto de vista, no evento de um conflito, apenas a força pode decidir. A força então se torna o valor supremo. Ela é identificada com a verdade, o que quer dizer que a história está basicamente correta: os vencedores estão sempre certos, pela simples razão de terem vencido. Paradoxalmente se cai no social-darwinismo, que é apenas uma outra forma da ideologia do progresso.

Se, ao contrário, eu posso julgar meu país como errado, sem esquecer que ele é meu, isso é porque eu sei que minha pertença não é um critério de verdade objetiva. Então eu deixo para trás a metafísica da subjetividade, o ponto no qual nacionalismo e individualismo liberal convergem. A identidade de outros não é mais em princípio uma ameaça à minha. Eu estou pronto para defender minha identidade porque essa defesa é um princípio geral, cuja legitimidade eu também reconheço nos outros. Em outras palavras, se eu defendo minha "tribo", é também porque eu estou sempre pronto para defender a dos outros.