31/08/2011

Esse Inquebrável Núcleo Noturno: ou, do Erotismo

Por Alain de Benoist


Não existe nenhuma definição verdadeiramente satisfatória do erotismo, essa qualidade propriamente humana que leva ao desejo sexual pela via da mútua invenção. O erotismo não é o contrário do pudor, o qual possui sentido somente na medida em que promove o desejo. Tampouco é o contrário da pornografia, que é sugestiva (sua grande vantagem) quando, mostrando absolutamente tudo revela, por isso mesmo, que não havia nada de essencial ali para se ver. D.H, Lawrance, por certo, já havia dito tudo quando denunciava a hipocrisia de uma sociedade que condena a pornografia ao mesmo tempo em que se mantém cega ante sua própria obscenidade. Qualquer discurso publicitário, qualquer discurso pertencente à lógica do mercado é, hoje, sem dúvidas, infinitamente mais obsceno do que uma vagina aberta e exposta em primeiro plano fotográfico.

Durante séculos, o erotismo foi denunciado como sendo o contrário dos “bons costumes” porque, ao excitar as paixões sensuais, contradizia a uma moral baseada na desvalorização da carne. Contrariamente a outras religiões, o cristianismo sempre foi incapaz de elaborar uma teoria do erotismo: não por haver ignorado ao sexo, mas, ao contrário, por tê-lo convertido em uma obsessão negativa. Passado o tempo dos mártires, a abstinência converteu-se em marca da vida devora e a sexualidade no campo privilegiado do pecado. A atividade sexual, considerada como um mal menor, somente foi admitida no campo da conjugalidade. A igreja condenava uma sexualidade desvinculada de finalidade procriadora, ao mesmo tempo em que cultivava o ideal virginal de uma procriação sem sexualidade. Por este motivo, sem duvidas, o discurso sobre o sexo se manteve circunscrito durante tanto tempo no âmbito literário, médico ou simplesmente vulgar, embora seja revelador que, em todos os tempos, o nu serviu como base para o ensino das belas artes, ao ser considerado como a mais idônea exemplificação da categoria de belo.

A modernidade nascente empreendeu seguidamente um vasto trabalho de dessimbolização cuja vítima foi o erotismo. Ao basear-se na idéia do ser humano como individuo auto-suficiente, era impossível pensar em uma diferença sexual que, por definição, implica no incompleto e no complementário. O caráter pejorativo atribuído às paixões e às emoções – supostas geradoras de “preconceitos” – correu casais, por outro lado, com o auge da força do individuo a favor do racionalismo cientificista. Viu-se então desvalorizada a inteligência sensível – do corpo –, seja como portadora de pulsões “arcaicas” ou, como proveniente de uma “natureza” da qual o homem, por fazer-se propriamente humano, estava chamado a emancipar-se. A modernidade, por último, converteu sistematicamente o interesse em necessidade e a necessidade em desejo. Sem ver que o desejo não se reduz precisamente ao interesse.

Autor de uma bela Antologia histórica das leituras eróticas, Jean-Jacques Pauvert considera que, “no ano 2000, apesar das aparências, o erotismo quase já desapareceu, se é que não desapareceu completamente”. Pode parecer surpreendente esta declaração de um especialista. Na realidade, não faz senão constatar que o erotismo, ontem amarrado por uma censura que o condenava à clandestinidade e à proibição, encontra-se, hoje em dia, ameaçado exatamente pelo contrário. Assim como a onipresença da imagem impede a vista, de forma que a grande cidade constitui, na realidade, um deserto; assim também, o sexo ensurdecedor converte-se em inaudível. A onipresença das representações sexuais priva a sexualidade de toda sua carga. Contrariamente ao que imaginam os reacionários pornofóbicos, herdeiros da nova ordem moral reagana-papista, a pornografia mata o erotismo por excesso, em lugar de ameaçá-la por sua falta. Trata-se também de um efeito da modernidade. O processo moderno de individualização conduziu, em primeiro lugar, de fato, à constituição da intimidade e, logo, em nome de um ideal de transparência, à transformação dialética da intimidade em exibição. Este passo da intimidade ao exibicionismo (tomado como “testemunho” e, por tanto, como critério de verdade) fica perfeitamente ilustrado pela emissão Loft Store, concentrada especular (e crepuscular) da sociedade atual, que é somente caricaturesca para melhor ilustrar seus traços distintos: mísero voyeurismo e estupidez consentida; espaço fechado, programado pela lei do dinheiro; exclusão interativa sobre a base de uma insignificância absoluta. Não é de se surpreender que as massas estejam fascinadas por este espelho que lhes tende: vêm em pequeno o que, cada dia, vivem no grande.

O sexo é hoje incitado a ser como o diapasão do espírito dos tempos: humanitário, higienista e técnico. A normalização sexual encontra novas formas que já não tentam reprimir o sexo, mas converter-lo em uma mercadoria como as demais. A sedução, muito complicada, converte-se em uma perda de tempo. O consumo sexual tem de ser prático e imediato. Objeto maquinal, corpo-máquina, mecânica sexual: a sexualidade já não é mais um assunto de receitas ao serviço de uma pulsão escópica da quantidade. No mundo da comunicação, o sexo tem deixar de ser o que sempre foi: um esboço de comunicação tão mais deleitoso conforme se localiza sobre um fundo de incomunicabilidade. Em um mundo alérgico às diferenças, que desde muitos pontos de vista reconstruiu social e culturalmente a relação entre os sexos desde o horizonte de um dimorfismo sexual atenuado, e que teima em ver nas mulheres “homens como os demais” quando, na realidade, elas são o outro do homem; pretende-se que o sexo deixe de “alienar” quando, na realidade, é um jogo de alienações voluntárias. O erotismo é morto pelo desejo politicamente correto de suprimir a correlação de forças que se estabelece ora a favor de um sexo e ora a favor de outro, em uma mutua conversão. O mata porque nenhuma relação amorosa pode ser implantada em plena igualdade, mas tão somente em um conflito, em uma instável desigualdade que permita dar a volta em todas as situações. O sexo não é, senão, descriminação e paixão, atração ou repudio igualmente excessivos, igualmente arbitrários, igualmente injustos. Em tal sentido, não é exagerado dizer que o verdadeiro erotismo – selvagem ou refinado, bárbaro ou lúdico – segue sendo, mais do que nunca, um tabu.

A vontade de suprimir a transgressão mata, por sua vez, ao erotismo. Porque há muitas normas em matéria sexual, assim como as há em tudo. O erro consiste em crer que são normas morais. O outro erro é o de imaginar-se que qualquer comportamento pode erigir-se em norma, ou que a existência de uma deslegitima, por sua mera existência, tudo o que está fora das normas. O erotismo implica na transgressão, com a condição de que tal transgressão, contudo, seja possível sem deixar de ser transgressão; isto é, sem ser instituída como norma.

Entre os “jovens dos subúrbios” (para os quais as mulheres não são mais do que uns buracos rodeados de carne), as idiotas profissionais de formas siliconadas e as revistas femininas convertidas em manuais de sexologia pubo-pélvica, o erotismo se apresenta hermeticamente bloqueado em toda a parte. Os jovens, em particular, têm de fazer frente a uma sociedade que é, por sua vez, muito mais permissiva e muito menos tolerante que no passado. Assim como a dominação conduz à desapropriação, a também pretensa libertação sexual conduziu somente, no fim, a novas formas de alienação. Mas o sexo, por ser algo que pertence, antes de tudo, ao reino do incerto e do turvo, sempre se esgueira ante a transparência. O exibicionismo é algo ainda mais opaco do que a censura, pois a este desejo de transparência responde sempre com a metáfora. Quando se tenta iluminá-lo com projetores, o mundo do sexo opõe-se afortunadamente a tal iluminação, fato que André Breton denominava seu “inquebrantável núcleo noturno”.
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[Revista Eléments nº 102, setembro de 2001, Robert de Herte (pseudônimo de Alain de Benoist)]

Assim não é, porém parece

por Adriano Scianca



Em um bom artigo de uns anos atrás, Charles Champetier identificava o novo rosto do inimigo em um triplo sistema de domínio composto por técnica, mercado e espetáculo. As figuras tradicionais do enfrentamento político, explicava Champetier, ficaram já obsoletas; ao dia de hoje o poder exerce-se mediante mecanismos impessoais que não executam-se em momentos e lugares simbólicos, senão em todo instante e em todas as partes.



Mais que por uma estrutura de poder, o sistema está hoje constituído por uma dimensão existencial, na qual todos estamos imersos. Assim é, porque a nova forma do domínio não prevê uma imposição externa, senão mais exatamente uma absorção em seu interior. Nós vivemos na técnica, no mercado, no espetáculo.



Todo aspecto de nossas existências que não possa-se redirigir a tal esquema é "normalizado" ou suprimido: o que não é eficaz é superado, o que não é rentável é absurdo, o que não é visível é inexistente. O resultado é o mundo sem sentido: a economia produz por produzir, a técnica progride por progredir, o espetáculo mostra por mostrar. O que em seu momento era um meio submetido a oturos fins, agora é fim em si mesmo. Volta à nossa mente a frase de Nietzsche sobre o niilismo como ausência de resposta ao porquê. Pois bem, a profecia cumpriu-se. Vivemos em um mundo que, como diria Alain de Benoist, não sabe para onde ir, porém não deixa de afirmar que somente há um modo para dirigir-se.



Espetáculo e Realidade



O espetáculo está formado por aspectos individuais do mercado e da técnica que constituem um conjunto autônomo que engloba o âmbito da informação e das representações coletivas. Observaram-no já Adorno e Horkheimer em tempos insuspeitos: "os filmes, a rádio e os semanários constituem, em seu conjunto, um sistema. Todo setor é harmonizado em seu interior e todos são entre si". E tudo isso apesar do tão ostentado pluralismo: "as distinções enfáticamente afirmadas" entre os diferentes produtos culturais, continuavam os dois filósofos judeus, "mais que estar fundadas sobre a realidade e derivar desta, servem para classificar e organizar aos consumidores, e para tê-los em um punho mais sólidamente. Para todo o mundo está previsto algo para que ninguém possa escapar; as diferenças são inculcadas e difundidas artificialmente".



O que vemos muda continuamente, porém segue sendo constante o domínio da visão da imagem espetacularizada. Em nossa sociedade, de fato, a visão substituiu tanto a ação como a reflexão. Não crê-se mais do que naquilo que vê-se. O que é visto suplanta o que é vivido. O espetáculo, diz Guy Debord, não é outra coisa que "o empobrecimento, a submissão e a negação da vida real". A visão espetacularizada converte-se na única possibilidade de existência dos entes.



Daí deduz-se que a sociedade do espetáculo não é somente o reino da mentira (ainda que mentiras puras e simples há aos montes), senão mais exatamente a autêntica dimensão da não-verdade absoluta, a dimensão em que é impossível ter uma experiência da verdade, o mundo em que existe somente o que situa-se sob a luz dos refletores, enquanto que o que demora-se em sua existência autêntica é como se ficasse em uma escuridão originária. Como moscas diante de um cristal, damo-nos cabeçadas para alcançar uma realidade que não captamos sem entender quem e o quê interpõe-se entre nós e ela.



Deste modo, não obstante, nossa capacidade de compreensão e de comunicação fica irremediavelmente comprometida. A sociedade do espetáculo entra em nós e transforma-nos desde o interior. Em particular, nossa personalidade é desarticulada em três níveis distintos: nível informativo, nível social e nível psíquico.



Ver e Não Entender



O nível informativo é aquele no qual o espetáculo atua deformando nossa percepção do mundo. "Tudo o que sabes é falso", escreveu recentemente alguém, e resulta difícil discordar.



Hoje nós já não estamos em condições de compreender o que sucede ao nosso redor sem recorrer às respostas pré-fabricadas ou a paradigmas simplestas que são-nos administrados deliberadamente. O esquema moral dos "bons" e dos "maus" já foi inserido à força entre nossas estruturas mentais implícitas, e nossa "liberdade de pensamento" consiste simplesmente em assignar a cada figurante a posição à qual está destinado a pertencer. As peças do quebra-cabeças é-nos dada pela televisão e o encaixe é necessariamente o estabelecido, porém a final de contas, quando juntamos as peças ninguém põe-nos uma pistola na nuca: para a maioria isso basta-lhe para autoproclamar-se "livre". A multiplicação dos canais informativos acabou por coincidir com a total ausência de informação real.



Um símbolo eloquente a respeito é o ataque às torres gêmeas, ao mesmo tempo o acontecimento e o anti-acontecimento por excelência. O 11 de Setembro é o momento da transparência absoluta, da informação global realizada, o espetáculo que reúne ao mesmo tempo toda a humanidade diante do aparelho de televisão para assistir em tempo real ao mesmo acontecimento registrado por milhares de câmeras. Porém ao mesmo tempo, estamos diante de um anti-acontecimento, diante da mistificação mais absoluta da realidade, da ficção completa. É certo, todos nós vimos. E não obstante, ignoramos todos os seus aspectos. Sabemos com absoluta certeza que algo aconteceu, porém este algo estã tão próxima da essência mesma do mecanismo espetacular que é um concentrado de falsidade em estado puro. Não há nenhuma imagem que tenhamos visto tantas vezes como a dos aviões chocando-se; porém ao mesmo tempo, não há nenhum fato histórico do qual saibamos menos. Ver e não entender é já nosso destino. A compreensão ou a análise resultam-nos inacessíveis; fica-nos somente o estupor e a indiferença, o medo e a diversão, a histeria e a apatia, administrados em doses alternadas, segundo as exigências do sistema.



Desestruturação do Social



O nível social é aquele no qual a personalidade dos indivíduos e seu vínculo com os outros são desestruturados e remodelados com base em uma lógica mercantil. "O espetáculo não é um conjunto de imagens senão uma relação social entre indivíduos, intermediada pelas imagens", observava já Debord.



Não vivemos mais que relacionando-nos com os outros, porém hoje não existe vínculo social que não esteja submerso no espetáculo. Aqui, mais que os telejornais, o que vale são as séries de ficção, os reality shows e o "star system" em geral. Ao propôr determinados modelos, a sociedade do espetáculo penetra nas relações interindividuais e reproduz-se. A competição darwinista, o moralismo hipócrita, o individualismo decadente, o etnomasoquismo, a vaidade narcisista, a pequena mesquinhez, o conformismo mais vazio, a superficialidade mais desconcertante e a ignorância mais abismal elevados a norma: é em tudo isso que estamos imersos quotidianamente graças ao bombardeio midiático. Predomina a banalidade como linguagem, o que significa não tanto que diz-se coisas banais como que não é-se capaz de comunicar mais do que através da banalidade. Quer dizer: fala-se e não diz-se nada.



É a culminação da alienação: "a consciência espetacular, prisioneira em um universo degradado, reduzido pela tela do espetáculo por trás da qual foi deportada sua própria vida, não conhece mais que os interlocutores fictícios que falam-lhe unilateralmente de sua mercadoria e da política de sua mercadoria".



A Grande Família



Tal mecanismo alienante, para fazer-se sedutor, não pode mais que travestir-se de fingida autenticidade. A tendência ao "realismo" da televisão atual na realidade trata de criar uma espécie de "familiaridade" com a ficção da tela, tentando apaixonar o público com pequenos casos insignificantes com os que possa identificar-se. "Dizem que com uma segunda tela mural tens à Família ao teu redor constantemente" diz Julie Christie em Fahrenheit 451 de Truffaut.



É assim precisamente: a "Grande Família" envolve-te e engloba-te. Descobres-te chamando pelo nome uns desconhecidos que viu na tela como se fossem teus amigos íntimos. Sente-os próximos, parecem-se a ti. Porém em realidade és tu o que estás começando a ser como eles. Estes shows, de fato, não representam a realidade. Constroem-na. Não são descritivos senão normativos. Não mostram o que é senão o que deve ser. O mesmo pode-se dizer do culto dos famosos e dos aspectos mais privados de suas existências: o indivíduo "normal" vê-se empurrado às fofocas sobre a vida sentimental dos milionários ignorantes e viciados divinizados pelos meios e fantasia dessa maneira sobre uma vida que nunca poderá ter porém que servir-lhe-á como modelo para orientar a sua. Vivemos em um mundo de famosos truncados, que ao sonhar somente com o estilo de vida dos tediosos astros de aparência que estão podres de dinheiro, mostram que já interiorizaram um certo desprezo por si mesmos, por suas próprias origens sociais e culturais.



Graças à sociedade do espetáculo começamos a odiar a parte de nós que segue sendo autêntica, verdadeira, enraizada, a parte que se não fosse desintegrada impedir-nos-ia de ter acesso ao Olimpo midiático, tal e como prevê o classismo pós-moderno que separa quem aparece de quem não aparece.



A Devastação dos Cérebros



O nível psíquico, ademais, é o da autêntica desarticulação da personalidade a um nível inclusive fisiológico. Somente há que pensar na ação desestruturante que pode exercer no cérebro.



Como sabe-se, o cérebro funciona graças à sinergia do hemisfério esquerdo e do hemisfério direito. Os dois hemisférios elaboram as informações de modos distintos destinados depois a entrelaçar-se harmonicamente: o hemisfério esquerdo raciocina de um modo que poderíamos definir analítico, linear, consequente, científico, digital, o direito, de modo intuitivo, simbólico, imaginativo, sintético, analógico.



Agora, revelou-se como o uso das novas tecnologias midiáticas está em condições de criar estruturas mentais prioritárias, favorecendo determinadas faculdades (as "digitais") em detrimento das centrais para o pensamento simbólico e relacional. Outros identificaram em tal separação a origem da barbarização de nossa sociedade e da extensão da violência niilista como fim em si mesma.



Aqui não falamos de atitudes ou de mentalidades, senão de organização cognitiva e inclusive neuronal. Somente há que pensar que a televisão modificou já o modo em que usamos nossos olhos e está contribuindo inclusive para desequilibrar nossoas valores hormonais.



E isso não é tudo: a autorizada revista especialista Pediatrics, por exemplo, levou a cabo estudos que demonstraram como nos Estados Unidos o cérebro das crianças forma-se de acordo com os tempos televisivos - nos quais tudo sucede rápidamente, como relâmpagos breves e repentinos - tanto que já não logram concentrar-se quando não recebem o mesmo tipo de estímulo veloz. Um número cada vez maior de crianças já não é capaz de concentrar-se nunca, nem sequer durante algum minuto. Estamos dando vida ao zumbi global, único cidadão possível do mundo pós-humano que estamos preparando.



A Rebelião Espetacular



Assim as coisas, como enfrentar-se à tirania do espetáculo? O caminho empreendido pela maioria é o do extremismo. O extremismo é a excessividade efêmera do gesto, a disposição a conferir aos próprios discursos uma visibilidade que supere durante um momento em intensidade a monotonia do já-visto, sem sair, não obstante, do paradigma da visão espetacularizada. Este encontra-se, como pode-se intuir, totalmente dentro da sociedade do espetáculo.



A nível macro-histórico e macropolítico, o extremismo converte-se em terrorismo: a final de contas, o mito do "choque de civilizações" (Ocidente vs. Terrorismo Islâmico) não é mais que a versão global e atualizada do mito dos "extremismos opostos" (anticomunismo reacionário vs. antifascismo reacionário). Muda a intensidade (e o caráter trágico) porém não os resultados. O potencial revolucionário do extremismo é, de fato, igual a zero.



É mais: jogando um papel no interior da sociedade do espetáculo, o extremista e o terrorista não somente não põem em questão nada, senão que convertem-se inclusive em elementos funcionais do sistema que de palavra queriam combater, adotam o semblante de figurantes em uma representação maior que eles. E muitas vezes nem ao menos são necessários os elencos dirigidos por outros: estes encontram por si mesmos seu próprio lugar na comédia, espontâneamente assumem a parte que foi-lhes assignada.



O Pensamento Radical



Fora da comédia, e, ao contrário, disposto a incendiar todo o teatro, encontra-se, por sua vez, quem saiba assumir posições radicais.



O radicalismo é a antítese do extremismo. O primeiro é silencioso, vivido, de longo alcance, operativo; o segundo é ruidoso, encenado, míope, inútil. Não centrado nos gestos senão nas ações, o radicalismo é, etimilógicamente, a capacidade de ir à raiz. À raiz de si mesmo acima de tudo: o pensamento radical está sempre enraizado. Ou melhor, deve está-lo: quem aventura-se no reino do nada deve ter uma identidade forte para não assumir ele mesmo as aparências do inimigo. Porém o pensamento radical significa também ir à raiz dos problemas, compreender os acontecimentos em profundidade, sabendo colocá-los em perspectiva.



Escola de autenticidade e de realismo, o pensamento radical é hoje a única via transitável que com razão pode-se definir revolucionária. Assim é, porque a primeira obrigação de toda vontade revolucionária é o de descer concretamente à realidade, mais além da histeria e da utopia, as duas únicas alternativas que a sociedade do espetáculo oferece-nos. Portanto, atuar para voltar ao real. Gerar novas consciências. Redespertar consciências adormecidas. Sair da capa sufocante da novidade para voltar, finalmente, a ver as estrelas.



O mundo no qual vives não existe.



Tudo o que sabes é falso.



Abra os olhos.



Agora.

30/08/2011

Dando nomes aos nomes: Seu verdadeiro governo

por Tony Cartalucci

Esse é seu verdadeiro governo; eles transcendem administrações eleitas, eles permeiam cada partido político, e eles são responsáveis por praticamente cada aspecto do modo de vida do americano ou europeu médio. Quando a "esquerda" está carregando a tocha de duas guerras "neoconservadoras", começando mais uma baseada nas mesmas mentiras, propagandeada pela mesma mídia que falou das armas de destruição em massa iraquianas, o mundo não tem escolha, além de uma profunda dissonância cognitiva, a não ser perceber que há algo errado.

O que há de errado é um sistema completamente controlado por uma oligarquia corporativo-financeira com impérios financeiros, midiáticos e industriais que abarcam o globo. Se nós não mudarmos o fato de que estamos impotentemente dependentes dessas corporações que regulam cada aspecto de nossa nação politicamente, e cada aspecto de nossas vidas pessoalmente, nada mais mudará.

A lista seguinte, ainda que extensa, de longo não é completa. Porém após esses exemplos, um padrão deve ficar autoevidente com os mesmos nomes e corporações sendo listados de novo e de novo. Deve ser autoevidente para os leitores o quão perigosamente pervasivas essas corporações tornaram-se em nossas vidas diárias. Finalmente, deve ser autoevidente o quão necessário é expurgá-las de nossas vidas, nossas comunidades, e finalmente nossas nações, com o máximo de celeridade.

International Crisis Group

Background: Enquanto o International Crisis Group (ICG) afirma estar "comprometido com a prevenção e resolução de conflitos fatais", a realidade é que eles estão comprometidos com a oferta de soluções muito bem construídas por antecipação para problemas que eles mesmos criaram de modo a perpetuar a própria agenda corporativa.

Em nenhum outro lugar isso poderia ser melhor ilustrado do que na Tailândia e mais recentemente no Egito. O membro da ICG Kenneth Adelman tem apoiado o ex-primeiro ministro da Tailândia Thaksin Shinawatra, um ex-conselheiro do Grupo Carlyle que estava literalmente em pé diante do Council of Foreign Relations em Nova Iorque quando de sua derrubada do poder em 2006 por um golpe militar. Desde 2006, as intervenções de Thaksin na Tailândia tem sido escoradas por outro membro do Carlyle James Baker e seu escritório de advocacia Baker Botts, pelo conselheiro da Belfer Center Robert Blackwill da Barbour Griffith & Rogers, e agora o escritório de advocacia Amsterdam & Peroff, um importante membro corporativo da Chatham House globalista.

Com a Tailândia agora envolta em caos político liderado por Thaksin Shinawatra e a revolução colorida de seus "camisas vermelhas", a ICG está pronta com "soluções" nas mãos. Essas soluções geralmente envolvam amarrar as mãos do governo tailandês com argumentos de que deter as atividades subversivas de Thaksin equivale a abusos contra os direitos humanos, na esperança de permitir que a revolução financiada pelos globalistas cresça para além de qualquer controle.

Os tumultos no Egito, obviamente, foram comandados completamente pelo membro da ICG Mohamed ElBaradei e seu Movimento da Juventude de 6 de Abril recrutado, financiado e apoiado pelo Departamento Americano de Estado e coordenado por Wael Ghonim da Google. Enquanto os tumultos foram retratados como sendo espontâneos, incitados pelos tumultos tunisianos anteriores, ElBaradei, Ghonim e seu movimento de juventude estavam no Egito desde 2010 reunindo sua "Frente Nacional pela Mudança" e dispondo os fundamentos para o levante de 25 de janeiro de 2011.
George Soros da ICG, então, financiaria ONGs egípcias trabalhando para reescrever a constituição egípcias após ElBaradei ter sido bem-sucedido em remover Hosni Mubarak. Essa constituição financiada por Soros e o governo servil de fachada resultante que ela criaria representa a ICG "resolvendo" a crise que seu próprio ElBaradei ajudou a criar.

Notáveis membros do Conselho da ICG:

George Soros
Kenneth Adelman
Samuel Berger
Wesley Clark
Mohamed ElBaradei
Carla Hills

Notáveis conselheiros da ICG:

Richard Armitage
Zbigniew Brzezinski
Stanley Fischer
Shimon Peres
Surin Pitsuwan
Fidel V. Ramos

Notáveis Apoiadores Financeiros e Corporativos da ICG:

Carnegie Corporation of New York
Hunt Alternatives Fund
Open Society Institute
Rockfeller Brothers Fund
Morgan Stanley
Deutsche Bank Group
Soros Fund Management LLC
McKinsey & Company
Chevron
Shell


Brookings Institute

Background: Dentro da biblioteca do Instituto Brookings você encontrará plantas para praticamente cada conflito no qual o Ocidente esteve envolvido dentro da memória recente. Mais do que isso é que enquanto o público parece pensar que essas crises brotam como incêndios naturais, aquelesq ue seguem os estudos e publicações corporativas financiadas por Brookings veem essas crises vindo com anos de antecedência. Esses são conflitos premeditados e meticulosamente planejados que são acionados para conduzir a soluções premeditadas e meticulosamente planejadas para fazerem prosperar os apoiadores corporativos da Brookings, que são numerosos.
As atuais operações contra o Irã, incluindo as revoluções coloridas apoiadas pelos EUA, terroristas treinados e financiados pelos EUA dentro do Irã, e sanções danosas estão todas dispostas em detalhes excruciantes no relatório do Instituto Brookings "Que Caminho para a Pérsia?". A mais recente resolução 173 do Conselho de Segurança da ONU referente a Líbia misteriosamente assemelha-se ao relatório Brookings de 9 de Março de 2011 escrito por Kenneth Pollack, e entitulado "As Reais Operações Militares na Líbia".

Membros notáveis do Conselho da Brookings:

Dominic Barton - McKinsey & Company, Inc
Alan R. Ratkin - Eton Park Capital Management
Richard C. Blum - Blum Capital Partners, LP
Abby Joseph Cohen - Goldman Sachs & Co.
Suzanne Nora Johnson: Goldman Sachs Group, Inc
Richard A. Kimball Jr. - Goldman Sachs & Co.
Tracy R. Wolstencroft - Goldman Sachs & Co.
Paul Desmarais Jr. - Power Corporation of Canada
Kenneth M. Duberstein - The Duberstein Group, Inc.
Benjamin R. Jacobs - The JBG Companies
Nemir Kirdar - Investcorp
Klaus Kleinfeld - Alcoa, Inc
Philip H. Knight - Nike, Inc.
David M. Rubenstein - Co-Fundador do Grupo Carlyle
Sheryl K. Sandberg - Facebook
Larry D. Thompson - PepsiCo, Inc.
Michael L. Tipsord - State Farm Insurance Companies
Andrew H. Tisch - Loews Corporation

Alguns Especialistas do Instituto Brookings:

Kenneth Pollack
Daniel L. Byman
Martin Indyk
Suzanne Maloney
Michael E. O'Hanlon
Bruce Riedel
Shadi Hamid

Notáveis apoiadores Financeiros e Corporativos da Brookings

Fundações & Governos:

Ford Foundation
Bill & Melinda Gates Foundation
The Rockefeller Foundation
Governo dos Emirados Árabes Unidos
Carnegie Corporation de Nova Iorque
Rockefeller Brothers Fund

Bancos & Finanças

Bank of America
Citigroup, Inc.
Goldman Sachs
H&R Block
Kohlberg Kravis Roberts & Co.
Jacob Rothschild
Nathaniel Rothschild
Standard Chartered Bank
Temasek Holdings Limited
Visa Inc.

Petróleo:

Exxon Mobil Corporation
Chevron
Shell Oil Company

Complexo Militar Industrial & Indústrias:

Daimler
General Dynamics Corporation
Lockheed Martin Corporation
Northrop Grumman Corporation
Siemens Corporation
The Boeing Company
General Electric Company
Westinghouse Electric Corporation
Raytheon Co.
Hitachi, Ltd.
Toyota

Telecomunicações & Tecnologia:

AT&T
Google Corporation
Hewlett-Packard
Microsoft Corporation
Panasonic Corporation
Verizon Communications
Xerox Corporation
Skype

Mídia & Administração de Percepção:

McKinsey & Company, Inc.
News Corporation (Fox News)

Bens de Consumo & Indústria Farmacêutica

GlaxoSmithKline
Target
PepsiCo, Inc.
The Coca-Cola Company


Council on Foreign Relations

Background e Membros Notáveis: Uma melhor pergunta seria, quem não está no Conselho de Relações Estrangeiras? Praticamente cada político carreirista, seus conselheiros, e aqueles povoando os conselhos das 500 empresas mais ricas do mundo são membros do CFR. Muitos dos livros, artigos de revistas, e colunas de jornal que lemos são escritas por membros do CFR, junto com relatórios, similares ao do Instituto Brookings que ditam, verbatim, a legislação que acaba aparecendo diante dos legisladores ocidentais.

Um bom exemplo das alas mais ativas da CFR pode ser melhor ilustrada na farsa do ano passado da "Mesquita do Marco Zero", onde membros da CFR tanto da direita política americana como da esquerda fingiram um acalorado debate sobre a chamada Cordoba House da cidade de Nova Iorque próxima aos três prédios destruídos do World Trade Center. Na realidade, a Cordoba House foi estabelecida por outro membro da CFR Feisal Abdul Rauf, que por sua vez foi financiado por braços financeiros da CFR incluindo a Carnegie Corporation of New York, pelo chefe da Comissão do 11 de Setembro Thomans Kean, e por várias fundações Rockefeller.

Notável apoio corporativo do CFR

Banco & Finanças

Bank of America Merrill Lynch
Goldman Sachs Group, Inc.
JP Morgan Chase & Co
American Express
Barclays Capital
Citigroup, Inc.
Morgan Stanley
Blackstone Group L.P.
Deutsche Bank AG
New York Life International, Inc.
Prudential Financial
Standard & Poor's
Rothschild North America, Inc.
Visa, Inc.
Soros Fund Management
Standard Chartered Bank
Bank of New York Mellon Corporation
Veritas Capital LLC
Kohlberg Kravis Roberts & Co.
Moody's Investors Service

Petróleo

Chevron Corporation
Exxon Mobil Corporation
BP p.l.c.
Shell Oil Company
Hess Corporation
ConocoPhillips Company
TOTAL S.A.
Marathon Oil Company
Aramco Services Company

Complexo Militar Industrial & Indústrias

Lockheed Martin Corporation
Airbus Americas, Inc.
Boeing Company
DynCorp International
General Electric Company
Northrop Grumman
Raytheon Company
Hitachi, Ltd.
Caterpillar
BASF Corporation
Alcoa, Inc.

Relações Públicas, Lobbyistas & Escritórios de Advocacia

McKinsey & Company, Inc.
Omnicom Group Inc.
BGR Group

Mídia Corporativa & Editoriais

Bloomberg
Economist Intelligence Unit
News Corporation (Fox News)
Thomson Reuters
Time Warner Inc.
McGraw-Hill Companies

Bens de Consumo

Walmart
Nike, Inc.
Coca-Cola Company
PepsiCo, Inc.
HP
Toyota Motor North American, Inc.
Volkswagen Group of American, Inc.
De Beers

Telecomunicações & Tecnologia

AT&T
Google, Inc.
IBM Corporation
Microsoft Corporation
Sony Corporation of America
Xerox Corporation
Verizon Communications

Indústria Farmacêutica

GlaxoSmithKline
Merck & Co., Inc.
Pfizer Inc.


The Chatham House

Background & Membros: A Chatham House britânica, como o CFR e o Instituto Brookings nos EUA, possui um longa lista de membros e está envolvida no planejamento coordenado, na administração de percepção, e na execução da agenda coletiva de seus membros corporativos.

Membros individuais populando seu comitê sênior de conselheiros consistem de fundadores, CEOs, e presidentes dos membros corporativos da Chatham House. Os "especialistas" da Chatham são geralmente selecionados no mundo acadêmico e suas "publicações recentes" são geralmente usadas internamente bem como publicadas através da extensa lista de corporações midiáticas que são membros do grupo, bem como através de publicações industriais e médicas. Que os "especialistas" da Chatham House estão contribuindo com artigos para publicações médicas é particularmente alarmante considerando que a GlaxoSmithKline e a Merck são ambas membros corporativos da Chatham House.

Nenhum exemplo melhor desse incrível conflito de interesses pode ser dado do que na atual "revolução colorida" na Tailândia sendo liderada pela firma Amsterdam & Peroff da Chatham House com apoio consistente de outros membros corporativos incluindo o The Economist, o The Telegraph e a BBC.

Em um caso, o The Telegraph publicou, "Protestos tailandeses - análise por Dr. Gareth Price e Rosheen Kabraji", dentro do qual Price e Kabraji fazem uma tentativa desavergonhada de defender os violentos protestos de orientação maoísta financiados pelo Ocidente. Enquanto o The Telegraph menciona que Price e Kabraji são ambos analistas para a Chatham House, eles foram incapazes de dizer aos leitores que o próprio The Telegraph permanece sendo membro corporativo dentro da Chatham House bem como também o é principal lobbyista dos protestos tailandeses, Robert Amsterdam e sua firma lobbyista Amsterdam & Peroff.

Notáveis membros corporativos principais da Chatham House

Amsterdam & Peroff
BBC
Bloomberg
Coca-Cola Great Britain
Economist
GlaxoSmithKline
Goldman Sachs International
HSBC Holdings p.l.c.
Lockheed Martin UK
Merck & Co Inc.
Mitsubishi Corporation
Morgan Stanley
Royal Bank of Scotland
Saudi Petroleum Overseas Ltd
Standard Bank London Limited
Standard Chartered Bank
Tesco
Thomson Reuter
United States of America Embassy
Vodafone Group

Outros membros corporativos da Chatham House

Amnesty International
BASF
Boeing UK
CBS News
Daily Mail and General Trust p.l.c.
De Beers Group Services UK Ltd
G3 Good Governance Group
Google
Guardian
Hess Ltd
Lloyd's of London
McGraw-Hill Companies
Prudential p.l.c.
Telegraph Media Group
Times Newspapers Ltd
World Bank Group

Notáveis parceiros corporativos da Chatham House

British Petroleum
Chevron Ltd
Deutsche Bank
Exxon Mobil Corporation
Royal Dutch Shell
Statoil
Toshiba Corporation
Total Holdings UK Ltd
Unilever p.l.c.

Conclusão

Essas organizações representam os interesses coletivos das maiores corporações do planeta. Elas não apenas possuem exércitos de especialistas e pesquisadores para articular sua agenda e formar consenso internamento, como também usam seu acúmulo maciço de influência indevida na mídia, na indústria, e nas finanças para manufaturar um consenso internacional que sirva aos próprios interesses.

Crer que essa oligarquia corporativo-financeira sujeitaria sua agenda e destino aos desejos ds massas votantes é ingênuo na melhor das hipóteses. Eles tem garantido cuidadosamente que não importa quem chegue ao poder, em qualquer país, as armas, o petróleo, a riqueza e o poder continuam fluindo perpetuamente para suas mãos. Nada indica essa realidade parcamente oculta melhor do que um "liberal" portador do Prêmio Nobel da Paz, devidamente impulsionando para frente uma miríade de guerras "neoconservadoras", e começando mais uma guerra na Líbia.

Do mesmo modo, não importa quão sangrenta sua revolução seja, se a equação acima permanecer imutável, e as bases corporativas intocáveis, nada a não ser as mudanças mais superficiais terão sido feitas, e como no caso do Egito com o títere da ICG Mohamed ElBaradei trilhando seu caminho até o poder, as coisas podem ficar substancialmente piores.

A verdadeira revolução começara quando nós identificarmos a equação acima como os verdadeiros detentores do poder e quando nós começarmos sistematicamente a remover nossa dependência sobre eles, e sua influência sobre nós de nossas vidas diárias. A oligarquia global corporativo-financeira precisa de nós, nós não precisamos deles, independência deles é a chave para nossa liberdade.

29/08/2011

O Perigo Wagneriano

por Julius Evola

Acontece quase sempre que não possa-se professar um antiwagnerismo, sem que pense-se em seguida em uma aversão pela música de Wagner em nome de tradições artísticas anteriores, ou de música italiana, ou de música sinfônica clássica. Por nossa conta, não consentiremos nunca entrar em tal domínio, posto que, a nosso parecer, tudo reduz-se a preferências em grande medida pessoais e sentimentais. Existe em efeito um "caso Wagner" que hoje em dia encontra-se muito longe de ter perdido sua atualidade: porém em um plano diferente e portanto não em relação com o significado que tem a arte de Wagner em si mesma, senão com respeito a grande parte do material e das tradições das quals ele reuniu, tal como deve-se dizer, sua inspiração.

Dizer algo a tal respeito é útil desde um ponto de vista que não é simplesmente abstrato e doutrinário. Richard Wagner, com a poderosa influência exercida em seus contemporâneos e ainda não apagada hoje em dia, encontra-se entre os maiores responsáeis por equívocos muitas vezes graves, os quais determinaram mais de uma antítese superficial. Se por exemplo, entre nós Macanorda, com muitos outros, formulou no referente ao antigo mundo nórdico, a brincadeira de mal gosto da "floresta" em contraposição com o "templo", isso não teria sido possível sem a deformação e a romantização daquele mundo, devida em grande medida justamente a Wagner. Sem dúvida, nisto Wagner não foi um caso isolado: já existia na Alemanha um ambiente em grande medida preparado para acolher seu ponto de vista e, a tal respeito, sua influência, por assim dizer "avançou por conta própria". Se também hoje em dia examinamos as concepções dos "neopagãos" mais fascínoras, daqueles que gostariam de lançar tudo no mar, não só a Roma católica, senão o próprio mundo imperial guibelino e voltar às origens puras, ao mito nórdico puro e à lenda heróica germânica pura, seria fácil reconhecer, em tais construções, não algo verdadeiramente originário, senão um romantismo fantasioso, que não conduz muito mais além das idéias e das interpretações difundidas por Wagner, revelando-se assim como um produto totalmente recente e "moderno", que tem como princípio não uma realidade, senão um "mito".

Aqui não pode tratar-se de uma análise ainda sumária do mundo wagneriano, senão somente do que refere-se às relações que estabelecem-se entre arte e Tradição. Em um mundo marcado pela Tradição - quer dizer, segundo o sentido que nós sempre damos a este termo, por um sentido de conhecimentos, de princípios e de símbolos de origem e validade não simplesmente "humanos" - em um tal mundo a arte não pode ter senão uma função subordinada, e as pretensões de uma "arte pura", com o fim em si mesma, não podem não parecer senão heréticas e absurdas: aqui, a arte está destinada a conferir, com os meios específicos próprios, vida e evidência a um conteúdo tradicional, sem alterá-lo de modo algum, dando-lhe tão somente uma expressão e sensibilização especiais, de modo tal a convertê-lo em acessível também àqueles que são incapazes de uma expressão intelectual direta. Por isso, nos tempos mais antigos o artista teve sempre algo de "oráculo": solicitava-se a ele não tanto a função de "criar" ou de "inventar" sobre a base de uma originalidade, senão a de elevar-se até um determinado conhecimento suprarracional, ao qual sua genialidade e humanidade de artista devia logo permanecer estritamente fiel.

Justamente o contrário é o que aconteceu no mundo moderno, o qual portanto pode ser chamado de forma indiferenciada como "antitradicional" como "humanista". Acima de tudo, tal como é sabido, a arte, do mesmo modo que o resto, emancipa-se e humaniza-se. Até aqui pouco é ruim: é pouco ruim ainda que a arte reduza-se a criar fantasmas subjetivos, a suscitar "estados de ânimo", mais ou menos elevados e líricos, a ser o mediador complacente da sentimentalidade humana. O verdadeiro mal começa ali onde a arte modern, logo de haver-se emancipado e humanizado dessa forma, lança mão das formas tradicionais, utilizando-as como novos "temas" e novas fontes de inspiração. Em uma tal conjuntura toda relação normal resulta invertida, e como resultado tem-se uma profanação, no sentido mais rigoroso do termo: aquilo que não é "humano" - a Tradição - converte-se em instrumento e meio para o que é humano, quer dizer, para a criação artística; no centro encontra-se a "personalidade do artista", o demais encontra-se-lhe subordinado, não adquire vida senão em função da mesma, quer dizer, em função de algo puramente subjetivo. Ali onde a arte tradicional ou "sagrada" ("sagrada" não obstante não em sentido simplesmente religiosos e eclesiástico: epopeias, mitologias, símbolos, etc, entra em tal idéia mais vasta do "sagrado") espiritualizava ao humano, a arte, da qual falamos aqui, vem ao contrário a humanizar e a deformar inclusive o espiritual.

E tal é de modo característico, também o caso de Wagner. Diz-se que ele revelou a seus contemporâneos o antigo e esquecido mundo nórdico do Edda, dos Nibelungos, do Graal. O contrário é a verdade: ele prejudicou toda a compreensão efetiva de um tal mundo com sua interpretação romântica, nebulosamente "heróica", místico-erotiante e ininterruptamente "humanista", em suma, com um espírito, longe como o céu da terra, do que é próprio do tema, e portanto levado a assumir, nas diferentes tradições, somente os aspectos mais condicionados, e tradicionalmente insignificantes. E naturalmente, a música, entre as diferentes artes, é a que mais poderia prestar-se para propiciar um tal desvio.

Para mostrar as divergências que os mesmos temas possuem na ópera wagneriana por um lado, nas tradições originárias por outro, ou bem o que na primeira encontra-se como arbitrariamente agregado ou inventado, não terminar-se-ia mais, e nós já dissemos que não é este o lugar para entrar em detalhes. Faremos tão somente menção a que acima de tudo no relativo ao antigo mundo nórdico (Ciclo dos Nibelungos, Parsifal, Lohengrin) a ópera de Wagner tem, desde o ponto de vista no qual nós situamo-nos, as características de uma verdadeira e própria adulteração. Tudo é levado exatamente ao nível de um cenário operístico, o elemento humano e passional suplanta violentamente todo elemento simbólico e metafísico, tudo converte-se em escuro, inestável, fatalista, turvamente "heróico" por um lado, levemente "místico" por outro, não somente nas circunstâncias dos seres mortais, senão inclusive na dos celestes; fala-se romanticamente de "Crepúsculo dos Deuses", ali onde por sua vez trata-se simplesmente do "cumprimento de um ciclo" em conformidade com leis cíclicas, que qualquer Tradição conheceu: escurecimento temporal do dividno que retomará a vida olímpica em outra era. Leva-se a história do Graal desde o plano do mistério "solar" e imperial da "pedra de luz" ao de uma historieta místico-cristã moralizada pelo complexo obrigado culpa-amor-redenção. A verdadeira missão de Lohengrin desaparece em puras divagações infectadas de erotismo. O qual naturalmente submerge tudo em outra lenda, o conteúdo mais profundo da qual subtrai-se grandemente ao olho inexperiente, a de Tristão e Isolda, e projeta-se no místico epílogo de estilo happy end americano, privado de qualquer vínculo com a lenda do Bosque Fantasma. E assim poder-se-ia facilmente continuar.

Porém aqui objetar-se-á que uma coisa é fazer arte, e outra dar-se a especulações metafísias e a exegeses tradicionais; e que não pretender-se-á que um teatro ou uma sala de concertos transformem-se em uma escola superior. Isso é certo. Não obstante há que saber então o que é que verdadeiramente quer-se. Enquanto existisse com a devida autoridade uma elite em posse do justo conhecimento, desenvolvimentos arbitrários de tal tipo não seriam tão perigosos, todos saberiam que trata-se tão somente de "arte" e com o gozo estético qual hoje concebe-se, tudo concluiria. Não é o mesmo em um mundo que efetivamente parece ter perdido totalmente suas erdadeiras tradições e que demonstra-o, crendo aproximar-se através de interpretações, como por exemplo as wagnerianas. E não viu-se por acaso a Shucré e a Steinar chegarem até ao limite de declarar Wagner como um "iniciado"? Em tal circunstância a arte mostra-se tanto mais um instrumento de perversão, enquanto mais alta, supraestética, é a missão reveladora que a mesma supõe desenvolver. Não repetiremos o que revelamos ao começo, quer dizer que justamente a influências de tal tipo deve-se boa parte do desvio ideológico de certos ambientes alemães contemporâneos, tal como o de Chamberlain e de sua interpretação do germanismo. Insistiremos mais bem em dizer que de tudo isto está formando-se um "mito" (identificado com uma suposta tradição nórdica) o qua, de acordo ao que costuma acontecer em cada procedimento hipnótico, termina convertendo-se em verdadeiro. A um mito então contrapõe-se outro, à história da "floresta" a do "templo", ao mundo nibelúngico, outro mundo igualmente fantástico, "construído", inexistente e, em seu caráter puramente polêmico, igualmente distante daquela atmosfera de clareza, de visão controlada e de universalidade, da qual, em cada povo, antes de adaptar-se às condições específicas próprias do mesmo, reúne sua origem toda forma verdadeiramente tradicional.

27/08/2011

Heidegger e o Retorno às Origens

por Marcello Veneziani

Houve um filósofo, acima do resto, que foi o compêndio da rebelião contra o niilismo, ou melhor da vontade de transcendê-lo: Martin Heideger. Sua revolta foi radical porque pôs em jogo todos os pilares de nossa época, começando pela linguagem: os "valores" do século XX, suas devastações, deu desenraizamento, sua fuga da morte, o domínio do Ocidente da Técnica, o sentido do progresso, o domínio da política e seu declive. Para Heidegger, o século XX não foi senão o apêndice agonizante do pensamento ocidental, sua última e insensata manifestação onde consumiu-se e representou-se mais vistosamente a perda do Ser e o cumprimento exaustivo dos recursos especulativos, dos resíduos acumulados no tempo, da falta de sentido.

A linguagem de Heidegger é obscura, às vezes oracular, para não poucos inclusive impenetrável; gira em torna a seu próprio dizer, gosta de embarcar em exercícios hermenêuticos e filológicos que mais de uma vez encalham nas praias da retórica ou desviam-se pelos meandros do detalhe e do preciosismo do perfeito literato alemão. No temor de descarrilhar de seu sentido último ou de banalizar e alterar seu entendimento, Heidegger opeta por circunavegar no mar de seu próprio pensamento. Por isso mesmo, somente violentando o extremo rigor do heideggerianismo é possível extrair alguns pontos para colocar sob processo à modernidade. Neste caso, mais que em outros, a operação deve fazer-se com sumo risco e cuidado, com plena consciência de que a linguagem heideggeriana é a imagem filológica do teorema de indeterminação de Heisenberg: na medida em que ganha clareza, perde exatidão, e viceversa. Quiçá seja mais justo, mais correto, reproduzir os efeitos que produziu o heideggerianismo sobre nosso tempo, até o ponto de configurar-se como a filosofia mais radical do antiniilismo.

Em relação a seu tempo, Heidegger produz uma série de curtocircuitos: o primado do fazer sobre o pensar, que foi - desde Marx até o pensamento utilitarista - a bandeira dos novos tempos, encontra nele uma inversão integral. À décima primeira tese marxiana sobre Feuerbach, que marcou o século com a irrupção da filosofia na história através da ideologia e do partido entendido como intelectual coletivo, contagiando todas as experiências de nossa era, opõe-se, radicalmente, a linha de Heidegger. Nas páginas de seu livro O Caminho para a Linguagem, Heidegger escreve que "O pensamento não é o meio para o conhecer, o pensar traça sulcos no campo do Ser." Em outra de suas obras (Quê é Filosofia?) recorda aquilo que escreveu Nietzsche a propósito do pensamento que "deve emanar um forte aroma não muito diferente de um campo de trigo maduro em uma tarde de verão." Auscultação do Ser. Pensamento meditante versus pensamento calculante, diz Heidegger. Pensamento que escava no Ser contra pensamento que resolve-se no fazer. É própria de Heidegger a argumentação mais inexorável sobre o marxismo, corretamente entendido pelo filósofo em seus Seminários como "o pensamento de hoje, porque corresponde à situação na qual reina simplesmente a autoprodução do homem e da sociedade". Em efeito, segundo Heidegger, a autoprodução do homem dá origem ao perigo de sua autodestruição; aqui, junto ao marxismo, golpea-se ao coração mesmo do sonho prometeico do século XX, a convicção de que a raiz do homem seja o homem mesmo, como recitava Marx em seu livro Crítica da Filosofia do Direito em Hegel. Todavia existe um delgado fio que parece enlaçar a Heidegger e a Marx: essa espécie de traça gnóstica, que empurra Heidegger a individualizar nosso destino no signo de "um cárcere que portamos em nós por toda a vida." Porém a liberação dos grilhões, em Marx, advém com a liberação do reino da necessidade através do ideal salvífico da revolução; enquanto que em Heidegger a única possibilidade de salvação consiste em poder remontar o esquecimento do Ser, que exila ao pensamento ocidental da esfera do sagrado. Também Heidegger hipotetizou em seus Seminários de Zollikon uma insurgência "contra a irresistível potência da Técnica", confiando-a a "células de resistência que, sem espetacularidade, retenham a meditação e preparem a inversão à qual chegar-se-á um dia, quando a desolação universal devenha insustentável".


Aqui enxerta-se o mais implacável processo ao século XX, através da reimersão heideggeriana nas Raízes em uma época dominada pelo desenraizamento e pela desorientação ("a desorientação como destino mundial é a verdadeira cifra da alienação da qual falaram Johann P. Habel e Marx", escreve Martin Heidegger em sua Carta Sobre o Humanismo). "O enraizamento estável do homem de hoje no próprio terreno reduziu-se até o terreno do íntimo. Mais ainda: esta perda de raízes, a impossibilidade da época na qual chegamos a viver." (esceve em seu ensaio O Abandono). E repetindo as palavras de Johann P. Habel, Heidegger esreve: "Estejamos dispostos ou não a admiti-lo, somos plantas que devemos crescer enraizadas na terra, sob risco de não florescer nunca, nem mesmo dar frutos", e "é nobre aquilo que tem uma origem e permanece na origem do próprio ser". Em outra ocasião, em seus Ensaios e Discursos, Heidegger recorda que a palavra "cura" tem em grego o sentido original etimológico de "regressar ao lar": "o convalescente é aquele que reorre o mundo para retornar à casa, isto é, para dirigir-se à morada de seu destino".

O problema crucial de nosso tempo, assim pois, seria este: "Se o antigo modo de enraizar-se do homem perdeu-se, poderia encontrar-se então um novo fundamento, um novo terreno no qual enraizar-se?" Daí a tentativa heideggeriana de situar as raízes não no passado, senão em nosso futuro, no qual a origem coincide com o destino. "O início está agora - escreve Heidegger ao modo nietzscheano em seu Discurso sobre a autoafirmação da universidade alemã - não às nossas costas, como um evento dos tempos passados, mas sim na nossa frente e diante de nós". Melhor precisam-se suas reflexões em Sinais do Caminho, onde o recolher-se em sua essência assume a modalidade de um retorno, porém agrega: "Não trata-se, naturalmente, de um retorno aos tempos pretéritos em uma tentativa de restaurá-los de maneira artificial. Retorno, aqui, significa a direção para aquela localidade (o esquecimento do Ser) da qual a metafísica recebeu e continua tendo sua proveniência". Trata-se de um retorno ao lugar no qual o pensar e o poetizar "sempre estiveram". Na coincidência do pensar e do poetizar ressoa "a graça do Ser": a poesia aparece, então, como uma evocação da origem, um estado auroral no qual alberga-se a luz, a voz do Ser. Na poesia recolhe-se a espera pelo início, a origem, as raízes.


Heidegger traça o sentido transpolítico da "Konservative Revolution", retendo o traço saliente do retorno à origem não como um retorno para trás, senão como um atravessamento/aprofundamento do niilismo: assim escreve-o no admirável ensaio A Linha, em diálogo com Ernst Jünger. Podemos falar do paradoxo de um retorno ao futuro. A intuição heideggeriana está em recolher-se na essência do niilismo, remontando-o (e neste caso o remontar é um sinônimo do projetar) até encontrar suas raízes não niilistas, na convicção de que seu cumprimento coincida com seu esgotamento. Do mesmo modo a Técnica, destino do niilismo e da modernidade, não pode ser eludida ou rechaçada, porque inclusive quando evadimo-nos do reino da Técnica, a Técnica invade-nos; também nomeando-a desde fora permanecemos dentro. Similarmente, também enste caso a única via é a busca das raízes da técnica, sem cair na armadilha de considerá-la como puro instrumento; porque na essência da Técnica alberga-se o crescimento daquilo que salva, seguindo um célebre verso de Hölderlin ("Ali onde está o perigo, ali também está a salvação"). Também aqui reúne-se todo o sentido da "Konservative Revolution", que de algum modo foi definida como um modernismo reacionário.

À margem das implicações culturais e políticas do heideggerianismo, reafloram periodicamente as sombras "nazis" sobre Heidegger em uma tentativa de neutralizar, através da demonização, o alcance e a incidência histórica de seu pensar. Os "compromissos" de Heidegger com o regime nacional-socialista são evidentes (por outro lado, ele mesmo escreve que quem pensa grande erra também grande e que "todo aquele que é grande está na tempestade"), e a assonância de algumas de suas teses com aquelas que circulavam nos ambientes nacional-socialistas são inegáveis, porém é necessário sublinhar com clareza ao menos três coisas: Primeiro, em Heidegger permanece um desprezo pela condição política que situa-o fora de todo possível compromisso. Ele, como revelara em seus cursos universitários sobre Hölderlin, nos anos do nacional-socialismo, reconhecia-se na Antígona de Sófocles, "impolítico" em seu sentido de "suprapolítico", desprezando a autonomia da política e suas formas dominantes no século XX, pois estariam condenadas todas elas enquanto são formas do "esquecimento do Ser" no qual o poder está subordinado à Técnica. Em segundo lugar, Hannah Arendt recorda que seus cursos universitários durante a década de 1930 estavam centrados no juízo sobre as idéias nietzscheanas de vontade e de poder, nas quais podia evidenciar-se a essência mesma do nazismo e de outros muitos regimes modernos. Comentando o ensaio de Jünger O Trabalhador, Martin Heidegger escrevia em 1933 "Na atualidade domina no âmbito planetário a vontade de poder e tudo - comunismo, fascismo e democracia liberal - encontra-se hoje nesta realidade". Enfim, não podem ler-se, a não ser como simples propaganda demonizadora, as palavras de Heidegger em 1933 à luz dos supostos e muito mais que discutíveis campos de extermínio. Em qualquer caso não há um nexo entre suas palavras em defesa do enraizamento espiritual no sangue e na terra de um povo e os delírios do racismo. Em todo caso pode-se marginalmente observar que Heidegger (como, ademais, também Spengler e Schmitt, por exemplo) sentia-se mais próximo ao fascismo italiano que ao nacional-socialismo. Em seu livro sobre Heidegger, Nolte recorta como Mussolini havia protegido o filósofo alemão (como fez também com Jünger, ou com Niekisch, ou inclusive com Freud) através de Roberto Alfieri, seu embaixador em Berlim.



No pensamento heideggeriano e em sua obra vigorosa ficam muitos traços de antimodernismo através da reapresentação dos grandes tabús do século, não somente sobre a comunidade e o enraizamento, senão também sobre a morte e o sagrado. Bastará recordar sua implacável crítica a nossa época assinalada pelo rechaço supersticioso da morte: "A quotidianidade - escreve em O Ser e o Tempo - é inseparável do tomar cuidado e do evitar o obstáculo tétrico e inativo do pensar a morte...referida ao 'mais tarde'". Daí o desvio da vida autêntica que caracteriza nossa condição contemporânea. Porém pensar a morte, pensar-se no umbral do morrer, desvelando a condição humana, é também a origem para pensar o outro grande convidado de pedra de nosso tempo: o sagrado. O sagrado recorre constantemente as páginas heideggerianas sobre o Ser e sua revelação, para explicitar-se por fim em sua célebre invocação: "Agora, somente um Deus pode salvar-nos". Porque "a filosofia não poderá produzir nenhuma imediata modificação do estado atual do mundo (...) e resta como única possibilidade a de preparar, no pensar e no poetizar, uma disponibilidade para a aparição de um Deus ou para a ausência do Deus da decadência, pois na presença do Deus ausente nós decaimos." Porém uma inversão da condição atual, agrega, somente será possível "a partir do mesmo lugar do mundo do qual surgiu o moderno mundo técnico"; portanto "não há um espaço diligente para a assunção do budismo zen ou de outras experiências orientais do mundo. Para mudar o modo de pensar é necessário a ajuda da tradição européia, e de sua reapropriação. O pensamento vem modificado somente por aquele pensamento que tem a mesma origem e o mesmo destino." O Ocidente deverá encontrar em suas raízes a energia para cruzar o novo milênio. É aqui onde enxertam-se as memoráveis páginas de Heidegger contra o americanismo. Escrevia em 1942: "Hoje sabemos que o mundo anglo-saxão do americanismo está decidido a aniquilar a Europa, quer dizer, à Pátria e o início do que é ocidental. Aquilo que é inicial é indestrutível." Sublinhando a equivalência metafísica entre os EUA e a URSS sob o signo do domínio da Técnica desenfreada, Heidegger anota, em meados da década de 1930, nas páginas de sua Introdução à Metafísica, "seu ilimitado materialismo e sua invasão demoníaca (no sentido de destruição maléfica) que ataca todo valor, toda espiritualidade, destruindo-a e fazendo-a passar por mentira". Em 1960 sua crítica ao americanismo transcende os horizontes europeus para referir-se à totalidade do planeta: "Se hoje os povos subdesenvolvidos, dos quais tanto fala-se, devem receber em doação as prestações, os sucessos e os úteis da Técnica moderna, esta demanda, temo, virá acompanhada da destruição de tudo o que é-lhes próprios e conatural, a substituição de tudo o que é-lhes natural por aquilo que é-lhes estranho e forasteiro".

Destruição e extirpação. Em uma palavra: desenraizmento. O mal do século XX, segundo Heidegger.

25/08/2011

Moeller e Dostoievski

Por Robert Steuckers


Moeller van den Bruck foi o primeiro tradutor alemão de Dostoievski. Deixou-se influenciar profundamente pelos diários de Dostoievski, tão repletos de severas criticas ao Ocidente. No contexto alemão depois de 1918, Moeller van den Bruck advogava, com argumentos de Dostoievski, por uma aliança Russo-germânica contra o Oeste. Como poderiam os respeitáveis cavalheiros alemães, com uma imensa cultura artística, mostrarem-se a favor de uma aliança com os bolcheviques? Seus argumentos foram os seguintes: durante toda a tradição diplomática do século XIX, a Rússia foi considerada o escudo da reação contra todas as repercussões da Revolução Francesa e contra a mentalidade e os modos revolucionários. Dostoievski, um antigo revolucionário russo, que mais tarde admitiu que sua opção revolucionária tinha sido um erro, considerava, mais ou menos, que a missão da Rússia no mundo era a de apagar na Europa os rastros das idéias de 1789. Para Moeller van den Bruck, a Revolução de Outubro de 1917 foi somente uma mudança de roupagens ideológicas: a Rússia continuava sendo, a despeito do discurso bolchevique, o antídoto à mentalidade liberal do Ocidente. Derrotada, a Alemanha deveria aliar-se a esta fortaleza anti-revolucionária para opor-se ao Ocidente que, aos olhos de Moeller van den Bruck, é a encarnação do liberalismo. O liberalismo, expressa Moeller van den Bruck, é sempre a enfermidade terminal dos povos. Depois de algumas décadas de liberalismo, um povo entrará inexoravelmente em uma fase de decadência final.

Em um âmbito limitado à ND [nova direita] francesa, o redescobrimento do fator “Rússia” e sua valorização positiva desenvolveu-se em várias etapas. Ao final dos anos 70, Alain de Benoist lê uma tradução não publicada de uma obra consagrada à personalidade e a obra de um precursor e fundador da corrente revolucionária-conservadora alemã, Arthur Moeller van den Bruck. Um professor reputado havia redigido a obra: o alemão Schwierskott. Um militante desconhecido havia realizado uma tradução deste livro para o responsável da ND parisiense. Moeller van den Bruck, como se sabe, havia apostado por uma aliança Germano-soviética após Versalles para reduzir ao nada os obstáculos impostos a Alemanha por Clemenceau e Wilson. Extraía seus argumentos do “Diário de um escritor” de Dostoievski, cuja tradução alemã havia realizado. Dostoievski, ao analisar o conflito e os resultados da Guerra da Criméia, havia demonstrado a hostilidade fundamental do Ocidente, orquestrada pela Inglaterra contra a Rússia, que pretendia conter-la sobre as costas setentrionais do Mar Negro. O liberalismo, ideologia de países ricos, não era mais do que uma perigosa subversão para os países que ainda não haviam se desenvolvido, ou que haviam conhecido uma derrota histórica. Moeller van den Bruck fazia diretamente um paralelo com a Alemanha de Weimar.

Sobre a questão de Classe

Por Ernst Niekisch


Somente as massas trabalhadoras são as verdadeiras criadoras da História, e o verdadeiro socialismo somente pode ser construído pelo trabalho criador de milhões de trabalhadores”.

O conceito de Classe possui um sentido duplo. Por um lado expressa a constatação de um fato: A sociedade se divide em dois grandes grupos, dos que possuem os meios de produção e o grupo dos que não possuem nenhuma porção destes meios de produção e que, por isso, caem na dependência dos primeiros. O primeiro grupo está conformado pela classe dos proprietários, os burgueses, e a segunda é a classe trabalhadora, os proletários. Por outro lado, a Classe é a parte politicamente ativa da classe trabalhadora, que é consciente de sua situação e que está determinada a transformá-la.

A formação do conceito de Classe exige uma especial consciência, do mesmo modo que, em seu momento, o exigiu a formação de uma consciência estamental (na sociedade feudal), ou de cidadania (nas democracias burguesas). Não é certo que o trabalhador industrial, simplesmente por sua condição social, forma automaticamente parte do coletivo politicamente ativo da classe proletária. São necessários conhecimentos e, sobretudo a vontade resoluta de incluir-se na classe do proletariado. Somente se pertence à classe trabalhadora, em um sentido de luta, quando se quer pertencer a ela. Somente uma limitada porção dos proletários está, neste sentido, capacitado, sabe o que quer. Um se eleva sobre a massa quando toma consciência de classe, torna-se então advogado dos interesses proletários e, caso seja necessário, em revolucionário profissional, funcionário ou dirigente. Os trabalhadores com consciência de classe se convertem nos eleitos, a elite de uma vanguarda de combatentes da causa da classe trabalhadora. Somente eles sabem o que necessita o proletariado, suas carências, e somente eles estão em situação de compreender e tomar conta de seus interesses com êxito e resultados. É assim como a idéia de classe se converte também em principio forjador de uma nova elite (elite que superará as elites aristocráticas da sociedade feudal e as elites burguesas das democracias capitalistas – uma nova elite de, e para a classe trabalhadora. Uma elite, além disso, baseada na Técnica).

A perspectiva de classe contém um propósito agressivo. Para a burguesia, o sentido da idéia de Nação foi de ocultar que as diferenças entre proprietários e despossuídos tivessem significado algum; a democracia parlamentar também caminha para um encobrimento do mesmo tipo. É o axioma do estado burguês, que as diferenças econômicas são questão da esfera privada, e nunca uma questão a ser considerada no público e político.

A perspectiva de classe aponta, sem contemplações, contra as distintas tendências encobridoras burguesas. Ele não só leva à luz o duro significado destas diferenças, mas enfatiza também seu papel decisivo e central. Enquanto pôde-se esconder seu peso, pôde o proprietário burguês, mediante sua útil afirmação de igualdade, manter-se na crença de que não existiam diferenças importantes entre eles, a classe dirigente, e os despossuídos, a classe explorada. A perspectiva de classe rompe com esta crença nas mentes dos despossuídos, um acontecimento que sacode os fundamentos da ordem burguesa. A perspectiva de classe fundamenta a solidariedade entre os despossuídos frente aos possuidores. O burguês tem como conseqüência todos os motivos para odiá-la profundamente. É compreensível o quão repelente é, para o burguês, quando ouve falar da “classe burguesa”; é a fala do “proletariado incitado” que, para sua desgraça, se esclareceu sobre eles.

Existem identificações sociais de todo o tipo que, no passado, foram de grande efetividade. O que para os aristocratas feudais o foi Deus, para a burguesia o foi o “Povo” (ou a cidadania). Isto é, as massas para os trabalhadores com consciência de classe.

O destino das elites está tão ligado aos princípios que as legitimam que ela existe e morre com eles. Isto é particularmente válido quando este princípio é descoberto e submetido à especulação. As especulações podem ser alienantes ou desalienantes; isto depende se a mente especuladora pensa para elite, ou contra ela. No primeiro caso, converte-se este princípio em portador de todos os valores positivos, é a promessa e base de toda realização; no segundo, em troca, é fonte de todas as desgraças. A mesma posição que se tenha frente à elite na prática toma-se, também, como principio no teórico.

A elite da classe trabalhadora, aqueles que alcançaram a consciência de si mesmos e de sua própria situação, que se reuniram ao redor do estandarte da consciência de classe, especulam, em conseqüência, sobre a “massa”. Escuta o pulsar da massa, se dobra ante sua vontade. O trabalhador com consciência de classe se desvanece na massa, deseja somente cumprir sua vontade, ser arrastado por ela. Não ousa dar nenhum passo por sua própria conta e responsabilidade, qualquer movimento deve ser aprovado pela massa.

A Nação já não pode seguir com sua ordem de camadas sociais; estas já foram liquidadas, a burguesia não teve escrúpulo algum com os aristocratas. Nenhuma elite deveria existir mais além da Nação; qualquer um que estivesse à margem de suas noções, foi qualificado de antinatural e foi desenterrado, perdeu seu direito de existir. Não menos intolerante deve ser a Classe Trabalhadora. Nenhuma outra elite deve existir paralelamente a ela. Somente quando se consiga liquidar os últimos restos da elite anterior, se poderá alcançar a sociedade sem classes. Esta carecerá de classes porque a classe do proletariado terá abarcado a totalidade, e sua exigência por ser o único órgão da massa não deverá voltar a ser posta em questão por nenhum poder social.

Cada elite tem suas armas particulares para impor-se. O antigo regime (feudal-estamental) confiou na espada. Com ela, derrotava a todos que ousassem levantar-se contra sua ordem e procurava-se o respeito e a distância que lhe eram tão necessários. O Estado burguês confiou em seu dinheiro. A possessão, que determinava o nível de privilégios e oferecia os meios de se financiar uma existência melhor, assim como a compra da servidão e da submissão, com a qual os proletários acabavam sendo os que carregavam todo o peso social. A classe trabalhadora fundamenta seu futuro no poder da Técnica. Embora os estados burgueses já haviam compreendido e desenvolvido o poder da técnica sobre sua tutela, isto só foi feito desde a perspectiva da rentabilidade; se não era rentável, não se desenvolvia. Além disso, este interesse na técnica centrou-se nas energias da Natureza; dominar as forças da natureza foi a meta da técnica para eles. A sociedade poderia abandonar-se a si mesma. Somente a desgosto, e obedecendo a força das circunstâncias, começou-se a organizar ela também na Técnica. A classe, em troca, quer a totalidade da capacidade da Técnica; quer mobilizar tanto as energias naturais, quanto as sociais dela. Ela calcula o imenso poder que possui a Técnica. A sociedade, em seu conjunto, será uma grande maquinaria e aquele que tenha suas mãos nas alavancas e botões será seu condutor na totalidade. A classe trabalhadora sente-se chamada pela História a manejar estas alavancas e botões decisivos.